A FIA apronta mais uma das suas para tentar brecar o domínio da Mercedes. Vai conseguir ou vai quebrar a cara? |
O circo da F-1 chegou
ao circuito de Hockenhein, para a disputa do Grande Prêmio da Alemanha deste
ano, com o ambiente no paddock pegando fogo. O motivo é a decisão, esdrúxula,
da FIA, de proibir o sistema FRIC de suspensão utilizado na categoria, sem mais
nem menos, depois do GP da Inglaterra, disputado semana passada. Sem
justificativa válida, o recurso, que sabidamente é utilizado pela equipe
Mercedes, foi colocado pela entidade que comanda o automobilismo mundial como
ilegal, e obrigou os times a simplesmente tirarem o sistema de seus carros.
Para evitar maiores confusões, até o fechamento desta coluna, nesta
quinta-feira, todos os times já vão para a pista nesta sexta sem o recurso, mas
isso não quer dizer que estejam exatamente concordando com a atitude da
Federação Internacional de Automobilismo.
Até o mais ingênuo dos
transeuntes no paddock vê nisso uma manobra escancarada da entidade de tirar o
favoritismo da Mercedes, que vem dominando amplamente o campeonato. A
justificativa dada por Charlie Whiting, de "cortar custos", não tem
nenhum fundamento, além de afirmar que este sistema de suspensão gera efeito
aerodinâmico proibido pelo regulamento. Niki Lauda, tremendamente irritado com
a súbita decisão da FIA, exigiu explicações sobre a atitude, e nem é preciso
dizer que a entidade nem se deu ao trabalho de fornecer uma explicação
razoável. E isso pegou muito, muito mal.
Não bastasse a
temporada já estar tendo como principal atrativo a disputa interna dentro da
equipe Mercedes, entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, uma vez que o time alemão
vem tendo uma performance amplamente superior a todos os outros times,
reduzindo sobremaneira a luta pelo título, ainda vem a FIA e simplesmente faz
uma mudança destas com o campeonato em andamento? E depois, ainda vem reclamar
que a F-1 anda perdendo credibilidade e audiência. Fico me perguntando se eles
não aprendem a se mancar, mas a julgar pelo histórico recente, creio que
esperar isso é pedir demais. Os exemplos recentes de mudar as regras do jogo
atentam contra a imagem do esporte.
Depois alguém ainda
pergunta porque um projetista de sucesso como Adrian Newey está de saco cheio
das frescurices da F-1 e quer ir mostrar o que sabe fazer em outros lugares,
uma vez que a categoria máxima do automobilismo ultimamente está acabando com
as idéias criativas que surgiram nos últimos tempos...
Em 2006, por volta do mesmo
GP da Alemanha, a FIA declarou o sistema de amortecedor utilizado pela equipe
Renault, que usava um cilindro móvel que ajudava o carro a ganhar mais
estabilidade, ilegal, de um instante para o outro. Fernando Alonso, então
piloto da escuderia, lutava firmemente pelo bicampeonato, e a proibição do uso
do sistema fez a performance de seu carro decair. Mas, mesmo com esta palhaçada
da FIA, o espanhol ainda conquistaria o título daquele ano. Foi uma palhaçada
porque o recurso era utilizado pela escuderia desde o ano anterior, e até a
corrida anterior, na França, era "legal" para a FIA. Houve a suspeita
de que isso foi feito para favorecer a Ferrari, que duelava com a Renault pelo
título, com Michael Schumacher. Palhaçada ou patifaria descarada da entidade, o
fato é que se o objetivo era ajudar Schumacher e a Ferrari a serem campeões, o
tiro saiu pela culatra. Mas a disputa do título se prolongou até o fim do ano,
quando poderia ter se encerrado um pouco antes.
Em 2009, foi a
discussão do difusor duplo. Houve uma chiadeira com o domínio imposto pelo time
de Ross Brawn, cujo carro, criado no final de 2008, quando a Honda abandonou a
F-1, incorporada um difusor diferenciado, resultado de uma leitura particular
do regulamento técnico. Ele acabou "legalizado" numa decisão
controversa da FIA, que queria reduzir os custos da F-1 e acabar com o domínio
das grandes montadoras, que estavam elevando demais os gastos de competição.
Julgamento furado ou não, com o intuito de tornar os carros do time ilegais,
muitos pareciam esquecer que havia outros dois times que também usavam o
recurso, Toyota e Williams, se bem que seus monopostos não tinham a mesma
performance do modelo BGP01. Liberado, isso fez os demais times que não
utilizavam a peça reprojetarem seus carros para incorporar o dispositivo, que
um tempo mais adiante acabaria proibido definitivamente.
Em 2011, o lance foi o
difusor "soprado", uma
artimanha concebida por Adrian Newey que, em colaboração com a Renault,
cujos técnicos haviam desenvolvido um mapeamento do motor francês que o
mantinha em aceleração mesmo nas freadas, gerava gases que ao serem canalizados
em alta velocidade para o difusor, aumentava significativamente seu downforce.
Para a corrida da Inglaterra, o recurso foi proibido, uma vez que Sebastian
Vettel estava dominando amplamente a temporada. Na prova inglesa, sem o
recurso, o alemão da Red Bull foi 2° colocado, atrás de Fernando Alonso, na
única vitória da Ferrari no ano. Mas, mostrando um pouco de bom senso, e devido
à chuva de críticas de que estaria mudando as regras no meio da competição, e
uma vez que o artifício já era utilizado não apenas pela Red Bull mas por
outros times, a FIA voltou atrás, permitindo novamente o uso do sistema, que
acabou proibido apenas na temporada seguinte.
Outra invenção
criativa também proibida foi o duto aerodinâmico, que consistia em um sistema
que canalizava o ar através do cockpit para a asa traseira, de modo a aumentar
a eficiência da asa traseira. Criativo, o sistema foi banido com um argumento
mais razoável: como era "ativado" pelo piloto, que mudava a posição
do braço dentro do cockpit, e esse movimento muitas vezes o fazia soltar uma
das mãos do volante, essa manobra podia ser potencialmente perigosa na
condução, caso o piloto se desconcentrasse ou acabasse tendo algum percalço
mais grave. Apesar da lógica da argumentação ser melhor fundamentada, acreditar
que um piloto da F-1, que deu duro para chegar lá perdesse o controle do carro
por ficar com apenas uma mão no volante chega a ser hilário, se lembrarmos que
antigamente os pilotos tiravam uma das mãos o tempo todo, para fazerem as
trocas de marchas, antes da criação dos câmbios eletrônicos, em 1989. Se fosse
levado a ferro e fogo essa argumentação, as alavancas de câmbio hoje seriam
terminantemente proibidas se alguém ainda utilizasse tal sistema...
E agora chegamos ao
dilema em torno do FRIC. A sigla significa Front and Rear Interconnection
System, ou Sistema de Interconexão Frente e Traseira. Nesse sistema, as
suspensões dianteiras e traseiras são interligadas através de um circuito
hidráulico, fazendo como que funcionem de maneira mais eficiente, uma vez que
as reações tanto da frente quanto da traseira tentam se compensar, de forma a
manter o assoalho sempre na posição ideal e tão rente ao solo quanto possível, tornando
o carro muito mais estável. Em termos mais gerais, o sistema recria
parcialmente o efeito proporcionado pelas suspensões ativas, que eram
utilizadas até 1993, quando foram banidas com o argumento de cortar custos e
melhorar a competição.
A palhada da FIA fica
ainda maior quando se sabe que a Mercedes já adota este sistema há alguns anos,
no que foi seguida por vários outros times. Na ânsia de tentar equilibrar o
campeonato, a entidade resolveu fazer essa jogada ridícula, certamente pensando
em minar a supremacia do time alemão, e com isso, resgatar a disputa do
campeonato. Mas o tiro pode sair pela culatra. Certamente a proibição do
sistema deve gerar alguma perda de performance, mas até os carros entrarem na
pista nesta sexta-feira, não há como saber quem vai perder mais, ou perder
menos com o banimento do FRIC. Como vários times usavam o recurso, eles também
deverão perder performance. Tudo vai depender da integração dos sistemas dos
carros como um todo, e do equilíbrio entre eles. Pela atitude descarada da FIA,
torço, e muitas pessoas do paddock também, para que a entidade tenha errado o alvo,
e a situação permaneça, se não a mesma de antes, bem próxima. Seria uma
desmoralização para Charlie Whiting e a Federação Internacional de
Automobilismo se tudo continuasse inalterado, ou, pior, a diferença dos carros
de Brackley para o resto da concorrência aumentasse ainda mais, tornando ainda
mais difícil uma recuperação dos demais times, caso eles acabem sofrendo bem
mais do que a Mercedes com a falta do dispositivo.
Quando cada carro está
com seu projeto final praticamente acertado, cada escuderia consulta a FIA para
demonstrar o projeto, e se todos os sistemas utilizados estão de acordo com o
regulamento. Com tanto tempo, dinheiro e recursos empregados, a construção dos
novos modelos tem de estar de acordo integral com o regulamento, para só então
serem construídos. Os elevados custos da categoria não permitem erros crassos
no projeto do monoposto. Sejam quais forem os limites técnicos do regulamento,
a ordem na criação de um carro é sempre burlar as limitações técnicas impostas,
mas sem infringir as regras. Daí então a grande criatividade dos projetistas e
engenheiros das escuderias da F-1 em simplesmente contornar as regras e
recuperar performances perdidas com novas restrições, sem afrontar estes novas
limitações. Com o aval da FIA, de que tudo está nos conformes, o novo monoposto
é então construído. Mas, mesmo finalizado, ele ainda tem de passar pela
inspeção dos fiscais da entidade no início do campeonato, para conferirem se
tudo efetivamente bate com o regulamento. Ser pego no flagra com algo ilegal no
carro é um risco perigoso e as punições, para não falar do prejuízo da imagem
da escuderia, pesadas. Por isso mesmo, quando cada time descobre uma maneira
inteligente de burlar as regras sem violá-las, toma-se todo o cuidado de aferir
que a descoberta realmente não infrinja o regulamento, de modo a poder fazer
uma boa argumentação em todos as hipóteses de contestação válidas.
Quando o modelo MP4/2
da McLaren começou a ganhar tudo na temporada de 1984, a concorrência logo
denunciou que o carro deveria estar ilegal, tamanha era a supremacia do time
inglês sobre os demais. Os carros foram submetidos aos fiscais da FIA, que
examinaram os monopostos com pente fino a rodo, só para constatarem, para
desgraça dos rivais, que eles não tinham absolutamente nada de ilegal. Eram
apenas um projeto muito bem concebido e desenvolvido, com soluções inteligentes
e criativas que em nada estavam em desacordo com as normais regulamentares da
época. Dominador supremo em 1988, o chassi MP4/4 da McLaren, vencedor de 15 das
16 corridas daquele ano, também nada tinha de anormal ou fora do regulamento,
então, pior para a concorrência, que nada mais tinha a fazer. E os modelos
Ferrari F2002 e F2004, utilizados nas temporadas de 2002 e 2004, teriam sido
construídos com irregularidades? Não me lembro de nada apontando que os carros
italianos estivessem fora das normas...
Como os carros são
inspecionados várias vezes durante o ano, nenhum time vai implantar algo
irregular ou que afronte as regras impostas. Contornar as regras sem violá-las
é outra história, e isso não pode ser considerado ilegal. Por isso mesmo, ao
dar o seu "OK" para os times seguirem em frente com seus projetos, a
FIA praticamente dá sua concordância com a legalidade dos mesmos. E, ainda
assim, quando os carros passam pelas mãos dos fiscais, que conferem os
monopostos, e são considerados regulares, nada há mais a ser dito. A atitude da
FIA, em passar a considerar ilegal algo que até outro dia era aceito sem
ressalvas, com o campeonato em pleno andamento, é uma atitude condenável.
Expusesse o caso, mas decidisse que o sistema seria abolido para 2015, seria
outra história, pois seria uma nova regra, a vigorar para um novo campeonato.
Seria o mais correto a se fazer. Em 2011, a FIA fez a mesma palhaçada na prova da
Inglaterra, mas voltou atrás. Será que agora terá a decência de fazer o mesmo?
Não posso garantir nada.
Só espero, mesmo, que
esta seja a última palhaçada ou patifaria, que a entidade apronta com o
campeonato em andamento. A F-1 já tem outras coisas com o que se preocupar, e
não há nenhuma necessidade da FIA ajudar a tumultuar ainda mais o ambiente,
contribuindo para aumentar ainda mais os problemas. Lamentavelmente, receio que
minhas esperanças caiam no mais amplo vazio, se é para ter fé de que a cartolagem
do automobilismo caia na real e faça efetivamente o que é correto...
A Indy Racing League inicia hoje
a rodada dupla da etapa de Toronto. A prova é disputada em um circuito montado
nas ruas da metrópole canadense, e a liderança do campeonato, após o resultado
da corrida de Iowa, é de Hélio Castro Neves, que espera contar com bons
resultados nas corridas do fim de semana para ampliar sua vantagem, de apenas 9
pontos, sobre seu próprio companheiro de time Will Power, que costuma andar
muito forte nesse tipo de pista. Já para o brasileiro Tony Kanaan, a esperança
é conseguir chegar à primeira vitória pela Ganassi, tendo batido na trave nas
últimas duas etapa, perdendo os triunfos nas voltas finais devido a estratégias
que não deram certo. Melhor sorte desta vez...
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