sexta-feira, 2 de maio de 2014

AYRTON SENNA, 20 ANOS


A largada do GP de San Marino de 1994. E 20 anos já se passaram...

            Parece até que foi ontem. As lembranças daquele Grande Prêmio de San Marino estão vivas na memória, como se a corrida tivesse sido disputada na semana passada. Mas já se vão 20 anos desde aquele fatídico final de semana, completados ontem, e muita coisa se passou de lá para cá. Foi o dia em que o Brasil, e o mundo, perdeu Ayrton Senna. Ídolo para muitos, rival para alguns, o brasileiro hoje vive na memória dos fãs, e seu legado permanece vivo. Para a Fórmula 1, tudo mudou depois daquele dia. Em muitos aspectos, para melhor. Em alguns, infelizmente, para pior. Mas, no geral, os benefícios superam os malefícios, ainda que, se fossem tomadas certas medidas, os poucos pontos negativos poderiam ser melhor contornados.
            Para lembrar a data, o canal pago SporTV passou a maior parte do dia de ontem reprisando corridas que marcaram a carreira do tricampeão de F-1. Foram exibidas, praticamente na íntegra, as etapas de Mônaco-1984 (primeiro pódio); Portugal-1985 (primeira vitória); Brasil-1986 (vitória de Nélson Piquet com dobradinha de Ayrton Senna em 2°); Espanha-1986 (vitória de Senna com diferença ínfima para Nigel Mansell); Japão-1988 (conquista do 1° título mundial); Japão-1989 (desclassificação após o acidente com Alain Prost); Japão-1990 (conquista do 2° título mundial, e vitória de Nélson Piquet em dobradinha com Roberto Moreno); Brasil-1991 (1ª vitória no Brasil); Donington-1993 (vitória de Senna em um show espetacular numa prova sob chuva intermitente); e Mônaco-1993 (6ª vitória em Monte Carlo, superando o feito de Graham Hill). Foram exibidos também edições especiais de alguns programas, sempre tendo Senna como tema.
            Foi ótima a oportunidade de rever algumas corridas antigas. Dá para lembrar como eram as provas antigamente, as estruturas da época, e como se faziam alguns procedimentos. A Globo deveria reprisar corridas antigas com mais regularidade, faria muito bem à memória dos fãs, e saudosistas. Não precisa ser nenhuma maratona, como foi ontem, mas agradaria a muitos fãs do esporte a motor.
A violenta batida na Tamburello, e o fim de uma das maiores carreiras do esporte a motor: morria Ayrton Senna.
            O GP de San Marino de 1994 foi realmente trágico. Começando pelo acidente de Rubens Barrichello na sexta-feira, com o brasileiro batendo forte, mas saindo praticamente ileso, com poucos ferimentos. Parecia um aquecimento para o que estava por vir. E foi. No sábado, no treino de classificação, morria o primeiro piloto de F-1 em um GP desde Ricardo Paletti, no Canadá em 1982. Já foi o suficiente para deixar o pessoal nervoso. Senna, já aturdido com o acidente de Rubinho, ficou ainda mais tenso. No domingo, sua fisionomia era tensa. A largada já foi complicada, com carros que ficaram parados no grid no arranque e que provocaram batidas por quem não conseguiu se desviar. O Safety Car, novidade naquele ano, entrou em ação, e depois da prova ser reiniciada, veio a batida fatal. Um acidente aparentemente sem muita violência, pois já tínhamos visto alguns mais tenebrosos, que felizmente, nunca tiveram complicações. Ledo engano. O pessoal do resgate chegou e começou um longo período de atendimento. Logo após a batida, Senna havia feito um breve movimento com a cabeça, de modo que todo mundo achava que o brasileiro estava apenas tonto com a violência da pancada, mas que era na verdade apenas a cabeça pendendo levemente. Os ferimentos verificados pela equipe de socorro já não deixavam dúvidas de que Ayrton provavelmente não viveria muito mais.
            Em seguida, tudo ficou confuso e complicado. O brasileiro era levado para Bolonha, onde tentariam, o que só se soube depois, o que já era impossível, salvar sua vida. A corrida foi recomeçada, e para os jornalistas, começou uma maratona sem linha de chegada, iniciando sua caça aos fatos e tendo de transmitir ao mundo o ocorrido. Na TV Globo, Galvão Bueno continuou narrando a prova, e Reginaldo Leme teve de se desdobrar para não apenas comentar, mas também atuar como repórter; Roberto Cabrini havia seguido para Bolonha, para acompanhar o drama de Senna. Na correria para melhorar o acompanhamento dos fatos, Pedro Bial foi chamado às pressas no escritório de Londres para auxiliar na cobertura. Os jornalistas europeus tinham mais facilidades: suas sedes deslocaram repórteres adicionais para dar suporte ao trabalho. Outros jornalistas do resto do mundo tiveram muito mais trabalho para cobrir tudo. Vários deles só puderam correr para o Hospital Maggiore, em Bolonha, somente após terminarem os trabalhos da corrida. Aliás, a Sala de Imprensa do autódromo nunca esteve tão agitada como naquele dia, com alguns profissionais conseguindo sair apenas de madrugada. No hospital, a situação já tinha ficado complicada, com os profissionais dando suas declarações, e os repórteres tendo de driblar as dificuldades de comunicação com seus veículos. Eram tempos pré-internet, lembrem-se. Não tínhamos as facilidades de transmissão de dados de hoje. O fax e o telefone eram os principais meios de comunicação. Os aparelhos passaram a ser disputados como nunca. Para todos que lá estiveram e acompanharam tudo, as memórias continuam frescas como nunca. E pensar que duas décadas se passaram desde então, dá o que pensar.
            Em Ímola, teve início ontem um conjunto de eventos destinados a lembrar dos 20 anos da morte de Senna que durarão até domingo.Só ontem, cerca de 20 mil pessoas estiveram presentes, a maioria torcedores do piloto brasileiro, que vieram de toda a Itália e de diversos locais do mundo. Estiveram presentes também pilotos, ex-pilotos, alguns profissionais e ex-profissionais da F-1, além de inúmeros jornalistas. O circuito passou por grandes reformas em tempos recentes. Ficou mais moderno, mas mesmo assim foi rebaixado pela FIA na sua classificação de pistas, de modo que hoje a F-1 não mais correria por ali. Uma pena. Ímola sempre foi uma pista da qual gostei muito, e sua exclusão da categoria se deu não apenas por questões comerciais, mas também de segurança.
A morte de Roland Ratzenberger chocou a todos, mas ele era apenas um novato, em um time pequeno, daí sua pouca "importância" para alguns...
            Segurança. Esse foi o grande e inestimável legado deixado pela morte de Senna. Se tivesse sido apenas a morte de Roland Ratzenberger, que no dia anterior, havia falecido ao bater violentamente no muro da Curva Villeneuve, provavelmente não teriam feito grande coisa. O austríaco era uma nota de rodapé na categoria, assim como seu time, a Simtek. Foi preciso a morte de um tricampeão, liderando uma corrida, em um time de ponta tradicional da categoria, e ao vivo, para mexer de fato com todos. A categoria então, entrou em uma cruzada para melhorar os padrões de segurança adotados. O resultado é que de lá para cá, ninguém mais morreu na F-1, pelo menos, nenhum piloto. E tivemos alguns acidentes fortes no período, como o de Robert Kubica no Canadá há alguns anos, que mostrou o quanto os F-1 hoje são muito melhores do que os de 1994.
            Os circuitos passaram por várias reformas. Ganharam melhores áreas de escape, curvas foram introduzidas. As exigências ficaram mais rígidas e severas. Houve perdas nessas áreas, contudo. As exigências inviabilizaram corridas em determinados circuitos, pela impossibilidade de se efetuarem reformas no grau exigido. Curvas, como a Tamburello, foram desfiguradas. Melhorar a segurança era necessário, mas acredito que em alguns casos, com um pouco mais de trabalho, poderiam ser mantidas algumas delas com menos traumas.
            Um aspecto negativo é que a preocupação com segurança se tornou em alguns casos, quase uma obsessão. Divididas de rodas dos pilotos, e até toques entre os carros, passaram a render punições e multas. Isso deixou muitas disputas na pista pasteurizadas, ou inibiu muitas delas, pelo receio de ser punido pelos fiscais. Um evidente exagero, que poderia ter sido evitado, e que infelizmente virou praga na categoria, esquecendo-se que o esporte a motor sempre será algo perigoso, e que ninguém que chega lá ignora isso ou pilota de forma irracional ou despreparado. Ninguém ignora o valor da segurança. Apenas não se pode literalmente transformar as corridas em um festival de frescuras de "não me toques".
            Para os brasileiros, a F-1 nunca mais foi a mesma. De fato. Deixávamos de ser protagonistas, para virarmos apenas coadjuvantes. Hoje, se Ayrton parece um mito ainda maior do que há anos atrás, é pela ausência de termos um novo campeão. Tivemos Émerson Fittipaldi, rendido por Nélson Piquet, que depois foi sucedido por Senna. A morte de Ayrton estancou a sucessão. Tínhamos pilotos com potencial, mas não houve tempo para conduzir uma mudança, como havia acontecido com nossos campeões anteriores. E, sem estarem no momento certo, no time certo, não havia como se tornarem protagonistas. E, quando chegaram a um time certo, este já tinha "dono", de modo que não dava para tentar dar as cartas ali. Falar que nossos campeões jamais se deixariam ser "subalternos" é fácil. Eles conquistaram seus lugares com méritos. Mas e se não tivessem conseguido "cavar" seus lugares? Tivemos um trio excepcional, que infelizmente não se repetiu na F-1. Ou que não teve as chances adequadas. As duas hipóteses, talento e oportunidade, são válidas. Em consequência disso, e mais também em virtude das más administrações da CBA, nosso automobilismo nacional hoje é uma sombra do que já foi. Há 20 anos, a pergunta que se fazia era qual de nossos pilotos poderia ser o novo campeão de F-1 quando lá chegasse. Hoje, a pergunta é se algum piloto brasileiro chegará lá.
            A falta de um novo campeão só aumenta ainda mais a perda de Ayrton. Se tivéssemos tido novos campeões, talvez sua mitificação fosse menor. Ainda seria lembrado e cultuado, mas talvez não aos níveis vistos hoje, alimentados por muitos que falam que a F-1 "só era boa no tempo do Senna", porque unicamente ele vencia, o que não acontece com nossos representantes hoje na categoria. Para alguns, o compromisso excessivo com a vitória era um trunfo e um pesar. Ayrton não tolerava perder, e se incomodava muito quando não vencia.
            Demonstração patente disso se viu no segundo semestre de 1992, quando viu suas chances de competição limitadas pelo carro "inferior" da McLaren em relação aos da Williams, já vistas no primeiro semestre, e que piorou quando soube que Alain Prost, contratado do time para 1993, havia vetado seu nome no time. Ele ficou irado, como se já não tivesse feito a mesma coisa com Derek Warwick na Lotus na década anterior. Dizia que correria até de graça, que ele era a única chance de a F-1 ter um campeonato disputado, etc. Chegou a encher o saco. Ficou na McLaren e fez um campeonato impecável em 1993, perdendo para Prost, mas de certa forma saindo como vencedor "moral" do ano, uma vez que ao francês era mera "obrigação" ser campeão com o melhor carro. Mas ele queria mais, e mais. Conseguiu ir para a Williams, enfim, mas como que por um castigo do destino pela ambição talvez desmedida, acabou vendo seu sonho virar um pesadelo, e sofrer um destino trágico.
            A imagem de Senna, cuidadosamente mantida pelo instituto criado por ele antes de sua morte e que leva seu nome, ajuda a alimentar a fama de "mito" cultuada pelo brasileiro. E a saudade de um momento onde Ayrton mostrava ao mundo que um brasileiro podia sim ser o melhor do mundo. O brasileiro é endeusado, como se fosse de fato alguém diferente de todos os outros. Não foi nada disso. Foi uma pessoa como qualquer outra, dotada de um talento fenomenal, que conseguiu deixar suas marca na história do esporte a motor, como um dos maiores campeões de sua história, com virtudes e defeitos como qualquer um. Um pouco mais de sobriedade ajuda também, o que não significa diminuir seus feitos na pista, e o que seu nome promoveu de positivo com seu trágico destino.
            Que Senna possa viver eternamente na memória de seus fãs e do esporte a motor, sem exageros e sem intolerâncias a quem discorda de seus feitos. Não tem nada pior do que ver as discussões irracionais quando alguns de seus "fãs" caem de pau em cima de alguém que não compartilha da adoração de seu nome. O brasileiro precisa aprender a crescer, em vários aspectos. E quem sabe quando isso acontecer, eles possam se espelhar de forma mais positiva no exemplo de determinação e profissionalismo mostrado por Ayrton, que foram determinantes para seu sucesso no automobilismo, e ajudar o Brasil a se tornar de fato um país melhor, sem os picaretas que vemos incrustados em nosso governo, e que só ajudam a desmerecer os esforços daqueles que trabalham honestamente e com ética e caráter...

 Aqui tem a minha coluna de automobilismo escrita na época, na seção ARQUIVO do blog: http://pista-e-box.blogspot.com.br/2011/06/arquivo-pista-box-maio-de-1994-i.html


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