sexta-feira, 2 de agosto de 2013

MUITA FUMAÇA, POUCO FOGO



Alonso com cara de quem já sabe o que pedir ao Papai Noel no próximo Natal...

            A Fórmula 1 encerrou sua “primeira fase” com a bandeirada final do Grande Prêmio da Hungria, domingo passado, e agora só volta depois das “férias” de agosto, no final do mês, em Spa-Francorchamps, na Bélgica. Até lá, a temporada de boatos e fofocas da categoria deve manter a F-1 no noticiário esportivo, mesmo que, a rigor, haja muita fumaça, mas pouco fogo, no que tange aos acontecimentos. E o clima já começou a esquentar no paddock de Hungaroring, quando teve um assunto que dominou as fofocas durante o fim de semana húngaro, gerando muita discussão, especulação, e até broncas oficiais.
            Refiro-me ao “boato” de que Fernando Alonso iria para a Red Bull, e já em 2014. Seria interessante do ponto de vista esportivo: veríamos dois dos mais talentosos e capacitados pilotos da atual F-1 dividindo um mesmo time e dispondo do mesmo carro, o que daria duelos potencialmente eletrizantes na pista, numa repetição do embate vivido na McLaren em 1988 com Alain Prost e Ayrton Senna. Do ponto de vista prático, contudo, é impraticável: Sebastian Vettel curte ser o queridinho da Red Bull, e dividir o time com Alonso seria simplesmente jogar um fósforo num tanque de combustível e curtir uma explosão daquelas. Se na teoria seria lindo ver o que ambos poderiam fazer com o mesmo carro, na realidade a equipe literalmente explodiria, com Vettel e Alonso arrastando a sardinha da escuderia para o seu lado. Se Mark Webber já deixava o ambiente tumultuado de vez em quando com suas críticas – às vezes, até justificáveis, imagine o que o espanhol, muito mais tarimbado e ardiloso na área da conversa dentro dos boxes poderia fazer. A calma iria para o espaço, sem meio-termo. Com uma dupla dessas, atrevo-me a dizer que, na pista, poderiam massacrar toda a concorrência, e a Red Bull seria uma potência ainda maior do que já é. Mas o custo interno seria elevado.
            Vettel quer o espanhol longe, talvez por temer quão maquiavélico ele pode ser fora do carro, com muito mais experiência para desestabilizar os adversários fora da pista do que dentro dela, e talvez o atual tricampeão sinta que pode ser pego com as calças arriadas no momento mais inapropriado. Por outro lado, não é apenas Sebastian quem não ver Alonso por perto: Adrian Newey também já deu preferência de não gostar do estilo de trabalho do bicampeão, e seu estilo centralizador de gerir as coisas. Talvez porque Newey também é assim na área técnica, dando todas as ordens de como as coisas devem ser feitas, o choque de egos, mesmo que em áreas diferentes, poderia ser desestabilizador. E nem Helmut Marko escaparia, podem apostar. Homem de confiança de Dietrich Mateschitz, ele possivelmente estaria em xeque num eventual massacre de Alonso em cima de seu protegido Vettel – algo difícil, mas não impossível. Christian Horner, por sua vez, teria de mostrar uma capacidade de gerir adversidades como nunca pensou fazer.
            Fernando Alonso, ao afirmar que gostaria de ter um carro de Adrian Newey nas mãos, acabou levando um puxão de orelhas de Luca de Montezemolo, que fez questão de que o espanhol baixasse um pouco a bola nas críticas à Ferrari. Alonso tem certa razão nas críticas, pois vai para sua 4ª temporada em Maranello, e até aqui em boa parte tem levado o time nas costas. Se nos anos anteriores a Ferrari largou atrás e foi evoluindo no campeonato, este ano a tendência parece ter se invertido: começou o ano até bem, mas parece estar ficando para trás, sendo superada neste momento não apenas pela Red Bull, mas também por Mercedes e Lótus, sendo que esta, algumas provas atrás, é quem parecia estar estagnando na competição.
            Colocando um pouco de água na fervura, Alonso tem razão em parte das críticas, mas a Ferrari, por sua vez, não está parada. O problema é que o desenvolvimento do carro não tem sido à altura das necessidades. Paciência é a palavra chave neste momento, resta saber se Alonso sabe manter a calma sob controle e saber que uma hora tudo pode se encaixar. Mas, temendo que as coisas não se encaixem, eis que sua paciência pode estar se esgotando. E nisso não ajudou o jogo de cena feito no fim de semana, quando seu empresário foi conversar com Horner visando o destino de Carlos Sainz Jr., piloto do qual também é empresário, visando sua entrada na F-1. Tanto Alonso quanto Horner deram afirmações meio dúbias sobre a conversa, e mesmo com o assunto de Sainz Jr. confirmado, ninguém duvida que, certamente algumas palavras sobre o destino de Alonso podem ter sido trocadas, mesmo que apenas de forma teórica e sem nada prático.
            Claro que uma notícia dessas não teria mesmo como ser plausível, mas sempre tendo a esperança de que alguma surpresa aconteça, é por aí que muitos gostariam de ver a situação se tornar mesmo real. Mas para a Ferrari e Alonso há complicações. A primeira delas é o fato do espanhol ter contrato com Maranello até 2016. E podem apostar que a multa rescisória seria tremendamente alta. Querendo sair de qualquer jeito, quem iria pagar a conta? Mas, antes disso, para onde ir? Na Red Bull, pelas razões já expostas, Alonso não teria lugar, pelo menos não com Vettel por lá, e o alemão tem contrato até 2015, e ninguém garante que ele não renove com o time austríaco. Na Mercedes, eles estão bem servidos com Lewis Hamilton e Nico Rosberg. Para a McLaren, só se bater o desespero em Woking, de onde Fernando saiu brigado em 2007. A Lótus parece não ter cacife técnico e/ou financeiro para corresponder aos anseios de Alonso. Para a Ferrari, o problema é considerável também: quem poderia substituir Alonso? Verdade que, em 1991, a Ferrari não teve pudor nenhum em despedir Alain Prost depois que o francês chamou seu carro de “caminhão” após o GP do Japão daquele ano. O francês ficou de molho em 1992, fora da F-1, mas se vingou retornando pela Williams em 1993, e sendo tetracampeão. No caso de perder o espanhol, quem eles poderiam contratar? E, para Alonso, imaginando hipoteticamente que conseguisse ir para a Red Bull, também como iria se comportar no confronto com Vettel na pista e dentro dos boxes? Talento por talento, seria interessante descobrir. O problema é que isso não é tudo. Fernando gosta de trabalhar com todo o time voltado para si, e Vettel, por sua vez, sabendo que é o queridinho da Red Bull, também gosta de ser o centro das atenções. Alonso perdeu o título de 2007 por ter ficado incomodado com a performance de Lewis Hamilton, a quem esperava que se “comportasse” em seu ano de estréia na F-1. O chilique de Fernando foi seu maior inimigo: basta lembrar do GP do Canadá daquele ano, que marcou a primeira vitória de Hamilton na categoria, enquanto o espanhol, com o mesmo carro, fez uma prova pífia como se ele parecesse um novato na F-1. Será que Alonso hoje agüentaria o confronto com alguém à altura sem perder as estribeiras? Ele pode até achar que sim, mas eu duvido muito, caso contrário, não estaria ficando impaciente com a Ferrari sabendo que o time está se esforçando para atendê-lo. E Vettel, por sua vez, quando teve que encarar um Mark Webber inspirado na pista, já ficava também com cara feia, e se isso acontecia com o australiano, que só às vezes mostrava-se páreo duro para o alemão, imagine Alonso, que costuma ser páreo duro em praticamente quase todas as corridas. Será que ele também agüentaria o tranco? Boa pergunta...
            Se Alonso aportar na Red Bull, com certeza Vettel poderia interessar-se em ir para a Ferrari. Mas ele com certeza iria querer levar Adrian Newey junto, e o engenheiro já disse não a Maranello várias vezes. Kimmi Raikkonen parece não ter interesse em voltar para o time italiano. Com Hamilton feliz na Mercedes, Jenson Button é um nome que, apesar de capaz, parece não empolgar muito a Ferrari. Talvez tivessem que eleger Felipe Massa o centro de suas esperanças, ao mesmo tempo em que tentariam pegar um nome de talento para lapidar, como Nico Hulkenberg, Adrian Sutil, ou mesmo Jules Bianchi. Mas será que algum deles consegue tirar do carro mais do que ele pode dar, como Alonso costuma fazer? Essa é a questão primordial.
            Fernando Alonso não é o primeiro piloto de ponta a fazer beicinho por que o carro que pilota parece não estar rendendo o que ele espera. Ayrton Senna, por exemplo, encheu o saco durante boa parte da temporada de 1992, quando levava um vareio da Williams, cujos carros eram 2s mais rápidos que todo o restante da concorrência. Mesmo dando tudo de si, Senna não conseguia tirar no braço a diferença. Dali a fazer declarações se oferecendo para pilotar “de graça” para a Williams, ou afirmar que se não tivesse um carro vencedor, pulava fora da F-1, foi um pulo. Com a confirmação de Prost para 1993, Ayrton ficou ainda mais azedo, afirmando aos quatro ventos que Prost o havia vetado no time, e bradava que se a F-1 quisesse mais competição, era “imprescindível” sua contratação pela Williams, etc, etc. A chiadeira não deu em nada, mas, só para deixar a McLaren ouriçada, o brasileiro foi fazer um teste com o carro Penske de Émerson Fittipaldi nos Estados Unidos, de onde voltou fazendo rasgados elogios à F-Indy.
            A celeuma de Senna durou até metade do ano seguinte, quando ficou disputando a temporada seguinte em contrato de corrida a corrida com a McLaren, até parar de fazer cena e assinar por tempo integral. Fez um excelente campeonato, e ainda conseguiu ir para a Williams em 1994, mas no ano seguinte infelizmente nada saiu como esperava. De certa forma, Ayrton queria tudo, e para já, assim como Alonso, que quer voltar a ser o protagonista absoluto, mas se vê sendo derrotado por um piloto que, além de ser também um fenômeno, ainda conta com um carro melhor. Dá para entender a ansiedade que é ver os campeonatos passarem, e não conquistar mais um título, ainda mais quando já está com 32 anos, e se presume, na pior das expectativas, que até 2016 pode continuar levando derrotas para Vettel e a Red Bull, quando já estará com 35 anos, e possivelmente pensando em se aposentar.
            Alonso precisa se espelhar na atitude de Michael Schumacher, que deu duro para transformar a Ferrari em um time campeão, ficando na fila por 4 temporadas, até que tudo se acertasse e o time italiano finalmente saísse do jejum em 2000. O alemão também tinha seus chiliques, mas sempre resolvia seus assuntos de forma discreta e a portas fechadas em Maranello. Como piloto, muitos dizem que Fernando já chega a ser melhor que Schumacher. Precisa saber repetir isso fora das pistas. Alonso está fazendo sua parte, e a Ferrari precisa fazer a dela, realmente. Mas é preciso união e solidariedade neste momento, e não ficar criando cisma, pois um precisa do outro para vencer. Mas nada impede que uma das partes fique de saco cheio e resolva buscar outras opções – alternativa que serve para ambos os lados, com conseqüências ruins para qualquer um deles.
            Mas, como já afirmei, Alonso deve ficar mesmo em Maranello. Esta “troca” de time do espanhol lançou muita fumaça no ambiente, ótima para quem gosta de fazer alarde com “notícias” bombásticas, mas a verdade é que há pouco fogo mesmo, para não dizer praticamente nenhum, neste caso.

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