sexta-feira, 23 de agosto de 2013

UM PROGRAMA E UM PROBLEMA



Daniel Ricciardo: o escolhido de Helmut Marko para a Red Bull em 2014?

            De volta das férias de meio de temporada, a Fórmula 1 chega ao melhor circuito de todo o calendário, Spa-Francorchamps, com muitas fofocas de bastidores. E entre elas, quem será o companheiro de Sebastian Vettel na Red Bull em 2014. O carro mais cobiçado do momento tem inúmeros pretendentes, mas a rigor, a escolha parece já ter sido feita, bastando apenas sair o anúncio oficial, que tanto pode ser aqui em Spa quanto em Monza, próxima parada do campeonato. Daniel Ricciardo deve ser o eleito, embora os motivos mais determinantes não sejam exatamente para serem comemorados, mas para se lamentar o fato de o time mais "cuca fresca" da categoria ter se rendido aos vícios que infestam o modus operandi da competição em si.
            Dos nomes especulados para piloto titular da Red Bull em 2014, Ricciardo é o nome menos prestigiado de todos. E é por isso que deverá ser o escolhido: ele não representa "ameaça" para Sebastian Vettel, à primeira vista, e deve ficar em segundo plano na escuderia. Kimmi Raikkonem, o nome talvez mais cotado pela possibilidade, teria sido vetado por Helmut Marko, homem forte e de confiança de Dietrich Mateschitz, dono da escuderia dos energéticos, que trava uma luta política dentro do time com Christian Horner pelo maior poder de mando no time. O motivo seria preservar seu protegido, Sebastian Vettel, que caminha a passos largos para o 4° título consecutivo da F-1, e que na sua opinião, é tudo o que o time precisa. Outro nome de peso na escuderia poderia "desestabilizar" o garoto, e comprometer o bom ambiente reinante na escuderia, em teoria. E com este raciocínio, teria tido de Mateschitz o aval para barrar a vinda do finlandês, que seria defendida por Christian Horner.
            Por outro lado, promover Ricciardo também tem a justificativa de validar o extenso programa de apoio a pilotos promovido pela Red Bull, que na última década já ajudou vários nomes a chegarem à F-1. A grande maioria foi descartada quase tão rápido quanto chegou, e a rigor mesmo, o programa só rendeu um nome de peso: Vettel, que hoje é tricampeão mundial, e na teoria, o maior garoto propaganda a favor do programa de apoio a pilotos desenvolvido pela marca. Vettel destacou-se na Toro Rosso, e foi promovido ao time principal, e justificou todo o apoio que recebeu do programa de formação de pilotos da Red Bull. Desde então, a marca vem procurando outro piloto que apresente o mesmo talento e possa obter o mesmo destaque que o jovem alemão, até o momento, sem sucesso. Mas, falando sério mesmo, isso poderia render problemas ao invés de frutos.
            Tomemos por base a teoria: pilotos de potencial apoiados pela marca são escolhidos para integrarem o time "B" da Red Bull, a Toro Rosso, na sua estréia na Fórmula 1. Ingressando na escuderia, eles têm um tempo determinado, digamos 2 anos, para se adaptarem e mostrarem do que são capazes. Cumprindo todos os requisitos, eles seriam enfim promovidos ao time "A", a equipe Red Bull, como prêmio por terem justificado a confiança da marca no apoio e formação de suas carreiras. Um roteiro simples, aparentemente justo, e sem maiores problemas, certo? Nem tanto.
            Voltemos ao fato de que desde que a Red Bull comprou a escuderia Minardi, e a transformou na Toro Rosso, já se foram 8 anos, contada a atual temporada. Nestes oito anos, se confirmada a promoção de Ricciardo, terão sido apenas 2 pilotos "aprovados" no sistema da Red Bull, em um total de cerca de 10 pilotos. Um aproveitamento de cerca de 20%. Mas, e se os resultados fossem diferentes? O que aconteceria se o número de pilotos que demonstrassem potencial para serem novos "Vettells" fosse maior? Onde a Red Bull iria aproveitar estes pilotos?
            Desde 2009, quando Vettel estreou na Red Bull, que os pilotos da escuderia são exatamente os mesmos. Já são 5 anos competindo com a dupla Mark Webber/Sebastian Vettel, e não fosse o australiano ficar finalmente de saco cheio do fato de seu companheiro de time ser o "queridinho" da escuderia, muito provavelmente a Red Bull poderia até continuar com a mesma dupla em 2014. O principal motivo é que a escuderia simplesmente adotou o estilo de atuação dos times de ponta da F-1: um piloto para vencer campeonatos, e um piloto que possa vencer, mas que não incomode o "favorito" da escuderia. Mark Webber teve seus momentos inspirados, mas na maior parte do tempo, acabou subjugado na pista por Vettel, e isso se reflete também nos boxes: o jovem alemãozinho já demonstra que prefere não ter que dividir o time com alguém potencialmente tão talentoso quanto ele, e isso já se refletiu na maneira como Helmut Marko teria justificado a não contratação de Kimmi Raikkonem como já mencionei: manter o bom ambiente no time, e "preservar" Vettel, que poderia não render o que pode com concorrência interna dentro do time.
            Daí então, vamos ao dilema: e se os pilotos escolhidos se mostrassem tão talentosos quanto Vettel? Com Sebastian demarcando seu espaço na Red Bull, onde alocar estes novos talentos? Ao mesmo tempo em que eles querem descobrir um novo "Vettel", por outro lado, como colocá-los ao lado do Vettel "original"? Haveria espaço para dois talentos potencialmente iguais dentro da Red Bull, se isso acontecesse? Não é o que está parecendo, pois se houvesse intenção de contar com os maiores talentos disponíveis, certamente uma dupla Vettel/Raikkonem seria a melhor opção disponível do grid. Mas, e se Daniel Ricciardo estivesse dando mostras de ser potencialmente tão bom quanto Vettel, e ainda, Jean-Éric Vergne também demonstrasse potencial idêntico para ser promovido, o que a Red Bull poderia fazer? Como Vettel já renovou seu contrato até 2015, na prática, nenhum piloto "à altura" teoricamente poderia ser seu companheiro de equipe, se formos adotar a linha de pensamento defendida por Marko.
            Chega a ser uma contradição: Helmut Marko é quem coordena o programa de formação de pilotos da Red Bull, e em teoria, quanto mais talentos descobertos, melhor. Por outro lado, como defender a hegemonia de Vettel na Red Bull se surgissem outros "fenômenos" como ele regularmente? O time não poderia dispensar o atual tricampeão, depois de tudo o que conseguiram juntos. Por outro lado, impossibilitar que outro "talento" fenomenal fosse promovido à Red Bull, em nome da harmonia interna do time principal, seria um castigo e um desmerecimento para os novos "fenômenos" descobertos. Só existem 2 vagas, e na prática, só há mesmo 1 vaga, com a segunda podendo ser classificada de "estepe" ou piloto "segundão" para irmos direto ao ponto. E trocar de piloto a toda hora, convenhamos, é contraproducente para qualquer escuderia de competição que se leve a sério.
            E o que fazer com os pilotos? Até agora, a Red Bull tem tido a vida fácil: eles são descartados sem dó nem piedade, pois aparentemente ninguém demonstrou ser um novo fenômeno das pistas. O caso mais emblemático foi da dupla Jaime Alguerssuari/Sebastian Buemi, que foram rifados em um momento impróprio, sem terem chance de tentar vaga no mercado. Buemi ainda conseguiu ser piloto de testes da Red Bull, mas nos tempos atuais, essa função é simplesmente decorativa. Alguerssuari ainda acabou sendo acusado de ter "atrapalhado" Vettel em uma corrida por Helmut Marko, e isso já dá uma mostra de como o dirigente pode se tornar, de maior incentivador, ao maior inimigo que um piloto do projeto possa ter.
            Por estes raciocínios, o programa de formação de pilotos da Red Bull acaba não podendo simplesmente oferecer na sua totalidade o que deveria fazer. Se descobrir muitos talentos potenciais, não há espaço para alocá-los. E, quando são descartados, os pilotos não conseguem lugar numa F-1 onde patrocínio pessoal está virando item indispensável, e a Red Bull, já possuindo dois times, não iria apoiar pilotos de seu próprio programa para virarem concorrentes potenciais dela mesma em outras escuderias. Verdade que Mark Webber deve levar o patrocínio dos energéticos para a Endurance, onde vai competir em 2014, pela Porshe, mas Webber não faz parte do programa de formação de pilotos da marca, e também não vai competir em outro time de F-1. Dos demais pilotos "descartados" depois de estrearem na F-1, nenhum deles conseguiu vaga em outro time da categoria com apoio da Red Bull. Vitantonio Liuzzi ainda competiu na Force India, mas claro, sem ter nenhum apoio dos energéticos.
            A idéia do programa de formação de pilotos é achar um novo "Vettel" para o caso do atual sair do time. Certo, mas e se isso não acontecer? Sebastian vai ficar enquanto Adrian Newey continuar produzindo carros vencedores, e até agora é o único piloto que poderia deixar o time e ser interessante a outras escuderias. Já adquiriu brilho próprio, enquanto todos os outros não demonstraram cacife para tanto. Ou, como já falei aqui em outras ocasiões, cada nova dupla titular acabaram mostrando serem talentos equivalentes, sem que conseguissem sobrepujar um ao outro com grande diferença.
            O modo de se trabalhar com apenas uma estrela de fato no time pode fazer a Red Bull perder algum nome potencial de seu próprio programa de formação de pilotos, pelo simples fato de não acomodar dois talentos fenomenais sob o mesmo teto. Se eles não mudarem a postura, Vettel pode continuar "bloqueando" a utilização de outros pilotos de cacife, e quando eles precisarem de um novo talento, com uma saída do alemão, pode não haver nomes disponíveis para substituí-lo, pelo menos não os melhores nomes, pois cada piloto "dispensado" simplesmente fica a pé, e sem mais contar com apoio da marca, dependendo do contexto. Ao mesmo tempo em que defende e protege Vettel como melhor resultado do programa de formação de pilotos, por outro lado, Marko também pode acabar impedindo que o programa dê todos os seus frutos. É preciso mudar isso, mas até agora, a sorte está com Helmut, pois nenhum dos outros pilotos demonstrou aparentemente ter a mesma capacidade de Vettel.
            A confirmação de Ricciardo pela opção de ser o nome mais "inofensivo" à posição de Sebastian na Red Bull, não quer dizer que o australiano não possa surpreender e se mostrar um osso mais duro do que todos esperam. A equipe diz que Ricciardo tem muito potencial para crescer, e que precisa de um piloto que "some pontos" para o time. De certa forma, se confirmada sua ida para a Red Bull, o australiano enfim terá um carro vencedor à disposição, o que não é de se desprezar, pois não é uma chance que aparece todo dia. Se ele vai cumprir as expectativas de quem acha que sua função é ser "apenas" segundo no time, é outra história. De uma forma ou de outra, os resultados podem dar significados diferentes ao programa de formação da Red Bull: se Ricciardo se confirmar como segundo piloto, confirmará a política de que a Red Bull, ao mesmo tempo em que procura novos nomes, ao mesmo também não quer ter dois talentos iguais como pilotos; se o australiano corresponder até mais do que se imagina, pode significar a eficácia do programa, e que ele cumpre as necessidades da Red Bull.
            Torço para que Ricciardo, se escolhido de fato, surpreenda e mostre-se muito melhor do que todos esperam. Será bom para a competição da F-1. E será bom para Vettel também, que precisa saber encarar concorrência interna dentro do próprio time. Ele tem talento suficiente para enfrentar qualquer piloto, e não pode ficar igual a outros campeões, como Fernando Alonso, que se acostumaram a competir apenas quando o time está voltado somente para si, e começam a estrilar quando enfrentam outro companheiro de peso. Até o momento, parece seguir no mesmo caminho de Alonso, de não querer um colega de peso, embora possa declarar o contrário. Vejamos o que vai acontecer...

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