sexta-feira, 5 de março de 2021

LARGADA DA F-E 2021

A Formula-E realizou as primeiras corridas noturnas de sua história, e Nicky de Vries largou na pole-position e venceu a primeira corrida da nova temporada.

            E a Formula-E, o campeonato dos carros monopostos 100% elétricos, deu sua largada para a temporada de 2021, a sétima da categoria, desde que surgiu em 2014. O palco, a cidade de Diriyah, na Grande Riad, capital da Arábia Saudita, na edição deste ano, fez com que as provas da rodada dupla se tornassem as primeiras corridas noturnas da categoria, seguindo o exemplo que já é praticado pela Indycar, MotoGP, e claro, a F-1. No Brasil, aconteceu outra novidade: depois de ter suas primeiras temporadas transmitidas pelo canal pago Fox Sports, a nova temporada contou com uma inédita dupla transmissão, tanto em TV aberta quanto na TV fechada, para alegria dos fãs do esporte a motor que curtem essa competição.

            A TV Cultura, que havia surpreendido quando anunciou que transmitiria as provas da F-E, até que se saiu bem, procurando fornecer uma cobertura didática para quem não tinha conhecimento a respeito da competição dos carros elétricos. Marco de Vargas saiu-se bem na narração, ainda que em certos momentos tenha deixado escapar um certo ufanismo de torcida pelos pilotos brasileiros na competição, e Fábio Seixas cumpriu bem sua função como comentarista. Nada mal para a estréia da emissora na transmissão das corridas. A audiência não foi lá essas coisas, mas para a primeira vez, é preciso relativizar. O Ibope melhorou na segunda corrida, no sábado, mas ainda é cedo para dizer se a audiência melhorou por ser durante o fim de semana ou não, já que a primeira prova da rodada dupla foi em plena sexta-feira. Apesar de ser uma emissora com alcance nacional, a TV Cultura nunca foi de ter audiências que competissem efetivamente com os demais canais abertos, em que pese ter travado boas brigas com RedeTV, TV Gazeta, e até mesmo a Bandeirantes, em certos horários, em alguns momentos. E ainda temos o revés da Formula-E ser uma categoria praticamente desconhecida do grande público, já que somente foi transmitida pela TV por assinatura, e é uma competição relativamente nova, tendo disputado até aqui seis campeonatos. E o público especializado em automobilismo ainda não morre de amores exatamente pelo certame, com muitos reclamando da falta de velocidade e barulho de motor, mesmo que algumas corridas tenham sido bem agitadas e emocionantes.

            Outra surpresa foi o anúncio do SporTV, quase às vésperas do primeiro treino livre na Arábia Saudita, de que iria transmitir a categoria em TV fechada, sucedendo o Fox Sports. No canal por assinatura do Grupo Globo, a dupla Bruno Fonseca e Rafael Lopes comandou a transmissão, que em nível de entretenimento, ficou um pouco inferior à da TV Cultura, mas teve o mérito de iniciar a transmissão bem antes, tentando apresentar a categoria ao seu público, antes acostumado à F-1, mostrando algumas matérias explicativas a respeito de como é a F-E e o seu estilo de competição, mas deixando tudo legendado, e não dublando a narração explicativa. Antes ignorando praticamente o certame de carros elétricos, já que era um produto de um canal concorrente, espera-se que o SporTV ajude a tornar a categoria mais conhecida entre seu público cativo por automobilismo, que ficou praticamente órfão com a perda dos certames da MotoGP e da Fórmula 1. A tendência é que o certame se torne um pouco mais conhecido do grande público, já que as provas serão mostradas tanto na TV aberta quanto na fechada, como já afirmei. E ainda tem outro atrativo, que é a presença de pilotos brasileiros no grid.

Zerado na primeira prova, disputada na sexta-feira, Sam Bird (acima) teve melhor sorte na segunda corrida, vencendo a corrida após uma grande disputa com seu ex-parceiro na equipe Virgin, Robin Frijns (abaixo), que largara na pole-position da corrida do sábado.



            Mas talvez o maior atrativo seja mesmo ter corridas mais disputadas e imprevisíveis do que a F-1, que nos últimos anos se acostumou a ver apenas um time vencendo quase tudo. No certame dos carros monopostos elétricos a disputa é mais democrática, e há bem mais pegas e disputar que na categoria máxima do automobilismo. Tem lá seus defeitos também, com alguns momentos de corrida maçantes, mas no cômputo geral, o resultado é mais animador, com maior possibilidade de pilotos diferentes se destacando.

            E isso pudemos ver nesta rodada dupla que abriu a competição. Na primeira prova, na sexta-feira, quem andou surpreendendo foi Nick de Vries, da Mercedes, que anotou a pole-position, e na corrida, simplesmente liderou de ponta a ponta, apesar de um pouco de pressão nas voltas iniciais. Mas o piloto holandês abriu vantagem, e as disputas ficaram para seus perseguidores, com Edoardo Mortara, da Venturi, terminando em 2º lugar, e Mith Evans, da Jaguar, fechando o pódio, em 3º lugar. René Tast, da Audi, até que tentou se manter no pódio, mas acabou superado, fechando a prova em 4º lugar. E Pascal Wehrlein, estreando pela Porsche, também flertou com os degraus do pódio, mas terminou em 5º lugar.

            Para os brasileiros, situações distintas. Sérgio Sette Câmara teve uma prova cheia de dificuldades, após bater no treino de classificação, e depois ainda tomou uma punição por um erro cometido por seu time, a Dragon/Penske, de modo que o piloto não teve qualquer chance de um bom resultado. Já Lucas Di Grassi, tendo feito a classificação na primeira tomada, quando a pista está normalmente mais suja, teve de largar em 16º e fazer uma corrida de recuperação para marcar míseros 2 pontos com um 9º lugar, batalhando muito para conseguir ultrapassar na pista montada nas ruas de Diriyah, cujo traçado infelizmente não é muito propício em pontos de ultrapassagem.

            E não foi só o piloto brasileiro da Audi que teve este tipo de problema: o time campeão do ano passado, a Techeetah, viu seus dois pilotos largarem lá atrás para também terem de fazer provas de recuperação que não lhes permitiu chegarem entre os que pontuam, também tendo tido muitas dificuldades para conseguirem ganhar posições. Outro que penou foi Sébastien Buemi, que também largou lá de trás para ficar sem marcar pontos com a e.dams. E a dupla da Virgin também amargou não conquistar nenhum ponto, depois de também largarem lá no fundo do grid. O ritmo incrivelmente parelho dos carros fez com que as posições de largada tivessem muita influência nas possibilidades de bons resultados da corrida, já que as ultrapassagens foram sempre complicadas.

Depois de uma corrida um pouco conservadora na sexta, os pilotos foram mais ofensivos no sábado, com mais disputas na pista, e com alguns toques entre os competidores, com direito até a perda de um pedaço ou outro da carenagem.

            Se a primeira corrida foi um pouco enfadonha em parte, a segunda prova, no sábado, foi bem mais agitada. A começar pela troca dos protagonistas nos treinos, e por alguns reveses inesperados para outros. Depois de Edoardo Mortara bater forte no treino livre, com o piloto da Venturi tendo inclusive sua participação vetada na prova por ordens médicas, em um acidente causado por defeito no software que afetou o freio, os times da Mercedes e da Venturi, uma vez que esta equipe usa o trem de força dos alemães, foram proibidos de participar dos treinos, e só conseguiram largar depois de confirmarem ter alterado seus programas nos carros para evitar a ocorrência de um novo acidente. Mas, sem ter feito o treino de classificação, o time prateado, que vencera a primeira corrida, largaria nas últimas posições, uma diferença tremenda para o time que havia vencido de ponta a ponta no dia anterior.

            Em compensação, a Virgin arrebatou a pole com Robin Frijns, depois de ficar no zero na primeira prova. A dupla da Techeetah largava entre os dez primeiros, enquanto as surpresas eram as duplas dos times da Dragon/Penske e da Nio, com ótimas posições de largada. Lucas Di Grassi, por outro lado, continuava no seu calvário nas classificações, largando novamente lá atrás, e vendo seu parceiro René Rast também ficar na parte de trás do grid. E nesta segunda corrida as disputas foram mais acirradas, com os pilotos forçando mais nas ultrapassagens, e procurando melhores posições. Talvez tivessem sido mais conservadores na corrida de sexta, para não detonarem seus carros, já que havia a corrida do sábado. E nesta, sem ter outra prova logo no dia seguinte, não era necessário ter tanto cuidado. Mas este acirramento, claro, acabou proporcionando alguns acidentes, entre eles a impressionante capotagem de Alex Lynn, da Mahindra, que acabou fechado por Mith Evans, da Jaguar, tendo tocado no muro, encavalado no bólido de Evans, e decolado, arrastando-se de cabeça para baixo por dezenas de metros.

Um toque entre Mith Evans, da Jaguar,  e Alex Lynn, da Mahindra, fez este decolar e capotar na parte final da corrida, mas felizmente sem maiores consequências para o piloto além do grande susto.

            Felizmente nada de mal aconteceu com o piloto, mas isso acabou forçando a direção da F-E a encerrar a corrida alguns minutos mais cedo, já que não conseguiriam liberar a pista dentro do tempo restante. E assim, Sam Bird conquistou a vitória, a sua primeira pela Jaguar, seu novo time, e mantendo a escrita de sempre vencer ao menos uma corrida em todas as temporadas da categoria, desde o seu primeiro ano. Bird, aliás, travou um belo duelo com seu ex-companheiro Robin Frijns, da Virgin, que largou na pole mas não conseguiu distanciar-se na liderança da corrida como Nicky de Vries fizera na corrida da noite anterior. Jean-Éric Vergne e Antonio Félix da Costa fizeram corridas combativas, e terminaram em 3º e 4º lugares, mas o francês acabou punido por não fazer uso do Moto Ataque pela segunda vez, e acabou caindo para 12º, e vendo seu companheiro e atual campeão ficar com o último lugar do pódio. Nick Cassidy também acabou punido, caindo de 5º para 14º. Estas punições acabaram beneficiando Sérgio Sette Câmara, que conseguiu andar forte na corrida, tendo largado na primeira fila, com um tempo excepcional para o carro da Dragon/Penske. O brasileiro acabou sendo superado no fim, terminando em 6º lugar, mas recuperando para 4º com as punições de Vergne e Cassidy.

            Quem também ganhou algumas posições com isso foi Lucas Di Grassi, que teve uma corrida difícil, tentando sair lá de trás e batalhando por posições, e terminou classificado em 8º lugar, marcando mais alguns pontinhos. Vencedor da primeira corrida, Nicky de Vries também acabou beneficiado, terminando em 9º, e marcando alguns pontinhos cruciais para se manter na liderança da competição após essa rodada dupla inicial. E alguns pilotos que haviam ido bem na sexta tiveram um sábado para esquecer, como foi o caso de Mith Evans, que acabou envolvido no acidente que fez Alex Lynn capotar, enquanto outros que foram mal na sexta acabaram indo bem no sábado, como foi o caso da dupla da Dragon/Penske, e de Oliver Turvey, da Nio. O resultado disso tudo foi que ninguém conseguiu sair da Arábia Saudita com algum tipo de vantagem explícita na competição. A Mercedes andou forte nas duas corridas, mas venceu apenas a primeira, não tendo conseguido anular o revés de largar lá atrás no sábado por conta de não ter podido participar da classificação. Nicky de Vries lidera com 32 pontos, mas Sam Bird é o vice-líder, com 25 pontos, graças ao seu triunfo na segunda corrida, e só não deu um aperto maior em De Vries porque o inglês sofreu um acidente e ficou zerado na primeira corrida. Robin Frijns é o terceiro colocado, com 22 pontos, seguido de Edoardo Mortara, com 8 pontos. Entre as equipes, a Jaguar foi quem se saiu melhor na rodada dupla, e lidera a competição com 40 pontos, seguida pela Mercedes com 36. Já mais atrás, a Virgin vem em 3º com 22 pontos, empatada com uma surpreendente Dragon/Penske, que já marcou até agora 20 pontos a mais do que em toda a temporada passada.

Depois de uma corrida frustrante na sexta-feira, Sérgio Sette Câmara surpreendeu no sábado, largando em 2º, e terminando no final na 4ª posição, um resultado altamente satisfatório para o piloto brasileiro e mais ainda para o seu time, a Dragon/Penske.

            Sérgio Sette Câmara mostrou o seu cartão de visitas à categoria, e mesmo que seu resultado tenha sido em parte por ter largado nas primeiras posições, sua volta na classificação foi excepcional, considerando-se o carro ainda incipiente da Dragon. Mas o piloto brasileiro andou forte durante a segunda corrida, e só capitulou mais para o final, quando finalmente sofreu pressão de pilotos com carros melhores. Mesmo assim, Sérgio terminou em 6º na pista, uma colocação de respeito, e que virou um 4º lugar com as punições de Vergne e Cassidy. Quando as oportunidades surgem, é preciso agarrá-las, e Sérgio fez o seu papel. Cabe agora a seu time lhe entregar um carro mais competitivo para que ele não precise esperar por outras oportunidades, mas que seja capaz de cria-las por si mesmo. Quanto a Lucas Di Grassi, é um pouco difícil estimar suas possibilidades. O brasileiro continua combativo na pista, mas não dá para saber ainda em que ponto a Audi está na equação de forças. Seu colega René Rast, em que pese ter feito boa prova na primeira corrida, quase chegando ao pódio, por outro lado, também teve uma atuação apagada largando lá de trás, não tendo conseguido recuperar posições na pista como Di Grassi havia feito.

            Quanto aos regulamentos, a F-E ainda precisa corrigir detalhes cruciais, que são as punições que são aplicadas por vezes muito tempo depois da bandeirada final das corridas. O torcedor gosta de ver o resultado da corrida na bandeirada, e ficar descobrindo que algum tempo depois o resultado acaba sendo modificado não é algo muito apreciável. O formato das corridas, com tempo de 45 minutos, mais uma volta, de duração atual, sofre quando temos a entrada do safety car, em bandeira amarela em todo o circuito, uma vez que as remoções de carros e/outros fatores que levaram à utilização da bandeira amarela em toda a pista têm demorado mais do que o desejável. Como o cronômetro continua andando, o tempo de corrida restante diminui consideravelmente, e para piorar, eles adotaram a regra de todos os pilotos perderem um percentual de energia de suas baterias a cada minuto de bandeira amarela inteira na pista, como forma de evitar que algum piloto se beneficie do período, economizando energia. Isso acabou levando ao encerramento antecipado da segunda corrida em Diriyah, que poderia ter rendido mais algumas disputas, se não fosse demorar a limpeza da pista e remoção dos carros envolvidos no acidente entre Evans e Lynn.

            Uma alternativa seria parar o cronômetro e manter o nível de energia, de forma que, quando a bandeira verde fosse mostrada, todos ainda tivessem o tempo restante de prova inicial de antes de ocorrer o incidente. E mesmo que todos conservassem o nível de energia, este não se manteria igual, já que os carros ainda consumiriam um pouco da carga durante as voltas em bandeira amarela. E estas, se fossem muitas, poderiam provocar uma perda de energia que, aliado ao tempo restante inicial, obrigaria os pilotos a ter de ser ainda mais cuidadosos com seu gerenciamento de força, sob o risco de não conseguirem completar a corrida.

            Outro detalhe que precisa ser considerado é o formato dos circuitos, que em alguns casos ainda são críticos em relação aos pontos ideais de ultrapassagem, como em Diriyah. Como compete em circuitos urbanos, não há como ter uma pista ideal para ultrapassagens, mas algumas mudanças neste sentido seriam úteis. Algo assim começou a ser feito no ano passado, com resultados animadores, resultando em provas com mais disputas de posição, diante das melhores chances de ultrapassagens. Na pista da cidade saudita também foram efetuadas algumas mudanças, como a saída dos boxes, mas com razões mais de segurança do que para facilitar ultrapassagens propriamente. Algumas curvas foram modificadas também, mas sem um ganho de permitir melhores disputas. A categoria já anunciou um circuito diferente para o ePrix de Roma, que parece ter agradado aos pilotos no papel. Vejamos como se dará na prática, em termos de potencial de disputa.

            Mesmo com as saídas anunciadas de Audi e BMW como times de fábrica, a F-E continua crescendo e estas duas marcas confirmaram que continuarão fornecendo seus trens de força para times clientes na categoria, que está na mira de outros grupos interessados na competição, como McLaren, Lotus, e até mesmo Alfa Romeo. Mesmo com algumas correções aqui e ali, o futuro ainda promete ser elétrico. Vamos ver como chegaremos até ele...

 

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