sexta-feira, 31 de maio de 2013

A VITÓRIA QUE FALTAVA...



Kanaan comemora a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis após 12 tentativas.

            Domingo passado, o brasileiro Tony Kanaan finalmente conquistou a vitória que mais fazia falta em sua carreira no campeonato da Indy Racing League: venceu as 500 Milhas de Indianápolis. Com isto, tornou-se o 4° piloto brasileiro a conquistar tal feito, obtido pela primeira vez em 1989, quando Émerson Fittipaldi, nosso grande pioneiro em títulos no automobilismo mundial, venceu pela primeira vez na Brickyard Line, após uma disputa ferrenha com Al Unser Jr. nas voltas finais, que terminou, assim como o triunfo de Tony, sob bandeira amarela, com a batida de “little” Al no muro após tocar rodas com Émerson na luta pela liderança da corrida.
            Émerson ainda venceria a corrida uma segunda vez, em 1993, data que comemorou 20 anos esta semana. Depois disso, seria preciso esperar até 2001, quando Hélio Castro Neves se tornaria o segundo brasileiro a vencer a mítica prova, feito que repetiria no ano seguinte, em 2002, quando igualou a marca de Émerson. Em 2003, Gil de Ferran se juntaria ao grupo, perfilando nada menos de 3 vitórias brasileiras no oval mais famoso do mundo. Estaria a Indy500 rendendo-se ao talento brasileiro? Nem tanto. De lá para cá, apenas em 2009 voltaríamos a celebrar um triunfo na prova, novamente com Helinho, que naquele ano significou muito mais do que apenas vencer pela 3ª vez, pois algumas semanas antes havia sido absolvido de um processo de evasão de divisas movido pelo fisco americano, e com perspectivas, no caso de condenação, de encerrar prematuramente sua carreira de piloto. E agora, Tony, finalmente à 12ª tentativa, finalmente chegou lá, e com muito merecimento.
            Tony fez uma boa corrida. Largando com extrema competência, o brasileiro não tinha o melhor carro da corrida, mas compensava com muita garra e braço, mantendo-se sempre no grupo da frente, ora assumindo a liderança, ainda que por algumas voltas apenas, ora oscilando-se entre os primeiros colocados. Mais do que poupar o equipamento, a estratégia visava também economizar combustível, e Tony conseguiu executá-la com perfeição. Nas voltas finais da prova, onde aí sim os pilotos partem para o tudo ou nada, Kanaan mostrava-se um páreo duro, frente a concorrentes que estavam dispostos a vender caro suas posições. Assumia a liderança mas logo era também superado pelos rivais, que mostravam ter até um pouco mais de carro que o brasileiro. A chave para a vitória era conseguir cruzar em primeiro no ponto mais importante: a linha de chegada, e Tony calculava o momento certo de utilizar o vácuo para assumir a ponta bem na reta dos boxes, pois nos outros pontos da pista se via que logo ele era alcançado e superado, mas se conseguisse passar em primeiro na linha de chegada, pouco importava ser superado depois, pois era ali o ponto-chave da vitória. Se não foi preciso tanto, devido às batidas que ocorreram nas voltas finais e colocaram até mais tensão sobre a luta no final da corrida, foi crucial que Tony aproveitasse ao máximo sua capacidade de largar bem para fugir dos concorrentes.
            A batida de Dario Franchiti, e que motivou o encerramento da corrida sob bandeira amarela, apenas coroou um trabalho bem feito e muita determinação. Tony deu à KV sua primeira vitória na Indy Racing League no melhor palco de todos, e a conquista não poderia ter vindo em hora mais propícia. Como um time médio, a KV não tinha orçamento para completar o ano com o piloto brasileiro, que estava garantido apenas em 10 das 19 corridas. Apesar das afirmativas de Jimmy Vasser, proprietário da KV, de que manteria o brasileiro assim mesmo, a perspectiva de falta de dinheiro para terminar o ano certamente comprometeria as chances de boas performances potenciais do time. Com o triunfo em Indianápolis, o prêmio de mais de US$ 2 milhões vem em boa hora para reforçar o caixa financeiro do time, que já conseguiu arregimentar mais um patrocínio importante para garantir todo o ano. E Tony não está perdendo tempo, capitalizando seu triunfo para iniciar negociações que visem garantir também toda a temporada de 2014.
            Ainda é cedo para garantir que a KV vença novamente este ano alguma outra corrida, mas o esforço de Kanaan desde que chegou à escuderia, em 2011, é mais do que evidente, tendo ajudado o time a crescer, embora ainda esteja muito atrás em capacidade e estrutura frente às organizações mais poderosas da categoria, como a Andretti, Penske, e Ganassi. Kanaan já havia feito um trabalho notável em 2011, quando chegou à KV praticamente no fim de semana do início do campeonato, e terminou o ano na 5ª colocação, com muita constância e bons resultados, embora ainda sem vitória. No ano passado, infelizmente o time andou para trás, e Tony não conseguiu repetir as mesmas performances. Este ano, mais centrada, a KV parece ter recuperado parte do rumo de crescimento, e desde que tenha carro para tanto, Kanaan mostra do que é capaz na pista.
            Desde que estreou na IRL em 2003, Tony sempre se mostrou um dos pilotos mais rápidos da categoria. No ano de estréia, já venceu uma corrida, e em 2004, era campeão do certame, com 3 vitórias, sempre competindo pelo time de Michael Andretti, que havia encerrado a carreira de piloto e agora tinha se tornado dono de equipe. Mas a estréia de Tony na Indy500 havia sido antes, em 2002, quando piloto ainda disputava a F-Indy. Naquele ano, Morris Numm resolveu inscrever Tony para a corrida da IRL, e o brasileiro logo mostrou intimidade com o oval de Indiana: largou em 5° lugar logo na primeira participação, mas acabou terminando apenas em 28°. No ano seguinte, já como piloto da Andretti, e competindo regulamente na IRL, já terminava a corrida em 3° lugar, sendo um dos destaques da corrida, após largar em 2° lugar. Vencer, todos diziam, seria questão de tempo para o brasileiro, que naquele ano ainda vibrou com a vitória do compatriota Gil de Ferran, perfilando um resultado de maioria brasileira no pódio da Indy500.
            Mas vencer em Indianápolis nunca é algo fácil. E nos anos seguintes, Tony alternou boas participações com resultados frustrantes. Em 2004, terminou em 2° lugar, depois de largar na 5ª posição. Em 2005, foi pole-position da prova, mas finalizou apenas em 8° lugar, resultado muito inferior ao que esperava conseguir. Em 2006, largou em 5° e em 5° terminou. No ano seguinte, largou novamente na primeira fila (2° lugar), mas de novo terminou aquém do que esperava, apenas em 12° lugar. Em 2008, largou em 6°, mas foi classificado apenas em 29°. Em 2009, o dilema foi parecido: largou novamente em 6°, e acabou apenas em 27°. Em 2010, acabou largando em último lugar, para terminar em 11°. Apesar de boas apresentações, Tony parecia destinado a repetir o drama de outro conterrâneo, Raul Boesel, que apesar de ter feito algumas boas corridas em Indianápolis, parecia predestinado a nunca vencer a prova mais importante dos Estados Unidos. E, ao fim do ano, com a decisão de Michael Andretti de dispensar o brasileiro por perder o patrocínio da 7-Eleven, até mesmo a continuidade da carreira de Tony na IRL ficou em risco.
            Contratado pela KV para 2011, Tony iniciou uma nova fase na carreira, mais difícil e desafiadora, por não contar mais com um time de ponta por trás. Mas nem por isso baixou os braços e deixou de lutar como sempre fez. Em Indianápolis naquele ano, largou apenas em 22°, mas fez uma prova cheia de garra, terminando em 4° lugar. No ano passado, foi melhor ainda: largou em 8°, e finalizou em 3°. E neste ano, largando apenas em 12°, finalmente chegou à vitória, e beijou com muito gosto a Brickyard Line, a linha de tijolos do piso original do circuito que ainda hoje delimita a linha de chegada do oval mais famoso do mundo. Era a vitória que faltava para Kanaan em sua carreira, e também serviu para acabar com um jejum incômodo: já fazia praticamente 3 anos desde sua última vitória na IRL, em 2010, no circuito oval de Iwoa, seu último triunfo pelo time de Michael Andretti.
            Tony conseguiu a vitória que todo campeão da IRL sempre sonhou, e com isso, completou ainda mais os números de sua carreira. Há inúmeros casos de pilotos que foram campeões e nunca venceram a Indy500, como o reverso também é verdadeiro. Hélio Castro Neves que o diga: já venceu 3 vezes a corrida, mas nunca foi campeão da categoria, embora ele mesmo afirme com orgulho que, entre um e outro, prefere triunfar em Indianápolis. E ele não é o único a pensar desta maneira. As 500 Milhas são uma corrida praticamente à parte do que tange à fama e desafio, e quem fatura a corrida garante praticamente seu lugar na lista dos gigantes do automobilismo mundial, orgulho que é comparável àqueles que vencem as 24 Horas de Le Mans, ou faturam o Grande Prêmio de Mônaco de Fórmula 1, embora neste último caso o título da categoria máxima do automobilismo ainda seja mais prestigiado do que apenas vencer no Principado.
            Os tempos da Indy500 certamente são outros: apenas 34 pilotos disputaram vaga este ano, sendo que em tempos recentes, houve apenas os 33 pilotos regulares no grid para competirem, e em determinados anos, foi até complicado encher todo o grid, sem dúvida um panorama muito distinto de épocas onde mais de 50 pilotos disputavam vaga na corrida mais famosa do continente americano. Mas, mesmo assim, as 500 Milhas ainda conservam um brilho próprio e único, e vencer ali sempre será motivo de orgulho para qualquer piloto, que passa a ter sua face imortalizada no famoso troféu Borg-Warner, que traz reprodução de todos os seus vencedores, e que acaba de ganhar a face de mais um piloto brasileiro.
            Parabéns a você, Tony, por mais esta conquista em sua carreira. É mais do que merecida, e que não seja a última. Mas hoje é hora de voltar a acelerar novamente, e a IRL inicia os treinos para a etapa de Detroit, que será em rodada dupla, com provas neste sábado e no domingo, em corridas completas e distintas, uma experiência nova na categoria. Vamos ver se a estrela de Kanaan continua brilhando nestas novas provas.

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