Transmissão do Grande Prêmio do Brasil de 2019 marcou a despedida de Reginaldo Leme das transmissões de F-1 pela Globo, e o fim da parceria com Galvão Bueno. |
Hoje começam os
treinos oficiais para o último GP da temporada 2019 da Fórmula 1. A corrida dos
Emirados Árabes Unidos, em Abu Dhabi, não costuma ser das mais atrativas, visto
até hoje o belo circuito de Yas Marina nunca ter proporcionado boas corridas,
desde que estreou no calendário. O visual da pista, e o panorama do pôr do sol
no horizonte, com a noite caindo, proporciona um belo espetáculo da natureza
que infelizmente não se reproduz na pista. Mas a transmissão da F-1 neste final
de semana marca o fim de uma longa era na TV brasileira. Será a primeira
corrida transmitida pela Globo sem a presença “oficial” de Reginaldo Leme,
comentarista de longa data na emissora, que anunciou seu desligamento esta
semana. Uma ausência que será sentida por muitos.
Não que Reginaldo não
tenha deixado de participar da transmissão de corridas da F-1 durante o período
em que trabalhou na emissora do Jardim Botânico. Mas foram ausências pontuais,
como a do GP da China deste ano, onde ele não trabalhou por estar doente,
internado no hospital. Até então, o seu período de maior ausência foi no início
dos anos 1990, em virtude de uma desavença criada por Ayrton Senna em relação à
sua pessoa, no que a emissora, não querendo criar celeuma com o ídolo que
garantia sua audiência nas corridas, preferiu afastar Leme, que voltaria a
trabalhar com a F-1 algum tempo depois. Mas agora é uma ausência definitiva,
uma vez que o jornalista foi confirmado pela Globo como não mais pertencente ao
seu quadro de profissionais. Com isso, seu lugar na transmissão da prova de Abu
Dhabi deverá ficar com Felipe Giaffone, que aliás o substituiu na transmissão
da etapa chinesa.
Trata-se de mais um
sinal de desapreço da Globo pelos seus profissionais. No ano passado, a
emissora já havia dispensado Lito Cavalcanti, outro profissional de longa data,
com mais de vinte anos de casa. E agora, é Reginaldo quem sai, motivado,
segundo se comenta, pelas atuais condições de trabalho impostas pela emissora a
seus funcionários, sejam eles de qual escalão forem. Independentemente de
concordar ou não com tais condições, é uma era que chega ao fim, ao qual todos
terão de se acostumar.
Reginaldo Leme virou
sinônimo de F-1 no Brasil, entre os profissionais que trabalham com a categoria
máxima do automobilismo na área jornalística, seja de qual meio for, TV,
impresso, internet, etc. São praticamente quase cinco décadas de experiência na
área, desde as primeiras corridas acompanhadas in loco, em 1972, como enviado
especial do jornal “O Estado de São Paulo”, onde trabalhava já havia alguns
anos. Reginaldo começava ali uma trajetória que, com alguns intervalos, só
terminou esta semana. Reginaldo acompanhou então os grandes feitos de Émerson
Fittipaldi, que com seu sucesso, popularizou a F-1 no Brasil. Foi testemunha
também do projeto audacioso da única equipe brasileira a competir na categoria,
a Copersucar, e viu talentos como os de José Carlos Pace e Nélson Piquet
despontarem no certame, entre muitos outros brasileiros que alcançaram a F-1. Com o currículo acumulado trabalhando na cobertura
destas corridas, em 1978, “Regi” deixava o “Estadão” para ingressar na TV
Globo, na área de esportes. De início, ele ficou um pouco afastado da F-1 em
sua nova casa, e em 1980, quando a categoria foi transmitida pela TV
Bandeirantes, foi seu único ano de ausência cobrindo a competição.
Em 1981, porém, com a
Globo retomando os direitos de transmissão, Reginaldo voltaria à F-1 em
definitivo, e ganharia aquele que foi seu parceiro de mais longa data, Galvão
Bueno, que tinha vindo também da Bandeirantes para engrossar o time de
transmissão de corridas da Globo. Uma grande dupla nascia ali, e marcaria época
de mais de uma geração de fãs e telespectadores do universo do esporte a motor.
Ambos estiveram presentes in loco na grande maioria das corridas dali em diante.
Na época, era uma equipe bem pequena, com Galvão sendo o narrador, e Reginaldo
trabalhando como repórter, e ao mesmo tempo, explicando lances da corrida para
que o expectador pudesse entender. Era uma correria danada, pois por vezes,
Reginaldo tinha de deixar a cabine para conferir coisas no paddock e boxes,
retornando logo em seguida com informações fresquinhas da prova em andamento.
E, com a ascenção de outro piloto brasileiro campeão, Nélson Piquet, o
automobilismo andava em alta no Brasil. E não foi surpresa a Globo tentar
capitalizar com isso. E aí, surgiu o programa Sinal Verde, apresentado por
Leme, que abrilhantaria os dias pré-GP, mostrando sempre um pouco do lugar onde
ocorriam as provas, e depois uma sinopse dos acontecimentos na pista no final
de semana. Um programa que, anos depois, encolheu bastante, deixando de ser tão
atrativo como em seus primórdios, mas sempre contando com a presença firme,
profissional e serena de “Regi”, que mostrava sua versatilidade, atuando tão
bem como apresentador como quando repórter. Sua voz firme, mas tranquila, e com
conhecimento da situação, transmitia aos fãs e demais telespectadores as
informações necessárias para se ficar por dentro dos acontecimentos tanto
quanto possível.
E Reginaldo,
exatamente por essa competência, não ficava restrito somente às transmissões
pela TV feitas pela Globo. Ele também escrevia colunas e textos para várias
publicações, como por exemplo a antiga versão da revista Grid/Quatro Rodas, ou
assinando textos no anuário “Fórmula 1” do jornalista português Francisco
Santos, sempre contando casos interessantes muitas vezes completamente
desconhecidos do público. Sim, acompanhar in loco a F-1 por anos a fio tornou
Reginaldo uma verdadeira enciclopédia ambulante da categoria, com muitos casos
e “causos” pra lá de interessantes. Seu profissionalismo o levou a ganhar a
confiança de vários pilotos, entre eles Nélson Piquet, sempre arredio a
jornalistas, e até de Alain Prost, que depois de ver os trabalhos apresentados
por Leme, sentiu-se mais à vontade para atende-lo nos encontros durante os GPs,
entre vários outros profissionais. Uma relação de confiança muitas vezes
difícil de ser construída, e por vezes mais difícil ainda de ser mantida. E
Reginaldo sabia fazer isso com muita classe, sabendo separar o lado pessoal do
profissional. Algo que muitas vezes não era fácil de fazer, como foi no lance
do desentendimento com Ayrton Senna, quando o piloto, em seu auge na McLaren,
achou que Leme estava denegrindo sua pessoa, o que jamais aconteceu de fato.
Felizmente, isso não
durou muito, mas por algum tempo, era uma situação curiosa, e desagradável.
Tanto que, quando foi resolvida, em 1992, a Globo resolveu incrementar suas
transmissões, colocando enfim um repórter fixo para acompanhar a equipe de transmissão,
que além de narrar e comentar, tinha também que se desdobrar nesta função. Por
isso, a partir dali, Reginaldo Leme passou a ser oficialmente comentarista. Até
então, embora já comentasse, ele dividia a função com o trabalho de repórter, e
isso o levou a trabalhar também com outros esportes, como a Copa do Mundo, e
até as Olimpíadas, como integrante da equipe de jornalismo da Globo nestes
eventos, por vezes até desfalcando seu trabalho com o automobilismo. E, mesmo
nestes esportes, Leme não deixava a bola cair, mostrando versatilidade e
conhecimento sobre o que estava cobrindo.
O início dos anos 1990
também marcou o retorno de Reginaldo como editor de publicações escritas, com a criação
do anuário Automotor, em 1992, inspirado pelos grandes anuários que ele conhecia
na Europa, e que no Brasil só tínhamos como exemplo o “Fórmula 1”, editado por
Francisco Santos, no qual ele colaborou em algumas edições. O sucesso do
Automotor pode-se notar pela longevidade da publicação, que este ano teve sua
27ª edição lançada, com mais de 470 páginas, e uma grande miríade de
campeonatos relacionados. Tenho a grande maioria, alguns deles devidamente
autografados pelo Reginaldo, e guardo todos com muito carinho e cuidado, sendo
sempre ótimas leituras de consulta e referência, publicações que andam em falta
por estas paragens há muito, muito tempo, com os fãs nacionais tendo ficado
praticamente órfãos de revistas especializadas depois que a revista Racing
deixou de circular. E não posso me esquecer de sua coluna semanal no Estadão,
onde voltou a escrever no início dos anos 1990, e só encerrada há alguns anos,
quando o jornal infelizmente resolveu cortar parte dos textos de sua seção de
esportes, entre eles o automobilismo, tendo dispensado também os trabalhos de
outro profissional extremamente competente, Livio Oricchio, outro que também
deixou de acompanhar o automobilismo a serviço da Globo no primeiro semestre
deste ano.
E Reginaldo ainda por
cima é um daqueles caras que é difícil não gostar. Educado, paciente, humilde,
sóbrio, e acima de tudo, honesto, e ético. Ouvi muita gente até defenestrando
ele nos comentários de sua saída, alguns com impropérios que nada fazem juz a
Leme tanto quanto pessoa como quanto profissional. E se ele cometeu alguns
erros, quem não os comete. Reginaldo ainda mantinha uma sobriedade que nos
últimos anos vem faltando muito a seu parceiro de longa data, Galvão Bueno, que
muitas vezes não deixa seus colegas de transmissão falarem direito, ou ainda dá
sua versão dos acontecimentos, como se sua opinião fosse a mais certa do que as
deles. Galvão já foi muito melhor do que é atualmente, e coincidentemente, era
o profissional que a grande maioria queria ver aposentado o mais breve
possível. E muitos ficaram revoltados ao ver que aconteceu justamente o contrário:
o melhor nome da equipe de transmissão é quem saiu. A dupla, que já deixou de
estar presente em muitos GPs, devido a outros compromissos profissionais de
Galvão narrando outros eventos esportivos na emissora, agora faz parte do
passado, e deixará saudade em muita gente, mais pelos bons e velhos tempos, do
que pelos anos mais recentes.
Com a publicação do anuário Automotor, mais um sonho profissional realizado. |
Assim como deixaram
saudades também os programas do “Linha de Chegada”, apresentados por Reginaldo
durante vários anos nos canais do SporTV, e que por motivos até hoje não
justificados, foram excluídos da grade de programação. Os tempos atuais,
decididamente, são outros, e infelizmente a Globo, ao invés de aprimorar seu
produto, o automobilismo, tomou decisões ainda mais questionáveis que
certamente não ajudaram a melhorar sua fama entre os fãs da velocidade, como
por exemplo, a decisão de deixar de exibir a cerimônia do pódio na transmissão
da TV aberta, obrigando os fãs a terem de caçar o site da emissora para ter
acesso ao momento.
A idade, contudo,
também começa a pesar. E aos 74 anos, o pique certamente não é o mesmo do
início dos anos 1980, e dos anos 1990. Viajar para transmitir in loco as
corridas exige uma disposição e logística pessoal que vai cansando ao longo do
tempo. Nos últimos anos, por contenção de despesas, mesmo com os contratos de
patrocínio da F-1 rendendo sempre altos lucros para a emissora, a Globo deixou
de enviar sua equipe de transmissão completa para os locais das provas. Isso já
vinha acontecendo há alguns anos, com a Globo economizando de enviar sua equipe
para algumas corridas, mas de uns três anos para cá, praticamente não enviou
mais narrador e comentaristas para as corridas, enviando apenas um repórter,
que ficou a ser variável, dependendo de onde a corrida é realizada, com Mariana
Becker a ocupar a função a maior parte do tempo. Só a prova do Brasil, por ser
aqui, a Globo fez transmissão in loco. Deixar de ver Leme presente no paddock
das corridas já estava dando saudade, pela nova sistemática adotada pela Globo,
como se faltasse alguém da família, até então sempre presente na imensa maioria
dos momentos. E certamente, Reginaldo tem muitas e boas histórias
compartilhadas com todos os profissionais com os quais conviveu todos estes
anos, fossem eles do Brasil, ou os inúmeros jornalistas que conheceu mundo
afora, que passou a respeitar, assim como eles passaram a também ter o maior
respeito e admiração por seu trabalho ao longo dos anos. Foram mais de 500 GPs
presente in loco.
E, por isso mesmo,
fica o registro de Reginaldo despedir-se das transmissões da F-1 aqui em
Interlagos, onde atuou, ao lado de Galvão Bueno, Luciano Burti, Sérgio
Mauricio, e Felipe Giaffone, na equipe de transmissão da prova. Nada como estar
presente no paddock, para aquela que acabou sendo sua última participação na
transmissão de uma prova da categoria máxima do automobilismo. E, no último
final de semana, Reginaldo fez praticamente sua despedida da Globo, ao
trabalhar na transmissão da etapa de Goiânia da Stock Car Brasil. E nem ao
menos participará das últimas etapas, tanto da F-1 como da Stock Car 2019. Fica
uma sensação de trabalho incompleto, mas conhecendo o profissionalismo que
sempre caracterizou Leme em suas décadas de trabalho, se ele resolveu sair
agora, é porque não dava mesmo para continuar.
O que ele fará da vida
agora cabe unicamente a ele. Trabalhando com o automobilismo por cerca de 47
anos, com raros momentos de pausa, ele tem direito a dar uma boa descansada,
depois de todo este tempo. Se quiser encerrar de vez sua carreira, já será algo
mais do que merecido. Se resolver continuar, com algum projeto novo, pessoal,
ou a serviço de outro grupo, como por exemplo o Fox Sports, onde hoje temos
alguns bons profissionais, com certeza será muito mais do que bem-vindo. Por
enquanto, o que é certo é que teremos uma nova edição do Automotor no início de
2020, mantendo a tradição de todos estes anos.
Infelizmente, a Globo
perde um grande profissional, que deverá empobrecer ainda mais suas
transmissões de automobilismo, sem querer desmerecer os nomes competentes dos
que ainda lá trabalham. E perdem os fãs que Reginaldo conseguiu para o
automobilismo com sua dedicação e trabalho sério durante todos estes anos. Quem
ganha é Reginaldo, agora livre, mais do que nunca, para definir suas próprias
prioridades e objetivos. Certamente ainda o veremos em ação, e é o que muitos
fãs, dele e do automobilismo, esperam com muita expectativa.
E o grid da F-1 2020 acaba de ser
fechado. O canadense Nicholas Latifi acaba de ser anunciado para ser o
companheiro do inglês George Russel na equipe Williams no próximo ano, ocupando
o lugar do polonês Robert Kubica, que não estará mais no grid. Era a única vaga
disponível, e Latifi, apesar de suas reservas diante da péssima temporada
vivida pela escuderia este ano, acabou pegando a vaga. Para o time de Grove, um
grande alívio, pois o canadense trará um aporte financeiro de sua família
considerado até mais vultoso do que o proporcionado por Lance Stroll quando
este correu pelo time até o ano passado. E as finanças da escuderia andam bem
combalidas, e um reforço financeiro é imprescindível para que o time tente ao
menos reencontrar o seu rumo na próxima temporada, ocupando no momento a
lanterna do grid da F-1, situação vexatória para um time que já foi uma das
maiores escuderias da categoria nos anos 1080 e 1990. Pela sua história e tradição,
espero que a Williams consiga se reerguer, a exemplo do que a McLaren vem
fazendo. Fica a dúvida se conseguirão...
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