sexta-feira, 8 de novembro de 2019

HAMILTON HEXA

Vallteri Bottas (acima) surpreendeu marcando a pole no GP dos Estados Unidos e vencendo a corrida, mas quem comemorou mesmo foi Lewis Hamilton (abaixo), fechando a conquista de seu hexacampeonato. O finlandês ficou com o vice-campeonato.

            E o que todos já esperavam aconteceu. Lewis Hamilton fechou a conquista de seu sexto título, e como se diz, foi pra galera comemorar... E certamente deve ter sido aquela comemoração, afinal, vários membros de sua família estiveram presentes em Austin, e a certeza da conquista matemática do título era tanta que a FIA deixou até mesmo um local “reservado” para o novo campeão mundial estacionar seu carro após a prova, inclusive com o tradicional aviso de que carros não-autorizados seriam “removidos” do local. Admito que foi legal, mas e se tudo tivesse dado o mais errado possível, e a conquista do título não saísse em terras texanas, com a decisão vindo parar por aqui no Brasil? Seria engraçado, mas estaríamos apenas adiando o inevitável...
            Para quem precisava apenas de um 8º lugar para fechar a conta, Hamilton tratou de mostrar que preferia partir para a frente de batalha. Se a classificação foi um pouco abaixo do esperado, com o 5º lugar, o inglês tratou de corrigir a situação rapidinho, logo no início da corrida, partindo para cima dos adversários, e já se colocando logo em 3º lugar, comboiando o líder, seu companheiro de time Valtteri Bottas, e o holandês Max Verstappen, que com a cabeça mais no lugar, voltou a mostrar o que sabe fazer ao volante de um carro de corrida. E quase tivemos um repeteco da vitória de Lewis na Cidade do México, com o inglês fazendo novamente uma só parada, contra duas dos adversários diretos. Mas desta vez não deu. Mas foi por pouco: Bottas reassumiu a liderança bem no finalzinho da corrida, e Verstappen ameaçou bastante, mas teve de apenas fechar o pódio. Hamilton em 2º, com mais uma dobradinha da Mercedes na temporada, e mais um título na coleção, o sexto. A façanha coloca Hamilton como segundo maior piloto da história da F-1, perdendo apenas para o alemão Michael Schumacher, e superando o argentino Juan Manuel Fangio, com seus cinco títulos.
            Para a Mercedes, que já havia faturado o título de construtores em Suzuka, no Japão, o resultado em Austin fechou o ano do time, com Valtteri Bottas a garantir matematicamente o vice-campeonato, o seu primeiro pelo time prateado. É sua melhor temporada pela equipe alemã, onde está desde 2017, e um resultado que pode ser usado para justificar sua renovação por mais uma temporada no time, ainda mais depois de uma performance apagada em 2018, tendo sido superado não só por Sebastian Vettel, mas também por Max Verstappen, e até Kimi Raikkonem, além de ficar muito atrás de Lewis Hamilton, em uma temporada onde o finlandês praticamente não venceu nenhuma corrida, enquanto seu companheiro de time faturou 11 provas. Agora resta a briga pelo terceiro lugar na classificação, que ainda deve animar as duas corridas finais, entre Charles LeClerc, Max Verstappen, e Sebastian Vettel. O monegasco é o favorito, mas não pode entrar no clima de “já ganhou”, pois os rivais podem aprontar alguma ainda.
            E o Brasil será o primeiro país a ver o novo hexacampeão em ação na pista. Foi aqui que Lewis conquistou seu primeiro título, em 2008, naquela decisão dramática onde Felipe Massa fez o que estava ao seu alcance, vencendo a corrida, mas precisando torcer por um resultado ruim do inglês, que no final não veio por apenas 1 ponto. Tivesse acontecido de maneira diferente, muita coisa poderia ter mudado para ambos os pilotos. Hamilton poderia ficar estigmatizado por morrer na praia pela segunda vez consecutiva, depois do show que havia dado em seu ano de estréia; já Massa talvez tivesse mais consideração pela Ferrari nos anos seguintes do brasileiro defendendo a escuderia rossa. Mas o que ficou daquela corrida foi a última vitória de Felipe na F-1, enquanto o estrelado de Hamilton começava para valer, em que pese ninguém poder precisar a que ponto ele ainda chegaria.
            Uma trajetória de sucesso que começou ainda no kart, quando Ron Dennis viu em um garoto chamado Lewis Carl Davidson Hamilton um talento que tinha tudo para se destacar dos demais. Adotado pelo então todo-poderoso chefe da McLaren, o garoto, cujo pai tinha de dar duro em dois empregos para conseguir custear a carreira do filho até então, tomou outros rumos. E ele teve a capacidade, e porque não dizer um pouco de sorte, de corresponder às expectativas. E, para a temporada de 2007, já estava fazendo barulho ao entrar na F-1, por ser o primeiro piloto negro a chegar à categoria máxima do automobilismo, e ainda mais em um time de ponta como era a McLaren, que naquela temporada contava com o novo bicampeão mundial Fernando Alonso. E todos sabemos o que aconteceu, com o novato abusado a desestabilizar o espanhol, que havia conseguido “aposentar” Michael Schumacher, o maior vencedor da história da F-1.
            Foram dois anos de sonhos: um vice-campeonato logo na temporada de estréia, e o título na segunda. Mas tendo uma certa relativização de seus resultados por ter estreado logo de cara em um time de ponta, capaz de disputar o título, e não apenas vencer corridas. Nada contra diminuir o valor de suas conquistas, só recordando que ele teve os meios para fazer seu talento brilhar a tal ponto. E costumo dizer que o valor de um piloto aumenta quanto mais dificuldades ele enfrenta. Será que Lewis seria tudo o que diziam dele, já que só tinha carros bons até então à mão? Os anos seguintes, onde não conseguiu renovar seu título, foram de grande valia para ajudar o novo talento da F-1 a evoluir, tendo de superar dificuldades bem maiores que as de seus dois primeiros anos. Não foram anos exatamente pacíficos. Em determinados momentos, Hamilton cometia muitos exageros na pista, e derrapava fora delas. Seu imenso talento se comprovava, mas ele precisava crescer como profissional, e como pessoa.
Depois de perder uma vitória certa no México, Max Verstappen (acima) foi menos afoito em Austin, mas não menos rápido, estando sempre com as Mercedes na alça de mira. Já Sebastian Vettel (abaixo) teve outro domingo para esquecer, com o abandono provocado pela quebra da suspensão de sua Ferrari.
           Quem hoje acha Max Verstappen um potencial criador de encrencas, precisava ter visto alguns momentos mais complicados de Lewis, quando o inglês costumava arrumar confusão corrida sim, corrida não. Felipe Massa que o diga, com quem Hamilton andou batendo rodas e se estranhando em várias corridas, parecendo até um carma maldito. Mas Lewis começou a acertar o seu rumo, tanto profissional, quanto pessoal. Desvinculou-se de seu pai, que gerenciava sua carreira, e tomou as rédeas de sua vida. Confiou no projeto apresentado a ele por Niki Lauda para ir se aventurar na Mercedes, quando o time alemão ainda se acertava em seu retorno à F-1 como equipe completa, e desenvolveu melhor suas relações pessoais e profissionais, ganhando maior liberdade para decidir seus rumos. Seu lado playboy, que em determinados momentos chegou a atrapalhar seu desempenho, passou a ser mais comedido, com o inglês aprendendo a manter melhor o seu foco na pilotagem de um carro.
            E a Mercedes, assumindo uma posição de supremacia na nova era turbo híbrida da F-1 a partir de 2014 propiciou a Hamilton “explodir” na categoria, assumindo um protagonismo e favoritismo que só teve paralelo nos anos de domínio de Michael Schumacher com a Ferrari no início deste século, chegando ao bicampeonato em 2014, e ao tri em 2015. Mas não foram exatamente conquistas fáceis. Nico Rosberg, considerado por muitos um talento apenas bom, mas não um gênio, como Schumacher, ou o próprio Hamilton ou Vettel, deu bastante trabalho a Lewis, e mesmo não sendo considerado um piloto de quilate por muitos, conseguiu desbancar Hamilton em 2016, conquistando seu tão sonhado título. Há um ditado que diz que é na derrota que as pessoas costumam crescer e se desenvolver, e foi a partir dali, na derrota para Nico, que Lewis corrigiu suas últimas deficiências como piloto, tornando-se um profissional muito mais completo, e por isso mesmo, bem mais difícil de ser derrotado. Rosberg sentiu isso, e vendo que não teria como repetir a mesma performance no ano seguinte, preferiu encerrar sua carreira, e aproveitar a vida. O nível de empenho e sacrifício necessários para superar Hamilton novamente no mesmo time teriam de ser hercúleos, e ele sabia que dificilmente conseguiria repetir sua proeza.
            Para a Mercedes, foi o melhor momento possível para Hamilton confirmar sua evolução como piloto, pois a Ferrari veio muito forte em 2017, e só um piloto extremamente focado, como Lewis jamais fora antes em sua carreira, poderia manter a Mercedes favorita como de costume, apesar da crescente força do time italiano. O resultado foi o tetracampeonato naquele ano, igualando-se em títulos a Sebastian Vettel, seu grande rival na temporada, que apesar de tudo, acabou derrotado pelo inglês até com alguma facilidade em certos momentos. E no ano passado, com uma Ferrari mostrando novamente força, engrossando a disputa até mais do que em 2017, a competência de Lewis foi fundamental para a conquista de mais um título, no que se chamou de batalha dos tetracampeões, com ele e Vettel disputando quem seria o novo pentacampeão mundial da F-1. Deu Hamilton, e com muitos méritos, conseguindo desequilibrar uma situação onde a Ferrari tinha tudo para finalmente conquistar o título, mas se perdeu em seus erros próprios, e nos de Sebastian na pista, enquanto Lewis e a Mercedes, tal qual um instrumento afinado à perfeição, fizeram sua conquista parecer até fácil, diante dos números apresentados no ano. E ainda nos lembrando que o início foi até meio complicado, com o inglês começando a reagir somente depois de sua primeira vitória, apenas na 4ª prova, em Baku, e só deslanchando de vez a partir de Monza, tendo até então um duelo incrivelmente parelho com Vettel, que até àquele momento, era um oponente muito forte, assim como a Ferrari.
            E neste ano, depois de vermos uma Ferrari muito forte nos testes da pré-temporada, o que tivemos foi uma Mercedes tão ou até mais dominante do que nunca, e com Valtteri Bottas a dar a impressão de que poderia endurecer o jogo contra Hamilton dentro do time prateado. Mas infelizmente o finlandês perdeu o fôlego depois de algumas corridas, e Lewis tratou de se impor como favorito ao título novamente, ganhando uma vantagem considerável, ainda na primeira metade da temporada. Quando a Ferrari finalmente acertou o seu rumo, já era tarde para tentar uma reação, mas Hamilton, cerebral, e enxergando o campeonato como um todo, tratou de repetir, junto com a Mercedes, a tática do ano anterior: explorar os pontos fracos dos adversários, e aproveitar qualquer oportunidade que surgisse. E elas surgiram, depois que o time vermelho ganhou 3 corridas consecutivas, dando a impressão de que daria as cartas até o fim do ano. Novamente afinados na estratégia, com Lewis dando o seu melhor, e até uma certa dose de sorte que só os grandes campeões parecem dispor, a Mercedes voltou às vitórias, e com Hamilton ficando cada vez mais perto do título, o que acabou se consumando domingo passado.
Com seis títulos conquistados, Lewis Hamilton agora vai à caça do hepta para igualar-se a Michael Schumacher, de preferência já em 2020. Os adversários que se preparem...
            Não adianta seus detratores alegarem que Hamilton só é hexa por causa do excelente carro que conduz. Michael Schumacher também teve uma Ferrari claramente superior aos concorrentes em seus anos de supremacia, se bem que em grau um pouco menor. E Ayrton Senna, que tanto louvam, pilotou as quase imbatíveis McLarens de 1988 a 1991. A discussão se Lewis Hamilton será o maior piloto da F-1 parece ter dada de vencimento: em 2020, se a Mercedes mantiver seu nível de performance, o inglês poderá igualar o número de títulos de Michael Schumacher, e até superar seu número de vitórias. Ele já é o recordista de pole-positions, com 87, e de pontos marcados, com 3.399. No momento, ele acumula 6 títulos conquistados em 248 corridas disputadas, onde venceu 83 delas, e subiu ao pódio em 150 GPs. Por mais que digam que números não traduzem com precisão o fenômeno que Hamilton é na F-1, não há como negar que são números impressionantes.
            E que certamente poderão atingir valores muito maiores, uma vez que Lewis disse que ainda tem o que crescer como piloto, por amar muito o que faz. Seu contrato com a Mercedes vai até o fim da próxima temporada, e a equipe alemã já está empenhada em garantir uma renovação o quanto antes. Por mais que digam que Hamilton tem desejo de defender a Ferrari antes de encerrar sua carreira, tudo aponta para que ele permaneça onde está. Além de ter muita liberdade no time prateado, ele sabe da capacidade técnica da escuderia e de seus recursos, que certamente podem lhe garantir as melhores chances de competição na atualidade. Não que a Ferrari não tenha recursos, como demonstrou nos últimos anos, apresentando potencial para destronar os alemães do posto de campeões. Mas a sinergia e entendimento dentro do time ainda estão muito aquém do entrosamento que a Mercedes atinge atualmente, para não mencionar na estratégia de corridas, e no próprio tratamento dispensado aos pilotos, uma vez que o time vermelho se acha acima de tudo e de todos, muitas vezes até mesmo da F-1, e não foram poucas as vezes que a escuderia italiana fez disso um tremendo revés para si mesma, não conseguindo conjugar seus recursos de forma eficiente e calculada para aproveitar todo o seu potencial. Não basta apenas querer defender a Ferrari pela paixão, só pela fama e história da marca. Muitas vezes, isso pode se tornar um canto de sereia fatal, ou quase isso. Que o digam Alain Prost, Nigel Mansell, e mais recentemente, Fernando Alonso, e atualmente Sebastian Vettel...
            Quanto a ser o melhor piloto da história, essa é uma discussão que tem início, mas nunca acaba. Muitos fatores entram em consideração, e nem sempre os números conquistados por um piloto conseguem refletir isso com clareza ou justiça. Para muitos, Ayrton Senna continuará sendo sempre o melhor de todos, mesmo tendo sido apenas tricampeão. Hamilton tem o brasileiro como grande ídolo, mas já atingiu números muito superiores aos de Ayrton. Nem por isso muitos aceitarão o inglês como melhor que Senna, mesmo que Lewis conquiste até 10 títulos na F-1. Para outros, Michael Schumacher, pelo seu esforço em reerguer a Ferrari na segunda metade dos anos 1990 o credencia a ser muito melhor piloto do que Hamilton. E não podemos esquecer de Juan Manuel Fangio, que em outra época da F-1, demoliu seus adversários com rara competência. Como Reginaldo Leme afirmou em seu comentário a respeito da nova conquista de Hamilton, o inglês hoje consegue aliar as principais características de vários pilotos, e sendo tão ou até mais eficiente do que eles. E eu concordo plenamente com ele. Mas, por ainda ter muito o que mostrar nos anos que lhe restam de carreira pela frente, digo que Lewis ainda tem mesmo muito a crescer, como ele próprio afirma. Ele caminha para ser o maior de todos. Já o melhor, ainda poderá ser. O quanto, talvez ainda demoremos para descobrir.
            O que é certo é que estamos vivendo a “era Hamilton” na F-1, e tendo o privilégio, guardadas as devidas proporções, de admirar um mito do esporte a motor único, da mesma maneira como na MotoGP estamos vivenciando situação similar com outro fenômeno, o espanhol Marc Márquez, que neste ano também conquistou o hexacampeonato na classe rainha do motociclismo. Para quem ama as competições, um momento único, que deve ser devidamente valorizado e respeitado. Ela vai acabar em algum momento, mas até lá, conformemo-nos em apreciar os incríveis feitos destes profissionais, que já gravaram seus nomes nos anais do mundo da velocidade em suas respectivas categorias. Vida longa a Lewis Hamilton, o segundo e mais novo piloto a ser hexacampeão da F-1. Pelo menos enquanto o heptacampeonato não chega...

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