E o que todos já
esperavam aconteceu. Lewis Hamilton fechou a conquista de seu sexto título, e
como se diz, foi pra galera comemorar... E certamente deve ter sido aquela
comemoração, afinal, vários membros de sua família estiveram presentes em
Austin, e a certeza da conquista matemática do título era tanta que a FIA
deixou até mesmo um local “reservado” para o novo campeão mundial estacionar
seu carro após a prova, inclusive com o tradicional aviso de que carros não-autorizados
seriam “removidos” do local. Admito que foi legal, mas e se tudo tivesse dado o
mais errado possível, e a conquista do título não saísse em terras texanas, com
a decisão vindo parar por aqui no Brasil? Seria engraçado, mas estaríamos apenas
adiando o inevitável...
Para quem precisava
apenas de um 8º lugar para fechar a conta, Hamilton tratou de mostrar que
preferia partir para a frente de batalha. Se a classificação foi um pouco
abaixo do esperado, com o 5º lugar, o inglês tratou de corrigir a situação
rapidinho, logo no início da corrida, partindo para cima dos adversários, e já
se colocando logo em 3º lugar, comboiando o líder, seu companheiro de time
Valtteri Bottas, e o holandês Max Verstappen, que com a cabeça mais no lugar,
voltou a mostrar o que sabe fazer ao volante de um carro de corrida. E quase
tivemos um repeteco da vitória de Lewis na Cidade do México, com o inglês
fazendo novamente uma só parada, contra duas dos adversários diretos. Mas desta
vez não deu. Mas foi por pouco: Bottas reassumiu a liderança bem no finalzinho
da corrida, e Verstappen ameaçou bastante, mas teve de apenas fechar o pódio.
Hamilton em 2º, com mais uma dobradinha da Mercedes na temporada, e mais um
título na coleção, o sexto. A façanha coloca Hamilton como segundo maior piloto
da história da F-1, perdendo apenas para o alemão Michael Schumacher, e
superando o argentino Juan Manuel Fangio, com seus cinco títulos.
Para a Mercedes, que
já havia faturado o título de construtores em Suzuka, no Japão, o resultado em
Austin fechou o ano do time, com Valtteri Bottas a garantir matematicamente o
vice-campeonato, o seu primeiro pelo time prateado. É sua melhor temporada pela
equipe alemã, onde está desde 2017, e um resultado que pode ser usado para
justificar sua renovação por mais uma temporada no time, ainda mais depois de
uma performance apagada em 2018, tendo sido superado não só por Sebastian
Vettel, mas também por Max Verstappen, e até Kimi Raikkonem, além de ficar
muito atrás de Lewis Hamilton, em uma temporada onde o finlandês praticamente
não venceu nenhuma corrida, enquanto seu companheiro de time faturou 11 provas.
Agora resta a briga pelo terceiro lugar na classificação, que ainda deve animar
as duas corridas finais, entre Charles LeClerc, Max Verstappen, e Sebastian
Vettel. O monegasco é o favorito, mas não pode entrar no clima de “já ganhou”,
pois os rivais podem aprontar alguma ainda.
E o Brasil será o
primeiro país a ver o novo hexacampeão em ação na pista. Foi aqui que Lewis
conquistou seu primeiro título, em 2008, naquela decisão dramática onde Felipe
Massa fez o que estava ao seu alcance, vencendo a corrida, mas precisando
torcer por um resultado ruim do inglês, que no final não veio por apenas 1
ponto. Tivesse acontecido de maneira diferente, muita coisa poderia ter mudado
para ambos os pilotos. Hamilton poderia ficar estigmatizado por morrer na praia
pela segunda vez consecutiva, depois do show que havia dado em seu ano de
estréia; já Massa talvez tivesse mais consideração pela Ferrari nos anos seguintes
do brasileiro defendendo a escuderia rossa. Mas o que ficou daquela corrida foi
a última vitória de Felipe na F-1, enquanto o estrelado de Hamilton começava
para valer, em que pese ninguém poder precisar a que ponto ele ainda chegaria.
Uma trajetória de
sucesso que começou ainda no kart, quando Ron Dennis viu em um garoto chamado Lewis
Carl Davidson Hamilton um talento que tinha tudo para se destacar dos demais.
Adotado pelo então todo-poderoso chefe da McLaren, o garoto, cujo pai tinha de
dar duro em dois empregos para conseguir custear a carreira do filho até então,
tomou outros rumos. E ele teve a capacidade, e porque não dizer um pouco de
sorte, de corresponder às expectativas. E, para a temporada de 2007, já estava
fazendo barulho ao entrar na F-1, por ser o primeiro piloto negro a chegar à
categoria máxima do automobilismo, e ainda mais em um time de ponta como era a
McLaren, que naquela temporada contava com o novo bicampeão mundial Fernando
Alonso. E todos sabemos o que aconteceu, com o novato abusado a desestabilizar
o espanhol, que havia conseguido “aposentar” Michael Schumacher, o maior
vencedor da história da F-1.
Foram dois anos de
sonhos: um vice-campeonato logo na temporada de estréia, e o título na segunda.
Mas tendo uma certa relativização de seus resultados por ter estreado logo de
cara em um time de ponta, capaz de disputar o título, e não apenas vencer
corridas. Nada contra diminuir o valor de suas conquistas, só recordando que
ele teve os meios para fazer seu talento brilhar a tal ponto. E costumo dizer
que o valor de um piloto aumenta quanto mais dificuldades ele enfrenta. Será
que Lewis seria tudo o que diziam dele, já que só tinha carros bons até então à
mão? Os anos seguintes, onde não conseguiu renovar seu título, foram de grande valia
para ajudar o novo talento da F-1 a evoluir, tendo de superar dificuldades bem
maiores que as de seus dois primeiros anos. Não foram anos exatamente
pacíficos. Em determinados momentos, Hamilton cometia muitos exageros na pista,
e derrapava fora delas. Seu imenso talento se comprovava, mas ele precisava
crescer como profissional, e como pessoa.
E a Mercedes,
assumindo uma posição de supremacia na nova era turbo híbrida da F-1 a partir
de 2014 propiciou a Hamilton “explodir” na categoria, assumindo um protagonismo
e favoritismo que só teve paralelo nos anos de domínio de Michael Schumacher
com a Ferrari no início deste século, chegando ao bicampeonato em 2014, e ao
tri em 2015. Mas não foram exatamente conquistas fáceis. Nico Rosberg,
considerado por muitos um talento apenas bom, mas não um gênio, como
Schumacher, ou o próprio Hamilton ou Vettel, deu bastante trabalho a Lewis, e
mesmo não sendo considerado um piloto de quilate por muitos, conseguiu
desbancar Hamilton em 2016, conquistando seu tão sonhado título. Há um ditado
que diz que é na derrota que as pessoas costumam crescer e se desenvolver, e
foi a partir dali, na derrota para Nico, que Lewis corrigiu suas últimas
deficiências como piloto, tornando-se um profissional muito mais completo, e
por isso mesmo, bem mais difícil de ser derrotado. Rosberg sentiu isso, e vendo
que não teria como repetir a mesma performance no ano seguinte, preferiu
encerrar sua carreira, e aproveitar a vida. O nível de empenho e sacrifício
necessários para superar Hamilton novamente no mesmo time teriam de ser
hercúleos, e ele sabia que dificilmente conseguiria repetir sua proeza.
Para a Mercedes, foi o
melhor momento possível para Hamilton confirmar sua evolução como piloto, pois
a Ferrari veio muito forte em 2017, e só um piloto extremamente focado, como
Lewis jamais fora antes em sua carreira, poderia manter a Mercedes favorita
como de costume, apesar da crescente força do time italiano. O resultado foi o
tetracampeonato naquele ano, igualando-se em títulos a Sebastian Vettel, seu
grande rival na temporada, que apesar de tudo, acabou derrotado pelo inglês até
com alguma facilidade em certos momentos. E no ano passado, com uma Ferrari
mostrando novamente força, engrossando a disputa até mais do que em 2017, a
competência de Lewis foi fundamental para a conquista de mais um título, no que
se chamou de batalha dos tetracampeões, com ele e Vettel disputando quem seria
o novo pentacampeão mundial da F-1. Deu Hamilton, e com muitos méritos,
conseguindo desequilibrar uma situação onde a Ferrari tinha tudo para
finalmente conquistar o título, mas se perdeu em seus erros próprios, e nos de
Sebastian na pista, enquanto Lewis e a Mercedes, tal qual um instrumento
afinado à perfeição, fizeram sua conquista parecer até fácil, diante dos
números apresentados no ano. E ainda nos lembrando que o início foi até meio
complicado, com o inglês começando a reagir somente depois de sua primeira
vitória, apenas na 4ª prova, em Baku, e só deslanchando de vez a partir de
Monza, tendo até então um duelo incrivelmente parelho com Vettel, que até
àquele momento, era um oponente muito forte, assim como a Ferrari.
E neste ano, depois de
vermos uma Ferrari muito forte nos testes da pré-temporada, o que tivemos foi
uma Mercedes tão ou até mais dominante do que nunca, e com Valtteri Bottas a
dar a impressão de que poderia endurecer o jogo contra Hamilton dentro do time
prateado. Mas infelizmente o finlandês perdeu o fôlego depois de algumas
corridas, e Lewis tratou de se impor como favorito ao título novamente,
ganhando uma vantagem considerável, ainda na primeira metade da temporada.
Quando a Ferrari finalmente acertou o seu rumo, já era tarde para tentar uma
reação, mas Hamilton, cerebral, e enxergando o campeonato como um todo, tratou
de repetir, junto com a Mercedes, a tática do ano anterior: explorar os pontos
fracos dos adversários, e aproveitar qualquer oportunidade que surgisse. E elas
surgiram, depois que o time vermelho ganhou 3 corridas consecutivas, dando a
impressão de que daria as cartas até o fim do ano. Novamente afinados na
estratégia, com Lewis dando o seu melhor, e até uma certa dose de sorte que só
os grandes campeões parecem dispor, a Mercedes voltou às vitórias, e com
Hamilton ficando cada vez mais perto do título, o que acabou se consumando
domingo passado.
Com seis títulos conquistados, Lewis Hamilton agora vai à caça do hepta para igualar-se a Michael Schumacher, de preferência já em 2020. Os adversários que se preparem... |
Não adianta seus
detratores alegarem que Hamilton só é hexa por causa do excelente carro que
conduz. Michael Schumacher também teve uma Ferrari claramente superior aos
concorrentes em seus anos de supremacia, se bem que em grau um pouco menor. E
Ayrton Senna, que tanto louvam, pilotou as quase imbatíveis McLarens de 1988 a
1991. A discussão se Lewis Hamilton será o maior piloto da F-1 parece ter dada
de vencimento: em 2020, se a Mercedes mantiver seu nível de performance, o
inglês poderá igualar o número de títulos de Michael Schumacher, e até superar
seu número de vitórias. Ele já é o recordista de pole-positions, com 87, e de
pontos marcados, com 3.399. No momento, ele acumula 6 títulos conquistados em
248 corridas disputadas, onde venceu 83 delas, e subiu ao pódio em 150 GPs. Por
mais que digam que números não traduzem com precisão o fenômeno que Hamilton é
na F-1, não há como negar que são números impressionantes.
E que certamente
poderão atingir valores muito maiores, uma vez que Lewis disse que ainda tem o
que crescer como piloto, por amar muito o que faz. Seu contrato com a Mercedes
vai até o fim da próxima temporada, e a equipe alemã já está empenhada em
garantir uma renovação o quanto antes. Por mais que digam que Hamilton tem
desejo de defender a Ferrari antes de encerrar sua carreira, tudo aponta para
que ele permaneça onde está. Além de ter muita liberdade no time prateado, ele
sabe da capacidade técnica da escuderia e de seus recursos, que certamente
podem lhe garantir as melhores chances de competição na atualidade. Não que a
Ferrari não tenha recursos, como demonstrou nos últimos anos, apresentando
potencial para destronar os alemães do posto de campeões. Mas a sinergia e
entendimento dentro do time ainda estão muito aquém do entrosamento que a
Mercedes atinge atualmente, para não mencionar na estratégia de corridas, e no
próprio tratamento dispensado aos pilotos, uma vez que o time vermelho se acha
acima de tudo e de todos, muitas vezes até mesmo da F-1, e não foram poucas as
vezes que a escuderia italiana fez disso um tremendo revés para si mesma, não
conseguindo conjugar seus recursos de forma eficiente e calculada para
aproveitar todo o seu potencial. Não basta apenas querer defender a Ferrari
pela paixão, só pela fama e história da marca. Muitas vezes, isso pode se
tornar um canto de sereia fatal, ou quase isso. Que o digam Alain Prost, Nigel
Mansell, e mais recentemente, Fernando Alonso, e atualmente Sebastian Vettel...
Quanto a ser o melhor
piloto da história, essa é uma discussão que tem início, mas nunca acaba.
Muitos fatores entram em consideração, e nem sempre os números conquistados por
um piloto conseguem refletir isso com clareza ou justiça. Para muitos, Ayrton
Senna continuará sendo sempre o melhor de todos, mesmo tendo sido apenas
tricampeão. Hamilton tem o brasileiro como grande ídolo, mas já atingiu números
muito superiores aos de Ayrton. Nem por isso muitos aceitarão o inglês como
melhor que Senna, mesmo que Lewis conquiste até 10 títulos na F-1. Para outros,
Michael Schumacher, pelo seu esforço em reerguer a Ferrari na segunda metade
dos anos 1990 o credencia a ser muito melhor piloto do que Hamilton. E não
podemos esquecer de Juan Manuel Fangio, que em outra época da F-1, demoliu seus
adversários com rara competência. Como Reginaldo Leme afirmou em seu comentário
a respeito da nova conquista de Hamilton, o inglês hoje consegue aliar as
principais características de vários pilotos, e sendo tão ou até mais eficiente
do que eles. E eu concordo plenamente com ele. Mas, por ainda ter muito o que
mostrar nos anos que lhe restam de carreira pela frente, digo que Lewis ainda
tem mesmo muito a crescer, como ele próprio afirma. Ele caminha para ser o
maior de todos. Já o melhor, ainda poderá ser. O quanto, talvez ainda demoremos
para descobrir.
O que é certo é que
estamos vivendo a “era Hamilton” na F-1, e tendo o privilégio, guardadas as
devidas proporções, de admirar um mito do esporte a motor único, da mesma
maneira como na MotoGP estamos vivenciando situação similar com outro fenômeno,
o espanhol Marc Márquez, que neste ano também conquistou o hexacampeonato na
classe rainha do motociclismo. Para quem ama as competições, um momento único,
que deve ser devidamente valorizado e respeitado. Ela vai acabar em algum
momento, mas até lá, conformemo-nos em apreciar os incríveis feitos destes
profissionais, que já gravaram seus nomes nos anais do mundo da velocidade em
suas respectivas categorias. Vida longa a Lewis Hamilton, o segundo e mais novo
piloto a ser hexacampeão da F-1. Pelo menos enquanto o heptacampeonato não
chega...
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