Completou-se nesta
última quarta-feira, dia 1º de maio, nada menos do que 25 anos que o mundo da
Fórmula 1 perdeu um de seus maiores nomes, Ayrton Senna. Duas décadas e meia
atrás, no circuito Enzo e Dino Ferrari, em Ímola, durante a disputa do Grande
Prêmio de San Marino, pequeno principado encravado no meio da Itália, o piloto
brasileiro liderava a corrida, quando acertou o muro externo da curva
Tamburello, sofrendo graves lesões que o levaram à morte, algumas horas depois,
no hospital para onde fora levado, em Bolonha.
Foi o fim de semana
mais negro da história da categoria máxima do automobilismo. Um fim de semana
ruim que começou já na sexta-feira, com o violento acidente de Rubens
Barrichello, da Jordan, que acabou levando o piloto para o hospital. Rubinho,
apesar da violência da batida, sofreu poucos ferimentos, mas acabaria vetado
para correr o GP. No sábado, ele ainda participou da transmissão do treino de
classificação junto com Reginaldo Leme e Galvão Bueno, e no domingo de manhã
voltaria para a Inglaterra, para descansar e se recuperar do acidente sofrido.
E, curiosamente, Barrichello foi o mais sortudo dentre os pilotos acidentados
naquele final de semana. No sábado mesmo, o novato Roland Ratzemberger, da
igualmente novata equipe Simtek, acertou o muro de proteção da curva
Villeneuve, sofrendo ferimentos que o levaram à morte. Aquilo, por si só, já
era traumático: desde 1982 que a Fórmula 1 não via a morte de um piloto em
atividades de fim de semana de corridas. A morte do piloto austríaco só não
ganhou maior repercussão por se tratar de um novato praticamente desconhecido.
Impactou, mas a vida segue. Para muitos que assistiam pela TV, foi sensação
parecida. Mas, no domingo, tudo iria pelos ares, com a perda de Senna. Uma
corrida que começou com confusão, com um dos carros no grid não conseguindo
arrancar na largada, e sendo atingido por outro carro que veio de trás,
despedaçando partes de ambos os carros, e fazendo voar pedaços deles para todos
os lados, com os estilhaços a causarem ferimentos em várias pessoas próximas.
Foi preciso a intervenção do Safety Car para limpar a pista, e quanto a corrida
foi recomeçada, tudo parecia mais ou menos bem, até a Williams de Ayrton,
liderando a prova, seguir reto na Tamburello. E aí, o mundo desabou para muita
gente.
Desnecessário repetir
o ocorrido no autódromo e mundo afora naquele momento, e nas horas que se
seguiram. Para os fãs do esporte, uma perda monumental. Para os brasileiros,
era quase a razão de viver, torcer por um brasileiro que mostrava ao mundo que
nós podíamos ser vencedores também, em um mundo no qual nosso país nunca era
visto como uma nação séria. Pior que não haviam motivos injustificados para
isso. Éramos descrentes de nossos políticos, de nossa economia, e quase nada
nos dava algum alento frente às desilusões e más notícias vividas dia após dia.
Ver Senna vencendo num esporte elitista mundial como a Fórmula 1 fazia muitos
esquecerem essa realidade que vivíamos. Não que vencer na F-1 fosse algo estranho
ou anormal. Émerson Fittipaldi e Nélson Piquet já haviam dado muitas alegrias
ao povo torcedor com seus triunfos e títulos, mas ninguém soube projetar uma
imagem tão “patriótica” e fixada ao Brasil como Senna. Seu gesto de erguer a
bandeira nacional em várias de suas vitórias ajudou muito nisso, assim como a
fixação da sua imagem de vencedor pela TV Globo nas transmissões, com seu
principal narrador, Galvão Bueno, chegando a torcer descaradamente pelo piloto
em muitas oportunidades.
Em 1994, Senna realizou o sonho de correr pela Williams, mas que acabou se tornando um pesadelo para o piloto e para seus fãs. |
Morrer liderando uma
corrida, no auge da carreira, também ajudou a transformar Senna, que já era um
fenômeno da velocidade e do esporte, reconhecido no mundo todo, em um mito,
quase um santo, e isso teve suas boas e más consequências. Diria que a má é
principalmente o sentimento de muitos torcedores, para os quais a F-1 passou a
não ser mais boa como era, e do sentimento de orfandade que se abateu sobre
estas pessoas. Algumas vezes, dá a impressão de que para estas pessoas Senna,
se estivesse vivo, ainda estaria correndo e vencendo GPs e conquistando
títulos... Mesmo que ele tenha partido agora há 25 anos atrás. E a TV Globo,
por vezes, parece a maior órfã a exibir este sentimento, com muitas referências
e citações a Senna durante todo este tempo, numa demonstração inequívoca de
saudade daqueles tempos. Tempos que foram bons para muitos torcedores
nacionais, e claro, também estrangeiros, que puderam ver um dos maiores gênios
do mundo do automobilismo pilotar. Mas tempos que já ficaram no passado, e
assim deveriam ser tratados. Não esquecidos, claro. Mas lembrados e recordados
nos devidos momentos. E tratados com respeito e consideração, mas também com
sobriedade. Como em momentos como agora. Afinal, Ayrton nos deixou há um quarto
de século. Nem parece que foi há tanto tempo, mas foi. Vinte e cinco anos não é
uma data corriqueira. E este tipo de data merece sim suas considerações e
lembranças, como as que houve na quarta-feira, em Interlagos, e ao mesmo tempo,
na Itália, em Ímola, onde o autódromo onde Senna correu pela última vez esteve
com uma programação especial em memória ao piloto brasileiro, com suas portas
abertas a todos que lá estiveram. Em ambos os lugares, muitas pessoas estiveram
presentes, para honrar a memória do piloto, o que ele significou para seus
torcedores, e chorar sua perda, como se fosse um ente querido da família que
todos perderam ao mesmo tempo, naquele fatídico momento do choque na curva
Tamburello.
A rivalidade com Alain Prost na McLaren ganhou ares de guerra declarada. E o piloto francês viraria o "inimigo público Nº 1" dos torcedores brasileiros. |
Uma data que também não
passou esquecida para muitos daqueles que conviveram com Senna, dando suas declarações
nas redes sociais sobre sua convivência com o piloto brasileiro, como
jornalistas, profissionais das equipes da época, além de comentários também
daqueles que nunca conheceram ou viram Ayrton ao vivo e em vida, mas o
reverenciam pelo que ele foi nas pistas, como o atual campeão Lewis Hamilton,
que tem em Senna seu grande ídolo e inspirador. E nenhum deles está indiferente
ou desrespeitoso para com a vivência que tiveram com o tricampeão mundial de
F-1, ou sua memória. Igualmente, vários sites especializados, brasileiros e
internacionais, dedicaram matérias à esta data, recordando em maior ou menor
grau o que foi Ayrton Senna no automobilismo mundial, com inúmeros destes profissionais
do meio dissertando seus pontos de vista sobre o piloto.
A morte de Senna e
Ratzemberger, este quase esquecido pelo azar de ter falecido no dia anterior ao
brasileiro, ao menos gerou um grande legado, que foi o aumento das condições de
segurança da F-1, com novos padrões e exigências que se estenderam a inúmeras
outras categorias, ajudando a tornar pistas e bólidos muito mais seguros. Desde
o falecimento de Ayrton, a F-1 perdeu apenas um piloto nestes últimos 25 anos:
Jules Bianchi, devido a um acidente sofrido em Suzuka, quando seu carro atingiu
um trator de serviço que retirava um carro parado próximo à pista. Mais do que
uma fatalidade, pelo azar que o piloto da equipe Marussia teve, foi uma
recordação de que o automobilismo é ainda um esporte perigoso. Como era também
na época de Senna. Mas os acidentes que os pilotos sofriam tinham tido uma
sorte tremenda de não gerar falecimentos, por mais violentos que fossem. Os
carros não eram inseguros, mas precisavam de aperfeiçoamentos em vários pontos,
para serem muito mais eficazes na proteção dos pilotos. Esta priorização da
segurança segue firme até hoje, ainda que em nome deste objetivo a F-1 exagere
em certos momentos além do que precisaria ser feito, como se todos na pista
parecessem um bando de incapazes, deixando muitos torcedores desapontados pelo
excesso de zelo demonstrado.
Para o Brasil, ter de
encarar a realidade, sem ter mais o alento de ver um compatriota vencendo mundo
afora, foi muito duro. A única compensação foi o futebol, onde depois de 24
anos, voltávamos a ser campeões mundiais, na Copa dos Estados Unidos, naquele
mesmo ano, e chegando ao pentacampeonato em 2002. Tivemos algumas alegrias no
automobilismo nesse período também, com as vitórias de nossos pilotos na antiga
F-Indy, onde nosso pioneiro campeão, Émerson Fittipaldi, abriu as portas para
uma nova geração de pilotos que, sem conseguir chegar à F-1, foi exibir seu
talento nas terras do Tio Sam. Mas a mentalidade da grande maioria, em parte
moldada pela Globo, só enxergava a F-1, e lá, a mudança foi brutal: de
protagonistas, viramos apenas coadjuvantes. Para alguns pilotos, ficou tudo
pior do que já era naturalmente, com todos exigindo o surgimento de um “novo”
Senna para nos fazer ficar novamente no topo da ribalta, algo que nunca mais
aconteceu. Rubens Barrichello e Felipe Massa eram apenas bons, e mesmo vencendo
algumas corridas, e chegando a dar algumas alegrias momentâneas, nunca foram
“novos” Sennas para a maioria, que exigia vitória e títulos, por vezes mesmo
quando eles não tinham condições técnicas para tanto. Pior: eles passaram a ser
tratados como “vendidos” por cumprirem ordens de equipe destinadas a favorecer
seus parceiros quando estavam na Ferrari, o que só aumentou a desilusão para
com eles. Sempre vinha a discussão sobre isso: “Senna jamais aceitaria ordens
de equipe!”, bradavam.
Outra coisa que nunca
arrefeceu foi a rivalidade Senna X Piquet, com muitos torcedores de ambos os
pilotos a defenestrar uns aos outros, nas inúmeras discussões sobre quem foi
maior ou melhor entre eles. Infelizmente, por ambos terem personalidades
fortes, nunca foram amigos, como muitos desejavam. E até o contrário: para
apimentar ainda mais a situação, era preciso haver rivalidade, e não apenas com
Alain Prost, que se tornaria o “inimigo nacional público Nº 1” do Brasil a
partir de 1989. E Nélson Piquet, que não ligava a mínima para marketing, também
ajudou a incendiar essa disputa pela preferência do público. Seu estilo franco
e sincero, e por vezes polêmico, ao passo que Senna era um pouco mais
preocupado com sua imagem, sabendo ter um pouco mais de charme junto ao
público, era um grande revés para nosso primeiro tricampeão. Não era difícil o
público passar a amar mais Ayrton, cuja carreira a bordo da McLaren atingia as
alturas na F-1. Já Piquet, com um carro muito ruim em 1988 e 1989, perdeu
qualquer chance de igualar a disputa pela preferência da torcida, que até 1987
pendia a seu favor, pela conquista do tricampeonato. Piquet só voltaria a
vencer corridas no fim de 1990, mas sem conseguir recuperar seu prestígio junto
à imensa maioria da torcida, para a qual só existia Senna e nada mais, contra o
“inimigo declarado” Prost, e qualquer um que se colocasse no seu caminho,
embora Nigel Mansell, que superou o brasileiro em 1992, nunca tenha sido eleito
um adversário com tanto entusiasmo (ou poderia se dizer “ódio” dos torcedores).
Talvez o fato de saberem que a Williams tinha um carro imbatível ajudasse o
inglês a não ser tão visado, mas bastou Alain Prost ser confirmado em 1993, e
ainda por cima, vetado a contratação de Senna, para o francês ser candidato a
ser queimado na fogueira em praça pública pelos torcedores, que esqueciam que
seu ídolo já tinha também vetado a contratação de piloto quando estava na
Lotus.
Isso acende a
preocupação de Senna ser visto quase como um super-homem, um santo, um ser
perfeito, sem defeitos, o que não é verdade. O brasileiro era por vezes
arrogante e prepotente, e seus chiliques em 1992, quando exigia para si ter o
direito de pilotar o melhor carro da categoria, como se fosse uma afronta guiar
um carro menos competitivo, nada ficava a dever às queixas ouvidas em tempos
recentes por Fernando Alonso, em situação similar, sem conseguir disputar
títulos. E Senna também cometia erros, mesmo que com o passar do tempo fosse
ficando cada vez mais afiado na pilotagem, como em 1993. É preciso descer um
pouco para a realidade do que foi realmente Ayrton Senna: um piloto fantástico,
e um dos maiores nomes da F-1 em todos os tempos. Um grande ídolo nacional, e
que conseguiu fãs e respeito no mundo inteiro. Que infelizmente teve um destino
trágico. E que, em vida, teve seu lado gentil e carinhoso, e solidário, tendo
ajudado várias instituições, algo que mantinha com total discrição, para não
gerar picuinhas e fofocas sobre seus gestos, no que tinha muita razão de fazer.
O Instituto Ayrton Senna, desde sua criação, até os dias atuais, procura tentar
seguir os seus preceitos, usando os direitos de sua imagem para diversos fins,
algo que deve ser visto com o devido respeito, mas sem endeusar a memória de
Senna, como muitos fazem.
Ídolo também no Japão, Ayrton ganhou até uma série de mangá sobre a temporada de 1991. |
E é preciso,
sobretudo, deixar Senna descansar também. Há menções até demasiadas sobre ele,
especialmente por parte da Globo, que parece teimar em querer manter sempre seu
nome em evidência. Há razões para isso, a maior parte delas comercial, já que
sem um brasileiro cativando os torcedores, a audiência das corridas estancou,
nunca mais atingindo os índices que se via quando Ayrton disputava vitórias e o
título. Mas é uma história que já passou. Algo que deve ser recordado e
lembrado, sim, mas não com exagero, e aquele estilo típico de ufanismo que a
emissora já fez virar praxe em suas transmissões esportivas, e não apenas me
referindo ao automobilismo. A imagem de Ayrton Senna deve ser vista à luz da
realidade, com seus bons e maus momentos, em um relato objetivo e imparcial,
que mostre tudo o que ele realizou, bem como os períodos que possam ser
questionáveis em sua conduta e feitos. Não se trata de demonizar o piloto, como
alguns alegam, nem de diminui-lo, mas apenas de apresentar os fatos reais
ocorridos. Senna foi um ser humano como todos nós, com suas virtudes e
defeitos, que devem ser devidamente relatados.
Algo que parece ser
meio complicado atualmente, em especial pelo exponencial alcance da internet e
redes sociais, onde certas discussões facilmente descambam para guerras verbais
e brigas virtuais que não ajudam nem um pouco a manter um saudável debate sobre
os mais variados assuntos. E nisso também se enquadra a memória de Ayrton
Senna, que para alguns deve ser glorificada e santificada até, mesmo partindo
de pessoas que nunca o viram pilotar, ou nasceram após sua morte. As chamadas
“viúvas” de Ayrton Senna muitas vezes transformam simples e racionais
questionamentos sobre alguns atos não tão virtuosos a respeito do piloto em
linchamentos virtuais, numa defesa que em certos momentos parece beirar o
fanatismo. Não é algo generalizado, felizmente. Mas é tremendamente
dispensável, por que tal atitude apenas vilipendia a memória de Ayrton, que não
merece este tipo de torcida ardorosa, e certamente não a aceitaria, ainda
estivesse entre nós.
Ayrton continua vivo
na memória de todos. E assim deve ficar. Sem exageros ou glorificações
demasiadas. Apenas lembrado, e respeitado. É o que melhor podemos fazer para
honrar sua memória, e todo o legado que seu falecimento gerou de positivo para
o mundo do esporte a motor.
Não há muito o que se dizer a
respeito da corrida em Baku este ano da Fórmula 1. Apenas resumindo o básico: a
Mercedes fez mais uma dobradinha, agora com Valtteri Bottas à frente de Lewis
Hamilton; e a Ferrari acabou decepcionando novamente. Para alguns, o time
vermelho já jogou 2019 fora, e seria melhor pensar já em 2020... Exagero,
claro, mas que representa a frustração com o que o time italiano tem se
apresentado até agora na competição...
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