sexta-feira, 22 de junho de 2018

RETORNO A PAUL RICARD

O GP da França está de volta à F-1, e traz de volta também o belo circuito de Paul Ricard, próximo da costa francesa do Mar Mediterrâneo.

            Em clima de Copa do Mundo de Futebol, o mundo da velocidade não descansa, e hoje começam os treinos para uma das corridas mais aguardadas da temporada 2018 da Fórmula 1: o Grande Prêmio da França. A corrida francesa estava ausente há praticamente uma década do calendário da categoria máxima do automobilismo, tendo sido disputada pela última vez em 2008. Mas, além da comemoração por sua volta, que faz com que a França, um dos berços mundiais do automobilismo mundial, volte a sediar um GP de F-1, há outro motivo para a grande comemoração do retorno desta prova: a volta de Paul Ricard como sede da corrida francesa, de onde andava ausente desde 1990, quando esteve presente pela última vez no campeonato.
            Em 1991, a corrida foi mudada para o circuito de Magny-Cours, no interior da França, próximo à cidade de Nevers. O maior motivo para a mudança do palco do GP foi político: Guy Ligier, proprietário da extinta equipe Ligier, inaugurou a nova fábrica e sede de sua escuderia na região, e a pretexto de usar o autódromo como base de um plano para atrair investimentos para a região, que era seu berço político, cobrou muitos favores do governo francês, à época presidido por François Miterrand, para conseguir que a corrida fosse para lá. O grande trunfo, claro, era o autódromo, novinho em folha, e com instalações à época que deixaram todo mundo de queixo caído, oferecendo uma estrutura que nenhuma outra pista podia proporcionar até então.
            Para Bernie Ecclestone, promotor da F-1, era o máximo, em poder ver sua categoria correr naquele circuito que era tão suntuoso. Todos os times, claro, gostaram das estruturas oferecidas, no início de um processo que desencadearia, anos mais tarde, nos megacomplexos circuitos que a categoria passou a exigir para se apresentar pelo mundo afora. Até aquele tempo, ainda era possível correr em pistas onde as instalações eram mais acanhadas e simples, como nos bons tempos românticos que fizeram a fama da F-1. Magny-Cours mudaria tudo isso, para melhor, e para pior, com suas facilidades e reveses. Mas, a grosso modo, Magny Cours só agradava mesmo pela pista. Tirando o circuito, não havia praticamente nada nos arredores que compensasse a presença dos torcedores e profissionais num fim de semana de GP. Por estar situado numa zona quase inteiramente rural, a estrutura hoteleira próxima à pista era quase nula. Até mesmo Nevers, a cidade de maior porte perto da pista, não oferecia atrativos que justificassem uma viagem de passeio por ali. Pilotos, equipes, e profissionais de imprensa passaram muitos anos complicados em termos de arrumar locais para se hospedarem por ali. Lembro-me do Lívio Oricchio mencionar que, certa ocasião, acabou hospedado em cima do estábulo de um sítio. Aventuras mais complicadas, creio que apenas quando a F-1 resolveu correr em Aida, circuito perdido em meio ao nada na parte sul da principal ilha do arquipélago do Japão, em 1994 e 1995, quando houve a realização do GP do Pacífico...
Sede da prova francesa de 1991 a 2008, a pista de Magny Cours era excelente em estrutura no autódromo, mas o traçado nunca foi dos melhores, e a região em si não oferecia maiores atrativos aos turistas fora o GP em si.
            Mas a prova, com farto apoio do governo francês, foi sendo mantida no calendário, até que as taxas exorbitantes cobradas por Ecclestone decretaram o fim da etapa francesa depois de 2008. O prometido desenvolvimento feito por Guy Ligier e os políticos nunca se concretizou, e a região hoje não está muito melhor do que em 1991. Ligier, aliás, deixaria a F-1 na segunda metade dos anos 1990, quando vendeu seu time a Alain Prost, que mudou a sede da escuderia para as cercanias de Paris, enterrando de vez os projetos um dia pensados de Guy para tentar promover a região de Nevers. E a própria escuderia, rebatizada de Prost, que nos seus tempos aúreos era tida como orgulho nacional francês, não resistiu à má administração de Alain Prost, falindo no começo dos anos 2000 sem deixar saudades. Assim como Magny Cours também deixou poucas saudades em todos que lá correram. Se a estrutura da pista era ímpar, seu traçado, truncado, e pouco inspirado, nunca propiciou boas corridas, deixando muitas saudades em quem teve a chance de correr em Paul Ricard, sede anterior da prova francesa.
            Mas, depois de muito tempo, as injustiças foram corrigidas, e em fins de 2016, foi anunciado o tão aguardado retorno, não apenas da prova da França, mas de seu melhor palco, Paul Ricard, ao calendário da F-1, para a temporada de 2018. A pista hoje está completamente recuperada, e a F-1 voltará a usar o seu traçado original completo, utilizado pela última vez em 1985. Volta também a duração original da prova, em 54 voltas. Com a adoção de uma chicane para cortar a velocidade da grande reta mistral, o novo percurso do traçado é de 5,861 Km, ante os 5,810 Km de 1985. De 1986 a 1990, a pista foi encurtada, numa tentativa de torná-la mais segura, após o violento acidente que vitimou Elio de Angelis em 1986. Numa sessão de testes particulares da Brabham, a asa traseira de seu carro quebrou em plena reta Mistral, em altíssima velocidade, e o piloto perdeu o controle de seu bólido pela falta do aparato aerodinâmico, De Angelis sofreu um forte acidente, vindo a falecer. Ninguém gostou da versão “encurtada” da pista, que ficou com apenas 3,813 Km de extensão, mas era o que dava para fazer na época, portanto, a segurança falou mais alto. Hoje, a introdução de uma chicane justamente a meio da grande reta Mistral serve para quebrar a alta velocidade do trecho, garantindo sua segurança.
            Com algumas curvas travadas, em meio a outras curvas de raio longo e de alta velocidade, Paul Ricard deve oferecer um bom desafio aos pilotos e equipes da atual geração da F-1. O recorde absoluto da pista é de Keke Rosberg, em 1985, com Williams FW10 Honda turbo, que marcou o tempo de 1min39s914, que deve ser pulverizado já no primeiro treino livre de hoje, haja visto a grande diferença de performance dos bólidos da F-1 daquela época para a atual, mesmo com a introdução da chicane no meio da Mistral. Quanto os carros atuais serão mais velozes que os daquela época só saberemos ao fim do primeiro treino de hoje.
Na largada da corrida em 1989, Maurício Gugelmim sofreu o pior acidente de sua carreira na F-1, mas felizmente o piloto saiu ileso da capotagem, e ainda fez a volta mais rápida da corrida com seu carro reserva, até abandonar pro problemas mecânicos.
            Mas, o que mais atrai aqui, no pequeno povoado de Le Castellet, além do traçado de Paul Ricard ser muito mais interessante do que o de Magny Cours, é o que há além da pista. E não faltam opções: estamos próximos da Côte D’Azur, e todo o encanto da costa mais carismática e disputada do Mar Mediterrâneo, próximos de várias cidades cheias de atrativos turísticos, além das praias que atraem milhares de turistas nesta época do ano, como Marselha, Toulon, Cannes, Nice, e claro, Mônaco, um pouco mais distante. Para não mencionar também a pujante área agrícola deste entorno, com seus vinhedos, onde se produz excelentes bebidas, mesmo as que não sejam famosas. E aqui ao lado da pista ainda temos o Aeroporto Internacional de Le Castellet, e temos nas vizinhanças vários hotéis, restaurantes, e estrutura turística pra ninguém botar defeito, tudo o que não havia em Magny-Cours. Como competir com um lugar desses? Não por acaso, a etapa francesa era uma das provas favoritas dos pilotos sempre que a F-1 correu aqui, e não é preciso pensar muito para descobrir o porquê. E acredito que tem tudo para voltar a ser um dos melhores GPs para pilotos e equipes, pelo menos no clima extrapista.
            Dentro da pista, fica a dúvida de quão boa pode ser a corrida de reestréia da F-1 no domingo. Em tese, com seus longos trechos de retas, Paul Ricard deve proporcionar bons pegas entre os pilotos, com bons trechos para se tentar ultrapassagens. Pelo menos, na teoria. Em Montreal, esperávamos um GP agitado, e o que tivemos foi a corrida mais monótona da temporada até aqui. Paul Ricard também é um circuito que exige potência dos motores, e as atuais unidades motrizes híbridas terão boa chance de mostrar a que vieram, pelos longos trechos de reta e curvas de raio longo. Será um prato cheio para verificarmos se as novidades introduzidas por Honda e Renault na etapa do Canadá realmente proporcionaram ganhos significativos de performance que os tenham aproximado do desempenho das melhores unidades, Ferrari, e especialmente Mercedes, que aqui finalmente estréia sua nova versão, que não pôde ser usada no Canadá por problemas de confiabilidade que poderiam comprometer o desempenho dos pilotos na corrida e nos treinos.
            Portanto, a prova pode ser bem interessante na disputa pelo campeonato. Será que Lewis Hamilton e a Mercedes conseguirão dar o troco na Ferrari, depois de Sebastian Vettel ter dominado a corrida no Canadá? E não se pode esquecer que Valtteri Bottas vem fazendo algumas corridas com muito mais eficiência do que o atual tetracampeão. E temos também a Red Bull para tentar se meter no meio desta briga a dois times, que pode muito bem virar um duelo a três, se as circunstâncias o permitirem. E, para não dizer que a disputa será apenas na ponta, o pelotão intermediário também promete bons duelos, com a Renault tentando consolidar-se como 4ª força; a McLaren tentando acertar o seu rumo, e a Force India e Sauber/Alfa Romeo (esta especialmente com Charles LeClerc) subindo de produção. Toro Rosso e Hass voltarão a suas melhores formas? E a Williams, continuará na lanterna do grid? Começaremos a descobrir as respostas já no primeiro treino livre. E seja muito bem-vindo de volta à F-1, GP da França, e especialmente, Circuito de Paul Ricard!


Construído em 1970, a pista de Paul Ricard já sediou o Grande Prêmio da França em 14 ocasiões. A estréia do circuito na F-1 foi em 1971, substituindo o circuito de Clermont-Ferrand como sede da etapa francesa do campeonato. Jackie Stewart foi o primeiro pole-position, com o tempo de 1min50s71, com sua Tyrrel/Ford-Cosworth, à frente da dupla da Ferrari, Clay Regazzoni, e Jack Ickx. Na corrida, deu Stewart como primeiro vencedor da F-1 nesta pista, em uma dobradinha da equipe de Ken Tyrrel, com François Cévert chegando em 2º lugar. Émerson Fittipaldi, com seu Lotus/Ford-Cosworth, depois de largar numa pouca inspiradora 17ª posição no grid, fez uma prova combativa para terminar em 3º lugar, fechando o pódio. Já Ickx e Regazzoni ficaram pelo meio do caminho: o belga por problemas mecânicos no motor, e Clay por se envolver em um acidente. Clermont-Ferrand sediaria a corrida francesa pela última vez em 1972, e Paul Ricard assumiu de vez como sede a partir de 1973, com exceção das provas de 1974, 1977, 1979, 1981, e 1984, quando a corrida foi disputada em Dijon-Prenois, praticamente em um esquema de revezamento. E, em 1990, Paul Ricard sediaria a prova pela última vez. Nigel Mansell, então na Ferrari, marcou a pole, mas a vitória ficou com seu companheiro de equipe, o francês Alain Prost. E quase que a corrida viu uma zebra incrível na luta pela vitória: Ivan Capelli, da March, estava liderando a corrida, graças a uma prova sem fazer parada nos boxes para trocar pneus, e se mantendo firme na luta pela vitória, dando combate à Ferrari de Prost. Mas, a três voltas do final, o carro de Capelli começou a apresentar problemas na pressão do óleo do motor Judd, e o italiano precisou abrandar o ritmo, o que deu chance de Prost superá-lo e rumar firme para a vitória. O carro de Ivan mal conseguiu cruzar a linha de chegada ainda em 2º lugar, perto de ser superado por Ayrton Senna, da McLaren, que fechou o pódio em 3º lugar.
Ivan Capelli lidera a última corrida de F-1 em Paul Ricard, em 1990, à frente de Alain Prost, que acabaria por ser o vencedor da prova. O italiano foi 2º, e quase ganhou a corrida.


Apesar de vários de nossos representantes na F-1 já terem disputado essa corrida, apenas dois brasileiros venceram o GP da França até hoje, e uma das vitórias foi justamente aqui em Paul Ricard: Nélson Piquet, em 1985, naquela que foi a sua última vitória na equipe Brabham, e também a última do time fundado por Jack Brabham décadas antes na F-1. A Brabham faliria durante a temporada de 1992, depois de agonizar nos dois anos anteriores. A outra vitória foi de Felipe Massa, em 2008, mas na pista de Magny-Cours, pela Ferrari, na única temporada em que Felipe disputou o título da F-1, quase conquistando o título, mas ficando com o vice-campeonato pela diferença de um ponto para Lewis Hamilton, da McLaren, que levantou o caneco. Dos pilotos atuais, apenas Fernando Alonso, Lewis Hamilton, Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel já disputaram o GP da França e permanecem na F-1.


O circuito de Paul Ricard tem o nome de seu criador, o industrial Paul Louis Marius Ricard, que se notabilizou por produzir uma bebida alcóolica conhecida como pastis, muito comum na França, comercializada com seu nome desde 1932. Entusiasta de esportes, ele logo viu a oportunidade para patrocinar eventos esportivos para promover seu produto, tendo sido o primeiro patrocinador da conhecida prova de ciclismo Volta da França, ainda em 1948. E, claro, a construção do circuito, iniciada em fins de 1969, e finalizada no ano seguinte, também tinha propósito de promover seus negócios. Nascido em julho de 1909, Paul Ricard faleceu em novembro de 1997, aos 88 anos de idade.
Paul Louis Marius Ricard, fundador e construtor do circuito que leva o seu nome, junto à pista do autódromo, nos anos 1990.


A Indycar também acelera fundo neste final de semana, e naquele que é conhecido como o melhor circuito misto dos Estados Unidos, Elkhart Lake, com cerca de 6 Km de extensão, e que é chamado de “Spa-Francorchamps dos Estados Unidos”. A prova terá transmissão tanto pelo canal pago Bandsports quanto pelo canal aberto da TV Bandeirantes, a partir das 14 horas, horário de Brasília.

Nenhum comentário: