Por
motivos operacionais, a coluna da última sexta-feira não pôde ser publicada.
Aqui está ela, publicada excepcionalmente hoje.
PIQUET:
30 ANOS DO TRI
A vitória de Nélson Piquet no Grande Prêmio da Itália foi a sua última pela equipe Williams, que dava preferência a Nigel Mansell na luta pelo título da temporada de 1987. |
Hoje começam os
treinos oficiais para o Grande Prêmio do México, no circuito Hermanos
Rodriguez, na Cidade do México, e depois de assistirmos a mais um triunfo de
Lewis Hamilton no Grande Prêmio dos Estados Unidos, e aumentar ainda mais a sua
vantagem na classificação, tudo indica que a decisão do título deva sair na
pista mexicana, salvo um desastre completo para o piloto da Mercedes, o que é
muito difícil de acontecer, dadas as circunstâncias atais da competição. Em vez
de debater novamente sobre a possibilidade de uma conquista iminente, o que já
havia mencionado na coluna da semana passada, aproveito a oportunidade hoje
para lembrar de uma data cuja conquista fará 30 anos na próxima segunda-feira,
o tricampeonato de Nélson Piquet, ocorrido em 1987.
Nélson foi nosso
primeiro tricampeão na F-1, e na época, isso não era pouca coisa: apenas Juan
Manuel Fangio havia conseguido ser mais vezes campeão na categoria máxima do
automobilismo, com 5 títulos. Depois dele, todos os demais grandes pilotos
conseguiram ser no máximo apenas tricampeões até então. Àquela altura, Niki
Lauda havia sido o último competidor a alcançar tal feito, com o triunfo de
1984, chegando aos três títulos. Ao fim da temporada de 1985, Lauda se
retiraria em definitivo da competição, sendo mais um piloto a “empacar” na
marca dos três títulos. Ao começarmos a temporada de 1987, a F-1 contava então
com dois bicampeões mundiais: Nélson Piquet e Alain Prost. O brasileiro havia
sido campeão em 1981 e 1983 pela Brabham, que decaiu muito na competição em
1985, obrigando Piquet a procurar novos ares para voltar a disputar o título.
Prost, por sua vez, encaixara dois títulos consecutivos em 1985 e 1986, e era o
piloto a ser batido no início da temporada, em que pese todos saberem que a
Williams tinha o melhor conjunto carro-motor.
O francês começava bem
o ano, vencendo a corrida inaugural, no Rio de Janeiro, com Piquet em 2º lugar.
Prost ficaria sem pontos em San Marino, mas com nova vitória na Bélgica, dava
mesmo pinta de que iria tentar ser tricampeão naquele ano. Mas 1987 estava só
começando, e a dupla da Williams iria mostrar sua força mais dia, menos dia.
Era questão de tempo isso acontecer. Nigel Mansell venceria a corrida em San
Marino, enquanto Ayrton Senna triunfaria duas vezes, em Mônaco e nos Estados
Unidos, também dando a entender que entraria firme na disputa. Com cinco provas
disputadas, a Williams parecia que teria muito mais trabalho do que esperava:
até então, vencera apenas uma vez, com Mansell, o vice-campeão do ano anterior,
e Piquet já havia ficado de fora de uma prova, em Ímola, em consequência do seu
violento acidente na curva Tamburello, sendo vetado pelos médicos de participar
da corrida.
O clima na Williams,
aliás, não era dos melhores, mas isso já vinha desde meados da temporada
anterior, quando Piquet descobriu que a escuderia estava dando preferência a
Mansell no time. O brasileiro iniciou o ano disposto a não dar mole para Nigel,
mas o acidente em San Marino complicaria as coisas para Nélson, que confessou,
tempos depois, que não era mais o mesmo após a batida, e que perdeu boa parte
de sua capacidade de se concentrar na pilotagem. Sua noção de profundidade
ficou comprometida, e ele passou a depender de estabelecer referências para
frear nos circuitos, algo que nunca precisara fazer antes. Ele precisou guardar
segredo disso para evitar que Mansell e a própria Williams usassem como
argumento para preteri-lo oficialmente e centrar esforços no piloto inglês para
vencerem o campeonato. Se, em igualdade de condições, o time já vinha dando
preferências veladas ao piloto inglês, se soubessem que Piquet estava
debilitado, o descartariam de fato da luta pelo título.
A partir do Grande
Prêmio da França, a Williams finalmente deslanchou no campeonato, e começou a
deixar todos os adversários para trás tanto nas classificações como nas
corridas. Nigel Mansell enfileirou duas vitórias na França e na Inglaterra,
onde travou um duelo acirradíssimo contra Piquet e dava pinta de que iria ser favorito
isolado na luta pelo título da temporada. Piquet precisou de muita malícia e
certa dose de malandragem para virar o jogo a seu favor. Sem conseguir bater
Mansell com a frequência necessária, o brasileiro precisou se reinventar na
pista para garantir os resultados necessários para fincar o pé na luta pelo
campeonato, e fez da constância e regularidade suas principais armais para
inverter a situação. Com exceção de San Marino, onde ficou de fora, e da
Bélgica, onde abandonou por quebra de motor, em todas as demais provas Nélson
havia subido ao pódio, todas na 2ª posição.
Em Hockenhein, na
Alemanha, Piquet deu a virada, ao vencer a corrida e aproveitar o infortúnio de
Mansell, que abandonava sua 3ª corrida no ano. O inglês sofreria novo abandono
na Hungria, e com um novo triunfo, Piquet assumia as rédeas da competição, e
passava a ser tão ou até mais favorito ao título do que Mansell. A disputa,
porém, continuava difícil, e o brasileiro ainda sentia os efeitos do choque na
Tamburello, e isso o fazia ser, em condições normais, mais lento do que
Mansell. Era preciso manter o foco e garantir a constância dos resultados para
se manter firme no jogo. O estado de alerta não era em vão: na corrida
seguinte, na Áustria, apesar de marcar uma bela pole-position, Piquet acabou
superado na corrida, vencida por um Nigel Mansell imparável, mas garantindo-se
em 2º lugar, o brasileiro minimizava os prejuízos e seguia à frente na luta. Em
Monza, uma de suas pistas favoritas, Piquet voltaria a vencer e a abrir
vantagem novamente na pontuação, graças ao 2º lugar de Ayrton Senna, que
deixara Mansell em 3º. O campeonato aproximava-se de sua reta final, e não se
podia admitir deslizes.
O acidente na curva Tamburello, em San Marino, deixou sequelas que limitaram as capacidades de Nélson na pista, obrigando o brasileiro a mudar seu estilo de condução. |
Mas a sorte sorriu
novamente para Nélson na etapa de Portugal. Apesar de terminar em 3º lugar, seu
“pior” resultado em terminar uma corrida até então no ano, o brasileiro teve o
prazer de assistir seu maior rival abandonar novamente uma corrida, e com isso
perdendo nova oportunidade de diminuir sua desvantagem para Nélson, mais líder
do que nunca, e cada vez mais perto do inédito tricampeonato. Mas ainda havia
muito chão pela frente. E a etapa da Espanha, em Jerez de La Frontera, mostrava
que não se podia comemorar antecipadamente a conquista do título: Mansell
venceu a corrida de forma categórica e Piquet, com problemas na corrida,
terminou pela primeira vez uma prova no ano fora do pódio, sendo apenas o 4º
colocado. Nigel Mansell ainda estava longe de ser derrotado, e o inglês provou
isso na etapa seguinte, no México, onde venceu mais uma vez, obtendo sua 6ª
vitória no ano, o dobro dos triunfos de Piquet até então na temporada, e
decidido a chegar ao seu primeiro título na categoria. Piquet, fazendo uma
grande corrida, onde caiu bem para trás e recuperou-se, foi o 2º colocado, e a
pontuação dava 15 pontos de vantagem para Nélson, que com o descarte dos piores
resultados, tinha de fato 12 pontos de dianteira no campeonato, com duas provas
restantes para fechar o calendário.
A situação era
complicada: naquele ritmo, se Mansell vencesse as duas corridas finais e Piquet
fosse o 2º, o inglês se sagraria campeão. O plano de ser constante e regular
havia dado frutos, e o brasileiro estava firme no páreo, mas longe de poder
relaxar e baixar a guarda. Aos poucos, Piquet ia se recuperando parcialmente
das sequelas do acidente de Ímola, mas mesmo assim, Mansell parecia imparável
na pista. Era preciso manter a pressão e a vantagem, a fim de minar a confiança
do inglês para tentar manter o controle da situação. E foi assim que ambos
chegaram ao Japão, em uma prova que poderia ser decisiva para ambos. E acabou
sendo, de fato.
Suzuka era uma pista
completamente nova no calendário, e ninguém sabia muito bem o que esperar dela.
Na pista, após um bom período de domínio da Williams, caras novas davam o tom
da disputa, como Gerhard Berger, da Ferrari, e Alain Prost, da McLaren, que
inclusive havia conseguido vencer em Portugal. Mas as atenções estavam voltadas
para a dupla da Williams, os únicos que poderiam vencer o campeonato. E Piquet,
ao ser mais rápido que Mansell no treino de sábado, deixou o inglês pressionado
para superar o brasileiro, em uma pista que se mostrava um desafio, e que
poderia ser complicada de ultrapassagem. Tanto forçou para ser mais rápido que
Nigel acabou sofrendo um forte acidente nos esses atrás da reta dos boxes, e
acabou sendo vetado pelos médicos para correr, em que pesem histórias de que
Mansell até tinha condições de correr, mas sem as condições ideais de que
necessitaria para conseguir sobrepujar Piquet na pista, o que o teria levado a
se retirar mesmo da disputa.
Além dos adversários na pista, Piquet tinha de lutar praticamente contra o próprio time para ser campeão em 1987. |
E assim, já ao final
da sexta-feira, o campeonato acabava com a conquista do título da temporada por
Nélson Piquet, que chegava ao tricampeonato, igualando-se a alguns dos maiores
pilotos da história da categoria. Claro que alguns afirmaram, na época, que era
uma conquista anticlimática, por Mansell não poder correr, e assim, a decisão do
título ficar facilitada, mas Nélson avisava que não era por aquilo que ele era
o campeão, e sim pelo seu conjunto de resultados durante a temporada, onde sua
impressionante constância e regularidade foram suas armas para alcançar a maior
pontuação já atingida por um piloto até então em um campeonato mundial de F-1.
Até aquela corrida, Piquet havia sofrido apenas um abandono por problemas
mecânicos, enquanto Mansell havia ficado fora de combate em cinco provas,
deixando de pontuar. E ainda é preciso levar em consideração que Nélson havia
ficado de fora da etapa de San Marino, devido à batida na curva Tamburello,
cujas sequelas o deixaram mais lento e com problemas de concentração e percepção
por todo o restante da temporada, exigindo do piloto uma série de adaptações ao
seu estilo de pilotagem para buscar os melhores resultados disponíveis a fim de
lutar pelo título.
Vale lembrar também
que Piquet foi campeão contra o próprio time, que apoiava de forma quase explícita
Nigel Mansell. Piquet escondia certos acertos e regulagens, e as mudava sempre
que podia para despistar os mecânicos que atendiam seu parceiro de equipe, a
fim de não entregar todos os segredos ao rival. Trabalhou duro para desenvolver
o sistema de suspensão ativa, utilizado pela primeira vez pela Lotus naquele
ano, e venceu em Monza, na Itália, mostrando a viabilidade de seu uso. Nas
corridas seguintes, o time, contudo, optou por não usar mais o sistema. Uma
decisão estranha, não fosse o fato de Nigel Mansell não se dar bem com ele, e
dessa forma, ficar em desvantagem na pista contra o brasileiro, que defendia o
seu uso. Foi mais uma decisão com o intuito de favorecer o inglês na disputa
pelo título. Piquet precisou superar muita coisa para chegar ao título, e que
piloto hoje conseguiria competir tendo de lutar contra o próprio time?
Eram outros tempos,
óbvio, mas o desafio em si ainda era considerável. As provas finais, em Suzuka
e Adelaide, viram o abandono de Piquet por problemas mecânicos, mas o
brasileiro deixaria o time ao fim da temporada, rumando para a Lotus, onde
esperava não enfrentar os mesmos problemas de relacionamento com a escuderia.
Por isso mesmo, ele recusou o convite da McLaren, uma vez que no time, teria de
enfrentar Alain Prost, que lá já estava estabelecido, apesar das promessas de
Ron Dennis de igualdade plena de condições para ambos os pilotos e liberdade de
competição na pista. Isso também havia sido prometido na Williams, com o
agravante de que Piquet seria o primeiro piloto, algo que nunca foi respeitado.
Além de não concordar com algumas condições que Ron Dennis exigia, isso fez
Piquet optar pela Lotus, onde ganharia um salário muito maior, e não teria que entrar
em disputas fraticidas com o companheiro de equipe.
Infelizmente, foi a
decisão errada. A Lotus produziu um carro horroroso, e Piquet ficou
impossibilitado de lutar por novas vitórias a partir dali. A McLaren escolheu
Ayrton Senna para ser o novo companheiro de Alain Prost, e o que se passou a
partir dali todos conhecem. Quanto a Nélson, foram dois anos para esquecer na
Lotus, virando coadjuvante, e deixando de ser protagonista que era até então.
Piquet só voltaria a recuperar parte de seu prestígio na Benetton, em 1990, mas
sem condições técnicas de lutar pelo título, uma vez que a escuderia da marca
de confecções italiana ainda era um time médio para grande, que só
momentaneamente conseguia bater-se de igual para igual com times como McLaren e
Ferrari.
O tricampeonato de
Piquet está para completar 30 anos, e deve ser lembrado com todo o respeito e
comemoração a um dos maiores pilotos que a F-1 já viu em toda a sua história,
mesmo que atualmente tenha surgido novos pilotos cujos números de títulos seja
até superior, como Michael Schumacher, Sebastian Vettel, e Lewis Hamilton
esteja a ponto de se tornar também. Nélson talvez não tenha o reconhecimento
que mereça de fato pelo fato de ser um piloto muito autêntico e sincero, que
diversas vezes falou o que pensava e com isso arrumou muitos desafetos, fossem nas
pistas, nas equipes rivais, e principalmente na imprensa, inclusive a brasileira,
que tomou partido por Ayrton Senna, muito mais afável a eles, e que a partir
dali, decolaria na categoria, tornando-se também tricampeão mundial,
centralizando as atenções dos torcedores nacionais, que sempre foram atrás de
vencedores.
A Nélson Piquet, todos
os respeitos pela comemoração dos 30 anos de seu tricampeonato. Uma conquista
que não deve ser desprezada, e sim valorizada como poucas.
Assim como o GP dos Estados
Unidos, a Globo mais uma vez não exibirá o GP do México ao vivo, exibindo a
corrida no canal pago SporTV. A única diferença é que Galvão Bueno assumirá o
lugar de Sergio Mauricio na narração da corrida, feita em estúdio, no Rio de Janeiro.
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