sexta-feira, 30 de junho de 2017

AGORA É GUERRA!


Lewis Hamilton lidera Sebastian Vettel durante a corrida em Baku. Prova foi tremendamente movimentada, tendo como ponto alto o toque entre os dois, que parece ter finalmente deflagrado guerra entre ambos os pilotos.

            Se alguém dizia que o campeonato da Fórmula 1 este ano estava mostrando enfim uma disputa homem a homem mais emocionante pelo título da temporada, a etapa do Azerbaijão, disputada domingo passado em Baku, tratou de apimentar ainda mais as coisas. Sebastian Vettel e Lewis Hamilton, os protagonistas do duelo, até que estavam se mostrando comportados, elegantes e educados nas corridas até aqui, mesmo depois da luta renhida que travaram pelo vitória no Grande Prêmio da Espanha, onde chegaram a se tocar levemente em disputa de posição. Se a luta das últimas três temporadas, que ficara restrita a Hamilton e seu então colega de equipe Nico Rosberg, era considerada meio sem sal, e até com prazo de validade, visto que o time poderia censurar um dos seus pilotos se este se exaltasse demais na pista, o que poderia “broxar” a competição, este ano, com os dois contendores da luta pertencendo a times diferentes, seria um duelo muito mais mano a mano, sem limites impostos por ambas as escuderias.
            Mas o clima andava até calmo demais. Lógico que as corridas, com Vettel ganhando uma prova aqui, Hamilton outra ali, e o alemão da Ferrari liderando por uma margem de pontos razoável, mas tênue, com a balança da competição podendo mudar de um lado para o outro dependendo da corrida, estava deixando o campeonato interessante. Mas, será que o clima de cordialidade entre os dois pilotos se manteria firme até o fim do campeonato? Muita gente estava esperando para ver quando o caldo entre eles entornaria. Em 2014, no seu primeiro ano de supremacia, a Mercedes viu a rivalidade entre Hamilton e Rosberg pegar fogo com o toque do alemão no inglês na etapa da Bélgica, que obrigou a direção do time a ter uma conversa para “acalmar” os ânimos entre a dupla, que era amiga de longa data, tendo competido juntos em categorias de acesso. Até então, Lewis e Nico se davam muito bem. Bom, a partir dali, uma amizade se foi, e uma rivalidade nasceu, embora não tão raivosa como muitos pudessem desejar, afinal, ambos tinham que dividir os boxes e trabalhar juntos, em prol da escuderia. Portanto, o clima nunca pegou fogo além de certo ponto.
            Em Baku, ao acabar atingindo a traseira do carro de Lewis Hamilton durante o período do Safety Car na pista, Sebastian Vettel perdeu a cabeça pelo que considerou uma manobra suja de “brake test” com o intuito de prejudicá-lo. Seu bico ficou avariado, e furioso, ele acabou investindo contra o carro de Lewis, dando um pequeno chega-pra-lá entre os pneus que só não teve consequências sérias por ambos estarem em baixa velocidade. Faltou pouco para o alemão da Ferrari não ir até o box da Mercedes pouco depois para entrar em um pugilato com Hamilton no pit line. As informações da telemetria desmentiram a afirmação de Vettel de que Hamilton teria feito um “brake test” na sua frente, que seria uma freada súbita sem dar chance do piloto que vem atrás se desviar. O gráfico da prova indica que houve mesmo um uso do freio por parte do piloto da Mercedes, porém em grau não tão forte para indicar uma freada tão forte como alegado. Houve sim uma diminuição de velocidade, mas será que Hamilton seria tão idiota a ponto de colocar sua corrida em risco com uma manobra destas?
O toque polêmico. Vettel atinge a traseira da Mercedes e fica histérico pela manobra, mas o alemão vinha muito perto de Hamilton na pista naquele momento.
            Não se trata de dizer que Lewis é santo. Ele já teve sua cota de enroscos na pista, e já chegou a arrumar intriga com outros pilotos ao longo de sua carreira. Mas em Baku, ele liderava a prova, e provocar uma batida deliberada de Vettel na sua traseira seria extremamente arriscado pelos danos que seu carro poderia sofrer. Ele poderia ter um ou até mesmo os dois pneus furados no toque, além de problemas na suspensão traseira que arruinariam sua corrida. E, se Sebastian conseguisse abrandar os danos do toque na sua asa dianteira, ele sairia ganhando na manobra. Em poucas palavras, os riscos de uma quebra no carro eram potencialmente maiores para Hamilton do que para Vettel. Haveria também a possibilidade de, num toque mais forte, o carro do inglês perder o rumo e acertar o guard-rail, encerrando ali mesmo naquele momento sua corrida, enquanto o piloto da Ferrari poderia ter a chance de chegar ao box e consertar as avarias na dianteira do carro.
            Há outro lance interessante sobre este episódio: no período da primeira intervenção do Safety Car, Vettel ficou a uma distância razoável de Hamilton durante as voltas, e na hora de reacelerar com a liberação da pista, essa distância permitiu permitiu ao tricampeão sair muito bem, sem dar chance alguma do alemão grudar e tentar surpreendê-lo na relargada. Tanto que os carros passaram pela reta quando o Safety Car mal entrara nos boxes, o que poderia ter sido perigoso pelo arranque vertiginoso de Lewis. Alertado pelo time para tomar mais cuidado com esta manobra, o inglês abrandou seu ritmo na intervenção seguinte do Safety Car, durante a volta imediata antes dele se recolher aos boxes. Daí a diminuição de velocidade do inglês, poderíamos dizer. Mas Vettel, tencionando aproveitar a relargada para um ataque a Hamilton pela disputa da liderança da corrida, efetuou essa volta anterior à saída do Safety Car muito mais próximo do que antes, e essa maior proximidade ao carro de Hamilton teria contribuído sobremaneira para o toque sofrido entre ambos.
            Pelo ocorrido, Vettel não pode reclamar muito. Se ele perdeu a vitória em Baku, foi por culpa própria, por ter ficado de cabeça quente e dado aquele toque, proposital ou não, em Lewis, como se viu na imagem do alto. Numa temporada onde até então a FIA e a Liberty Media estavam deixando os pilotos muito mais à vontade na pista, sem aquele festival de punições a torto e a direito que víamos nas últimas temporadas, tanto é que os enroscos de Valtteri Bottas e Kimi Raikkonem e Esteban Ocon e Sérgio Perez ficaram por sem punições, por serem situações de corrida, um toque deliberado como aquele já era outra história. Fosse em alta velocidade, poderia ter consequências imprevisíveis. O alemão ainda teve duas ajudas involuntária: a direção de prova interrompeu a corrida para limpar a pista dos destroços dos toques de vários carros, e com isso, a Ferrari pode trocar o bico avariado do carro de Sebastian durante a interrupção; e com a corrida retomada, o protetor de cabeça do cockpit do carro de Hamilton começou a se soltar, e isso obrigou o inglês a uma parada inesperada para reafixar a peça, e isso o fez voltar, acreditem, atrás de Vettel, já punido, na prova. E acabou terminando a corrida logo atrás do alemão. Sebastian viu sua vantagem na classificação subir de 12 para 14 pontos, então, não pode reclamar exatamente de ter sido prejudicado tanto assim. A Hamilton, entretanto, veio o desprazer de perder uma vitória certa por um erro cometido pelo seu time, que não afixou direito o protetor de cabeça. Não fosse por aquilo, e Hamilton tivesse ganho a prova, com Vettel ficando em 5º lugar, o piloto da Mercedes teria assumido a liderança do campeonato, deixando o ferrarista em 2ª na classificação.
            A punição a Vettel foi branda? Em teoria, não, mas como Lewis teve seu problema com o protetor de cabeça, o que o fez cair na corrida, e ficando atrás do seu rival da Ferrari, ficou sim a sensação de que o alemão não foi punido pelo que fez. Muitos falaram que ele deveria ser desclassificado da prova, enquanto outros defendem que ele seja suspenso de um GP por isso. A grosso modo, e por pior que seja, prefiro que se deixem as coisas como estão no momento. A corrida já terminou, e ficar consertando um erro que pode ter interpretações meio subjetivas não fica legal. A FIA, inclusive, já determinou que fará uma investigação sobre o caso, avisando que poderá tomar novas ações sobre o caso. Se isso levar a uma nova punição de Vettel, já começarão a falar que o campeonato está viciado, entre outras conversas que a F-1 bem que poderia passar sem ter. Todo mundo quer ver disputas na pista, sem rescaldos de bastidores sendo anunciados tempos depois, sem mencionar que Vettel já tem com o que se preocupar.
            O alemão, com o incidente de Baku, acumula 9 pontos na “carteira” de advertências da FIA, que serve para disciplinar os pilotos. Se ele chegar a 12 pontos no período de um ano, toma uma corrida de suspensão automática como punição. Sebastian tem de se manter sob controle até a etapa da Inglaterra, daqui a duas corridas, quando vencerá parte dos pontos que tem acumulado. Se acabar se metendo em confusão, poderá tomar novas advertências, e ganhar mais pontos, o que o conduzirá ao”gancho” indesejado. O momento exaltado visto em Baku também faz lembrar que na etapa do México, no ano passado, o alemão chegou a insultar a direção de prova, com palavras diretas contra Charlie Whiting, por uma punição recebida. E não é de hoje que insultar a direção de prova e o pessoal da FIA pega bem... Lembram-se de Ayrton Senna após o GP do Japão de 1989...? É meio que por aí... Na época, após ser desclassificado da etapa japonesa por ter cortado uma chicane após uma batida com Alain Prost, Senna desandou a falar mal dos comissários de corrida, que ele foi prejudicado em favor de Prost, e que o presidente da então FISA, Jean-Marie Balestre, tinha mexido os pauzinhos para dar o título a seu compatriota Prost. Balestre, que não era de levar desaforo pra casa, impôs pesada multa ao brasileiro, e ameaçou excluí-lo da F-1, e também à McLaren, o time campeão. Exigiu desculpas públicas e retração incondicional do brasileiro. Ayrton teve de ceder e engolir a seco, retratando-se e desculpando-se pelas ofensas. Só então lhe foi permitido correr em 1990, com a devolução de sua superlicença, assim como a liberação da McLaren para competir normalmente. O clima de fato pesou bastante...
GP do Japão de 1989: Senna e Prost batem, e o brasileiro acaba desclassificado por cortar a chicane para voltar à corrida. Ayrton desandou a falar mal da FIA, que por pouco não baniu o brasileiro da F-1, obrigando-o a se desculpar e se retratar...
            Fora da pista, Hamilton não perdeu a chance de alfinetar Vettel, dizendo que se ele quer mostrar que é “macho”, que o faça fora do carro. O alemão, por sua vez, afirmou que a F-1 é lugar de”adultos” e não de moleques. Mas Vettel, nas entrevistas, procurava sempre desconversar sobre a punição recebida, em sinal de que sentiu o golpe recebido. Para o público, ver o clima de cordialidade e respeito entre ambos os pilotos ir para o espaço só ajuda a deixar o campeonato ainda mais interessante: todo mundo quer ver como se dará os próximos rounds dessa briga, e quanto mais faíscas rolarem, melhor ainda. Nos últimos tempos, Vettel tem ganhado a fama de reclamão, soltando os cachorros sempre que alguma situação na pista lhe pareça prejudicial. Já chegou a acusar Felipe Massa de interferir na luta entre ele e Lewis em pelo menos duas oportunidades, sendo que ocorreu apenas do alemão dar azar de encontrá-lo como retardatário em pontos não favoráveis na pista para uma rápida ultrapassagem. Hamilton, por sua vez, também costuma ter alguns chiliques quando as coisas não vão bem como ele espera, em que pese ter dado menos farol neste sentido nos últimos tempos.
            Em uma época recente onde o público cansou da atitude “politicamente correta” dos pilotos, com declarações padronizadas e press-release e entrevistas educadas e calmas, vem bem a calhar vermos os pilotos soltando o palavrão e falando o que pensam abertamente. Pode parecer ofensivo e até deixar alguns pilotos com fama de intratável ou arrogante, como é o caso de rotular Vettel de “reclamão”, como mencionado acima, mas convenhamos: não é muito mais humana e sincera estas posições? Sabemos que os pilotos não são necessariamente amigos, ainda mais se estão em luta direta por um título em alguma categoria, portanto, nada de ficar parecendo que todo mundo é amiguinho, e que as coisas correrão bem. Os torcedores querem ver mesmo é os pilotos se pegarem, guardados os limites do bom senso, óbvio.
            O perigo é que a recente liberdade dada aos pilotos possa deixá-los exaltados em demasia, e com isso, causarem alguma confusão grave e perigosa, pondo a perder os passos necessários, e corretos, para deixar que a disputa role solta dentro da pista, como sempre deveria ter sido, sem as frescuras de punições que por vários anos tolheram as disputas entre os pilotos e nos ofereceram corridas sem graça e sem emoção. Que a FIA saiba agir dentro do bom senso, e consiga evitar que os pilotos tomem atitudes demasiado extremas neste clima de guerra que acabou deflagrado entre Lewis Hamilton e Sebastian Vettel na etapa do Azerbaijão.
            E que os torcedores se preparem para escolher seus lados nesta disputa. Lewis Hamilton ou Sebastian Vettel? Agora é guerra, e que venha a guerra! Sem exageros, claro...


Qual foi a última vez que a F-1 viveu um clima de guerra declarada entre dois pilotos? Muito provavelmente, todos dirão que foi em 2007, quando o próprio Lewis Hamilton, então estreando na categoria, bateu de frente com Fernando Alonso na equipe McLaren. Lewis botou as asinhas de fora e deixou o asturiano, recém-coroado bicampeão do mundo, completamente desnorteado a meio da temporada, criando uma cisão dentro do time inglês, que acabou resultado na perda do título daquele ano para a Ferrari, que levou o caneco com Kimi Raikkonem, no último título que a escuderia italiana conquistou até hoje. E como desgraça pouca é bobagem, além do clima fraticida entre seus pilotos na pista, a McLaren ainda enfrentou o escândalo da espionagem de projetos da Ferrari, o "Stepneygate", que resultou na exclusão da escuderia inglesa do campeonato de construtores, permitindo contudo, que Hamilton e Alonso conservassem suas conquistas de pista. A McLaren ainda foi multada em US$ 100 milhões, e Alonso, desgastado com a rixa com Hamilton, pulou fora da escuderia, voltando a seu antigo time, a Renault, no que foi prontamente aceito por Ron Dennis, que fez uma rescisão amigável do contrato com Alonso. De lá para cá, nunca vimos uma disputa com esse nível de ferocidade na pista e nos bastidores. Houve rixas e brigas, mas localizadas e ocasionais, mais ligadas ao momento da competição, mas não englobando todo um campeonato e além dele... Hora de matar as saudades de um duelo pra valer, com direito a declarações e alfinetadas de bastidores... Se preparem...
Tão amigos que nós eramos: Na apresentação da dupla da McLaren, no início de 2007, Fernando Alonso e Lewis Hamilton eram só sorrisos... Alguns meses depois, ambos estavam se pegando na pista e cheios de picuinhas nos boxes do time inglês...

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