sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O ADEUS DE RON DENNIS?


Ron Dennis, principal diretor da McLaren nos últimos 35 anos, acaba "saindo" da direção da empresa, por imposição dos demais sócios. Fim de uma era? 

            Uma das notícias que bombaram nestes últimos dias foi o afastamento de Ron Dennis de suas funções de direção na equipe McLaren de F-1, e também do Grupo McLaren, do qual é detentor de 25% das ações. O ambiente entre Dennis e os demais sócios do grupo, entre eles o saudita Mansour Ojjeh, e o fundo de investimentos Mumtalakat, do Bahrein, já não andava harmonioso havia algum tempo, e após resistir o quanto pôde, Ron perdeu a parada. Mas ele continua dono de praticamente ¼ do Grupo McLaren, além de ainda permanecer como integrante do conselho executivo.
            Parte dos motivos da discórdia foram seu estilo autocrático e centralizador de comando, curiosamente, os mesmos adjetivos que o levaram a transformar o que era apenas mais um time de F-1 em uma das potências da categoria, e hoje, é parte de um conglomerado de tecnologia que vai muito além das pistas de competição. Quem vê as fotos do galpão onde funcionava a McLaren nos anos 1970, e observa hoje a suntuosa sede da escuderia, em Woking, na Inglaterra, não pode deixar de admirar a imensa transformação pela qual o time passou sob a gestão de Dennis.
            Pode-se dizer que Ron Dennis, ao lado de Frank Williams, são os últimos “garagistas” da F-1, depois que Peter Sauber vendeu seu time na categoria. São duas pessoas que, vivendo o mundo do automobilismo, começaram por baixo e chegaram aonde estão pelo esforço e mérito pessoais, algo praticamente impossível de se ver na categoria atualmente, dominada por times ligados a grandes fábricas, e necessitando de orçamentos astronômicos só para conseguir colocar um carro na pista.
            A saída de Dennis das atividades rotineiras da McLaren pode ser o ponto final de uma história que começou há 50 anos atrás, quando Ron, então com 18 anos, teve seu primeiro contato com o mundo das corridas, ao tornar-se mecânico da equipe Cooper de F-1, trabalhando no carro de Jochen Rindt. Com a saída do piloto austríaco para a Brabham, ele levou Ron Dennis junto, e não demorou para o jovem mecânico chegar a chefiar os mecânicos da escuderia de Jack Brabham. As funções de direção e gerência o levaram a criar seu primeiro time de competições, a Rondel, em parceria com Neil Trundle, para competir na F-2. Aos trancos e barrancos, enfrentando as dificuldades, Dennis montou a Project3, um novo time, sucedendo a finada Rondel, que havia encerrado suas atividades devido ao baque da crise do petróleo no início dos anos 1970. Ao fim da década, a escuderia, agora chamada de Project4, começava a ter seu sucesso, sendo campeã da F-3 inglesa com Chico Serra em 1979. Tendo se tornado um time vitorioso na principal categoria de monopostos de seu país, só havia um degrau para cima: a F-1. E em 1980, mais um título na F-3 inglesa, com Stefan Johansson.
Em 1969, com Jack Brabham na pista de Nurburgring, Ron Dennis já mostrava suas qualidades no gerenciamento dos mecânicos.
            Com o apoio da Phillip Morris, que já patrocinava seu time na F-3, e também a McLaren na F-1, Ron conseguiu associar seu time de competições à escuderia de F-1, que andava em uma fase nada inspirada, após seu último título, com James Hunt, em 1976. Da associação nasceu a nova McLaren International, e o novo nome mostraria que a escuderia fundada por Bruce McLaren atingiria patamares nunca antes alcançados na história da F-1 até então. Aos poucos, Ron Dennis assumiu a direção total da equipe, e começou a implantar seus novos métodos de gerenciamento. Sua obsessão pela perfeição em todos os aspectos iria ditar as novas diretrizes de gerência e condução do time. Com o talento do projetista John Barnard, e a chegada de Mansour Ojjeh e seu grupo TAG, que até então patrocinava a Williams, Dennis ganhou o apoio financeiro para conseguir os melhores recursos de competição, encomendando o patrocínio da Porsche para o projeto de um motor turbo para a F-1. Saíam de cena os modelos M da McLaren; entravam os novos MP4. E em 1984, menos de 4 anos depois, o time arrasava seus adversários na pista como nunca se viu na F-1 até então. Com Niki Lauda e Alain Prost, a escuderia fez 1-2 no campeonato de pilotos e dominou o de construtores, fazendo de Lauda o mais novo tricampeão da F-1, ao volante dos novos modelos projetados por John Barnard impulsionados pelos eficientes motores TAG-Porsche V-6 turbo. Uma nova era se iniciava na categoria máxima do automobilismo.
            E que era: com a parceria da Porsche, a McLaren conquistaria os títulos de 1985, e ainda levaria o de 1986, com Alain Prost, em um ano onde a nova força era a Williams/Honda. Mas, sempre hábil e astuto negociante, em 1988, Ron havia conseguido para a McLaren o talento de Ayrton Senna, e os poderosos motores japoneses. Foram mais 4 anos de domínio, de 1988 a 1991, com novos títulos de Prost, e o tricampeonato de Ayrton Senna. Com a Ferrari marcando passo desde 1979, a McLaren impunha-se como equipe N° 1 da F-1. Com a saída da Honda, a McLaren capengou um pouco, mas uma nova associação com a Peugeot, e principalmente depois com a Mercedes, levou o time de volta aos domínios, com o bicampeonato de Mika Hakkinen em 1998 e 1999. O início dos anos 2000 foram complicados para o time, que como todos os outros, foi atropelado pelo domínio da dupla Ferrari/Michael Schumacher. Só em 2008 a McLaren voltaria a ser campeã, agora com Lewis Hamilton.
Com Niki Lauda, Ron Dennis conquistaria o primeiro título de pilotos para a nova McLaren em 1984. Nos dois anos seguintes, voltaria a ser campeão, agora com Alain Prost.
            De lá para cá, o time continuou forte por mais alguns anos, mas desde o início da nova era turbo, a McLaren tenta se reencontrar. Firmou uma parceria com a Honda, que até o momento teve mais baixos do que altos. E essa seca de resultados também afetou a aura de grande administrador que Ron Dennis sempre cultivou.
            Uma aura que, ninguém se engane, é bem complicada de se manter em uma convivência. Ron Dennis nunca foi uma pessoa fácil de se lidar. Duro e por vezes prepotente, e arrogante, quando não as duas coisas ao mesmo tempo, o dirigente não tem fama de ser sociável, e olha que estamos falando de uma F-1 que há tempos já não sabe o que é ter um ar descontraído. E, por incrível que possa parecer, foi o próprio Ron Dennis quem mais contribuiu para a F-1 assumir essa postura sisuda e séria ao extremo. Seus novos métodos de administração na McLaren o fizeram ser o parâmetro que todos teriam de seguir se quisessem tendo chances na categoria. E o sucesso nunca o fez ser mais sociável, muito pelo contrário. Extremamente inteligente, Ron fareja oportunidades e agia com rapidez. Claro que isso o levou a criar uma verdadeira legião de desafetos, especialmente por parte daqueles que se julgavam passados para trás pelo dirigente. Quem quisesse ver Dennis perder a compostura, era só entrar no hospitality center da McLaren no paddock dos circuitos, sentar-se, e ler um exemplar do Red Bulletin, um jornal que a Red Bull produzia em seus bons tempos antes da fama, com boas matérias e alguns tópicos de bom humor muito legais, mas que na opinião de Dennis, era uma falta de profissionalismo e desconsideração com o meio da F-1. E nem os pilotos escapavam da fúria do “patrão”. Dizem que Ayrton Senna foi o único piloto da equipe a ter simpatia sincera de Ron, até porque dizem que o brasileiro também tinha personalidade muito forte, e não se intimidava facilmente com algo.
            Em 2007, a McLaren teve seu pior momento. O escândalo de espionagem, com desenhos roubados da Ferrari, encontrados na escuderia inglesa, fizeram o time ser multado em uma cifra milionária, além de perder todos os pontos no mundial de construtores, e ver a briga fraticida entre seus dois pilotos, Fernando Alonso e Lewis Hamilton, acabar por oferecer o campeonato à Ferrari, que levou o título com o finlandês Kimi Raikkonen. Isso minou a força política de Ron Dennis no meio da F-1, especialmente no embate que teve com o então presidente da FIA, Max Mosley, algum tempo depois, quando o dirigente inglês tentou implantar várias mudanças para baixar os custos de competição na categoria máxima do automobilismo. Como desgraça pouca é bobagem, Ron ainda se separou e se divorciou de sua mulher, Lisa, depois de mais de vinte anos de casamento. Em 2009, até para tirar de cima de si as pressões que vinha sofrendo de seus adversários, ainda em especial pelo escândalo de espionagem de 2007, Ron Dennis deixou a chefia da equipe de F-1, transferindo-a para Martin Whitmarsh.
A modesta sede da McLaren (acima), e o imponente centro de tecnologia onde o time de F-1 hoje se encontra (abaixo). A transformação de uma simples equipe de corridas em uma gigante de produção de tecnologia.
            Mas bastou para Max Mosley, desafeto de Ron, deixar de ser o presidente da FIA, para que ele retornasse, em 2014. Um dos motivos, obviamente, foi a falta de resultados da gestão de Whitmarsh na McLaren no período. E, da mesma forma como fora colocado no comando por Dennis, Martin também foi despejado do time. Com promessa de novos tempos na recém-renovada parceria com a Honda, os resultados infelizmente jogaram contra a imagem de hábil administrador de Ron. E ele chegou a cometer o pior erro em termos de estratégia nesse jogo de tubarões que ele mesmo ajudou a criar: começou a fazer amigos e aliados virarem adversários e inimigos. E é claro que uma hora a barra iria pesar. Foi o que aconteceu para perder seu aliado de longa data de mais de 30 anos, Mansour Ojjeh, coisa que muita gente considerava impensável há vários anos atrás. Decididamente, foi o maior passo em falso de Ron.
            Aos 69 anos, é provável que estejamos vendo a saída definitiva de Ron Dennis da F-1. Por tudo o que fez na equipe, sua saída, à força, pelo desentendimento com os demais sócios, só mostra como o meio corporativo hoje em dia é cruel e insensível. Não que Dennis também seja flor que se cheire: seu modo de tratar seus empregados nunca foram dos mais suaves, e sua partida poderá não comover muita gente como se pensa. Mas ele merece respeito pelo que fez à frente da McLaren nestes últimos 35 anos, algo que dificilmente veremos novamente no meio automobilístico atual.
            Talvez ele não esteja mais na F-1, mas quem o conhece, e sabe que ele não gosta de ficar parado, não se surpreenderia se o visse começando a atuar em outras paragens. Afinal, o mundo do automobilismo não se resume à F-1, como muitos gostam de pensar. Se para os pilotos já se viu que há boas opções de continuar sua carreira em outros campeonatos, por que Ron Dennis terá de encerrar sua carreira por não estar mais no comando da McLaren? Quem viver, verá!


Com a saída de Ron Dennis, Frank Williams fica sendo praticamente o “último dos moicanos” da F-1. Frank ainda mantém o controle de seu time, que atualmente é administrado por sua filha, Claire. Em proporções menores, a Williams também se tornou um grupo de produção de tecnologia, como forma de provir recursos para a manutenção da empresa. Mas Frank, já de idade, e tendo os problemas de estar confinado a uma cadeira de rodas há praticamente 30 anos, sente o peso das dificuldades mais do que nunca. E, recentemente, o dirigente inglês passou um bom tempo no hospital, se curando de uma pneumonia. Sua aposentadoria, nas atuais condições, pode ser considerada iminente. O único ponto positivo é que sua maior paixão, seu time de F-1, continua pertencendo à sua família. É verdade que a escuderia hoje não tem o mesmo poderio e sucesso que já teve um dia, e isso, em parte, também se deve ao fato de Frank nunca ter aceitado dividir as decisões ou deixar seu time ser encampado por alguma montadora. Nos tempos atuais, tanto Ron Dennis como Frank Williams tentaram levar o seu modo de condução da mesma maneira como ambos levaram suas escuderias ao topo. Infelizmente, os tempos são outros, e a era dos “garagistas” que levaram a F-1 a se tornar em parte o que é, já faz parte de um passado que nunca mais voltará...


Felipe Nasr viveu o inferno e o céu em São Paulo. O piloto brasileiro, que disputava um lugar melhor para competir na temporada de 2017, viu pelo menos duas portas se fecharem bem na sua cara, deixando-o com muito poucas opções para continuar na F-1 no próximo ano. Se a decisão da Renault em manter Jolyon Palmer causou estranheza pela falta de resultados demonstrada pelo piloto inglês durante o ano, o anúncio da Force India com a contratação de Steban Ocon mostrou claramente que o time cedeu às pressões da Mercedes, em troca de uma substancial aliviada nas contas de fornecimento de suas unidades de potência, e que aquele papo de que o dinheiro não era importante, na prática, foi mais uma conversa para boi dormir. E, como se não bastasse ver duas portas se fecharem, Nasr ainda viu que o carro da Sauber pouco poderia fazer em Interlagos, só não largando em último devido à punição a Palmer. Sua única chance era se chovesse. E não é que São Pedro o atendeu? Na pista molhada do autódromo José Carlos Pace, Felipe fez uma prova agressiva e arrojada, para esquecer tudo de ruim que passou em 2016, e chegou a ocupar a 6ª posição, um feito para a carroça que guiava. No final, ele acabou em 9°, marcando seus primeiros – e possivelmente únicos, pontos do ano, e salvando seu time da lanterna no mundial de construtores. Só para dar uma idéia do feito de Nasr, basta lembrar que a Williams, que tem um carro muito superior, ficou sem conseguir pontuar tanto com Valtteri Bottas quanto com Felipe Massa. Agora, depois dessa performance salvadora, ainda fica o dilema: por onde o brasileiro correrá em 2017? Sobraram apenas a Sauber, e a Manor. Se o time suíço ainda é uma incógnita, a Manor, por sua vez, conta com pelo menos dois trunfos: terá o motor Mercedes atualizado, e conta com apoio técnico da própria marca alemã. Já a Sauber anunciou que correrá com o motor Ferrari deste ano na próxima temporada, o que já significa que terá um propulsor defasado em pouco tempo. E ninguém garante que o carro será muito melhor do que o deste ano.


Felipe Massa não teve a despedida que esperava no seu último Grande Prêmio do Brasil, mas mesmo assim, ele não deixou de ser uma das estrelas do fim de semana. O brasileiro já havia interagido com o público em vários momentos antes da largada, sendo aplaudido pelo público. E, quando bateu, foi justo na entrada da reta dos boxes, bem de frente para a melhor posição dos torcedores. Massa se envolveu com a bandeira brasileira, e foi aclamado, e nos boxes, cumprimentado por todos que cruzaram com ele até os boxes da Williams, em um claro sinal de respeito e companheirismo poucas vezes visto na F-1 nos últimos tempos. Mesmo com resultados abaixo do esperado neste ano, Felipe Massa deixa a categoria com moral e respeito de seus colegas de trabalho. E ele o faz sem arrependimentos. E fará falta, podem apostar. Talvez não pelo que mostrou na pista, mas fora dela. E merece o devido respeito pelo que conseguiu em todos estes anos.

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