Depois da Audi anunciar sua saída do Mundial de Endurance, agora a é a Volkswagen que deixará o Mundial de Rali, mesmo com o carro para 2017 pronto. |
O mundo do
automobilismo mundial anda quente nestes últimos dias. Se na semana passada
tivemos o anúncio da Audi declarando que deixaria o Mundial de Endurance já ao
fim desta temporada, e não ao fim de 2017, como muitos já davam como certo,
esta semana foi a vez de mais duas equipes de fábrica serem tiradas de campo, e
de forma tão abrupta e surpreendente quanto foi o da marca das quatro argolas.
A Volkswagen anunciou dias atrás que está deixando o campeonato Mundial de
Rali, e a mais nova bomba que surgiu é da Lada, que também deixará de
participar de um importante campeonato mundial, no caso da marca russa, o WTCC.
E já para 2017. Terminadas as competições da atual temporada, adeus.
No caso do Mundial de
Rali, a decisão deixa desempregado ninguém menos do que Sébastian Ogier, atual
tetracampeão da categoria, que venceu os campeonatos nos últimos 4 anos
consecutivos. Em outras palavras, o time campeão está indo embora, e não é por
falta de bons resultados. Imagine como seria se a Mercedes de repente
anunciasse que está fora da F-1, como equipe e fornecedora de motores, mesmo
levando os títulos das últimas temporadas, e desta também? Isso dá uma idéia da
dimensão do impacto que a decisão da Volkswagen causou entre o pessoal do
Mundial de Rali, que ainda está tentando digerir o comunicado da marca alemã. O
que se comenta é que o escândalo que abalou a reputação da Volkswagen no ano
passado, quando se descobriu uma fraude nas verificações de emissão de gases
dos veículos da marca, que levou o grupo a tomar uma multa bilionária por
forjar resultados falsos, está pesando mais do que se esperava, e daí o fato de
resolver cair fora de dois campeonatos de renome mundial, a fim de economizar
uma grana que não é nada desprezível. Não é a primeira vez que vemos fábricas e
montadoras puxarem o fio da tomada em seus programas de esporte a motor, e
certamente, não serão as últimas. Daí, fica a pergunta: os times de fábricas
são algo positivo ou negativo para as categorias em que estão presentes?
Na década passada, Max
Mosley, presidente da FIA, havia alertado para o fato de que a F-1 não poderia
ficar refém das montadoras. O dirigente inglês alertou que as fábricas ficavam
na competição muito bem enquanto estivessem ganhando, mas que podiam sair ao
menor sinal de problemas, o que poderia ser muito ruim, ao contrário dos times
particulares, que lá competiam porque essa era sua razão de ser. Bom, suas
palavras foram proféticas: com a crise mundial de 2008, a F-1, que até então
exibia uma “pujante” disputa entre várias montadoras, que haviam comprado ou
feito associação com os times presentes na competição, resolveram abandonar o
barco da categoria máxima do automobilismo sem a menor cerimônia. A BMW, no
primeiro momento em que seu time caiu de performance, resolveu ir embora, e
pouco depois acabou sendo seguida por Toyota e Honda. Na prática, a F-1
perderia três times, mas o estrago foi minimizado, com a “recompra” da BMW por
Peter Sauber, reavendo o comando de seu antigo time, que tinha sido “comprado”
pela marca bávara; e o repasse do time da Honda a Ross Brawn, que assumiu o
comando da estrutura montada em Brackley e seguiu adiante, que algum tempo
depois seria comprada pela Mercedes, atual time dominante na categoria. A
rigor, só a Toyota mesmo resolveu puxar o carro, com a F-1 perdendo realmente
um time.
A Toyota também desistiu da F-1 após várias temporadas sem conseguir os resultados pretendidos. A Ford (abaixo) fez o mesmo, e vendeu seu time, a Jaguar, para a Red Bull. |
Max Mosley ainda
tentou arregimentar novos times “particulares”, além de impor um teto de gastos
a fim de tornar a F-1 mais acessível. Mas acabou vencido pela politicagem, que
uniu Bernie Ecclestone e as montadoras, que obviamente eram contra o limite de
gastos. Mas o aviso de Mosley sobre as fábricas ficarem enquanto apenas lhes
fosse conveniente não era em vão. O problema é que pouco se fez para mudar essa
situação, quando muito absolutamente nada foi feito de positivo. Se é verdade
que o número de fábricas atuantes na F-1 diminuiu, os efeitos de sua entrada
continuam mais firmes do que nunca, e não são nada bons.
Citando o exemplo da
F-1, as fábricas tiveram participação fundamental na criação da categoria, em
1950. As grandes marcas da época em sua maioria estavam todas lá, mas com o
passar do tempo, elas foram saindo, e seu lugar foi ocupado pelos “garagistas”,
amantes do automobilismo que construíam seus carros de competição praticamente
nas garagens de suas casas ou empresas, daí o termo que passou a designar estes
empreendedores que formavam estas escuderias para competir no certame. Dos
times de fábrica, apenas a Ferrari permaneceu, enquanto outras marcas iam e
vinham. A presença de grandes marcas sempre foi um trunfo para angariar
credibilidade a um campeonato. Afinal, como ignorar nomes como Porsche,
Ferrari, Honda, Renault, Ford, entre tantos outros, numa competição? Até o fim
dos anos 1980, entretanto, a discrepância entre os recursos de times de fábrica
e times privados sempre foi contornável pelo talento que abundava nos times
particulares. Mas, a partir dos anos 1990, os crescentes custos de competição
começaram a atingir níveis estratosféricos, e a partir dali, apenas quem não
tivesse uma grande montadora por trás tinha chances de obter o sucesso
pretendido.
Não foi por outra
intenção quando a FIA, leia-se Max Mosley (sim, o mesmo que tempos depois se
mostraria contra a presença ostensiva de montadoras no grid), e com o aval de
Bernie Ecclestone, louvaram a chegada de várias montadoras na F-1. A BMW,
Renault, Honda, Toyota, e Ford se juntariam a um grupo que tinha a Ferrari e a
Mercedes, e a categoria máxima do automobilismo se transformaria num autêntico
mundial de marcas. Para sobrevalorizar, ainda criaram um “limite” de vagas no
grid que se tornou um autêntico tiro pela culatra, na ânsia de dourar sua
pílula. Um dos pontos positivos, se diziam, é que com tantas fábricas, não
haveriam mais times pequenos no grid, e com todas as escuderias tendo recursos
e apoio à vontade das grandes fábricas, a competitividade melhoraria. E quem
não queria ver, em teoria, nada menos do que todos os times disputando vitórias
e o campeonato? Mas entre teoria e realidade, sempre houve uma grande
distância, e o esperado equilíbrio de forças nunca veio.
A BMW tinha tudo para ser uma força na F-1, mas no primeiro tropeção, desistiu de tudo e caiu fora. E não pensa em voltar até hoje. |
O que veio foi que,
com recursos à vontade, foi se criando uma estrutura gigantesca para os times
continuarem a disputar a F-1. Se até o fim dos anos 1990, ainda era possível a
um time competir com uma estrutura pequena, porém profissional, com bom
gerenciamento e patrocínios suficientes, nada disso era mais capaz na década
que abria o novo século. O resultado é que hoje, mesmo depois da partida de
várias destas fábricas, ficou uma estrutura sem a qual os times não conseguem
mais prescindir para disputar a competição. Não por acaso, a tentativa de se
arregimentar novos times a partir de 2010 foi pífia, e além de critérios
questionáveis na escolha dos “eleitos”, ficou patente a diferença de nível
entre quem já estava estabelecido, e quem estreava. O desnível se vê ainda hoje
quando a Manor, único time “remanescente” desta nova leva de escuderias novas,
ainda está no fim do grid, conseguindo ocasionalmente alguns brilharecos, que
devem ser relativizados pelo fato de a Mercedes ter passado a investir no time,
utilizando-o para formar seus pilotos.
Competir na F-1 se
tornou uma tarefa ainda mais ingrata e complicada. A escuderia de Gene Hass, o
mais novo time da categoria, levou mais de um ano se preparando para entrar com
o pé direito, e ao fim de sua primeira temporada, Hass admite que ainda tem
muito o que aprender, e que a F-1 é muito mais difícil e complicada do que
imaginava. E olhe que Gene ainda tem um império empresarial por trás de si, o
que certamente facilitou alguns passos. Mas, e se não tivesse? Atualmente, por
mais que se “tente” baixar os custos de competição, a verdade é que a F-1 se
tornou um gigante que não sabe mais como é viver sem ser grande. A estrutura de
competição cresceu demais, e mesmo tendo cortado gastos em determinadas áreas,
como os testes, tudo continua custoso e excessivamente caro. Dos times atuais,
apenas Mercedes, Ferrari e Red Bull, e obviamente, a Renault, não tem problemas
financeiros. Todos os demais, talvez menos a Hass e a Toro Rosso, dependem de
ter estruturas enormes para competir, e precisam custear essa estrutura toda.
Definitivamente, não há mais como um “aventureiro” chegar à F-1. Aliás, os
“aventureiros” que fizeram a F-1 ser o que é hoje não são praticamente mais
aceitos na competição. E a F-1 mostra que ainda prefere flertar com as
montadoras, mesmo com estes riscos. Conseguiu trazer a Honda de volta, e tentou
seduzir a Audi nos últimos anos, bem como tentar obter um sinal da BMW de um
possível retorno. Bem, a Audi nunca se deixou encantar pela categoria, e a BMW,
por sua vez, tão cedo não volta, também. Mas as estruturas de competição
gigantescas e seus custos ficaram. Se antes um time de ponta contava com pouco
mais de 100 pessoas, hoje essa escuderia conta com pelo menos 5 vezes esse
número de funcionários. E isso é só um exemplo de como tudo isso cresceu nas
exigências de competição da F-1.
Esse foi o lado
negativo que a chegada das montadoras propiciou à F-1. Mas outro lado negativo é
quando vão embora, deixando a ver navios aqueles que dependiam destas marcas.
Quando todos contavam com a Peugeot no novo Mundial de Endurance, eis que os franceses deixaram todos a ver navios, pulando fora no último instante. |
Em 2012, a Peugeot,
que disputava as provas de longa duração, simplesmente pulou fora do novo
Mundial de Endurance (WEC), praticamente no último minuto, pegando a todos de surpresa.
E agora, temos a Audi pulando fora do mesmo campeonato, mas anunciando isso de
forma mais honesta e correta, ainda que tenha pego todo mundo de surpresa. Mas
nem sempre uma fábrica abandona tudo de um momento para o outro, só por que
quis sair, por uma decisão da diretoria. Em 1996, a Renault, que vinha ganhando
tudo na F-1, anunciou que estava deixando a categoria, com a sensação do dever
“cumprido” pelo sucesso alcançado. Mas isso se daria ao final do ano seguinte,
1997, o que deixou todo mundo de sobreaviso para procurar novas parcerias. E
mesmo quando a marca francesa deixou a competição, seus motores continuaram
disponíveis através da Mecachrome, parceria da Renault de longa data, para quem
ainda quisesse os seus propulsores, obviamente sem o mesmo nível de
desenvolvimento. A Honda, quando saiu ao fim de 1992, já tinha feito também seu
aviso com antecedência, ao contrário do que aconteceu ao fim de 2008, quando a
escuderia foi fechada em dezembro, com o projeto do carro de 2009 quase
finalizado, deixando todo mundo na mão, o que só não foi pior em virtude de
eles terem repassado o time a Ross Brawn, para quitar as obrigações pendentes.
No caso de agora, a
Volkswagen sai de cena no rali com o carro de 2017 praticamente pronto, mas que
nunca irá competir, pois a fábrica não tem planos de fornecê-lo a times
particulares. No caso da Lada, a marca deverá participar de competições a nível
local, em um remanejamento de seus recursos. A Audi já declarou que seu foco
será a Formula-E a partir de agora, e ainda mantém sua participação no DTM, o
campeonato de turismo alemão.
A Lada também está saindo de um campeonato de renome, o WTCC. |
Por essas e outras,
muitos defendem que não haja times de fábrica nos campeonatos. Esse sentimento
de “conveniência” de que muitas montadoras só permanecem quando está se
favorecendo na competição – leia-se ganhando, não pode ser ignorado. Mas é
fácil afirmar também que eles só fazem o que dão na telha. Muitas vezes a
decisão de abandonar não é fácil, e muito menos intempestiva. A Toyota gastou
rios de dinheiro na F-1 em seu time oficial, e simplesmente cansou de gastar
tanto por pouco retorno. Do mesmo modo, a Peugeot e a Chrysler também deixaram
a categoria com sentimento de desilusão após empenharem-se a fundo para
fornecer um bom equipamento e não terem seus esforços correspondidos.
E as marcas vão e vem.
A Citroen, depois de uma pequena pausa, estará de volta ao Mundial de Rali no
próximo ano. Na MotoGP, a KTM já prepara sua nova investida na classe rainha do
motociclismo também no próximo ano. Mas é preciso sempre deixar aberta a porta
para a entrada das equipes particulares, dando-lhes condições de competirem de
forma saudável, criando seus próprios carros de competição, ou se valendo de
equipamentos desenvolvidos por terceiros. É preciso impor limites para evitar
que os times de fábrica, pelo imenso poder financeiro das corporações que tem
por trás, desequilibrem a competição a seu favor, provocando um encarecimento
dos custos e da estrutura de competição que muitos times privados não tem
condições de manter. Garantindo que os times particulares sempre estejam na
competição, minimiza-se os efeitos negativos que marcas de fábrica causam
quando saem de supetão de um certame. Diferente das escuderias das montadoras,
os times privados tem na competição sua razão de ser, e muito mais dificilmente
irão debandar da disputa.
E é possível também
que um campeonato seja disputado sem equipes de fábrica. E que se possa ser um
bom campeonato. Mas sempre é bom que as competições possam ter respaldo de
grandes marcas. Afinal, todas elas tem seus admiradores pelo mundo todo, e os
campeonatos que contam com seu apoio se aproveitam desta admiração pela marca.
Afinal, como se pode ignorar a presença da Ferrari no grid da F-1. E a Porsche
na Endurance? Ou a Honda e Yamaha na MotoGP? Tudo tem seu lado bom e ruim.
Deve-se batalhar sempre para encontrar o ponto de equilíbrio ideal, que permita
que os efeitos positivos possam ser bem aproveitados, e impedir que os efeitos
negativos tenham repercussão além do esperado.
Sempre é ruim quando
vemos grandes marcas abandonando seus projetos no mundo do esporte a motor.
Audi, Volkswagen e Lada farão falta nos certames em que estavam presentes. Não
é o fim do mundo para estas categorias, mas que parte do charme que atrai os
fãs para estes campeonatos se esvai, é inegável. Estes últimos dias não foram
mesmo bons para o mundo da velocidade. Esperemos que não venha mais nenhuma
surpresa inesperada deste tipo ainda este ano...
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