sexta-feira, 11 de novembro de 2016

A DESPEDIDA DE MASSA


Em sua despedida da F-1 no Grande Prêmio do Brasil, Felipe Massa correrá com seu nome estampado no carro da Williams.

            Hoje começam os treinos oficiais para o Grande Prêmio do Brasil aqui em Interlagos, e embora o assunto do dia seja a possibilidade de Nico Rosberg ser campeão no domingo, o que está chamando a atenção de todos é outro nome: Felipe Massa. O piloto da Williams disputa neste domingo sua penúltima corrida na Fórmula 1, e há um carinho todo especial por parte dos torcedores e da imprensa para com Felipe, que certamente vai aproveitar ao máximo sua última corrida em casa. Massa falava em dar tudo de si nesta prova, almejando um pódio para dar de presente de despedida à torcida brasileira, mas vai ser muito complicado que consiga. No início do campeonato, quando o carro da Williams ainda era mais competitivo, até seria uma meta plausível, mas hoje, com a ascenção de outras escuderias, o melhor que Felipe pode almejar é pontuar, e de preferência, à frente de seu companheiro de equipe Valtteri Bottas. E ele próprio sabe que isso é muito difícil. Sóbrio como poucos, declarou que só quer dizer um grande “obrigado” à torcida presente no autódromo. E que pretende curtir cada momento deste fim de semana. Já começou hoje com vários pilotos prestando suas homenagens a Felipe, que foi cumprimentado por muita gente no paddock, seja pelos colegas pilotos, jornalistas, e funcionários das equipes pelas quais passou em 15 anos de carreira na categoria. Uma década e meia de atividade, onde ele guarda boas e más recordações, e o Grande Prêmio do Brasil não seria diferente.
            Felipe Massa teve muitos altos e baixos em suas participações no Grande Prêmio do Brasil, aqui em Interlagos. Aliás, mais baixos do que altos. Em sua primeira participação, em 2002, Felipe fazia aqui sua segunda prova na temporada. Fez uma classificação satisfatória, largando em 12° lugar, mas acabou abandonando devido a um acidente na 41ª volta. Dispensado por Peter Sauber no fim do ano, Massa passaria a temporada de 2003 como test driver da Ferrari, que o recolocou na mesma Sauber em 2004, entregando ao time suíço um piloto bem mais preparado que o novato que estreara dois anos antes. E pelo menos na etapa brasileiro, Massa marcou o seu primeiro ponto, com um 8° lugar, após largar numa espetacular 4ª posição, atrás apenas de Rubens Barrichello, Juan Pablo Montoya, e Kimi Raikkonen. No ano seguinte, a prestação do piloto de Botucatu no autódromo José Carlos Pace não foi tão esplendorosa quanto no ano anterior: largou em 8°, e terminou em 11°. Mas Felipe já era o novo centro das atenções na prova brasileira que encerrava o campeonato da F-1: ele passaria a ser piloto da Ferrari em 2006, substituindo Rubens Barrichello no time italiano.
            Dito e feito. Massa venceria suas primeiras corridas na F-1, e a torcida nacional tinha um novo nome por quem torcer. E justamente aqui em Interlagos, Felipe conseguiu um privilégio raras vezes concedido pela Ferrari a um de seus pilotos, que foi usar um macacão personalizado em outras cores que não o tradicional vermelho do time. Massa usou um macacão verde-amarelo, com o desenho estilizado de nossa bandeira, e deu sorte: com os percalços enfrentados por Michael Schumacher, que fazia aqui sua primeira despedida da F-1, o brasileiro não apenas largou na pole-position, como praticamente venceu a corrida de ponta a ponta, levando a torcida nas arquibancadas ao delírio, e promovendo a primeira vitória de um piloto brasileiro em nosso GP após o triunfo de Ayrton Senna em 1993. Impossível não se deixar contagiar pela alegria da torcida naquela ocasião. E todos tinham motivos mais do que plausíveis para esperar por melhores dias. Afinal, Schumacher se aposentava, e o novo companheiro de Felipe no time italiano, Kimi Raikkonen, não era centralizador como o alemão. Massa teria chances reais de brilhar no time italiano, chance que sempre foi negada a Rubens Barrichello.
Em 2006, a consagração de Massa: vitória no GP do Brasil, com direito a macacão verde-amarelo, e delírio da torcida nas arquibancadas.
            Só que a temporada de 2007, ao mesmo tempo em que confirmou Massa como um dos postulantes ao título, também acabou mostrou o brasileiro como sendo o primeiro a sair da disputa na parte final do campeonato. Ao chegar a Interlagos, a ordem era Felipe correr para ajudar Raikkonen, este sim com chances de ser campeão. E Felipe, infelizmente, teve de cumprir o papel que o time esperava dele: largando na pole-position, ele entregou a vitória a Raikkonen, e o finlandês, aproveitando-se da luta fraticida entre Fernando Alonso e Lewis Hamilton na McLaren, conquistaria o título, que seria também o último da equipe italiana, que já completa uma década de jejum de lá para cá. Massa foi o vencedor moral do Grande Prêmio daquele ano, e a torcida, por mais desencantada por ver Felipe entregar a vitória ao companheiro de equipe, tinha novamente ficado de pé nas arquibancadas. E esperançosa na possibilidade de ver novos triunfos em 2008, e quem sabe, até o título. Naquele momento, não era um sonho impossível de acontecer.
            E a temporada de 2008 foi muito boa para Felipe. Com Raikkonen a enfrentar alguns azares, coube ao brasileiro liderar a Ferrari na parte final do campeonato, e ao chegar a Interlagos, Massa tinha 5 vitórias no campeonato, e entrou na pista paulistana como líder da competição, como vice-líder da competição, com 87 pontos, contra 94 pontos de Hamilton, que tinha também 5 vitórias, mas seu time, a McLaren, não tinha a mesma força do ano anterior. E Felipe foi ao ataque, conquistando a pole-position para não dar margem a dúvidas de que só a vitória importava. Hamilton, por sua vez, largava em 4°. As chances eram apertadas: Massa precisava vencer, e torcer para Lewis ser apenas o 6° colocado, o que faria o brasileiro campeão no critério de desempate por ter mais vitórias. O script vinha acontecendo conforme a torcida desejava: enquanto o brasileiro conduzia sua Ferrari comandando a corrida, o inglês da McLaren faria uma corrida errática, sem conseguir ameaçar os ponteiros. Mas, ironia das ironias: a chuva, que tantas alegrias deu à torcida nos tempos de Ayrton Senna, quando o brasileiro arrasava seus rivais no piso molhado, acabaria com o sonho de Massa ser campeão. Na volta final, Timo Glock, com o carro perdendo rendimento por não ter trocado seus pneus, acabou superado justamente por Hamilton, que assumia o 5° lugar, e conquistava seu primeiro campeonato por 1 ponto de diferença para o piloto da Ferrari.
Em 2008, vitória e frustração. Felipe largou na pole e dominou a corrida, mas perdeu o título por 1 ponto para Lewis Hamilton. Foi também a última vitória dele na F-1.
            Durante pouco mais de 30s, todos no autódromo aclamavam Massa como campeão. Mas, não deu. Felipe saiu por cima, como vencedor moral do campeonato. “Ganhamos e perdemos juntos”, declarou, na época. De fato, o brasileiro cometeu erros em várias provas, como Hamilton também teve suas mancadas, bem como seus respectivos times. Ganhou quem errou menos. Mas, piloto por piloto, Felipe saiu como o melhor piloto de 2008, e pelo terceiro ano consecutivo, fez a alegria da torcida presente nas arquibancadas. Duas vitórias e um 2° lugar, com 3 poles consecutivas. Realmente, tudo caminhava a bom termo para Felipe, não apenas na F-1 como um todo, mas aqui em Interlagos, onde ele recuperou a magia de uma época que não víamos desde Ayrton Senna, com esperança de vitória brasileira em nossa corrida caseira.
            Infelizmente, o triunfo de 2008 seria também o último de sua carreira. Em 2009, a Ferrari não conseguiu apresentar um carro tão competitivo como o do ano anterior, e como desgraça pouca é bobagem, Massa ainda sofreu um violento acidente na Hungria, ao ser atingido por uma mola que se soltou do carro de Rubens Barrichello, durante treino no circuito húngaro. Felipe sofreu um ferimento sério na cabeça, e por pouco, poderia ter sido até fatal. Ele precisou passar por cirurgia, e ficou de fora do restante da temporada. Todos sentiram sua falta aqui em Interlagos, onde ele tinha brilhado intensamente nos anos anteriores.
            De volta à competição em 2010, os anos dourados na Ferrari se desvaneceram. Com a chegada de Fernando Alonso, o time rosso voltou à sua política tacanha de dois carros, um piloto. E era óbvio quem iria sobrar nesta história. Felipe fez naquele ano sua pior apresentação no GP do Brasil até então: largou em 9° para terminar em 15°, enquanto Alonso largava em 5° para terminar no pódio em 3° lugar. A torcida brasileira teria de se resignar a ver Felipe novamente como coadjuvante, e não mais como protagonista. O ano de 2011 foi um pouco menos sofrido aqui no Brasil. Felipe largou em 7° lugar, e terminou em 5°. Mas, novamente, atrás de Alonso, que partiu da 5ª posição, para terminar em 4°, mais de 30s à frente do brasileiro.
            Mas, como dizem que nunca há mal que sempre dure, a etapa brasileira de 2012 pareceu trazer de volta os bons tempos. Felipe largou em 5°, e subiu ao pódio em 3° lugar, voltando a dar alegrias ao público presente. Só incomodava o fato de Alonso, mais uma vez, ter chegado à frente de Felipe, em 2° lugar, mesmo tendo largado em 7°. Mas, já dava para voltar a ter algumas esperanças, quem sabia? Faltava combinar com a realidade: em 2013, Felipe foi apenas o 7° colocado, depois de largar em 9°. Alonso, por sua vez, partiu em 3°, para terminar na mesma posição e fechar o pódio. E era duro para os torcedores aguentarem as fofocas de davam Massa como “demitido” ao fim do ano nas últimas temporadas. Em alguns momentos, dava a impressão de que a Ferrari ainda mantinha o brasileiro por “favores”, e não por sua competência como piloto. Mas a verdade é que Felipe precisou de acompanhamento por uns tempos. O efeito das ordens de equipe recebidas durante a etapa da Alemanha de 2010 mexeram com seus brios mais do que ele gostaria de admitir. Fora isso, o carro da Ferrari, projetado mais para as preferências de Alonso, não permitiam ao brasileiro render tanto quanto o espanhol, pelas diferenças de condução inerentes aos pilotos. Ao fim de 2013, Massa encerrou sua participação na F-1 pela Ferrari, e mudou-se para a Williams, onde encontraria a paz que necessitava para voltar a pilotar com seu antigo foco.
            Claro que não foi assim tão fácil. A Williams, a princípio, demorou para se achar na temporada de 2014, mas quando o fez, tornou-se o melhor time do “resto do grid”, só não o sendo de fato na pontuação por ter deslanchado muito tarde durante o ano. Mesmo assim, Massa voltou a frequentar o pódio, e foi aqui em Interlagos que ele esteve presente novamente, largando em 3° e terminando na mesma posição, com uma prova sólida onde foi o melhor do “resto”, em virtude da supremacia esmagadora da Mercedes, que deitou e rolou na corrida brasileira. Em Abu Dhabi, no encerramento da temporada, Felipe foi o 2° colocado, e parecia ter se reencontrado na F-1. De fato, livre da pressões e politicagens do time de Maranello, Massa descobriu que ainda podia ter vida na F-1. Na temporada do ano passado, o brasileiro fez um campeonato bem parelho com Valtteri Bottas, terminando o ano logo atrás do finlandês na classificação, com apenas 15 pontos de diferença. Foram dois pódios de Massa contra dois de Bottas. Mas o azar voltou a castigar Felipe em Interlagos, fazendo-o ser desclassificado da corrida devido à temperatura irregular na medição dos pneus.
Em 2014, em seu primeiro ano na Williams, Massa subiu ao pódio em 3° lugar em Interlagos, sendo o melhor piloto do "resto" do grid na etapa brasileira, atrás apenas da dupla da imbatível Mercedes, Lewis Hamilton e Nico Rosberg.
            E neste ano, infelizmente, a Williams continuou a decair. Felipe sentiu isso, e vendo que as chances da próxima temporada não eram muito promissoras em termos de possuir um carro que lhe permitisse pelo menos vencer corridas, preferiu sair a mendigar um lugar em um time, apenas para permanecer. Esta semana ele deu mais detalhes de como tomou a decisão. Viu que chegou a hora, e que vai passar para outra fase de sua carreira de piloto. É seu direito, e ele toma a decisão de forma consciente e sem arrependimentos. Parar nunca é um momento fácil, e mesmo sabendo que ainda poderia ter o que oferecer na próxima temporada, sabe que isso estaria muito condicionado às possibilidades do carro que pudesse ter em mãos. Mesmo com algumas opções no mercado, preferiu não apostar em algo incerto.
            Felipe sabe que para muitos torcedores, sua carreira não correspondeu ao que esperavam dele. Muitos tinham esperanças de que ele se tornasse um “novo” Senna, e tal como Rubens Barrichello, ele sai por baixo da F-1, na opinião de muitos. Nada mais equivocado, e desmerecido também. Felipe teve uma carreira honesta, e tem do que se orgulhar dela. Teve seus momentos de alegrias, e também de tristezas e frustrações. Deu alegrias aos torcedores. Fez o que pôde, diante de suas possibilidades e capacidade. Ele se mostrou sereno e tranquilo durante toda a semana, cumprindo com dedicação sua rotina com patrocinadores e convites para entrevistas e participação em programas e outras atividades, arrumando tempo para atender a tudo e a todos, como sempre fez questão de fazer. E entrará na pista hoje ciente de que está de fato em sua despedida da F-1. Em Abu Dhabi, será apenas cumprir tabela por obrigação. Massa está em casa, e é aqui que ele quer sentir o carinho de toda a torcida que sempre o apoiou e ainda apóia, não importa o que aconteça na pista. Em homenagem, a Williams colocou o nome de Massa na lateral do seu carro, no lugar do nome da patrocinadora, a Martini. Claire Williams, filha de Frank Williams, não escondeu a emoção quando Massa lhe comunicou que estaria fora do time e da F-1 ao fim do ano. O brasileiro conquistou o time com sua simpatia e carisma, e o clima de despedida está por todos os lados na escuderia. Assim como Rubens Barrichello, Massa conquistou o respeito de todos na F-1, menos por seus resultados, mais como pessoa, e isso não é fácil de se conseguir a esse nível, especialmente num ambiente onde rivalidades, picuinhas e egos exacerbados são coisas tremendamente comuns.
            Massa sai de cabeça erguida da F-1. E merece todo o respeito por isso. E, para o exigente “torcedor” brasileiro, a chance, real, de não termos mais um piloto no grid no próximo ano, faz com que se torne ainda ais necessário aproveitar não apenas esta corrida, mas também a de Abu Dhabi, para se ver um representante nosso nas pistas da categoria. Isso porque Felipe Nasr, nosso outro representante na categoria, literalmente viu seus planos de ir para um time melhor em 2017 naufragarem de forma contundente, mas isso é assunto para outra coluna.
            O momento é de curtir a despedida de Felipe Massa. E que ela possa ser a mais digna possível. Ele mais do que merece.

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