Felipe Massa, ao lado de Claire Williams, anuncia sua aposentadoria da F-1 em coletiva no circuito de Monza. |
Se a corrida em Monza
este ano foi apenas morna, sem muitas disputas e emoções, o mesmo não se pode
dizer dos bastidores. Despedida da F-1 da Europa no campeonato há vários anos,
o tradicional circuito italiano há muito já é palco tradicional de anúncios de
pilotos e times visando a próxima temporada. Portanto, público e jornalistas
sempre esperam alguma declaração, mesmo as mais óbvias, daquelas que todo mundo
já sabe o que vai acontecer, mas que, mesmo assim, ainda precisa do anúncio
“oficial” para dar a devida credibilidade.
Este ano não foi
diferente, e vimos o anúncio oficial de dois pilotos sobre seus destinos em
2017, sobre os quais já rolava várias especulações sobre em quais times ambos
competiriam no próximo ano. Jenson Button afirmou que não estará no grid no
próximo ano, mas continua na McLaren, podendo voltar em 2018, dependendo das
circunstâncias. Já vi essa história antes na década passada, em 2001, quando
Mika Hakkinem, também piloto da McLaren, anunciou um ano sabático na temporada
de 2002, para voltar em 2003. O finlandês, bicampeão pelo time inglês em 1998 e
1999, nunca retornou à F-1. Pode-se dar o mesmo com Button. Mas só saberemos
mesmo no ano que vem se o inglês, campeão em 2009 com a Brawn GP, retornará ao
cockpit ou se dirá adeus em definitivo à categoria máxima do automobilismo.
Mais incisiva foi a
declaração de Felipe Massa, na quinta-feira, dia 1, de que está se aposentando
definitivamente da Fórmula 1 ao fim desta temporada. O piloto paulista
encerrará 2016 com nada menos do que 14 temporadas na F-1, onde conquistou, até
a prova da Itália neste último domingo nada menos do que 243 GPs disputados,
com 11 vitórias, 16 pole-positions, 1.112 pontos, com 41 pódios e nada menos do
que 15 voltas mais rápidas, além de um vice-campeonato em 2008. Não são números
de se desprezar, exceto, claro, para aquela turma de “torcedores” que destratam
o piloto, como já execraram em inúmeras outras temporadas Rubens Barrichello.
Para estes, Felipe Massa não passa de mais um “fracassado” e “perdedor”, que
envergonhou a estirpe dos grandes campeões brasileiros nas pistas. Nada mais
irreal e preconceituoso de um grupo de pessoas para os quais só a vitória e um
título definem o valor de um esportista.
Saber a hora de parar
não é para qualquer um. Em um momento onde o nome de Massa era especulado em
vários times, o anúncio de Felipe surpreendeu a todos porque, mesmo diante da
temporada sem brilho que vem fazendo, em virtude de uma Williams que já não
brilha mais como o fez nos dois últimos anos, muitos ainda esperavam vê-lo no
grid na próxima temporada. Mas, a exemplo do que a própria Williams fez com
Barrichello em 2011, passando a menosprezar o piloto em seus planos para o ano
seguinte, Massa também ficou com uma expectativa meio em baixa na escuderia,
tanto que vários nomes eram especulados, como Jensn Button, Sérgio Perez, e até
Felipe Nasr, ficando Massa no meio deste bolo, mas sem preferências. Felipe
resolveu que não ia se prestar a isso, e ciente de já ter cumprido com sua
obrigação, e conquistado quase tudo o que poderia fazer na F-1, preferiu se
retirar. Disputará as próximas corridas naquele clima de despedida, pronto para
dar outro rumo à sua vida em 2017, e como um pai de família, terá enfim um
pouco de paz para decidir o que irá fazer, após uma década e meia cumprindo uma
agenda de viagens rotineiras para todos os cantos do mundo para disputar
corridas aqui e ali.
Felipe não vinha
conseguindo bons resultados este ano. Ocupa apenas a 10ª posição no campeonato,
com 41 pontos, enquanto seu companheiro de equipe, Valtteri Bottas, é o 7°, com
70 pontos. Seus melhores resultados foram na Austrália e na Rússia, onde foi 5°
colocado. Ficou sem pontuar em 5 provas, e em outras 3, sofreu para conseguir
um mísero ponto. Um dos pontos fracos do piloto é sua relação com os pneus, e
Massa nunca foi muito dócil com os novos compostos de duração limitada que a
Pirelli passou a fornecer à F-1 nos últimos anos como componentes essenciais
para trazer mais emoção à categoria. O que não significa que o brasileiro seja
um piloto fraco. A verdade é que não existem pilotos infalíveis. Mesmo os
grandes campeões tem seus defeitos e fraquezas. Mesmo assim, na comparação com
seus companheiros de equipe, Felipe só se saiu melhor que seu parceiro de time
justamente em 2008, ano de seu vice-campeonato, com 97 pontos conquistados,
contra 75 de Kimi Raikkonen. O ano de 2009 não serve de comparação porque ele
sofreu aquele acidente na Hungria e ficou de fora do restante do ano. E, infelizmente,
a comparação dos anos em que foi companheiro de Fernando Alonso na Ferrari
revela um panorama totalmente favorável ao piloto espanhol.
A estréia na F-1 em 2002, pela equipe Sauber: nova "promessa" do automobilismo brasileiro, Felipe terminaria o ano desempregado, mas ganharia nova chance em 2004. |
Felipe chegou na F-1
com a esperança de ser o “novo” Senna. E isso não era apenas expectativa dos
torcedores brasileiros: a própria revista Autosprint cravou uma de suas capas
com esta expectativa. Os números de Felipe justificavam a esperança: havia sido
campeão da F-Chevrolet brasileira em 1999, e no ano 2000, estreando na Europa,
competindo pelo campeonato da F-Renault italiana, foi campeão, assim como da
F-Renault Européia. No ano seguinte, um novo título, desta vez na F-3000
Européia. E em 2002, chegava à F-1, competindo pela equipe Sauber, um time
médio onde poderia mostrar suas qualidades sem as pressões exageradas que seu
currículo até então vencedor poderia impor.
Massa fez uma estréia
satisfatória: A Sauber não teve um bom ano em 2002, mas infelizmente o
brasileiro sofreria ali a primeira rasteira de uma mentalidade torpe que
condeno veemente: ordens de equipe. Felipe se recusou a ceder posição para Nick
Heidfeld em uma prova, e no fim do ano, acabou demitido por Peter Sauber. O
brasileiro passaria a temporada seguinte trabalhando como piloto de testes da
Ferrari, cargo que naqueles tempos não era decorativo como atualmente, e fez um
bom trabalho, aproveitando a oportunidade para aprender com Michael Schumacher
e Rubens Barrichello, os pilotos titulares, e a própria Ferrari. Por conta
desse bom trabalho, Peter Sauber teve de aceitar o brasileiro de volta em 2004,
já que a Ferrari fornecia os motores do time suíço, e Felipe lá ficou pelos
dois anos seguintes, até o fim de 2005. Com a saída de Rubens Barrichello da
Ferrari, Massa ganhou a sua chance em Maranello, e a aproveitou bem.
Em seu ano de estreia,
venceu dois GPs, um deles no Brasil, levantando o público nas arquibancadas de
Interlagos como só Ayrton Senna havia feito pela última vez em 1993. Com o
anúncio de Michael Schumacher de que se retiraria das pistas, Felipe foi alçado
à posição de primeiro piloto do time, já que ele seria o “veterano” do time em
2007, com a chegada de Kimi Raikkonen. Mas foi o finlandês a se dar melhor, e
conquistar aquele que é até hoje o último título do time italiano na F-1. No
ano seguinte, Felipe seria a grande estrela do campeonato, ao lado de Lewis
Hamilton, a nova sensação da categoria. Perdeu o título por um ponto, mesmo
vencendo pela segunda vez em Interlagos, levantando a torcida nas arquibancadas
quase ao delírio, e saiu como vencedor moral do ano, em que pese hoje culpar o
acidente premeditado de Nelsinho Piquet em Cingapura como responsável pela
perda do título, o que não é verdade, pois tanto ele, Massa, quanto a Ferrari,
tiveram sua cota de erros durante o ano. Na época, contudo, Felipe foi honesto
ao afirmar que “ganhava-se e perdia-se juntos”, manifestando total
solidariedade com seu time pelos acertos e erros da temporada. Nada mais justo
e honesto.
Pena que dali em
diante Felipe não brilharia mais na F-1 como se esperava. O ano de 2009 foi
complicado para o time italiano, e ainda sofreu um acidente causado por uma
mola em Hungaroring que poderia ter tido consequências mais sérias. Voltou em
2010, mas com Fernando Alonso como companheiro de time, e o retorno da política
de “escudeiro” que o time impusera a Barrichello anos antes. E Massa sentiu o
drama desta política em Hockenhein, naquele ano, no famoso “Fernando is faster...”.
Felipe sentiu até mais do que Barrichello o peso desta política, especialmente
no clima interno e a nível psicológico, e nunca mais andou no mesmo ritmo de
Alonso, exceto em algumas poucas ocasiões, sendo amplamente superado pelo
piloto espanhol em praticamente todos os ano que andaram juntos pelo time de
Maranello. No fim de 2013, o brasileiro procurou novos ares, e os encontrou. Na
Williams, Felipe pode desfrutar de um ambiente muito menos carregado e cheio de
picuinhas como a escuderia italiana, e mostrar que ainda tinha o que render na
F-1. Era um ano de renascimento para a escuderia inglesa na categoria, depois
de um ano tenebroso em 2013. E Massa foi um dos pilares deste renascimento,
contribuindo para o novo grau de performance do time.
Uma nova vitória não
veio, mas Felipe conquistou mais uma pole-position, na Áustria, em 2014. No ano
passado, Massa teve sua melhor temporada no time, ficando bem parelho com
Bottas em termos de resultados no ano, finalizando em 6° lugar, com 121 pontos,
contra 137 do finlandês, 5° colocado. Infelizmente, neste ano, a evolução do
time estagnou, e com ela, a própria performance de Felipe, que tem seu pior ano
em termos de resultados desde 2005.
Massa sai com uma boa
imagem perante a F-1. Nunca foi um piloto de criar intrigas internas, sempre
foi solidário e se sacrificou por seu time quando exigido, o que é motivo de
críticas da maior parte de seus detratores, que o chamam de “vendido”, entre
outros adjetivos menos publicáveis. E ganhou o respeito de vários pilotos da
categoria. Vive com sua esposa e filho em Mônaco, e já chegou a incentivar o
automobilismo nacional, quando ajudou a criar a F-Futuro, um certame que
infelizmente não foi para a frente por falta de apoio, além de organizar o “Desafio
das Estrelas”, corrida de kart com vários convidados, inclusive internacionais,
em diversas ocasiões no fim do ano. Se isso é ser um “fracassado” para muitos
“fãs” de corridas brasileiros, dá para imaginar se seus resultados e posturas
fossem muito abaixo disso. E olha que Felipe soube se esquivar do rótulo de
“sucessor” de Ayrton Senna, que tantos problemas causou a Barrichello, que
ingenuamente achou ter capacidade para tanto. E que em certos aspectos paga por
isso até hoje, especialmente em discussões na internet com relação à sua
capacidade.
Agora mesmo, na
internet, boa parte dos comentários sobre sua saída são vergonhosos, do tipo
que “não fará falta”, “já vai tarde”, etc. E, se eles esperam causar alguma
influência na consciência de Massa, só perdem o seu tempo com este
comportamento infantil e recalcado. Felipe sempre foi extremamente atencioso,
atendendo os fãs na medida do possível, e demonstrando imensa paciência para
atender a todos, sejam jornalistas, fãs, e até mesmo outros pilotos, procurando
sempre oferecer uma mão amiga, algo por vezes raro num ambiente de extrema
turbulência e picuinhas como a F-1. E isso sem sua recompensa: enquanto Max
Verstappen, novo “queridinho” da F-1 chegou a Monza e recebeu uma sonora vaia
por parte do público, Felipe foi ovacionado pelos fãs após o anúncio de sua
aposentadoria, da mesma forma como Barrichello foi sempre respeitado pela
imensa torcida que lota Monza, mesmo quando Rubinho já tinha deixado sua fase
na Ferrari para trás. Este tipo de relacionamento, e principalmente,
reconhecimento, não é para qualquer um desfrutar, seja no paddock da categoria,
ou fora dele. Doisde seus companheiros de equipe, Raikkonen e Bottas, são
enfáticos ao exaltar as qualidades de Felipe, ao afirmarem que ele é um piloto
muito rápido e completamente subestimado por muitos. São declarações de quem
conviveu e convive com Massa no dia-a-dia do time, e que não são de elogiar
gratuitamente alguém desta maneira.
Felipe só lamenta que
nunca tenha conseguido ser campeão na F-1. Do restante, apesar de um ou outro
percalço, não tem do que se arrepender de sua carreira na categoria. E vale
lembrar que permanecer na F-1 por tanto tempo ainda é um feito. A F-1 é uma
demolidora de pilotos, e a lista daqueles que entram e saem massacrados por
ela, muitas vezes sem chance de defesa, é imensa e continua a crescer. Daniil
Kvyat, que estreou no ano passado, é um bom exemplo, e as chances de que ele
saia pela porta dos fundos ao fim do ano é imensa, vítima do esquema da Red
Bull que o atropelou com uma postura e justificativas pra lá de questionáveis.
Com a saída de Felipe
Massa, o Brasil fica na iminência de não ter um representante na F-1 pela
primeira vez em décadas. Felipe Nasr, nosso outro piloto na categoria máxima do
automobilismo, tem um ano abaixo da crítica em virtude da falta de competitividade
da Sauber nesta temporada. Ele é bem visto pelo corpo técnico da Williams, onde
foi piloto de testes em 2014, mas existem vários outros pilotos na parada, e
ele não é exatamente o favorito para a vaga, já que vários nomes com grande
potencial, tanto de talento quanto financeiro, estão disponíveis e à procura de
uma vaga.
E o futuro de Felipe?
Por ora, nem mesmo ele sabe. Só descartou voltar ao Brasil para correr, dando a
entender que a Stock Car, onde vários ex-pilotos da F-1 se encontram atualmente,
como Rubens Barrichello, Ricardo Zonta e Luciano Burti, não está em seus
planos. A Indy, até pelo perigo dos ovais, deve ser completamente descartada
pelo piloto. Mesmo assim, sobram opções em campeonatos altamente respeitados,
como o DTM, e o WTTC, sem mencionar o WEC, que pode ser muito bem a melhor
opção, por oferecer a seus pilotos a chance de guiar máquinas de alta
tecnologia, na classe LMP1, além de ter um campeonato com poucas provas, em
comparação a outros certames, que tem atraído inúmeros pilotos altamente
qualificados.
Seja qual for a sua
escolha, Massa a fará de consciência tranquila, e certo de ter cumprido seu
ciclo na F-1 com méritos, e sem se envolver em nenhuma confusão, seja como
piloto, seja como ser humano. Algo que deve ser sempre respeitado. A Felipe
Massa, desejo boa sorte em seu futuro como piloto, seja onde for, e agradeço
por tudo o que fez na F-1 desde que estreou na categoria máxima do
automobilismo.
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