sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O ADEUS DE MASSA


Felipe Massa, ao lado de Claire Williams, anuncia sua aposentadoria da F-1 em coletiva no circuito de Monza.

            Se a corrida em Monza este ano foi apenas morna, sem muitas disputas e emoções, o mesmo não se pode dizer dos bastidores. Despedida da F-1 da Europa no campeonato há vários anos, o tradicional circuito italiano há muito já é palco tradicional de anúncios de pilotos e times visando a próxima temporada. Portanto, público e jornalistas sempre esperam alguma declaração, mesmo as mais óbvias, daquelas que todo mundo já sabe o que vai acontecer, mas que, mesmo assim, ainda precisa do anúncio “oficial” para dar a devida credibilidade.
            Este ano não foi diferente, e vimos o anúncio oficial de dois pilotos sobre seus destinos em 2017, sobre os quais já rolava várias especulações sobre em quais times ambos competiriam no próximo ano. Jenson Button afirmou que não estará no grid no próximo ano, mas continua na McLaren, podendo voltar em 2018, dependendo das circunstâncias. Já vi essa história antes na década passada, em 2001, quando Mika Hakkinem, também piloto da McLaren, anunciou um ano sabático na temporada de 2002, para voltar em 2003. O finlandês, bicampeão pelo time inglês em 1998 e 1999, nunca retornou à F-1. Pode-se dar o mesmo com Button. Mas só saberemos mesmo no ano que vem se o inglês, campeão em 2009 com a Brawn GP, retornará ao cockpit ou se dirá adeus em definitivo à categoria máxima do automobilismo.
            Mais incisiva foi a declaração de Felipe Massa, na quinta-feira, dia 1, de que está se aposentando definitivamente da Fórmula 1 ao fim desta temporada. O piloto paulista encerrará 2016 com nada menos do que 14 temporadas na F-1, onde conquistou, até a prova da Itália neste último domingo nada menos do que 243 GPs disputados, com 11 vitórias, 16 pole-positions, 1.112 pontos, com 41 pódios e nada menos do que 15 voltas mais rápidas, além de um vice-campeonato em 2008. Não são números de se desprezar, exceto, claro, para aquela turma de “torcedores” que destratam o piloto, como já execraram em inúmeras outras temporadas Rubens Barrichello. Para estes, Felipe Massa não passa de mais um “fracassado” e “perdedor”, que envergonhou a estirpe dos grandes campeões brasileiros nas pistas. Nada mais irreal e preconceituoso de um grupo de pessoas para os quais só a vitória e um título definem o valor de um esportista.
            Saber a hora de parar não é para qualquer um. Em um momento onde o nome de Massa era especulado em vários times, o anúncio de Felipe surpreendeu a todos porque, mesmo diante da temporada sem brilho que vem fazendo, em virtude de uma Williams que já não brilha mais como o fez nos dois últimos anos, muitos ainda esperavam vê-lo no grid na próxima temporada. Mas, a exemplo do que a própria Williams fez com Barrichello em 2011, passando a menosprezar o piloto em seus planos para o ano seguinte, Massa também ficou com uma expectativa meio em baixa na escuderia, tanto que vários nomes eram especulados, como Jensn Button, Sérgio Perez, e até Felipe Nasr, ficando Massa no meio deste bolo, mas sem preferências. Felipe resolveu que não ia se prestar a isso, e ciente de já ter cumprido com sua obrigação, e conquistado quase tudo o que poderia fazer na F-1, preferiu se retirar. Disputará as próximas corridas naquele clima de despedida, pronto para dar outro rumo à sua vida em 2017, e como um pai de família, terá enfim um pouco de paz para decidir o que irá fazer, após uma década e meia cumprindo uma agenda de viagens rotineiras para todos os cantos do mundo para disputar corridas aqui e ali.
            Felipe não vinha conseguindo bons resultados este ano. Ocupa apenas a 10ª posição no campeonato, com 41 pontos, enquanto seu companheiro de equipe, Valtteri Bottas, é o 7°, com 70 pontos. Seus melhores resultados foram na Austrália e na Rússia, onde foi 5° colocado. Ficou sem pontuar em 5 provas, e em outras 3, sofreu para conseguir um mísero ponto. Um dos pontos fracos do piloto é sua relação com os pneus, e Massa nunca foi muito dócil com os novos compostos de duração limitada que a Pirelli passou a fornecer à F-1 nos últimos anos como componentes essenciais para trazer mais emoção à categoria. O que não significa que o brasileiro seja um piloto fraco. A verdade é que não existem pilotos infalíveis. Mesmo os grandes campeões tem seus defeitos e fraquezas. Mesmo assim, na comparação com seus companheiros de equipe, Felipe só se saiu melhor que seu parceiro de time justamente em 2008, ano de seu vice-campeonato, com 97 pontos conquistados, contra 75 de Kimi Raikkonen. O ano de 2009 não serve de comparação porque ele sofreu aquele acidente na Hungria e ficou de fora do restante do ano. E, infelizmente, a comparação dos anos em que foi companheiro de Fernando Alonso na Ferrari revela um panorama totalmente favorável ao piloto espanhol.
A estréia na F-1 em 2002, pela equipe Sauber: nova "promessa" do automobilismo brasileiro, Felipe terminaria o ano desempregado, mas ganharia nova chance em 2004.
            Felipe chegou na F-1 com a esperança de ser o “novo” Senna. E isso não era apenas expectativa dos torcedores brasileiros: a própria revista Autosprint cravou uma de suas capas com esta expectativa. Os números de Felipe justificavam a esperança: havia sido campeão da F-Chevrolet brasileira em 1999, e no ano 2000, estreando na Europa, competindo pelo campeonato da F-Renault italiana, foi campeão, assim como da F-Renault Européia. No ano seguinte, um novo título, desta vez na F-3000 Européia. E em 2002, chegava à F-1, competindo pela equipe Sauber, um time médio onde poderia mostrar suas qualidades sem as pressões exageradas que seu currículo até então vencedor poderia impor.
            Massa fez uma estréia satisfatória: A Sauber não teve um bom ano em 2002, mas infelizmente o brasileiro sofreria ali a primeira rasteira de uma mentalidade torpe que condeno veemente: ordens de equipe. Felipe se recusou a ceder posição para Nick Heidfeld em uma prova, e no fim do ano, acabou demitido por Peter Sauber. O brasileiro passaria a temporada seguinte trabalhando como piloto de testes da Ferrari, cargo que naqueles tempos não era decorativo como atualmente, e fez um bom trabalho, aproveitando a oportunidade para aprender com Michael Schumacher e Rubens Barrichello, os pilotos titulares, e a própria Ferrari. Por conta desse bom trabalho, Peter Sauber teve de aceitar o brasileiro de volta em 2004, já que a Ferrari fornecia os motores do time suíço, e Felipe lá ficou pelos dois anos seguintes, até o fim de 2005. Com a saída de Rubens Barrichello da Ferrari, Massa ganhou a sua chance em Maranello, e a aproveitou bem.
Em seu primeiro ano na Ferrari, em 2006, Felipe venceu duas corridas, uma delas no Brasil, com direito a um macacão personalizado, privilégio extremamente raro em Maranello, e levou o público ao delírio em Interlagos.
            Em seu ano de estreia, venceu dois GPs, um deles no Brasil, levantando o público nas arquibancadas de Interlagos como só Ayrton Senna havia feito pela última vez em 1993. Com o anúncio de Michael Schumacher de que se retiraria das pistas, Felipe foi alçado à posição de primeiro piloto do time, já que ele seria o “veterano” do time em 2007, com a chegada de Kimi Raikkonen. Mas foi o finlandês a se dar melhor, e conquistar aquele que é até hoje o último título do time italiano na F-1. No ano seguinte, Felipe seria a grande estrela do campeonato, ao lado de Lewis Hamilton, a nova sensação da categoria. Perdeu o título por um ponto, mesmo vencendo pela segunda vez em Interlagos, levantando a torcida nas arquibancadas quase ao delírio, e saiu como vencedor moral do ano, em que pese hoje culpar o acidente premeditado de Nelsinho Piquet em Cingapura como responsável pela perda do título, o que não é verdade, pois tanto ele, Massa, quanto a Ferrari, tiveram sua cota de erros durante o ano. Na época, contudo, Felipe foi honesto ao afirmar que “ganhava-se e perdia-se juntos”, manifestando total solidariedade com seu time pelos acertos e erros da temporada. Nada mais justo e honesto.
Em 2008, a grande chance de ser campeão da F-1. Mas mesmo vencendo novamente no Brasil (abaixo), não conseguiu levar o título, e foi vice-campeão por apenas 1 ponto. O triunfo em casa seria também sua última vitória na categoria.
            Pena que dali em diante Felipe não brilharia mais na F-1 como se esperava. O ano de 2009 foi complicado para o time italiano, e ainda sofreu um acidente causado por uma mola em Hungaroring que poderia ter tido consequências mais sérias. Voltou em 2010, mas com Fernando Alonso como companheiro de time, e o retorno da política de “escudeiro” que o time impusera a Barrichello anos antes. E Massa sentiu o drama desta política em Hockenhein, naquele ano, no famoso “Fernando is faster...”. Felipe sentiu até mais do que Barrichello o peso desta política, especialmente no clima interno e a nível psicológico, e nunca mais andou no mesmo ritmo de Alonso, exceto em algumas poucas ocasiões, sendo amplamente superado pelo piloto espanhol em praticamente todos os ano que andaram juntos pelo time de Maranello. No fim de 2013, o brasileiro procurou novos ares, e os encontrou. Na Williams, Felipe pode desfrutar de um ambiente muito menos carregado e cheio de picuinhas como a escuderia italiana, e mostrar que ainda tinha o que render na F-1. Era um ano de renascimento para a escuderia inglesa na categoria, depois de um ano tenebroso em 2013. E Massa foi um dos pilares deste renascimento, contribuindo para o novo grau de performance do time.
            Uma nova vitória não veio, mas Felipe conquistou mais uma pole-position, na Áustria, em 2014. No ano passado, Massa teve sua melhor temporada no time, ficando bem parelho com Bottas em termos de resultados no ano, finalizando em 6° lugar, com 121 pontos, contra 137 do finlandês, 5° colocado. Infelizmente, neste ano, a evolução do time estagnou, e com ela, a própria performance de Felipe, que tem seu pior ano em termos de resultados desde 2005.
            Massa sai com uma boa imagem perante a F-1. Nunca foi um piloto de criar intrigas internas, sempre foi solidário e se sacrificou por seu time quando exigido, o que é motivo de críticas da maior parte de seus detratores, que o chamam de “vendido”, entre outros adjetivos menos publicáveis. E ganhou o respeito de vários pilotos da categoria. Vive com sua esposa e filho em Mônaco, e já chegou a incentivar o automobilismo nacional, quando ajudou a criar a F-Futuro, um certame que infelizmente não foi para a frente por falta de apoio, além de organizar o “Desafio das Estrelas”, corrida de kart com vários convidados, inclusive internacionais, em diversas ocasiões no fim do ano. Se isso é ser um “fracassado” para muitos “fãs” de corridas brasileiros, dá para imaginar se seus resultados e posturas fossem muito abaixo disso. E olha que Felipe soube se esquivar do rótulo de “sucessor” de Ayrton Senna, que tantos problemas causou a Barrichello, que ingenuamente achou ter capacidade para tanto. E que em certos aspectos paga por isso até hoje, especialmente em discussões na internet com relação à sua capacidade.
Na Williams, Felipe ajudou a reerguer a escuderia em 2014, fazendo uma boa temporada, assim como em 2015. Este ano, infelizmente, o time caiu de performance, e Felipe também não conseguiu superar as deficiências do carro, além de ter vários azares nas corridas.
            Agora mesmo, na internet, boa parte dos comentários sobre sua saída são vergonhosos, do tipo que “não fará falta”, “já vai tarde”, etc. E, se eles esperam causar alguma influência na consciência de Massa, só perdem o seu tempo com este comportamento infantil e recalcado. Felipe sempre foi extremamente atencioso, atendendo os fãs na medida do possível, e demonstrando imensa paciência para atender a todos, sejam jornalistas, fãs, e até mesmo outros pilotos, procurando sempre oferecer uma mão amiga, algo por vezes raro num ambiente de extrema turbulência e picuinhas como a F-1. E isso sem sua recompensa: enquanto Max Verstappen, novo “queridinho” da F-1 chegou a Monza e recebeu uma sonora vaia por parte do público, Felipe foi ovacionado pelos fãs após o anúncio de sua aposentadoria, da mesma forma como Barrichello foi sempre respeitado pela imensa torcida que lota Monza, mesmo quando Rubinho já tinha deixado sua fase na Ferrari para trás. Este tipo de relacionamento, e principalmente, reconhecimento, não é para qualquer um desfrutar, seja no paddock da categoria, ou fora dele. Doisde seus companheiros de equipe, Raikkonen e Bottas, são enfáticos ao exaltar as qualidades de Felipe, ao afirmarem que ele é um piloto muito rápido e completamente subestimado por muitos. São declarações de quem conviveu e convive com Massa no dia-a-dia do time, e que não são de elogiar gratuitamente alguém desta maneira.
            Felipe só lamenta que nunca tenha conseguido ser campeão na F-1. Do restante, apesar de um ou outro percalço, não tem do que se arrepender de sua carreira na categoria. E vale lembrar que permanecer na F-1 por tanto tempo ainda é um feito. A F-1 é uma demolidora de pilotos, e a lista daqueles que entram e saem massacrados por ela, muitas vezes sem chance de defesa, é imensa e continua a crescer. Daniil Kvyat, que estreou no ano passado, é um bom exemplo, e as chances de que ele saia pela porta dos fundos ao fim do ano é imensa, vítima do esquema da Red Bull que o atropelou com uma postura e justificativas pra lá de questionáveis.
            Com a saída de Felipe Massa, o Brasil fica na iminência de não ter um representante na F-1 pela primeira vez em décadas. Felipe Nasr, nosso outro piloto na categoria máxima do automobilismo, tem um ano abaixo da crítica em virtude da falta de competitividade da Sauber nesta temporada. Ele é bem visto pelo corpo técnico da Williams, onde foi piloto de testes em 2014, mas existem vários outros pilotos na parada, e ele não é exatamente o favorito para a vaga, já que vários nomes com grande potencial, tanto de talento quanto financeiro, estão disponíveis e à procura de uma vaga.
            E o futuro de Felipe? Por ora, nem mesmo ele sabe. Só descartou voltar ao Brasil para correr, dando a entender que a Stock Car, onde vários ex-pilotos da F-1 se encontram atualmente, como Rubens Barrichello, Ricardo Zonta e Luciano Burti, não está em seus planos. A Indy, até pelo perigo dos ovais, deve ser completamente descartada pelo piloto. Mesmo assim, sobram opções em campeonatos altamente respeitados, como o DTM, e o WTTC, sem mencionar o WEC, que pode ser muito bem a melhor opção, por oferecer a seus pilotos a chance de guiar máquinas de alta tecnologia, na classe LMP1, além de ter um campeonato com poucas provas, em comparação a outros certames, que tem atraído inúmeros pilotos altamente qualificados.
            Seja qual for a sua escolha, Massa a fará de consciência tranquila, e certo de ter cumprido seu ciclo na F-1 com méritos, e sem se envolver em nenhuma confusão, seja como piloto, seja como ser humano. Algo que deve ser sempre respeitado. A Felipe Massa, desejo boa sorte em seu futuro como piloto, seja onde for, e agradeço por tudo o que fez na F-1 desde que estreou na categoria máxima do automobilismo.

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