O Liberty Media fala de levar a F-1 de volta aonde estão seus fãs. Quem sabe podemos sonhar com a volta da categoria a Paul Ricard, na França, que desde 2008 não possui mais um GP no calendário? |
Uma das especulações
que anda rondando a F-1, após sua “aquisição” pelo grupo americano Liberty
Media, é de como ficaria o calendário da categoria máxima do automobilismo sob
a nova gestão. O novo grupo controlador da F-1 já declarou que pretende levar a
categoria aonde seus fãs estão, mas também já afirmaram que gostariam de ter
mais provas, além de outra situação até óbvia: ter mais corridas nos Estados
Unidos. O que seria melhor para a F-1, afinal?
Em primeiro lugar,
mais corridas no calendário é algo totalmente fora de cogitação. Eu diria que
20 provas por ano é um número máximo que a F-1 deveria ter. Encher o campeonato
com ais GPs seria contraproducente, e tornaria o certame mais caro do que já é.
Em primeiro lugar, temos a logística de transporte, que lota praticamente dois
a três aviões Jumbo para as corridas fora da Europa, como a da Malásia, onde
hoje começam os treinos livres para o GP, na pista de Sepang. Toda uma
logística de transporte é feita desde a Europa, onde todos os times tem suas
sedes, até os mais longínquos locais do mundo. Não é brincadeira colocar todo
esse equipamento nas caixas de transporte, remeter para o aeroporto, retirar
todas as caixas no local de destino, levá-las para o autódromo, montar todos os
equipamentos, e logo após a corrida, desmontar tudo de novo, reembalar tudo, e
partir para a próxima.
Não dá para comparar
com a Nascar, que tem 38 corridas no calendário da categoria principal, a
Sprint Cup, tendo corrida praticamente todo fim de semana, e querer replicar
isso na F-1. Não tem como. A estrutura da Nascar é fichinha perto do que a F-1
movimenta para um simples GP. Em primeiro lugar, a logística é obviamente mais
simples: todas as corridas da Stock americana acontecem nos Estados Unidos,
quando muito indo ao Canadá ou ao México, mas nada além disso. A estrutura que
cada time precisa levar para o circuito é muito mais simples e menor, e tudo
ainda viaja de caminhão das sedes até os autódromos. Como uma categoria
mundial, a F-1 vai praticamente aos quatro cantos do mundo, e a quantidade de
equipamento que se leva para cada GP é absurda, em se compararmos com outras
categorias. Por isso mesmo, os times já consideram 20 provas por ano com o seu
limite, ou 21, como é o caso desta temporada, que até então é a mais longa de
toda a história da F-1. Todas as escuderias mantém um ritmo de trabalho intenso
em suas fábricas, que não param nem mesmo nos fins de semana de Grandes
Prêmios.
Não é por outra razão
que o calendário da categoria passou a ter “férias” no mês de agosto, período
de verão no hemisfério norte, a fim de dar um pouco de descanso a seus
funcionários. E olhe que o ritmo de trabalho poderia ser ainda mais puxado:
antigamente, quando os testes eram liberados, já nas primeiras semanas de
janeiro os times iam para a pista testar seus novos carros para a temporada.
Hoje, a pré-temporada é muito restrita, e acontece somente em meados de
fevereiro e início de março. Antigamente, porém, apesar da temporada começar em
março, o campeonato geralmente terminava no início de outubro. Hoje, ele se
estende praticamente até o fim de novembro, praticamente um mês e meio a mais,
em virtude do aumento do número de corridas, que antigamente gravitava na faixa
de 16 provas/ano.
Não dá para ir muito
além disso. Até porque, antigamente, cada Grande Prêmio era um evento
largamente esperado pelo público, tanto nos autódromos, quanto pelos
telespectadores. Lembro-me de como o fim de uma temporada, apesar de ansiada
por muitos, também era algo que incomodava, pelo fato de que novas corridas
aconteceriam somente no ano seguinte. Era uma “entressafra” que deixava muita
gente por vezes angustiada, pensando em como as coisas se desenvolveriam para o
próximo ano. Para nós, da imprensa especializada, havia os testes de inverno,
que supriam um pouco a ausência dos GPs, mas o clima nunca era empolgante
quanto o de um Grande Prêmio. E, no início de cada ano, ainda tínhamos a
expectativa dos lançamentos dos novos carros, e ver se as promessas de bons
desempenhos e concretizavam ou não. Hoje, com mais etapas, em alguns aspectos,
pode-se dizer até que se banalizou um pouco os Grandes Prêmios. Mas um dos
principais males dos últimos campeonatos foi Bernie Ecclestone tem optado por
levar as provas mais pelo impacto financeiro do que pelo apelo dos fãs do
esporte a motor.
Não que a F-1 nunca
tenha se aventurado por lugares “exóticos”... O problema foi que estes lugares
passaram a ocupar a primazia no calendário, em detrimento de corridas onde o
público tinha paixão pelas disputas na pista. Espera-se que o Liberty Media
mude essa postura, para levar a F-1 de volta aonde ela é realmente amada pelos
torcedores. Isso deve demorar um pouco, afinal, várias das atuais provas do
calendário tem contratos de vários anos, e ao vencimento destes contratos, é
que deve-se avaliar se tal GP está realmente sendo importante ou não para o
campeonato, tanto do ponto de vista financeiro como esportivo. E essa
certamente será um tendência que Bernie Ecclestone não vai aceitar
passivamente. Presumindo que ele ainda fique no comando da F-1 até lá, claro.
O circuito de Yas Marina tem um visual espetacular com o anoitecer no deserto. Mas a pista não ajuda a termos boas provas por lá... |
Na minha opinião,
poderiam rifar as corridas no Oriente Médio. Abu Dhabi, em que pese o
espetáculo de começar a corrida ao pôr do sol do deserto, e terminar a corrida
à noite, tem um circuito que, estrutura impecável à parte, possui um traçado
que não rendeu quase nenhuma corrida memorável até hoje, extremamente difícil
de se ultrapassar, que o diga Fernando Alonso, em 2010. A pista de Sakhir, no
Bahrein, também poderia cair fora, mesmo tendo tido algumas provas bem legais
em tempos recentes, e ultimamente tendo o charme de ser disputada à noite.
Mesmo assim, as duas corridas estão mais no calendário pelos milhões do dólares
que pagam à FOM do que à empatia do público local pelas corridas.
Outras provas que
seriam dispensáveis seriam Baku e Socchi. Baku foi uma nulidade este ano, e
olhe que foi a corrida de estréia, onde tudo, sendo novidade, deveria atrair o
público local mais do que nunca. Mas as arquibancadas estavam com enormes
espaços vazios, e a corrida, que em tese deveria ter sido boa, pelas condições
técnicas do circuito, também foi das mais modorrentas. E a Rússia, convenhamos,
depois das cenas de puxa-saquismo explícito de Ecclestone a Vladimir Putin
& cia. na tribuna de “honra” (ou seria desonra?) na corrida inaugural, em
tempos onde o presidente russo vinha bagunçando com a Ucrânia, e “tomando” sem
a menor cerimônia a Criméia, dá nojo ver a confraternização do chefão da FOM
com aquela turma. Se o ditador da Coréia do Norte despejasse alguns milhões de
dólares na conta da FOM, provavelmente a turma da F-1 seria obrigada a disputar
um GP na capital da Coréia do Norte. Ecclestone fala que não se deve misturar a
F-1 com política, mas depois dessa...
Nem a China escaparia:
o circuito de Shanghai é magnífico, e tem seu charme, mas as levas de
arquibancadas vazias (tem várias delas que há anos ficam vazias) mostra que a
F-1 não “pegou” no país como se deveria. Mas, deixando de lado as provas que,
na minha opinião, não fariam falta, e as que deveriam entrar na competição? Ou,
melhor dizendo, voltar?
Fala-se de um número
maior de provas nos Estados Unidos. Já houve época em que a F-1 corria mais de
uma vez nas terras do Tio Sam. No início dos anos 1980, tínhamos a corrida do
leste, em Watkins Glen (substituída depois por Detroit, um circuito de rua
péssimo), e a corrida do oeste, disputada nas ruas de Long Beach. E houve
também corrida nas ruas de Dallas, em outra pista de rua pra lá de ruim. Mas
Long Beach se cansou da F-1, e preferiu a Indy, que até hoje corre por lá.
Detroit foi substituída por Phoenix, e Dallas, virou apenas uma péssima
lembrança. A F-1 só voltou a ter um palco decente no ano 2000, com uma corrida
disputada em um circuito misto montado dentro do Indianapolis Motor Speedway,
que agradou aos torcedores e à categoria. Mas, mesmo assim, a F-1 não “pegou”
direito por lá, ainda mais depois daquele momento constrangedor visto em 2005,
com uma prova disputada apenas por 6 carros, devido aos problemas enfrentados pela
Michelin numa das curvas do traçado. E, atualmente, temos a corrida em Austin,
no belo Circuito das Américas, uma pista mais do que atrativa para público e
equipes. O único problema é não ter tido nenhuma corrida memorável por lá desde
que o circuito estreou no calendário, uma vez que primeiro pegou o domínio da
Red Bull, e atualmente temos o domínio da Mercedes. Na hipótese de termos mais
uma corrida nos Estados Unidos, só vejo como opção a pista mista do
Indianapolis Motor Speedway com a estrutura necessária para sediar um GP de
F-1.
Muitos adorariam ver os F-1 correrem em Road America, mas há quem ache mais viável voltarem ao circuito misto de Indianápolis (abaixo). |
Eu adoraria ver os F-1
em Elkhart Lake, mas a pista precisaria de uma estrutura maior para receber a
turma da F-1, que certamente ainda iria chiar com a segurança do circuito em
vários pontos. A menos que o pessoal do Liberty Media acabe um pouco com essas
exigências exageradas (não que a segurança seja ponto discutível, mas também
não é preciso execrar certas pistas com estruturas mais simples, que hoje são
classificadas como “inaptas” ou “deficientes”, dependendo do contexto, para
receber a categoria máxima do automobilismo), não vejo outras pistas conhecidas
por onde a F-1 poderia correr nos EUA.
Há tempos Bernie tenta
flertar com os americanos para ter pelo menos mais um GP por lá. Recentemente,
quase acertou uma corrida nas ruas de Nova Jérsei, mas os organizadores não
conseguiram garantir o dinheiro para pagar as taxas da FOM, e sem grana, sem
corrida. Por outro lado, tentar fazer corridas em circuitos de rua nos EUA
ultimamente virou um caso complicado, como pudemos ver nas últimas tentativas
da Indy de fazer novas corridas que não se sustentaram, como foi o caso de
Baltimore, ou de tentativas completamente malsucedidas, como Boston. O modo dos
americanos de fazer as coisas também não bate exatamente com o modus operandi
do chefão da FOM, razão pela qual os entendimentos nem sempre conseguem fluir
como poderiam. Com o Liberty Media à frente a partir de 2017, quem sabe as
coisas mudem...? Em termos de logística, uma segunda corrida nos EUA poderia
ser em junho, para aproveitar a ida ao Canadá, ali ao lado, como era feito
antigamente, quando o campeonato engatava junto com a prova do México, que
atualmente retornou ao calendário, fazendo justamente parceria com a prova de
Austin, mas em outubro/início de novembro, o que deixou a etapa de Montreal
praticamente isolada no aproveitamento logístico. Que, aliás, diga-se de
passagem, ficou péssimo, com o pessoal tendo de sair rapidinho de Montreal para
ir direto para Baku, em menos de uma semana, situação que infelizmente irá se
repetir em 2017, obrigando todo mundo a enfrentar novamente o pesadelo do
deslocamento em menos de uma semana para meio mundo de distância. Aliás, o que
se poderia esperar de Ecclestone, que parece ter pego raiva de ver um piloto da
F-1, Nico Hulkenberg, ganhar as 24 Horas de Le Mans no ano passado, como piloto
da Porsche, o que atraiu muita atenção para o seu nome, mas não para a F-1,
onde corre pela Force India. Dizem que marcar a nova prova da Europa para o
mesmo fim de semana nada teve de coincidência, a não ser aplacar o ego de
Bernie, que não gosta de ver nada ofuscar o seu “brinquedo”, e por isso mesmo,
teria marcado a data de birra, que continua no próximo ano, para infelicidade
não apenas dos integrantes do circo da F-1, mas para os fãs de automobilismo em
geral. Quem saiu perdendo foi a F-1, o que não é novidade...
Mais pragmáticos, os
americanos talvez consigam conciliar isso melhor. E, quem sabe, pudéssemos também
voltar a ter alguns GPs na Europa que foram varridos do mapa por Ecclestone nos
últimos tempos? Sinto muita falta da França, mas não de Magny-Cours. Todo mundo
gostaria de retornar a Paul Ricard, próximo ao Mediterrâneo, naquele que foi
sempre o circuito francês preferido de todos, e que sediou seu último GP em
1990. E quem sabe retornar a Portugal. Se o velho Estoril não dá conta do
recado, temos a bela pista de Portimão, quase no mesmo estilo, mas muito melhor
estruturada. E até mesmo Ímola, que passou por uma reforma completa, poderia
retornar. E tudo isso sem perder as pistas “clássicas”, como Silverstone e
Monza. Hockenhein, depois da mutilação sofrida na década passada, perdeu seu
charme e identidade, e hoje não me desperta mais simpatia, e pelo andar da
carruagem, até o povo alemão parece não curtir mais o autódromo, que esteve mais
vazio neste ano do que posso me lembrar... E olhe que lembro dos tempos onde
dava para ver o Motodron completamente lotado...
A pista de Baku prometia um GP de grandes emoções, mas o que se viu foi uma das provas mais chatas da temporada, com várias arquibancadas com um público ínfimo... |
Tudo isso, por
enquanto, não passa de especulação. Esse texto foi apenas um exercício do que
gostaria de ver mudar no calendário da F-1, e acredito que muitos fãs tenham
posição similar à minha. Alguns, talvez posições mais radicais, outros talvez
menos. Mas todo mundo certamente quer mudanças no calendário, para o retorno
não apenas de corridas clássicas, mas também aos locais onde o público ainda
ama a F-1 como ela realmente merece ser amada. A categoria precisa se
reinventar para voltar a atrair o público que sempre atraiu nos bons tempos. E
fazer com que o público possa sentir de novo a paixão pela categoria máxima do
automobilismo como antigamente passa pelo retorno de corridas nos circuitos
onde o público ama de verdade as competições automobilísticas. O fator
financeiro, claro, sempre terá importância, pois acima de tudo, a F-1 é um
negócio que deve dar lucro, mas espera-se que o lado esportivo, e de tradição,
volte a contar um pouco mais como era antigamente, antes que a busca pelo lucro
ofuscasse por completo os outros parâmetros pelos quais a F-1 deveria se
conduzir.
Muito se espera da
nova “direção” da F-1. É bom ter esperança, mas também é igualmente importante
lembrar a todos que a F-1 não irá mudar da noite para o dia, e mesmo as
mudanças que podem ser implantada precisam ser feitas aos poucos, dentro das
possibilidades, e principalmente se chegando aos consensos necessários que
permitam que a categoria possa se revigorar, sem entrar em guerra consigo
mesma. Vai ser algo complicado, mas com fé, esperança, e jogo de cintura, dá
para conseguir contentar a todos. Esperemos pelo melhor...
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