sexta-feira, 27 de novembro de 2015

LADEIRA ABAIXO - II


O drama da McLaren em 2015: falta de performance, e falta de fiabilidade. Vexame tanto para a McLaren, quanto para a Honda, e seus pilotos.

            Hoje começam os treinos oficiais para o Grande Prêmio dos Emirados Árabes, em Abu Dhabi, e a prova de encerramento do campeonato de 2015 da Fórmula 1 também encerra o ano mais tenebroso em décadas de uma das mais antigas e vitoriosas escuderias da categoria, a McLaren, que este ano retomou parceria com a Honda, que tantas glórias deu a ambas há mais de 20 anos atrás. A escuderia inglesa ocupa somente a 9ª colocação no campeonato de construtores, estando à frente apenas da minúscula Manor, um time praticamente renascido das cinzas ao fim de 2014, e que competiu nesta temporada com um carro completamente defasado, além de utilizar o motor Ferrari do ano passado. Definitivamente, não é um retrospecto de que o time de Woking vá querer se vangloriar em sua longa e vitoriosa trajetória na F-1, iniciada nos anos 1960. Foram apenas 27 pontos até o momento, marcados em apenas 5 etapas até aqui. à frente do time inglês está a Sauber, com 36 pontos, que competiu este ano com um orçamento tido como apenas 30% à disposição da McLaren, outro dado que não ajuda a melhorar o astral da parceria McLaren/Honda.
            Ao encerrar a parceria com a Mercedes no ano passado, a expectativa do time inglês, ao reatar com a Honda a partir deste ano, era reiniciar sua trajetória rumo ao status de protagonista da F-1, de onda andava ausente nas temporadas de 2013 e 2014. A escuderia havia tido um ano de 2013 apenas mediano, sem conseguir nenhuma vitória ou pole, tendo como melhor resultado um 4° lugar de Jenson Button no Grande Prêmio do Brasil, prova que encerrou o campeonato daquele ano. Em outras palavras, a McLaren, que no ano anterior havia vencido corridas e até disputado o título, em que pese a superioridade da Red Bull naquele ano, não conseguira sequer um pódio. resultado inaceitável para um time com a estrutura e histórico da McLaren.
            Além do carro, o MP4/28, não ter sido suficientemente competitivo, o novo piloto da escuderia, o mexicano Sérgio Pérez, não apresentou em Woking as mesmas performances que exibia na Sauber. E sua missão era infeliz: substituir Lewis Hamilton no time inglês, que havia trocado de ares para defender a Mercedes. Pérez ainda arrumou atritos dentro da escuderia, o que deixou o ambiente ruim para o seu lado. Fora uma aposta que não deu certo do time inglês. Jenson Button, por sua vez, não conseguiu fazer milagres, terminando o campeonato em 9° lugar, com apenas 73 pontos; Pérez, por sua vez, foi o 11° colocado, com 49 pontos. O time ficou em 5° lugar no campeonato de construtores, com apenas 122 pontos, enquanto a Red Bull, campeã, marcou nada menos do que 596, ou quase 5 vezes mais pontos. Era preciso tomar providências urgentes para verificar o que deu errado naquele ano e corrigir o rumo do time.
            Ron Dennis, que havia se afastado do comando da escuderia há alguns anos para dirigir os demais empreendimentos do Grupo McLaren, retornou ao comando direto da equipe, e nem é preciso dizer que algumas cabeças rolaram, como a de Martin Whitmarsh, que havia ocupado o lugar de Dennis desde que ele se afastara. Em seu lugar, veio o francês Eric Bouiller, que havia feito uma trabalho bem satisfatório na Lotus. Para companheiro de Button, Ron Dennis resolveu efetivar uma nova revelação, "prata da casa", a exemplo do que havia feito com Lewis Hamilton em 2007: Kevin Magnussen. Mas o ano já começava com um mau sinal: pela primeira vez em décadas, a McLaren não tinha um patrocinador principal, e seu carro apareceu praticamente virgem na primeira corrida, em Melbourne, ostentando apenas patrocinadores menores. Um time do porte e renome da McLaren não ter um patrocinador principal? Ron Dennis garantiu que era situação temporária, e que isso seria resolvido. E também afirmou que não iria vender o espaço vago no time por preços banais, dando a entender que era preciso manter a reputação do time, não aceitando qualquer coisa que aparecesse.
            Ron Dennis, em que pese seu extenso currículo de sucesso à frente da McLaren, desde que assumiu o comando da escuderia no início dos anos 1980, sempre foi tido como arrogante e prepotente por muitos, e ao recusar vender espaço nos carros do time por preços menores, certamente estava certo de que apareceria alguém que topasse pagar os valores que ele achava por direito serem cobrados. Bastava o time melhorar seus resultados para candidatos fazerem fila na sede da equipe novamente. O acordo de parceria com a Honda, para 2015, também era visto como sinal de novos tempos para Woking, lembrando da vitoriosa parceria estabelecida entre ambos durante as temporadas de 1988 a 1992, onde só não foram campeões no último ano da parceria. Tudo indicava que a administração de Ron Dennis, de volta ao comando do time, era o que a McLaren precisava para corrigir seus erros e voltar a vencer. Faltou combinar os resultados melhores e o retorno às vitórias.
O ano de 2014 já começou mostrando que a McLaren não vivia seus melhores dias, ao ostentar o carro praticamente sem grandes patrocinadores principais.
            O ano de 2014 até foi um pouco melhor do que o de 2013: o time repetiu a 5ª colocação no campeonato de construtores, mas marcou 181 pontos, contra os 122 de 2013. E ainda voltou ao pódio, sendo que seus dois pilotos ficaram em 2° e 3° lugar na prova inaugural, na Austrália. Se o time não estava de volta para lutar pelo título, pelo menos dava a entender que voltaria a batalhar pelo pódio, no mínimo. Ledo engano, pois os pódios da Austrália foram os únicos do ano, e o time voltaria a enfrentar falta de performance com seu novo modelo MP4/29, que mesmo contando com o melhor motor da nova era turbo adotada pela F-1, não conseguiu traduzir isso em performance. No final, Button foi 8° no campeonato, com 126 pontos, enquanto Magnussem apenas o 11°, com 55 pontos. Desnecessário dizer que o clima andou tenso durante o ano, com Ron Dennis a cobrar publicamente seus pilotos, especialmente Jenson Button, a quem acusou de estar fazendo corpo mole no time, como se resultados melhores surgissem do dia para a noite. Havia também outro relacionamento que já não andava bem na escuderia, que era com os técnicos da Mercedes, que não gostavam muito da presença dos japoneses da Honda por perto, com receio de que eles colhessem informações vitais de suas unidades de potência para aplicar em seu próprio projeto. Definitivamente, depois de 20 anos de parceria, McLaren e Mercedes já não falavam mais a mesma língua. E o contrato com os alemães ainda teria sido encerrado antes do acertado inicialmente, pelo que a McLaren teria tido de pagar a rescisão contratual para poder iniciar o quanto antes seu projeto com os japoneses da Honda, algo que segundo a revista Forbes, teria sido de 50 milhões de euros. Tudo isso já teria contribuído para a escuderia inglesa fechar o ano com prejuízo.
            E chegamos a 2015, e o que prometia ser o início de uma nova era de parceria da McLaren com a Honda já começou mal, com seus carros nem andando direito na pré-temporada. Ron Dennis, aliás, iniciava 2015 com nova derrota: pelo segundo ano consecutivo, a McLaren não tinha patrocinador principal, e ostentava na carenagem apenas patrocinadores menores. Dennis já havia terminado 2014 com outra, digamos, "derrota", ao assinar com Fernando Alonso para pilotar novamente para sua escuderia. O asturiano havia se desentendido com Dennis e com o time em 2007, e o dirigente da McLaren jurou que o espanhol nunca mais correria por lá. Mas Alonso acabou espinafrado da Ferrari, cuja nova direção não engoliu os hábitos centralizadores do bicampeão, e a Honda, por sua vez, queria um piloto de quilate no time inglês. Desprezar Alonso seria um erro crasso, e os japoneses se certificaram de garantir os recursos financeiros para garantir que Fernando comandasse o projeto da McLaren/Honda, que manteve Jenson Button também para esta temporada. Em teoria, uma dupla fortíssima, que ajudaria e muito o desenvolvimento dos trabalhos. Apesar dos sorrisos de ambos, tanto Denis quanto Alonso estavam na prática sem melhores opções, e tiveram que engolir um ao outro sendo novamente parceiros.
Fernando Alonso já "queimou"12 motores na temporada deste ano, quando o limite do regulamento é apenas 4 unidades por piloto.
            Todo mundo sabia que não era de uma hora para outra que a nova parceria McLaren/Honda iria retomar seu passado de glórias. Os tempos eram outros, e o projeto da nova unidade de potência nipônica, aliada a uma reorganização do setor de engenharia da escuderia, com Peter Prodomou, discípulo de Adrian Newey na Red Bull, iria levar algum tempo para dar frutos, com o projeto do novo MP4/30. Decorrido praticamente todo o campeonato deste ano, pode-se dizer que a McLaren foi o grande fiasco da temporada, ao lado dos novos propulsores da Renault. Enquanto os franceses conseguiram apresentar uma unidade evoluída com performance pior que a da temporada de 2014, o japoneses da Honda literalmente se perderam com a falta de performance e fiabilidade de seu equipamento, colecionando vexames durante todo o campeonato. O carro mal conseguiu andar na pré-temporada, e com o início da competição, não se viu coisa muito melhor: quando o carro não quebrava, chegava bem lá atrás. Todo mundo esperava dificuldades, mas estas se mostraram muito maiores e persistentes do que todos imaginavam.
            A falta de potência era tamanha, que nem mesmo as provas disputadas em pistas lentas no ano, caso de Mônaco e Hungria, despertavam muita esperança. Jenson Button conseguiu pontuar em Monte Carlo graças mais à sua capacidade do que ao desempenho do equipamento, o mesmo valendo para Fernando Alonso em Budapeste, onde o seu 5° lugar foi quase uma vitória, mas se valendo mais de ficar longe das encrencas que os demais pilotos sofreram do que por uma melhora da competitividade. O time acumulou uma quantidade recorde de perdas de posição no grid por troca das unidades de força, de modo que em Interlagos Alonso já teve de recorrer à 12ª unidade, o triplo do limite do regulamento. A falta de performance do motor nipônico ficou tão patente que por pouco não abriu uma crise entre o time inglês e a fábrica japonesa, com trocas de acusação por parte de ambos os lados. Os ingleses reclamaram da fiabilidade e falta de potência, enquanto os nipônicos disseram que novo MP4/30 também não era nenhuma maravilha de carro, e que não ajudava. Pelo sim, pelo não, as unidades de potência japonesas correram muito abaixo do seu limite, a fim de tentar ganhar alguma fiabilidade, o que não deu muitos resultados práticos, pois quando o motor não quebrava, a falta de ritmo era tamanha que Alonso, numa declaração polêmica em Suzuka, chamou o Honda V-6 turbo de seu carro de "motor de GP2", algo que não pegou bem na casa da Honda, mas que era uma verdade contundente. Antes, no Canadá, o espanhol já havia brigado com seu time pelo rádio quando este pedia para poupar o equipamento para evitar problemas, enquanto na pista Alonso era passado a torto e a direito pelos adversários, não importava o que fizesse, e que isso já era problema suficiente.
            Os ânimos entre as partes amainaram um pouco, até porque se deram conta de que só conseguirão obter mesmo algum progresso em 2016, e que a temporada de 2015 virou uma grande e longa sessão de testes. Não apenas a Honda superestimou sua capacidade, como também a McLaren, e especialmente Ron Dennis, cuja teimosia é vista como um dos maiores problemas para fazer o time crescer novamente. Uma mostra disso é que no campo comercial, a McLaren continuou sem conseguir um novo patrocinador principal. Dennis continua com sua filosofia de que um time como a McLaren tem de cobrar uma aporte à altura de seu histórico e estrutura. A Honda garantiu um grande aporte financeiro no time este ano, garantindo especialmente o alto salário de Alonso, mas para cobrir todas as despesas, com os patrocínios "menores" de que dispunha, foram necessárias transferências de recursos do Grupo McLaren para a escuderia de F-1, o que não foi bem visto pelos demais sócios da organização, que já não estão tão sintonizados com Ron Dennis como antigamente. E essa situação tende a piorar.
            Nesta semana, o time inglês sofreu dois novos desfalques para 2016: Johnnie Walker e TAG-Heuer, patrocinadores de longa data da escuderia, avisaram que estarão em outros times no próximo ano, diminuindo ainda mais o orçamento financeiro à disposição do time. No caso da TAG-Heuer, a situação é mais representativa pelo fato de estar presente na escuderia desde os primórdios da administração de Ron Dennis na McLaren. A TAG, aliás, patrocinou o projeto do motor Porsche turbo que levou o time aos títulos de 1984 a 1986. Outros patrocinadores, como a SAP, o Santander, e até a Hugo Boss, que davam aporte ao time, também não deverão estar por lá no próximo ano. Segundo estudos feitos por uma empresa espanhola especializada em markeing esportivo, tudo isso deverá diminuir o orçamento do time inglês em quase 100 milhões de euros em 2016. Uma redução expressiva que fará falta e muito provavelmente se refletirá na capacidade técnica do time. Ron Dennis terá de se desdobrar para conseguir substitutos, mas principalmente, engolir seu orgulho e prepotência, e aceitar o que aparecer pela frente, se não quiser ver a McLaren definhar nos resultados por falta de recursos, pois a Honda, sozinha, não vai garantir o sustento de toda a operação. Aliás, alguns dizem que Dennis estará jogando suas últimas cartadas em 2016, pois se não conseguir reverter a queda que a McLaren enfrenta, o time corre o risco de não voltar mais a ser um time de ponta, além de que a posição de Ron poderá ser questionada pelos demais acionistas da McLaren. Muitos já responsabilizam o dirigente pelos resultados comerciais ruins dos dois últimos anos. Martin Whitmarsh, demitido do comando da McLaren no ano passado por ser considerado o culpado pela decadência do time, deve estar rindo da situação neste momento, pois tudo só piorou desde que Ron Dennis voltou ao comando. E se em 2014 a operação da McLaren já saiu no prejuízo, este ano deverá ser ainda pior, pois a premiação da FOM à escuderia, baseada na classificação do campeonato de construtores, vai ser significativamente menor do que a do ano passado, quando o time ficou em 5° lugar, estando este ano na 9ª colocação.
            Os pilotos do time, contudo, garantem que melhorias virão no próximo ano, com um ganho de performance de cerca de 2s5 em relação a este ano. Seria mesmo bom, pra não dizer indispensável, que isso aconteça. Mas eles próprios já reconhecem que mesmo com essa expectativa otimista, o trabalho será difícil e árduo. E eu completaria dizendo que é sem garantias também. Basta ver o exemplo da Renault, que este ano conseguiu deixar sua unidade de potência ainda mais fraca do que em 2014, mostrando que erraram novamente no seu projeto, ao contrário da Ferrari, que soube evoluir corretamente o seu equipamento. Não é que não acredito na recuperação da Honda, apenas que isso não é garantido. Os japoneses podem tanto acertar quanto errar no seu projeto. Aliás, neste ano, o fato do propulsor e seus sistemas de recuperação de energia terem apresentado tantos problemas e falta de performance dá um idéia bem aproximada de como eles se prepararam mal para este retorno à F-1. Perfeccionistas e meticulosos, os japoneses haviam deixado uma imagem vencedora em sua passagem pela categoria nos anos 1980 e 1990, mas é bom lembrar que, na década passada, quando voltaram a competir com um time próprio, tiveram uma passagem medíocre pela F-1, com dois anos tenebrosos sem conseguirem solucionar seus problemas, desistindo da categoria ao fim de 2008.
A McLaren tem dois campeões do mundo como titulares, mas isso não evitou que o time tivesse sua pior temporada em décadas.
            Mas não é só a Honda que precisa recuperar sua moral. A própria McLaren também precisa dar mostras de que sabe o que é necessário fazer para melhorar. O MP4/30, em que pese as deficiências da unidade de força nipônica, pouco pode mostrar de positivo, mesmo nos poucos momentos em que pode apresentar um andamento razoável, com os pontos obtidos sendo mais mérito de seus pilotos do que da performance do monoposto, que ainda ficou devendo mesmo nas pistas onde a potência menos contava. Neste momento, a única certeza na McLaren é que o problema não está em sua dupla de pilotos. Tanto Button quanto Alonso mostraram sua garra e determinação tentando obter algum progresso de seu equipamento, com constantes frustrações e esforços praticamente desperdiçados ao longo do ano, sem recompensa. Em Interlagos, só restou à dupla se divertir "subindo ao pódio" para uma comemoração fictícia e Alonso sentado na cadeira do fiscal à beira da pista tomando sol após mais um abandono na classificação. Só mesmo com o bom humor para aguentar o calvário que foi o ano para ambos. E esperar que 2016 não seja uma repetição desta temporada, uma vez que ambos estão confirmados para mais uma temporada como pilotos titulares da McLaren. Se a Honda conseguir resolver seus problemas na unidade de potência, o novo modelo MP4/31 precisará estar apto a capitalizar essa evolução, sob pena de continuar a crise e os maus resultados vividos pelo time.
            A McLaren desceu ladeira abaixo neste ano, muito mais do que havia sofrido em 2013 e 2014, e vai precisar dar um duro tremendo para evitar que ocorra o mesmo em 2016. No próximo ano teremos a estréia da nova equipe Hass, e pelo estágio de preparação deles, que vem sendo feito há mais de um ano, as chances de eles começarem tendo um bom desempenho são grandes. Se a McLaren não reagir, perigam ficar ainda mais para trás, e isso vai ser ainda mais catastrófico para a escuderia. Não é a primeira crise que a McLaren atravessa em sua história na F-1. Certamente o time vai conseguir superar essa fase e voltar a vencer. Mas já são 3 temporadas abaixo de sua média de performance habitual, e 2015 o pior ano de que há memória. E isso preocupa qualquer um que conheça o histórico e a importância da McLaren na história do automobilismo. Será 2016 o ano da recuperação, ou vai continuar descendo a ladeira? Só o tempo dirá...

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