O drama da McLaren em 2015: falta de performance, e falta de fiabilidade. Vexame tanto para a McLaren, quanto para a Honda, e seus pilotos. |
Hoje começam os
treinos oficiais para o Grande Prêmio dos Emirados Árabes, em Abu Dhabi, e a
prova de encerramento do campeonato de 2015 da Fórmula 1 também encerra o ano
mais tenebroso em décadas de uma das mais antigas e vitoriosas escuderias da
categoria, a McLaren, que este ano retomou parceria com a Honda, que tantas
glórias deu a ambas há mais de 20 anos atrás. A escuderia inglesa ocupa somente
a 9ª colocação no campeonato de construtores, estando à frente apenas da
minúscula Manor, um time praticamente renascido das cinzas ao fim de 2014, e
que competiu nesta temporada com um carro completamente defasado, além de
utilizar o motor Ferrari do ano passado. Definitivamente, não é um retrospecto
de que o time de Woking vá querer se vangloriar em sua longa e vitoriosa
trajetória na F-1, iniciada nos anos 1960. Foram apenas 27 pontos até o momento,
marcados em apenas 5 etapas até aqui. à frente do time inglês está a Sauber,
com 36 pontos, que competiu este ano com um orçamento tido como apenas 30% à
disposição da McLaren, outro dado que não ajuda a melhorar o astral da parceria
McLaren/Honda.
Ao encerrar a parceria
com a Mercedes no ano passado, a expectativa do time inglês, ao reatar com a
Honda a partir deste ano, era reiniciar sua trajetória rumo ao status de
protagonista da F-1, de onda andava ausente nas temporadas de 2013 e 2014. A escuderia havia
tido um ano de 2013 apenas mediano, sem conseguir nenhuma vitória ou pole,
tendo como melhor resultado um 4° lugar de Jenson Button no Grande Prêmio do
Brasil, prova que encerrou o campeonato daquele ano. Em outras palavras, a
McLaren, que no ano anterior havia vencido corridas e até disputado o título,
em que pese a superioridade da Red Bull naquele ano, não conseguira sequer um
pódio. resultado inaceitável para um time com a estrutura e histórico da
McLaren.
Além do carro, o
MP4/28, não ter sido suficientemente competitivo, o novo piloto da escuderia, o
mexicano Sérgio Pérez, não apresentou em Woking as mesmas performances que
exibia na Sauber. E sua missão era infeliz: substituir Lewis Hamilton no time
inglês, que havia trocado de ares para defender a Mercedes. Pérez ainda arrumou
atritos dentro da escuderia, o que deixou o ambiente ruim para o seu lado. Fora
uma aposta que não deu certo do time inglês. Jenson Button, por sua vez, não
conseguiu fazer milagres, terminando o campeonato em 9° lugar, com apenas 73
pontos; Pérez, por sua vez, foi o 11° colocado, com 49 pontos. O time ficou em
5° lugar no campeonato de construtores, com apenas 122 pontos, enquanto a Red
Bull, campeã, marcou nada menos do que 596, ou quase 5 vezes mais pontos. Era
preciso tomar providências urgentes para verificar o que deu errado naquele ano
e corrigir o rumo do time.
Ron Dennis, que havia
se afastado do comando da escuderia há alguns anos para dirigir os demais
empreendimentos do Grupo McLaren, retornou ao comando direto da equipe, e nem é
preciso dizer que algumas cabeças rolaram, como a de Martin Whitmarsh, que
havia ocupado o lugar de Dennis desde que ele se afastara. Em seu lugar, veio o
francês Eric Bouiller, que havia feito uma trabalho bem satisfatório na Lotus.
Para companheiro de Button, Ron Dennis resolveu efetivar uma nova revelação,
"prata da casa", a exemplo do que havia feito com Lewis Hamilton em
2007: Kevin Magnussen. Mas o ano já começava com um mau sinal: pela primeira
vez em décadas, a McLaren não tinha um patrocinador principal, e seu carro
apareceu praticamente virgem na primeira corrida, em Melbourne, ostentando apenas
patrocinadores menores. Um time do porte e renome da McLaren não ter um
patrocinador principal? Ron Dennis garantiu que era situação temporária, e que
isso seria resolvido. E também afirmou que não iria vender o espaço vago no
time por preços banais, dando a entender que era preciso manter a reputação do
time, não aceitando qualquer coisa que aparecesse.
Ron Dennis, em que
pese seu extenso currículo de sucesso à frente da McLaren, desde que assumiu o
comando da escuderia no início dos anos 1980, sempre foi tido como arrogante e
prepotente por muitos, e ao recusar vender espaço nos carros do time por preços
menores, certamente estava certo de que apareceria alguém que topasse pagar os
valores que ele achava por direito serem cobrados. Bastava o time melhorar seus
resultados para candidatos fazerem fila na sede da equipe novamente. O acordo
de parceria com a Honda, para 2015, também era visto como sinal de novos tempos
para Woking, lembrando da vitoriosa parceria estabelecida entre ambos durante
as temporadas de 1988 a
1992, onde só não foram campeões no último ano da parceria. Tudo indicava que a
administração de Ron Dennis, de volta ao comando do time, era o que a McLaren
precisava para corrigir seus erros e voltar a vencer. Faltou combinar os
resultados melhores e o retorno às vitórias.
O ano de 2014 já começou mostrando que a McLaren não vivia seus melhores dias, ao ostentar o carro praticamente sem grandes patrocinadores principais. |
O ano de 2014 até foi um
pouco melhor do que o de 2013: o time repetiu a 5ª colocação no campeonato de
construtores, mas marcou 181 pontos, contra os 122 de 2013. E ainda voltou ao
pódio, sendo que seus dois pilotos ficaram em 2° e 3° lugar na prova inaugural,
na Austrália. Se o time não estava de volta para lutar pelo título, pelo menos
dava a entender que voltaria a batalhar pelo pódio, no mínimo. Ledo engano,
pois os pódios da Austrália foram os únicos do ano, e o time voltaria a
enfrentar falta de performance com seu novo modelo MP4/29, que mesmo contando
com o melhor motor da nova era turbo adotada pela F-1, não conseguiu traduzir
isso em performance. No final, Button foi 8° no campeonato, com 126 pontos,
enquanto Magnussem apenas o 11°, com 55 pontos. Desnecessário dizer que o clima
andou tenso durante o ano, com Ron Dennis a cobrar publicamente seus pilotos,
especialmente Jenson Button, a quem acusou de estar fazendo corpo mole no time,
como se resultados melhores surgissem do dia para a noite. Havia também outro
relacionamento que já não andava bem na escuderia, que era com os técnicos da
Mercedes, que não gostavam muito da presença dos japoneses da Honda por perto,
com receio de que eles colhessem informações vitais de suas unidades de
potência para aplicar em seu próprio projeto. Definitivamente, depois de 20
anos de parceria, McLaren e Mercedes já não falavam mais a mesma língua. E o
contrato com os alemães ainda teria sido encerrado antes do acertado
inicialmente, pelo que a McLaren teria tido de pagar a rescisão contratual para
poder iniciar o quanto antes seu projeto com os japoneses da Honda, algo que
segundo a revista Forbes, teria sido de 50 milhões de euros. Tudo isso já teria
contribuído para a escuderia inglesa fechar o ano com prejuízo.
E chegamos a 2015, e o
que prometia ser o início de uma nova era de parceria da McLaren com a Honda já
começou mal, com seus carros nem andando direito na pré-temporada. Ron Dennis,
aliás, iniciava 2015 com nova derrota: pelo segundo ano consecutivo, a McLaren
não tinha patrocinador principal, e ostentava na carenagem apenas
patrocinadores menores. Dennis já havia terminado 2014 com outra, digamos,
"derrota", ao assinar com Fernando Alonso para pilotar novamente para
sua escuderia. O asturiano havia se desentendido com Dennis e com o time em
2007, e o dirigente da McLaren jurou que o espanhol nunca mais correria por lá.
Mas Alonso acabou espinafrado da Ferrari, cuja nova direção não engoliu os
hábitos centralizadores do bicampeão, e a Honda, por sua vez, queria um piloto
de quilate no time inglês. Desprezar Alonso seria um erro crasso, e os
japoneses se certificaram de garantir os recursos financeiros para garantir que
Fernando comandasse o projeto da McLaren/Honda, que manteve Jenson Button
também para esta temporada. Em teoria, uma dupla fortíssima, que ajudaria e
muito o desenvolvimento dos trabalhos. Apesar dos sorrisos de ambos, tanto
Denis quanto Alonso estavam na prática sem melhores opções, e tiveram que
engolir um ao outro sendo novamente parceiros.
Fernando Alonso já "queimou"12 motores na temporada deste ano, quando o limite do regulamento é apenas 4 unidades por piloto. |
Todo mundo sabia que
não era de uma hora para outra que a nova parceria McLaren/Honda iria retomar
seu passado de glórias. Os tempos eram outros, e o projeto da nova unidade de
potência nipônica, aliada a uma reorganização do setor de engenharia da
escuderia, com Peter Prodomou, discípulo de Adrian Newey na Red Bull, iria
levar algum tempo para dar frutos, com o projeto do novo MP4/30. Decorrido
praticamente todo o campeonato deste ano, pode-se dizer que a McLaren foi o grande
fiasco da temporada, ao lado dos novos propulsores da Renault. Enquanto os
franceses conseguiram apresentar uma unidade evoluída com performance pior que
a da temporada de 2014, o japoneses da Honda literalmente se perderam com a
falta de performance e fiabilidade de seu equipamento, colecionando vexames
durante todo o campeonato. O carro mal conseguiu andar na pré-temporada, e com
o início da competição, não se viu coisa muito melhor: quando o carro não
quebrava, chegava bem lá atrás. Todo mundo esperava dificuldades, mas estas se
mostraram muito maiores e persistentes do que todos imaginavam.
A falta de potência
era tamanha, que nem mesmo as provas disputadas em pistas lentas no ano, caso
de Mônaco e Hungria, despertavam muita esperança. Jenson Button conseguiu
pontuar em Monte Carlo graças mais à sua capacidade do que ao desempenho do
equipamento, o mesmo valendo para Fernando Alonso em Budapeste, onde o seu 5°
lugar foi quase uma vitória, mas se valendo mais de ficar longe das encrencas
que os demais pilotos sofreram do que por uma melhora da competitividade. O
time acumulou uma quantidade recorde de perdas de posição no grid por troca das
unidades de força, de modo que em Interlagos Alonso já teve de recorrer à 12ª
unidade, o triplo do limite do regulamento. A falta de performance do motor
nipônico ficou tão patente que por pouco não abriu uma crise entre o time
inglês e a fábrica japonesa, com trocas de acusação por parte de ambos os
lados. Os ingleses reclamaram da fiabilidade e falta de potência, enquanto os
nipônicos disseram que novo MP4/30 também não era nenhuma maravilha de carro, e
que não ajudava. Pelo sim, pelo não, as unidades de potência japonesas correram
muito abaixo do seu limite, a fim de tentar ganhar alguma fiabilidade, o que
não deu muitos resultados práticos, pois quando o motor não quebrava, a falta
de ritmo era tamanha que Alonso, numa declaração polêmica em Suzuka, chamou o
Honda V-6 turbo de seu carro de "motor de GP2", algo que não pegou
bem na casa da Honda, mas que era uma verdade contundente. Antes, no Canadá, o
espanhol já havia brigado com seu time pelo rádio quando este pedia para poupar
o equipamento para evitar problemas, enquanto na pista Alonso era passado a
torto e a direito pelos adversários, não importava o que fizesse, e que isso já
era problema suficiente.
Os ânimos entre as
partes amainaram um pouco, até porque se deram conta de que só conseguirão
obter mesmo algum progresso em 2016, e que a temporada de 2015 virou uma grande
e longa sessão de testes. Não apenas a Honda superestimou sua capacidade, como também
a McLaren, e especialmente Ron Dennis, cuja teimosia é vista como um dos
maiores problemas para fazer o time crescer novamente. Uma mostra disso é que
no campo comercial, a McLaren continuou sem conseguir um novo patrocinador
principal. Dennis continua com sua filosofia de que um time como a McLaren tem
de cobrar uma aporte à altura de seu histórico e estrutura. A Honda garantiu um
grande aporte financeiro no time este ano, garantindo especialmente o alto salário
de Alonso, mas para cobrir todas as despesas, com os patrocínios
"menores" de que dispunha, foram necessárias transferências de
recursos do Grupo McLaren para a escuderia de F-1, o que não foi bem visto
pelos demais sócios da organização, que já não estão tão sintonizados com Ron
Dennis como antigamente. E essa situação tende a piorar.
Nesta semana, o time
inglês sofreu dois novos desfalques para 2016: Johnnie Walker e TAG-Heuer,
patrocinadores de longa data da escuderia, avisaram que estarão em outros times
no próximo ano, diminuindo ainda mais o orçamento financeiro à disposição do
time. No caso da TAG-Heuer, a situação é mais representativa pelo fato de estar
presente na escuderia desde os primórdios da administração de Ron Dennis na
McLaren. A TAG, aliás, patrocinou o projeto do motor Porsche turbo que levou o
time aos títulos de 1984 a
1986. Outros patrocinadores, como a SAP, o Santander, e até a Hugo Boss, que
davam aporte ao time, também não deverão estar por lá no próximo ano. Segundo
estudos feitos por uma empresa espanhola especializada em markeing esportivo,
tudo isso deverá diminuir o orçamento do time inglês em quase 100 milhões de
euros em 2016. Uma redução expressiva que fará falta e muito provavelmente se
refletirá na capacidade técnica do time. Ron Dennis terá de se desdobrar para
conseguir substitutos, mas principalmente, engolir seu orgulho e prepotência, e
aceitar o que aparecer pela frente, se não quiser ver a McLaren definhar nos
resultados por falta de recursos, pois a Honda, sozinha, não vai garantir o
sustento de toda a operação. Aliás, alguns dizem que Dennis estará jogando suas
últimas cartadas em 2016, pois se não conseguir reverter a queda que a McLaren
enfrenta, o time corre o risco de não voltar mais a ser um time de ponta, além
de que a posição de Ron poderá ser questionada pelos demais acionistas da
McLaren. Muitos já responsabilizam o dirigente pelos resultados comerciais
ruins dos dois últimos anos. Martin Whitmarsh, demitido do comando da McLaren
no ano passado por ser considerado o culpado pela decadência do time, deve
estar rindo da situação neste momento, pois tudo só piorou desde que Ron Dennis
voltou ao comando. E se em 2014
a operação da McLaren já saiu no prejuízo, este ano
deverá ser ainda pior, pois a premiação da FOM à escuderia, baseada na
classificação do campeonato de construtores, vai ser significativamente menor
do que a do ano passado, quando o time ficou em 5° lugar, estando este ano na
9ª colocação.
Os pilotos do time,
contudo, garantem que melhorias virão no próximo ano, com um ganho de
performance de cerca de 2s5 em relação a este ano. Seria mesmo bom, pra não
dizer indispensável, que isso aconteça. Mas eles próprios já reconhecem que
mesmo com essa expectativa otimista, o trabalho será difícil e árduo. E eu
completaria dizendo que é sem garantias também. Basta ver o exemplo da Renault,
que este ano conseguiu deixar sua unidade de potência ainda mais fraca do que
em 2014, mostrando que erraram novamente no seu projeto, ao contrário da
Ferrari, que soube evoluir corretamente o seu equipamento. Não é que não
acredito na recuperação da Honda, apenas que isso não é garantido. Os japoneses
podem tanto acertar quanto errar no seu projeto. Aliás, neste ano, o fato do
propulsor e seus sistemas de recuperação de energia terem apresentado tantos
problemas e falta de performance dá um idéia bem aproximada de como eles se
prepararam mal para este retorno à F-1. Perfeccionistas e meticulosos, os
japoneses haviam deixado uma imagem vencedora em sua passagem pela categoria
nos anos 1980 e 1990, mas é bom lembrar que, na década passada, quando voltaram
a competir com um time próprio, tiveram uma passagem medíocre pela F-1, com
dois anos tenebrosos sem conseguirem solucionar seus problemas, desistindo da
categoria ao fim de 2008.
A McLaren tem dois campeões do mundo como titulares, mas isso não evitou que o time tivesse sua pior temporada em décadas. |
Mas não é só a Honda
que precisa recuperar sua moral. A própria McLaren também precisa dar mostras
de que sabe o que é necessário fazer para melhorar. O MP4/30, em que pese as
deficiências da unidade de força nipônica, pouco pode mostrar de positivo,
mesmo nos poucos momentos em que pode apresentar um andamento razoável, com os
pontos obtidos sendo mais mérito de seus pilotos do que da performance do
monoposto, que ainda ficou devendo mesmo nas pistas onde a potência menos
contava. Neste momento, a única certeza na McLaren é que o problema não está em
sua dupla de pilotos. Tanto Button quanto Alonso mostraram sua garra e
determinação tentando obter algum progresso de seu equipamento, com constantes
frustrações e esforços praticamente desperdiçados ao longo do ano, sem
recompensa. Em Interlagos, só restou à dupla se divertir "subindo ao
pódio" para uma comemoração fictícia e Alonso sentado na cadeira do fiscal
à beira da pista tomando sol após mais um abandono na classificação. Só mesmo
com o bom humor para aguentar o calvário que foi o ano para ambos. E esperar
que 2016 não seja uma repetição desta temporada, uma vez que ambos estão
confirmados para mais uma temporada como pilotos titulares da McLaren. Se a
Honda conseguir resolver seus problemas na unidade de potência, o novo modelo
MP4/31 precisará estar apto a capitalizar essa evolução, sob pena de continuar
a crise e os maus resultados vividos pelo time.
A McLaren desceu
ladeira abaixo neste ano, muito mais do que havia sofrido em 2013 e 2014, e vai
precisar dar um duro tremendo para evitar que ocorra o mesmo em 2016. No
próximo ano teremos a estréia da nova equipe Hass, e pelo estágio de preparação
deles, que vem sendo feito há mais de um ano, as chances de eles começarem
tendo um bom desempenho são grandes. Se a McLaren não reagir, perigam ficar
ainda mais para trás, e isso vai ser ainda mais catastrófico para a escuderia.
Não é a primeira crise que a McLaren atravessa em sua história na F-1.
Certamente o time vai conseguir superar essa fase e voltar a vencer. Mas já são
3 temporadas abaixo de sua média de performance habitual, e 2015 o pior ano de
que há memória. E isso preocupa qualquer um que conheça o histórico e a
importância da McLaren na história do automobilismo. Será 2016 o ano da
recuperação, ou vai continuar descendo a ladeira? Só o tempo dirá...
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