O Grande Prêmio do
Brasil de Fórmula 1, disputado domingo passado em Interlagos, foi uma das
provas mais maçantes da temporada, e nem mesmo a definição do vice-campeonato a
favor de Nico Rosberg, que largou na pole e venceu praticamente de ponta a
ponta, deixou a corrida mais interessante. O público presente no autódromo até
foi ligeiramente superior ao do ano passado, mas lamentavelmente, a corrida não
esteve à altura do que os torcedores mereciam. Mais, a audiência da prova na TV
Globo caiu a ponto de a emissora do plim-plim ser superada pela TV Record. A
audiência da F-1 está caindo ladeira abaixo, e nem mesmo em nosso país, que tem
uma das maiores audiências na TV aberta, está conseguindo segurar a situação. Confesso
que até eu, em determinado momento da corrida, quase caí no sono, de tão
desinteressante que estava a corrida, e eu não era o único com esta sensação na
frente dos monitores e da cronometragem. Costumo ser tolerante e focado nos
acontecimentos da corrida, mas a monotonia da prova brasileira me fez cansar,
com a quase completa ausência de acontecimentos dignos de nota durante o
desenrolar da corrida.. Para piorar, nem a chuva, que caiu nas noites
anteriores à corrida, chegou a dar as caras no domingo, e com isso, nada de
reviravoltas e surpresas para tentar compensar.
E não é apenas o
público que está ficando entediado. Os pilotos também. Em Interlagos, com um
bom trecho de reta em leve curva, potencialmente favorável às ultrapassagens e
disputas de posição, da curva da Junção até a freada do S do Senna, foram
poucas as disputas ali que se efetivaram, e isso ainda contando com o DRS. Não
por acaso, Lewis Hamilton foi um dos que reclamaram que o carro não permitia se
aproximar demais do carro de Nico Rosberg. Algo que, na sua opinião, impediu
que ele efetivamente disputasse a liderança a fundo com o parceiro de equipe.
Descontando o fato de o inglês claramente estar incomodado de perder o duelo
para Rosberg pela segunda vez consecutiva, suas reclamações em relação aos carros
atuais necessitarem de mais aderência mecânica do que aerodinâmica encontraram
eco em Sebastian Vettel, que fez observações similares, salientando que os
pilotos querem mais curvas de alta nos autódromos também, que sejam mais
desafiadores e emocionantes. Mas isso é apenas parte do problema da F-1 atual.
Na verdade, a categoria tem uma penca de problemas a serem solucionados, dos
mais simples aos mais complicados, e isso se quem administra a categoria quiser
realmente resolver alguma coisa.
E não foi apenas a
corrida em Interlagos que foi chata: a prova do México, semanas atrás, também
não foi nem um pouco empolgante, com poucas disputas na pista, valendo mais
pelo retorno do país ao calendário do que por qualquer outra coisa. E olha que
o circuito mexicano era quase o mesmo de duas décadas atrás, mostrando que o
problema não são exatamente os autódromos onde a F-1 corre. Claro que me refiro
aos autódromos cujos traçados ainda são os clássicos, e não aos "tilkódromos"
criados nos últimos tempos. Interlagos e México são pistas dos velhos tempos, e
mesmo com as modernizações feitas, ainda conservam suas características básicas.
O que não impediu que ambas as provas fossem entediantes. E, se neles, já
tivemos essas corridas pífias em termos de emoção, imagine nos circuitos
"modernos" mais recentes a integrar o calendário da F-1, com seus inúmeros
trechos de acelera-freia-acelera. Basta lembrar da pista de Abu Dhabi, que
semana que vem encerra o campeonato deste ano, que desde que estreou na
categoria, não apresentou nenhuma corrida exatamente digna de nota, valendo
mais pelo espetáculo visual das instalações e do pôr do sol no deserto com a
prova iniciando de dia e terminando à noite do que por qualquer outra coisa, além
de vários milhões de dólares pagos regiamente à FOM de Bernie Eclestone, que
parece ser o mais importante de tudo para o cartola octogenário do que qualquer
outra coisa. É preciso agir para evitar que mais etapas fiquem apresentando
corridas monótonas, ou o público que ainda gosta da categoria pode se encher de
vez e partir para outras paragens. Vejamos alguns pontos...
Os mexicanos aplaudiram o retorno da F-1 a seu país, mas a prova no renovado circuito Hermanos Rodriguez também não foi boa em disputas e emoção. |
Começando pelas
disputas na pista, o maior problema dos carros hoje, e isso já vem de longa
data, é o excesso de dependência da eficiência aerodinâmica na estabilidade dos
carros. O refinamento aerodinâmico faz com que os bólidos funcionem
perfeitamente no fluxo de ar "limpo". Mas quando andam atrás de outro
carro, o bólido à frente causa turbulências no fluxo, deixando-o
"sujo", de modo que o carro que vem atrás perde a estabilidade
aerodinâmica, obrigando o piloto, em maior ou menor grau, a guardar distância,
e com isso perdendo a chance de efetuar um ataque. A solução é aumentar a
aderência mecânica dos bólidos, de forma que a aerodinâmica não influencie
tanto. Mas para isso é preciso repensar o regulamento, de modo a restringir a
aerodinâmica nos setores que causam e se ressentem desta turbulância, além de
introduzir outros fatores que compensem a perda aerodinâmica com estabilidade
mecânica. Um exemplo seria a adoção de pneus mais largos. Mas estes pneus
teriam de ser bem eficientes e duráveis, e no atual momento, isso não é
encontrado na F-1, cujos compostos atuais fornecidos pela Pirelli oferecem um
grau de desgaste variável dependendo do composto utilizado.
Resolver esse problema
é extremamente complicado, especialmente no que tange aos aspectos da
aerodinâmica que seriam afetados pelas novas regras. E nesse ponto, as
escuderias se contradizem: querem maiores chances de ultrapassar, mas ao mesmo
tempo, preferem as dificuldades que oferecem atualmente a serem ultrapassadas.
Elas querem ganhar posição na pista, mas também não querem ser mais fáceis de
perderem posição. Pelo mesmo caminho, pneus mais duráveis de maior aderência
poderiam proporcionar corridas de apenas 1 parada, ou dependendo da excelência
do carro, até mesmo sem parar para trocas, e a política atual da FIA e FOM é
totalmente diferente, exigindo pneus de desgaste irregular para forçar trocas e
aumento das estratégias. Funciona em alguns momentos, mas não em todos.
Conseguir mudar o regulamento nestes itens vai ser dose, e as vozes são
discordantes, com cada um puxando a sardinha para o seu lado, algo compreensível,
mas mostrando a desunião onde cada um pensa apenas em si mesmo, e não pelo bem
maior, que é o esporte e a categoria em si. Resolver a parada com relação aos
pneus também entra no mesmo dilema: os times querem poder usar melhor os pneus,
mas a FIA e a FOM tem outras idéias, e para piorar, em nome da economia, há
anos não são permitidas disputas com mais de um fabricante na categoria. Pior
ainda é que os jogos são contados para o fim de semana, e com compostos de
desgaste por vezes irregular, muitas disputas são encerradas prematuramente, ou
nem acontecem, porque os pilotos precisam poupar seus pneus. Aliás, os pneus,
submetidos à turbulência aerodinâmica, sofrem diretamente os efeitos da
instabilidade do carro, sendo muito mais exigidos para tentar compensar a falta
de equilíbrio. Lewis Hamilton declarou que seus pneus desgastaram-se muito mais
rapidamente em virtude desse problema, quando ficou muito próximo de Rosberg
por várias voltas, tentando achar uma chance de ultrapassagem. Oferecer pneus
melhores neste sentido de oferecer mais estabilidade mecânica, e limitar a
aerodinâmica prejudicial se completariam e poderiam oferecer chances de disputa
muito mais efetivas na pista.
Problemas com os
motores híbridos já foram dissertados aqui por mim mais de uma vez, e torno a
repetir que o problema está mais nas regras imbecis traçadas pela FIA do que
pelas próprias unidades de potência em si. São complicadas? São. Caras?
Infelizmente. Mas o problema maior, na minha opinião, são as proibições de desenvolvimento
impostas pelo regulamento, que impedem que um projeto malsucedido tenha chance
de se recuperar. A F-1 sempre teve motores bons e ruins. A diferença é que
antes os fabricantes e preparadores podiam mexer à vontade nas unidades,
dependendo de seus recursos, e conseguir, ou não, solucionar problemas dos
propulsores, algo que infelizmente não é permitido livremente nos dias de hoje.
Pior de tudo, foram as limitações ridículas das unidades na introdução das
mesmas: 5 unidades por piloto em 2014, e 4 neste ano. E neste ano a Honda foi a
principal vítima não apenas deste limite pífio de unidades permitidas, como da
proibição do livre desenvolvimento de seu projeto, que infelizmente não pôde
trabalhar a contento suas unidades após o início do campeonato limitado pelo
número de "fichas" que poderiam usar, e já estourou o limite de
unidades permitidas em mais que o dobro, com Fernando Alonso tendo de usar sua
12ª unidade no Brasil, e tendo de largar em último por mais uma punição de
troca deste equipamento. Aliás, as punições por troca deste tipo de equipamento
bateram recordes nesta temporada. Se fossem acumular todas as posições
perdidas, a McLaren perigava largar em último em todas as provas do ano que vem
para pagar as punições, que até meio do ano, eram permitidas serem acumuladas
pelo regulamento. E explicar o motivo de piloto estar largando em X posição e
não na sua colocação conquistada está ficando complicado porque ora é por troca
disso, ora por troca daquilo, ora por manobra disso, etc. E cada item tem um
número de posições mais específico. Durma-se com um barulho desses, ou melhor,
não se dorme.
Para 2016, o problema
será ainda mais complicado, pois a regra estipula novamente um prazo para
homologação dos sistemas, e depois disso, absolutamente nada de desenvolvimento
pelo resto do ano. Em outras palavras, se Renault e Honda não conseguirem dar
um jeito em suas unidades de potência, estarão condenadas novamente a um ano de
figuração e sem perspectivas de reverter a situação, eliminando as chances de
seus times competirem de forma decente, e piorando o show de competição na
pista. Se neste ano, com possibilidade de desenvolvimento limitados, já vimos
que ambas as marcas pouco conseguiram, no próximo ano, em caso de novo
fracasso, o dilema será ainda maior. Bom para a Mercedes, que já tem a melhor
unidade de todo o grid, e para a Ferrari, que conseguiu se recuperar de forma
bem satisfatória este ano, mas que ainda precisa evoluir um pouco mais para de
fato competir de igual para igual com os alemães, mas ruim para a F-1 como show
esportivo, porque tanto Mercedes como Ferrari deram mostras de que seus times
clientes ficarão com unidades "B", enquanto os times de fábrica terão
à disposição os sistemas mais desenvolvidos, o que também prejudica a competição.
Deveria se permitir o
livre desenvolvimento dos motores e sistemas de recuperação de energia, que têm
um grande potencial de desenvolvimento. Se isso fosse permitido, a Renault, que
não teve um bom propulsor em 2014, certamente teria tido melhores condições de
se recuperar este ano, e a Ferrari, que teve também um ano desastroso, poderia
ter tido muito mais evolução nesta temporada. E a Honda, por sua vez, certamente
passaria menos vexames do que teve na pista e fora dela. A competição, em tese,
melhoraria. E poderia atrair outras fábricas interessadas no fornecimento de
motores, que em virtude das amarras do regulamento, não se sentem à vontade
para se arriscarem no fornecimento de propulsores, ainda mais depois de ver o
que aconteceu com a fabricante nipônica neste ano. Quem tem interesse em
fornecer um equipamento quer ter a chance de desenvolvê-lo a contento, e no
processo, corrigir eventuais equívocos e problemas técnicos que isso geralmente
apresenta. Na ânsia de controlar os custos, sem sucesso, a FIA colocou uma
camisa de força nas regras, e com exceção da Mercedes, e um pouco a Ferrari,
Renault e Honda estão encrencados por causa do regulamento de restrição deste
desenvolvimento. E ajudaria também estabelecer nas regras que as unidades
fornecidas para times clientes devam ser idênticas às unidades utilizadas pelo
time oficial de fábrica, de modo a ampliar as chances de competição das
escuderias.
Agora, a FIA quer
apresentar um projeto de motor "alternativo", na esperança de
consertar sua burrada. E todos ainda crêem que o aumento da potência dos
propulsores para mil cavalos em 2017 vai resolver. Não é preciso criar exatamente
novas unidades, só precisam desburocratizar o regulamento e retirar as
restrições de desenvolvimento. A intenção de criar um motor alternativo é
válida, mas não é todo dia que surge uma Cosworth da vida e um patrocinador que
queira bancar os custos da empreitada. Nos anos 1960, foi o investimento da
Ford que permitiu à companhia de Mike Costin e Keith Ducworth projetar
construir a unidade DFV V-8, que supriria equipes da categoria máxima do
automobilismo por praticamente duas décadas. Quem se habilita a isso no
momento? A FIA está abrindo um "cadastro" para empresas que queiram
efetuar o fornecimento deste motor alternativo, mas novamente já começa a
enfiar angu no caroço ao estabelecer que será apenas um fornecedor o escolhido,
quando deveria permitir mais de um, e que depois as escuderias escolhessem qual
lhes parecesse melhor.
Em teoria, teremos
então em 2017 4 fornecedores "tradicionais" e 1
"alternativo", totalizando 5 modelos diferentes. Muito diferente dos
bons tempos, quando a categoria chegou a ter o dobro de modelos de unidades na
pista. Antes disso, porém, a FIA precisará acertar os detalhes do regulamento
para permitir o uso desta unidade. Logicamente, Mercedes, Ferrari, Renault e
Honda vão colocar obstáculos nesta empreitada. Resta saber quem vai ceder em
suas pretensões. De qualquer forma, o tal "cadastro" da FIA se
encerra no próximo dia 23, e é muito provável que isso não passe de manobra
para efetivar algum interessado já existente que está querendo topar a parada.
E é curioso os parâmetros deste motor alternativo "bater" com a
regulamentação dos motores turbo utilizados atualmente pela Indy Racing League.
Há quem aposte que é a deixa para a Chevrolet vir para a F-1, onde nunca esteve
presente até hoje, até porque seria embaraçoso a Honda resolver utilizar seu
motor da categoria americana, num sinal claro de que não conseguiu fornecer
unidades de qualidade à F-1 conforme o regulamento inicial. E a F-1 pode
conviver com motores diferentes no grid? Claro que pode! Já vimos isso no fim
dos anos 1970 e durante quase toda a década de 1980, quando os times utilizavam
motores turbo e atmosféricos. Havia algumas restrições aos carros turbo, como
forma de equilibrar um pouco a disputa com os carros aspirados, muito menos
potentes. Cabe à FIA desenvolver o regulamento de forma adequada para permitir
que isso novamente ocorra. Em tese, é algo simples de se alterar no
regulamento. Mas mesmo as coisas fáceis ultimamente são complicadas de serem
conseguidas na F-1.
Outro ponto
extremamente chato são as punições que FIA aplica a toda hora na F-1. Piloto
atrapalha outro no treino, e sendo acidental ou não, lá vem punição. Aconteceu
com Felipe Nasr em Interlagos, quando ele bloqueou Felipe Massa tendo em vista
informação equivocada recebida do box da Sauber. Resultado: 3 posições a menos
no grid. Massa teve azar pior: por medição apontando irregularidades em um de
seus pneus, o brasileiro foi desclassificado da prova brasileira, deixando o
piloto da Williams mais irritado do que já estava com o resultado pífio de sua
performance na prova de sua casa. Estas punições já encheram o saco do público,
que quer ver as coisas preto no branco pura e simplesmente. Punição disso,
punição daquilo, já virou um pé no saco. E quando algum piloto faz algo meio
fora do script, dependendo da situação, ainda querem meter punição. Me admira a
FIA não ter punido Fernando Alonso por sua pose de "tomar sol" no Q1
do Treino de Classificação após abandonar com problemas na sua McLaren, sob
qualquer alegação de "atrapalhar" a transmissão ou coisa do tipo,
afinal, há algum tempo atrás, por Sebastian Vettel comemorar suas vitórias
dando "zerinhos" na pista, a FIA quis multar o piloto. Prepotência
total. Nem levar uma bandeira para comemorar no pódio, como Ayrton Senna já fez
em várias ocasiões, o piloto pode mais, sob pena de multa e até punição.
Sebastian Vettel
resume bem o tamanho do problema ao enfatizar que a solução de todos os
problemas enfrentados pela F-1 é "política". E por isso mesmo de
difícil solução, porque quem pode decidir pelas mudanças e realmente resgatar a
categoria dos malefícios que vem sofrendo por regras equivocadas e/ou mal
implantadas, no momento não está se mexendo no sentido de efetivamente lutar
por uma solução válida. E não adiantam os pilotos baterem o pé sobre o que
precisa ou não ser feito, porque eles raramente ou pouco são ouvidos.
Ainda tem outros
aspectos que precisam ser debatidos, e voltarei a este assunto nas próximas
colunas, portanto, até o próximo texto, que virá em breve.
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