Na pista onde Ayrton Senna conquistou seu três títulos na F-1, Lewis Hamilton vence e iguala marca de triunfos do brasileiro na categoria, seu grande ídolo no automobilismo. |
Lewis Hamilton caminha
a passos firmes para seu terceiro título mundial, após uma vitória firme
domingo passado, no Japão, e prepara seu ingresso no seleto grupo dos tricampeões
mundiais de Fórmula 1, algo que para ele, o fará igualar os feitos de seu
grande ídolo neste esporte, o brasileiro Ayrton Senna, falecido em 1994. Desde
que estreou na categoria, em 2007, Lewis nunca escondeu sua preferência pelo
brasileiro como grande ídolo de sua carreira. Para ele, naquele ano, estrear já
pela McLaren, o time das grandes glórias de Senna na F-1, já era um sonho. Conseguir
igualar os seus feitos, então, certamente era algo que nem ele mesmo talvez
esperasse. Não que não tivesse capacidade, talento, ou oportunidade para isso. Apenas
não dava para se prever o futuro. E a própria F-1 já havia mostrado outros
pilotos de grande talento que, por problemas diversos, nunca conseguiram
deslanchar na categoria, por mais talento que tivessem. Lewis não estava imune
a esse risco. Tinha a seu favor o fato de estrear num dos melhores times da F-1, a McLaren, que em 2007
estava em um grande ano, e tinha o então bicampeão do mundo, Fernando Alonso, o
homem que "havia aposentado Michael Schumacher" na opinião de muita
gente. O que todos esperavam do novato, que já ganhava distinção por ser o
primeiro piloto negro a chegar à F-1, é que fizesse um bom ano de estréia,
aprendendo os macetes com Alonso, e quem sabe botar as mangas de fora em 2008. Bom,
Hamilton tinha outras idéias...
Idéias que o levaram,
justamente no domingo passado, a conseguir aquilo que ele mal sonhou um dia:
igualar o seu grande ídolo Ayrton Senna no número de vitórias na F-1. O triunfo
no GP do Japão foi o seu 41° na categoria, a mesma marca atingida por Ayrton em
sua carreira, que poderia ter números ainda mais impressionantes não fosse
tragicamente interrompida naquele fatídico 1° de maio de 1994. E, para Lewis,
além da façanha de igualar Senna em vitórias, ele ainda conseguiu fazê-lo em
Suzuka, pista onde o brasileiro celebrou a conquista de todos os seus três títulos,
em 1988, 1990, e 1991. Foi um momento mágico para o inglês, e certamente os
japoneses, os maiores fãs de Senna no mundo após os brasileiros, sentiram a
emoção da façanha conquistada pelo piloto da equipe Mercedes.
E Hamilton conquistou
esta vitória emblemática com uma atuação no melhor estilo "Senna": batido
pelo companheiro Nico Rosberg na luta pela pole, que foi prejudicada pelo
violento acidente do russo Dannil Kvyat, que interrompeu o treino no momento
decisivo onde os pilotos preparavam-se para dar suas últimas voltas, Lewis não
se deixou abater pelo pequeno revés. Na largada, partiu firme e decidido para
dividir a primeira curva junto com Nico, mantendo-se firme e conseguindo a
primeira colocação antes do fim da sequência de esses logo a seguir. Rosberg
sentiu o golpe, deixou que o companheiro "esparramasse" na passagem,
e saiu de leve da pista, perdendo posições para Sebastian Vettel e Valtteri
Bottas. Ali, naquele momento, logo no início da prova, Hamilton
"matou" seus concorrentes com uma largada poderosa e ultrapassagem
firme para comandar a corrida inteira sem dar chance a seus rivais. Do mesmo
modo como Senna costumava fazer: dava tudo logo de cara para destruir o moral
de seus adversários, e comandar a prova com autoridade e segurança.
Hamilton foi abrindo a
vantagem volta a volta. Não era um ritmo arrasador, mas nem precisava ser ainda
mais implacável: seus rivais já tinham se dado conta de que a vitória, salvo
imprevistos, já tinha dono. Restava esperar por um milagre, que não aconteceu. Nico
Rosberg, após conseguir recuperar a segunda colocação, ainda esboçou uma reação
durante algumas voltas, tentando diminuir a diferença, mas Hamilton voltou a
acelerar, aumentando ainda mais sua vantagem, e acabando em definitivo com
qualquer ânimo que o alemão tivesse de tentar um ataque. Como Ayrton costumava
fazer em diversas provas, mantendo um ritmo forte, porém seguro, guardando uma
reserva para o caso de alguém ficar empolgado com eventuais chances de vitória.
E, se alguém resolvesse encarar a luta, o brasileiro fazia questão de mostrar
quem mandava na brincadeira. E assim, Hamilton recebeu a bandeirada da prova
nipônica com mais de 18s de vantagem para Rosberg, que claramente teve de se contentar
com o 2° lugar, e não ficando exatamente "acomodado" na posição, uma
vez que Vettel estava logo atrás, a cerca de 2s, tentando ainda o ataque a seu
compatriota.
Hamilton declarou que correrá
por ele e Senna de agora em diante, afirmando que "recebeu" o bastão
do brasileiro. Seu novo desafio agora é ver o quão longe poderá ir além do que
Ayrton conseguiu. Senna disputou 161 GPs, e Hamilton tem 162, uma prova a mais,
para conseguir as mesmas 41 vitórias, mas a conta mais exata é de 158 GPs para
o brasileiro, que conquistou seu 41° e último triunfo no GP da Austrália de
1993. Para todos os efeitos, Hamilton demorou 4 provas a mais para chegar ao
mesmo número de vitórias. Mas há outros números na equação que também merecem ser
analisados nesta equação de "igualar" as marcas de Ayrton Senna. Um número
que infelizmente não dá para se comparar é o de pontos acumulados na carreira. Senna
chegou a 614 pontos em 10 temporadas, enquanto Hamilton já tem 1.763, mas é
preciso levar em conta que desde 2010, o sistema de pontuação mudou
radicalmente, e se o vencedor até então levava 10 pontos, passou a receber 25. Não
dá para ignorar essa mudança. Por esse mesmo motivo, o número de corridas
terminadas nos pontos não pode ser analisado nos mesmos parâmetros, uma vez que
na época de Senna apenas os 6 primeiros pontuavam, e quando Hamilton estreou,
eram os 8 primeiros, e a partir de 2010, passaram a ser os 10 primeiros. Assim,
não é de se estranhar Hamilton ter terminado 128 provas pontuando, contra
"apenas" 96 corridas de Ayrton.
Em número de pódios, a
situação muda de figura, e nesse quesito, Hamilton já superou Senna: possui 82
pódios, contra 80 do brasileiro. Se ambos estão igualados em vitórias, Lewis perde
em 2°s lugares, 22 contra 23 de Senna; mas tem vantagem de mais pódios em 3°s
lugares, 19 a
16. Já em número de pole-positions, Ayrton ainda leva boa vantagem, com 65
vezes em que largou na primeira posição, mas Hamilton, no embalo da equipe
Mercedes, a continuar em 2016, deve superar o brasileiro. O inglês já tem 49
poles, estando "apenas" 16 tentos atrás de seu grande ídolo. Mas
ainda temos 5 provas este ano, e alguém duvida que Lewis não aumente o seu número
de poles no ano? Já são 11 na temporada, com mais duas, igualará as melhores
marcas de Ayrton neste quesito por temporada, e se conseguir largar na frente
em todas as corridas até o fim de 2015, marcará o novo recorde de poles para
uma mesma temporada da F-1, atualmente em poder de Sebastian Vettel, com 15
poles em 2011. Um pouco difícil, mas nada impossível.
Claro, Lewis ainda é
"apenas" um bicampeão, enquanto Senna já havia se tornado tricampeão
com 126 corridas, por volta do Grande Prêmio do Japão de 1991, mas tudo bem, o
inglês deve faturar o tricampeonato, na previsão mais otimista, por volta do
Grande Prêmio do México, se não antes. E ele tem tudo para se tornar o maior
vencedor da categoria atualmente a partir de 2016, se a Mercedes mantiver sua
performance atual. Seu maior adversário é Vettel, com 4 títulos e 42 vitórias
no currículo, sendo que este último quesito poderá ser facilmente superado já
nesta temporada. E será que no próximo ano veremos Lewis chegar ao 4° título? É
possível, mesmo com a possível maior competição que a Ferrari promete dar em
2016, com Vettel querendo firme o seu 5° título, e manter o seu sonho de se
aproximar das marcas de seu grande ídolo Michael Schumacher. Teremos um embate
entre dois pilotos buscando os feitos de seus grandes ídolos. Enquanto Hamilton
lutará para chegar às marcas que Senna teria alcançado não tivesse perecido em Ímola/1994,
Vettel tentará alcançar os feitos de Schumacher, o maior vencedor da história
da F-1. Se o alemão manterá sua primazia nesta disputa, só o futuro dirá.
Mas Lewis tem outras
idéias. Como o que o fez mostrando do que era capaz já em sua temporada de estréia,
deixando ninguém menos do que o próprio Fernando Alonso em prantos na McLaren
por se ver superado pelo então novato prodígio, que tinha a liberdade de poder
andar na frente do espanhol. Nesse ponto, a McLaren sempre foi um time mais
democrático, haja vista as disputas titânicas entre Alain Prost/Niki Lauda, e
Alain Prost/Ayrton Senna. E, da mesma maneira que Senna em 1984 causou sensação
após sua estupenda performance no GP de Mônaco daquele ano ao quase ganhar a
corrida com sua Toleman, Hamilton mostraria suas garras no GP do Canadá de
2007, fazendo suas primeiras pole-position e vitória, repetindo a dose já na
corrida seguinte, nos Estados Unidos, e mostrando a todos que vinha para causar
sensação muito antes do que todos imaginavam. Só pecou mesmo nas duas provas
finais, onde a inexperiência enfim se manifestou, perdendo um título que
parecia certo. Ainda assim, ficou em 2° lugar, perdendo a taça por apenas 1
ponto para o finlandês Kimi Raikkonen, da Ferrari. Fernando Alonso não aguentou
o tranco: desentendeu-se com a McLaren e retornou à Renault, seu antigo time,
deixando o caminho livre para Hamilton no time inglês, que em 2008, em outra
disputa dura, agora com o brasileiro Felipe Massa, frustrou o sonho dos
torcedores brasileiros ao sagrar-se campeão em Interlagos, numa decisão dramática
na volta final da corrida.
Arrojado, intrépido,
destemido. Estes são apenas alguns dos adjetivos que são atribuídos a Lewis
Hamilton, que é tido por muitos como o piloto mais veloz da F-1 atual, em se
considerar a capacidade de extrair velocidade do bólido que pilota. Como Ayrton
Senna também era, sempre conseguindo na maior parte das vezes andar mais rápido
do que o carro o permitia. Em suas primeiras temporadas, isso ficava nítido no
número de abandonos, em virtude de tentar sempre compensar no braço e na
pilotagem arrojada a menor competitividade de seu carro, quando corria na
Toleman e Lotus. Com um carro à sua altura na McLaren, Senna era quase imbatível,
e mesmo com o time em anos não tão favoráveis, como em 1992 e 1993, Senna
arrepiava sempre que entrava na pista porque sempre se podia esperar surpresas
de sua parte, em maior ou menor grau, o que acontecia em diversos momentos. Lewis
também carrega este tipo de arrojo e determinação ao volante. Outro ponto de
coincidência entre Senna e Hamilton é a capacidade de andar forte no piso
molhado. Tanto o brasileiro quanto o inglês não se deixam intimidar pela chuva,
e se a corrida for nestas condições, muito dificilmente algum piloto conseguirá
sobrepujar o inglês, como era extremamente difícil alguém superar Ayrton nas
provas sob chuva.
Um ponto, contudo, em
que o inglês demorou para se aprimorar é no seu autocontrole pessoal, um ponto
onde Ayrton chegou muito mais cedo. A capacidade de reverter pressões na pista,
ou encarar a maré psicológica desfavorável que poderia minar suas chances foi
uma qualidade que Senna desenvolveu muito mais rapidamente que Hamilton. Senna
dificilmente se deixava abalar psicologicamente, e seus erros na pista foram se
tornando raros a cada temporada, sendo um piloto extremamente difícil de ser
batido. Não era infalível, mas desafiá-lo em disputa aberta era cutucar a onça
sem vara. Michael Schumacher que o diga, quando "peitou" o brasileiro
em algumas disputas e viu como havia tentado dar um pulo no momento maior do
que suas pernas podiam dar. Lewis, por outro lado, precisou de muito mais tempo
para atingir um nível de concentração próximo ao que Senna conseguia nesse
quesito. Até o ano passado, não era difícil ver o inglês se desestabilizando em
virtude de percalços nas corridas, o que permitiu a Nico Rosberg levar a
disputa até a prova final do campeonato, explorando essa fraqueza de seu
companheiro de equipe. Outro ponto em que Hamilton sempre chamou atenção era
pelo seu excesso de atração pelo "show business", por vezes não
conseguindo manter o mesmo foco durante muito tempo. Não foram poucas as vezes
em que acabou sendo chamado à atenção pelo próprio Ron Dennis, na McLaren, por
seus excessos, dentro e fora da pista, onde começava a colecionar batidas em
disputas feitas sem nenhum esmero, perfeitamente evitáveis se demonstrasse mais
apuro na pilotagem.
Felizmente, estes dias
parecem ter ficado em seu passado. Hamilton cortou parte dos excessos que
frequentava, e assumiu maior controle de sua vida pessoal. E demonstrou ter
sorte, quando trocou a McLaren, time que sempre foi sua casa na F-1, e antes até
de chegar à categoria, para apostar na Mercedes, que até então havia tido
resultados inferiores aos do time inglês. Sua aposta mostrou-se certeira, pois
enquanto a Mercedes melhorava, a McLaren despencava nas tabelas. No ano
passado, quando finalmente voltou a ter um carro capaz de disputar o título,
conseguiu enfim obter o seu segundo triunfo, após um campeonato em que teve de
reverter vários reveses na disputa, com abandonos e problemas em classificações.
Foi preciso muita fibra para conseguir reverter momentos em que ficou quase 30
pontos atrás na classificação, mas ele conseguiu.
A conquista de seu
segundo título parece ter trazido a Lewis a maturidade que lhe faltava para
desenvolver sua capacidade de suportar as pressões psicológicas que tanto o
atrapalharam em vários momentos. Desde o início do campeonato, mostrou firmeza
e determinação, e poucas vezes esteve fora do comando de uma prova no ano, e
mesmo quando isso ocorreu, não se deixou abater como acontecia antes. Nem mesmo
quando perdeu uma vitória certa em Mônaco este ano, ele deixou que isso o
perturbasse a ponto de perder o foco na competição. Ficou furioso com o
ocorrido, em virtude de um erro crasso do time, e de si próprio também, mas
Ayrton Senna também costumava demonstrar um mau humor feroz quando as coisas não
corriam bem, e nem por isso ele estava menos focado e concentrado na corrida
seguinte. Talvez seja exagerado dizer que Hamilton enfim atingiu o nível de
concentração e resistência psicológica que Ayrton possuía, mas certamente ele
melhorou neste quesito este ano, pois não deixou a mínima chance de Rosberg lhe
aplicar os mesmos golpes do ano passado. Lewis vem se impondo de forma
assustadora desde a primeira corrida, e Nico, mesmo quando conseguiu largar na
frente, como fez em Suzuka, acabou perdendo a corrida após um arranque furioso
do inglês. E, em Barcelona, onde Rosberg realmente se impôs frente ao parceiro,
Hamilton fez uma corrida pensando no campeonato, terminando em 2°, e
minimizando o triunfo do alemão, que nunca conseguiu demonstrar o mesmo ímpeto
novamente até aqui.
Resta esperar e ver o
quão longe Lewis Hamilton conseguirá ir a partir de agora. Esteja onde estiver,
Ayrton Senna certamente poderá se sentir honrado em ver que o inglês que tanto
o admira mostra várias das qualidades que fizeram o brasileiro ser um fenômeno
das pistas. Se ele vai superar o "mito" Senna, é difícil dizer, mas
que ele certamente vai se sentir orgulhoso de conseguir tal feito, isso é
certo. E como Lewis promete correr de agora em diante também por Senna, que
Ayrton esteja sempre junto em seu cockpit para sentir o orgulho de seus futuros
triunfos.
Ídolo de Hamilton, Senna venceu 41 vezes na F-1, conquistando seus três títulos justamente no circuito de Suzuka, e Lewis agora promete correr "também por Senna" na categoria. |
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