Último time a chegar em Jerez, a Marussia fez o lançamento do novo MR03 nos boxes mesmo e já foi para a pista. |
Finda a primeira
sessão coletiva de testes da pré-temporada da Fórmula 1 em 2014, essa é a
pergunta que muita gente faz, em especial das próprias escuderias que estiveram
na pista de Jerez tentando achar a resposta. Impossível apontar uma direção
exata de para onde o campeonato deste ano irá convergir, pois muita coisa
aconteceu no circuito da Andaluzia, e nem tudo foi tão bem como muitos
esperavam. A julgar pelos acontecimentos, engenheiros e projetistas ainda vão
queimar os neurônios para acertar os novos bólidos até o início do campeonato,
e não há garantias de que consigam resolver todos os enguiços até o embarque
para o outro lado do mundo, para as primeiras corridas.
O único ponto a se destacar
nos 4 dias de testes realizados na Espanha é que a Mercedes parece estar à
frente de Ferrari e Renault na avaliação do desempenho dos novos motores.
Certo, os tempos obtidos em Jerez podem não ser finais, mas é de se considerar
que seus times, McLaren à frente, obtiveram o maior número de voltas rodadas na
pista, com os tempos mais significativos. Mesmo que não estejam forçando as
unidades, é um dado importante. Resta saber se quando precisarem forçar ao
limite os motores irão continuar respondendo bem. O que não significa que
Ferrari e Renault estejam fora da briga. Mas os franceses vão ter de resolver
mais problemas do que esperavam: seus times foram os que menos conseguiram
andar no circuito andaluz, e isso preocupa.
Quem está sofrendo
mais é justamente o time campeão das últimas temporadas. A Red Bull teve os
piores dias desde que se tornou um time vencedor de GPs, e isso lá em 2009. Não
apenas o carro, mas o novo motor e o sistema ERS parecem não estar combinando
muito, o que proporcionou algumas cenas de carros fumegando nos dias de testes,
o que também ocorreu à Toro Rosso, que a partir deste ano, também utiliza os
propulsores franceses, igual ao time matriz. Fazia tempo que Sebastian Vettel
não parecia muito à vontade com os resultados em um fim de dia. De certa forma,
o ano pode ser mais complicado do que se imagina para a turma dos energéticos.
Uma excelente oportunidade para a Red Bull mostrar que não é um time de ponta
apenas por contar com Vettel e Adrian Newey, mas por dispor efetivamente de uma
boa estrutura técnica, e calar os críticos mais contundentes dos últimos anos. Mas
Newey deve ter mais trabalho do que imaginava, pois o modelo RB10 parece não
estar funcionando em harmonia com as novas unidades de potência, especialmente
no quesito refrigeração. A preocupação com os problemas apresentados foi
tamanha que o time empacotou parte de suas coisas ontem mesmo e voltou à Inglaterra para
resolver o que fazer, sinal de que o problema pode ser sério. Foi a escuderia
que menos conseguiu andar, e para um time campeão do mundo, o sinal de alerta já
ecoou.
Daniel Ricciardo não estreou como imaginava na Red Bull: o carro parou depois de míseras 3 voltas. Depois disso o time resolveu voltar à fábrica... |
Com o início dos
testes, tivemos também os primeiros acidentes: Lewis Hamilton abriu a temporada
de pancadas logo no primeiro dia, ao acertar o carro na barreira de proteção ao
fim de uma curva. Sem culpa exatamente para o piloto, que felizmente nada
sofreu, mas obrigou a Mercedes a perder boa parte do dia tendo de consertar o
carro. E, claro, todo mundo andou parando na pista em algum momento, alguns até
mesmo dentro dos boxes, quando tentavam ir para a pista, o que demonstra que os
sistemas precisam mesmo de muito trabalho. Pelo menos ninguém se acidentou
forte durante os testes da semana, o que não pode deixar de ser comemorado.
Ferrari e Mercedes
pareceram ter bom ritmo, e em determinados momentos, até a Williams e a Force
India ensaiaram boas marcas. Mas todas ainda bem altas em relação aos tempos
obtidos no ano passado. Os carros estão de fato mais lentos, tanto pelos novos
motores ainda serem praticamente desconhecidos como pelos novos pneus da
Pirelli, muito mais duros do que os produzidos em 2013. E os novos bólidos
mostraram-se mais ariscos na pilotagem, devido ao alto torque dos novos
propulsores turbo, que soltam sua potência com mais intensidade do que os velhos
V-8 aspirados, o que vai exigir um estilo de pilotagem diferente de todos os
pilotos. Alguns já declararam gostar da experiência, enxergando um desafio
interessante a ser vencido, enquanto alguns outros ainda não ficaram
entusiasmados com este detalhe.
O novo sistema do Ers,
que oferece muito mais potência do que o antigo Kers exigiu um novo conjunto de
baterias adicionais, pelo que o peso dos carros aumentou. O limite mínimo de
peso dos monopostos foi elevado, mas não a ponto de compensar totalmente o aumento
proporcionado pelo novo sistema de recuperação de energia. Normalmente os
carros usam lastros para completar o peso mínimo exigido e ajudar a equilibrar
o monoposto dependendo da necessidade, mas este ano este recurso ficou mais
escasso, e aliado ao novo comportamento dos carros com as novas unidades turbo,
necessitam de um leque de opções de ajuste diferente do qual todos estavam
acostumados.
Com tantas mudanças a
serem verificadas, e avaliar a confiabilidade e limites dos novos carros e seus
motores turbo V-6 e o novo e vitaminado Ers, é simplesmente ridícula a FIA
manter a regra que permite que os times possam entrar na pista apenas um carro
de cada vez. Deveriam permitir logo aos times irem ao mesmo tempo com seus dois
carros. São apenas 12 dias de testes na pré-temporada, em 3 sessões, e uma
delas já se foi. Se pudessem contar com ambos os pilotos ao mesmo tempo
andando, certamente a sessão seria muito mais produtiva, com os engenheiros
sendo capazes de obter muito mais dados simultâneos, e com isso encontrarem rapidamente
as soluções necessárias.
Único time a estar
ausente da primeira sessão coletiva de testes, a Lotus só divulgou uma imagem
de seu novo carro, que só deverá ir para a pista na segunda sessão coletiva, no
Bahrein. Se nesta semana praticamente todos os times tiveram dias cheios para
acertar inúmeros percalços em seus novos projetos, pode-se dizer que o time de
Enstone terá nítida desvantagem para preparar o seu novo E22 para a temporada.
E o time ainda usa motores Renault até segunda ordem, justamente o propulsor
que mais problemas enfrentou até aqui, o que não ajuda a melhorar os ânimos. Ou
a Lotus consegue criar um supercarro, ou vai ter um ano mais difícil do que se
imagina...
Mudando o assunto para
o visual dos novos carros, pode-se constatar que cada escuderia fez sua
interpretação de como cumprir o regulamento e ao mesmo tempo manter a
otimização aerodinâmica proporcionada por bicos elevados. Em alguns casos, os
bólidos até tiveram bicos relativamente elegantes, enquanto em outros o
resultado pareceu grotesco. O modelo da Caterham foi o mais bisonho de todos na
minha opinião, com uma quebra estética de doer do bico para a asa dianteira.
Outros carros, de acordo com suas pinturas, dão a sensação de estarem mostrando
a língua para quem observa. E o novo F14 T, por sua vez, dá a impressão de
estar com o bico torto logo de cara. As novas regras técnicas obrigaram os
times a abaixar os bicos por questão de segurança, uma vez que os antigos
andavam tão altos que em caso de batidas laterais, estavam a ameaçar seriamente
a cabeça dos pilotos, mesmo com as proteções laterais. Não é nada de novo: há
20 anos atrás os carros tinham em sua maioria bicos próximos do solo e se davam
bem com isso. É uma questão de saber conciliar o regulamento com a aerodinâmica
dos carros. Mas, depois destes primeiros testes, os times podem modificar os
bicos, se tiverem encontrado dados que permitam sua otimização. Assim, nada
garante que os mesmos sejam mantidos até a estréia do campeonato do modo como
foram apresentados nesta semana. Tudo ainda pode mudar. A rigor, estética à
parte, é bom ver os carros com diferenças de carenagem mais visíveis, mostrando
personalidade a seus projetos, como costumava acontecer antigamente.
As laterais dos carros
tiveram suas aberturas dos radiadores bem aumentadas. Os novos motores turbo e
principalmente o novo sistema de recuperação de energia demandam uma capacidade
de refrigeração muito distinta da exigida pelos antigos V-8 aspirados usados
até 2013. Este é um dos fatores que podem sofrer mais mudanças até o início da
temporada. E parece que os times equipados com os motores Renault terão de se
ater com afinco a este detalhe, para evitar que as unidades superaqueçam como
andou acontecendo em Jerez, em especial com a Red Bull, onde as unidades
andaram pifando com mais frequência, e olhe que o tempo na Andaluzia estava bem
fresco. A próxima sessão coletiva é no Bahrein, e lá no calor do deserto, os
carros vão ter um batismo de fogo literalmente, que deverá mostrar quem está no
caminho certo e quem vai precisar voltar para a prancheta e redesenhar partes
dos carros para prevenir novos superaquecimentos. Um detalhe muito importante,
pois os GPs são indiscutivelmente realizados sob forte calor.
Todos os times saíram
com muitos dados importantes do circuito de Jerez. Não se sabe exatamente o
quanto cada time conseguiu aproveitar a contento esta primeira sessão de
testes. Mesmo aqueles que tiveram poucos problemas podem ainda estar longe de
conseguirem acertar seus carros da maneira ideal. Como é costume nestes testes,
todos os times escondem suas configurações, quantidade de combustível, etc. Não
dá para fazer parâmetros exatos. Se mesmo no ano passado, quando as regras
técnicas eram mais conhecidas do que qualquer coisa todo mundo andava de um jeito
diferente para esconder o jogo, este ano está muito mais complicado, a ponto de
alguns afirmarem que os times esconderam tanto o jogo que nem eles mesmos estão
sabendo direito em que ponto se encontram.
O que se pode esperar
é que os carros de 2014 deverão apresentar várias surpresas. A confiabilidade
deverá ser o fator primordial para os times, mas com o tempo exíguo de testes
da pré-temporada, não será surpresa se os carros andarem falhando mais do que
deveriam mesmo com o campeonato em andamento. Não apenas os novos motores e novos
Ers vão dar dor de cabeça, mas o consumo de combustível também poderá pregar
peças em todos em alguns momentos. Todos pareceram andar em Jerez muito abaixo
do limite máximo de rotações dos motores, e os longos stints que alguns times
conseguiram realizar certamente ofereceram dados de consumo de combustível
cruciais para poderem entender com mais precisão o limite a que poderão elevar
os novos propulsores sem comprometer o consumo de uma corrida inteira. Como se
desgraça pouca fosse bobagem, este ano os pilotos terão direito a muito menos
motores por temporada do que o permitido até 2013, então, cada estouro de
propulsor vai ser sentido muito mais do que antes. Os engenheiros admitem que a
mudança de regulamento provocou mudanças radicais, e que por mais que possam
ter andado, ainda têm muita coisa para descobrirem. Então, nada mais natural do
que começar abaixo do limite.
E para salvaguardar o
equipamento, espera-se que todo mundo inicie o campeonato de forma mais
conservadora. Mas nada impede que alguém resolva ser mais abusado, tentando
ganhar vantagem em cima dos demais. Na prática, todo mundo pode jogar o
conservadorismo e a prudência para o alto, mas vai depender de como os outros
se comportarem. Ninguém vai querer ficar para trás...Se alguém resolver ficar
ousado, todo mundo pode ir atrás.
E nem falei dos pneus
ainda. É verdade que a Pirelli resolveu ser bem mais conservadora este ano,
para evitar vexames como os vistos no ano passado, com os compostos dechapando
em algumas provas, o que obrigou a revisar os pneus no meio do campeonato, por
questões de segurança. Mas isso não quer dizer que os compostos de 2014 sejam
exatamente previsíveis para os times. Não se falou muito dos pneus nesta
semana, tamanho foi o trabalho que os times tiveram para se entender com as
novas regras técnicas dos carros, e suas novas unidades motrizes. Os problemas
com os monopostos e novos motores e Ers monopolizaram as atenções, e o
comportamento dos pneus passou meio batido. Tanto que como ninguém declarou
quase nada a respeito, não se pode especular até que ponto os compostos irão
influir no comportamento dos carros.
Ah, e é verdade que os
carros estão mais lentos, mas nada que incomode tanto e não se acostume. Os
melhores tempos desta semana foram parecidos com a melhor volta do circuito de
Jerez, estabelecida lá em 1997 por Heinz-Harald Frentzen, que corria de Williams/Renault
naquele ano. E depois de um tempo, ninguém na arquibancada ou na TV vai
implicar com isso, da mesma maneira como o pessoal deve se acostumar, por bem
ou por mal, com o visual dos carros. Já houve carros muito mais medonhos e
bizarros na história da categoria e ela não se acabou por causa disso...