McLaren-Honda: Parceria vitoriosa durante 5 anos na Fórmula 1. |
O
que muitos já ouviam falar nos bastidores da Fórmula 1 foi oficialmente
anunciado na semana passada: a Honda irá retornar à categoria máxima do
automobilismo, e em parceria com um de seus antigos times, a McLaren, quando
formaram uma das uniões mais vitoriosas da história. O retorno será em 2015, e
no ano que vem, o time de Woking continuará utilizando motores Mercedes, quando
estará em seu 20° ano de parceria com a fábrica alemã, certamente uma das mais
longevas até hoje da história da categoria.
É
uma boa notícia para a F-1, que no ano que vem inicia uma nova fase em sua
motorização, voltando a adotar motores turbo, e com novas medidas de restrição
de consumo que devem fazer com que os carros sejam mais econômicos e menos
poluentes, com a adoção de tecnologias que poderão também ser implantadas nos
carros de passeio, como os novos sistemas de Kers, que deverão gerar muito mais
potência do que as unidades atuais. E, claro, muitos já se empolgam com a
possibilidade de se renovar o domínio que a união McLaren-Honda proporcionou há
mais de 20 anos atrás. Mas ainda é muito cedo para se comemorar o retorno de
tal domínio, e é totalmente incerto que isso aconteça.
As
circunstâncias são diferentes das existentes naqueles dias. Falando pela
McLaren, embora o time ainda conte com uma das melhores estruturas de toda a
Fórmula 1, seu corpo técnico hoje é muito mais disperso e conservador, em
alguns aspectos. Objetivando evitar depender apenas de um cérebro principal,
como ocorre na Red Bull em relação ao projetista Adrian Newey, a McLaren
descentralizou sua área técnica, e não há um nome que chefie o departamento
impondo as diretrizes principais. Se na teoria isso tem fundamento coerente de
evitar que o time dependa de apenas um profissional, é verdade que, desde que o
procedimento foi adotado, no início da década passada, a McLaren raramente
apresentou um carro que se mostrasse superior aos concorrentes, com exceção de
alguns momentos. O time continuou sempre vencendo corridas, mas apenas em dois
anos disputou o título com certo favoritismo: em 2007, quando a disputa interna
entre Lewis Hamilton e Fernando Alonso permitiu que Kimmi Raikkonem vencesse o
campeonato; e em 2008, onde Hamilton faturou o título, que foi a última
conquista da escuderia inglesa até hoje.
Descontado
o período de supremacia da Ferrari entre 2000 e 2004, nos demais anos a McLaren
se colocou sempre entre os times favoritos ao campeonato, com exceção de 2009,
mas nunca conseguiu se impor em tempo integral no campeonato. Foi vice-campeã
de construtores em 2010 e 2011, e no ano passado, foi 3ª colocada. Não deixa de
serem bons indícios de que o time mantém excelente padrão técnico, e capaz de
desenvolver seus carros com grande capacidade. Mas os números encobrem também
em parte o fato de a McLaren não ter conseguido mais criar um carro que
superasse os da concorrência. Neste quesito, a Red Bull é quem tem se saído
melhor, graças à genialidade de Adrian Newey, que concebeu os melhores
monopostos nos últimos anos, com os quais Sebastian Vettel foi tricampeão
consecutivo.
Nos
últimos anos, apesar de contar com dois campeões mundiais, a McLaren sempre
enfrentou altos e baixos em sua performance. Mesmo o talento combinado de
Jenson Button e Lewis Hamilton não impediu que o time tivesse de correr atrás
do prejuízo em diversos momentos onde seu bólido ficou para trás, situação que
está sendo vivida em grau muito mais profundo neste ano, onde o carro não se
mostrou competitivo como se esperava, e com um piloto novo que até o momento
ainda não se mostrou totalmente à vontade no monoposto inglês. E Button, agora
precisando liderar o time, não parece demonstrar a verve necessária para tirar
o time do buraco com a determinação necessária. Isso não quer dizer que o
inglês não tenha meios de fazer isso, mas ele certamente não tem como apressar
as coisas como Ayrton Senna ou Alain Prost eram capazes de fazer no tempo da
parceria com a Honda.
Neste
ponto, aliás, reside o maior déficit da McLaren em relação aos tempos gloriosos
de sua associação com os japoneses: pilotos de calibre. Nos dois primeiros anos
da parceria, Alain Prost e Ayrton Senna formavam uma dupla quase imbatível.
Depois que o francês saiu, Senna manteve o nível de competitividade, embora com
um pouco mais de dificuldade do que quando atuava com Prost, pelo fato de Alain
ser mais técnico no acerto dos carros do que o brasileiro. Mesmo assim, Ayrton
deu duro para manter a parceria em nível vitorioso, e o corpo técnico da
McLaren, já sem alguns nomes de peso que criaram os excelentes modelos MP4/4
(1988) e MP4/5 (1989), ainda conseguiram produzir bons carros o suficiente para
que o talento e arrojo de Senna ganhasse os títulos de 1990 e 1991. Mas em
1992, o carro já não era tão bom assim, e mesmo com os esforços de Ayrton, a
melhora da concorrência dificultou ainda mais as coisas para a parceria. A
Williams e a Renault ditavam as regras na pista, e mesmo a Benetton, sem ter a
mesma força, era um incômodo persistente. O time recuperaria a competitividade
no ano seguinte, em parte, mas aí já é outra história. Hoje, é consenso que
Jenson Button, apesar de suas qualidades, não exibe o mesmo talento técnico de
Prost, e nem possui o arrojo de Senna, para impressionar como eles faziam há
mais de 20 anos. Sérgio Perez, por sua vez, ainda demonstra muito noviciado
para tal tarefa. O mexicano pode crescer, mas não é garantia de que ele consiga
mostrar melhores qualidades do que Jenson. Se conseguir, será de fato muito
bom, não apenas para ele, mas também para a McLaren, que ao perder Lewis
Hamilton, perdeu um piloto que era quem mais se aproximava de Senna no quesito
arrojo e velocidade. Mesmo assim, há quem afirme que, mesmo que tivesse mantido
Lewis como piloto, a McLaren ainda precisaria de um piloto com mais cacife
técnico, uma vez que o campeão de 2008 ainda parece precisar desenvolver um
pouco mais este tipo de conhecimento. A favor de Button conta o fato de ele já
ter trabalhado com os japoneses da Honda quando foi piloto da BAR e depois da
própria equipe Honda. Jenson conhece como eles trabalham, e certamente é uma
experiência valiosa e que será muito útil.
Pelo
seu lado, todos louvam a parceria vencedora da Honda com a McLaren. O motor
japonês foi, ao lado do TAG-Porshe utilizado pela McLaren, o grande nome da área
de propulsores dos anos 1980. Mostrando um motor que era o melhor de todos na
categoria, não apenas em potência como em economia e dirigibilidade, os Honda
foram crescendo ano a ano, desde a estréia com a modesta Spirit, em 1983, e
passando a equipar a Williams em 1984, atingindo seu grau de excelência em
1986, quando o time de Frank passou a contar com a capacidade técnica de Nélson
Piquet no desenvolvimento do já fabuloso chassi FW11. Quando os japoneses
deixaram a Williams para ingressar na McLaren em 1988, encontraram a capacidade
técnica de Alain Prost e a determinação ferrenha de Senna aliados ao melhor
carro já concebido pelo time até então, o chassi MP4/4, que arrasaria por
completo a concorrência naquele ano. A Honda mostrou a que veio na era turbo,
mas continuou dando as cartas em 1989, quando a categoria mudou para os motores
aspirados, mostrando uma unidade V-10 de qualidade ímpar. Os japoneses só
perderam parte desta excelência quando adotaram um motor V-12 em 1991, que era,
em vários aspectos, não tão competitivo quando os antigos V-10. O talento de
Senna segurou a barra, mas no ano seguinte, em 1992, o V-12 perdia feio para os
V-10 franceses da Renault, que haviam tomado dos japoneses o trono de melhor
propulsor da categoria. Os japoneses não conseguiram digerir o golpe, e a saída
ao fim daquele ano, afirmando não ter mais o que conquistar, soava mais falsa
do que moeda brasileira forte. Ficou nítido que a Honda se retirava por não
conseguir discutir a hegemonia da Renault. Para muitos, os japoneses gostavam
da brincadeira quando davam as cartas, e perderam o rebolado quando passaram a
sentir na pele o que antes provocavam nos concorrentes. De qualquer modo, a
parceria McLaren-Honda foi uma das mais vitoriosas de toda a história: em 80
corridas, disputadas em 5 anos, foram nada menos do que 4 títulos de pilotos e
4 de construtores, 53 pole-positions e 44 vitórias. Apenas em 1992 o time não
conquistou o título, tendo apenas 5 vitórias e 1 pole como melhores resultados.
Quando
retornou, no ano 2000, os tempos eram outros. A Honda associou-se à BAR, e
iniciava ali uma nova jornada na categoria. No ano seguinte, estendeu a
associação também à Jordan. O plano era, lógico, crescer junto com estes times,
assim como fizera nos anos 1980. Só que os rumos não seguiram os planos
estimados. A parceria com a Jordan não frutificou, e a BAR só teve a rigor um
ano de relativo sucesso, em 2004, onde foram vice-campeões de construtores,
perdendo apenas para a campioníssima Ferrari. Não conseguiram vencer, mas tudo parecia
caminhar na direção certa.
Equipe Honda: Empreitada da fábrica como equipe foi um desastre completo nos anos de 2007 e 2008. |
No
ano seguinte, contudo, a BAR não teve um carro tão bom, e os resultados
decaíram. Mesmo assim, motivados pelo fato de sua principal rival, a Toyota,
possuir um time próprio na categoria, compraram a BAR, e a rebatizaram de Honda
no ano seguinte. O ano foi meio instável, mas conseguiram enfim voltar a
vencer, com o triunfo de Button na prova da Hungria naquele ano. Esperava-se
que a Honda, então, conseguisse voltar às glórias de antigamente. Mas o
resultado foi um completo desastre nos anos seguintes: em 2007 e 2008, projetos
equivocados dos carros, e com propulsores que nem de longe lembravam os
vitoriosos motores dos anos 1980 e 1990, a fábrica japonesa virou piada na
categoria, lutando para conseguir míseros pontos nas corridas. A crise
econômica mundial foi a gota d’água para a Honda simplesmente tirar o time de
campo, e sair com o rabo entre as pernas, com a imagem mais por baixo possível.
Agora,
com a volta dos motores turbos na categoria, o anúncio da volta da Honda ajuda
a diversificar os motores existentes, pois no ano que vem, haverá apenas 3
fabricantes na competição: Mercedes, Renault, e Ferrari, o menor número de
fabricantes de que há memória, inferior até mesmo quando a F-1 vivia os tempos
áureos do motor Ford-Cosworth. Em 2015, com a volta da Honda, teremos pelo
menos 4 fabricantes, e especula-se que a Toyota também retornaria, também
apenas como fornecedora de motores, o que seria outra ótima notícia.
Mas
qual Honda irá retornar? A vitoriosa e bem-sucedida fabricante dos anos 1980 e
1990, ou a instável e mediana dos anos 2000? Todos concordam que um fator
determinante para o insucesso na década passada foi não terem podido contar com
um time de ponta para alcançarem sucesso, mas a BAR, apesar de um time médio,
tinha plenas condições de se tornar uma equipe de ponta. Infelizmente, não
conseguiu. E quando passou a comandar a equipe por completo, a fábrica japonesa
nunca mostrou competência para gerir a escuderia, e isso fez decair até a
qualidade de seus motores. Quando o carro projetado em 2008 fez sua estréia no
time de Ross Brawn em 2009, como forma de eliminar as pendências contratuais, o
motor Mercedes, usado no lugar dos Honda, mostrou-se muito mais competitivo do
que os propulsores orientais, mais uma vergonha para os japoneses, que muitos
anos antes, eram a excelência na área na F-1.
A
Honda terá agora uma chance de apagar a má impressão que sua última passagem
pela F-1 deixou. A McLaren, mesmo que não tenha todo o poderio de duas décadas
atrás, ainda possui grande estrutura e coesão técnica, apesar de cometer alguns
tropeços, mas com certeza terá plenas condições de dar aos japoneses um carro
decente para que possam brilhar e voltar a serem um dos protagonistas da
categoria no ramo dos motores. Ficará a cargo dos japoneses conseguirem criar
um motor que honre os melhores momentos que a marca já teve na F-1. Eles ainda
têm um bom tempo até lá, e segundo algumas fontes, o novo motor já estaria até
sendo testado no dinamômetro. Para a McLaren, é a oportunidade de voltarem ao
topo, depois que foram relegados a segundo plano pela Mercedes desde que os
alemães compraram a Brawn GP ao fim de 2009. Mesmo tendo obtido os melhores
resultados da fábrica nos últimos anos, o relacionamento já não era o mesmo de
antes, e a partir do ano que vem, passará a ser apenas equipe cliente, como já
ocorre com a Force Índia. É pouco para as aspirações da McLaren.
Tanto
McLaren quanto Honda esperam certamente reviver os dias de glória que a
parceria demonstrou entre 1988 e 1992. Agora é esperar que efetivamente
consigam obter sucesso nesta empreitada. Há condições para se obter sucesso,
existem condições financeiras e técnicas para tanto em ambos os lados. Resta
saber se irão conseguir alcançar estas metas. Para a F-1, quanto mais gente
envolvida na competição, e com condições de vencer, melhor. Aguardemos,
portanto.
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