Kanaan comemora a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis após 12 tentativas. |
Domingo
passado, o brasileiro Tony Kanaan finalmente conquistou a vitória que mais
fazia falta em sua carreira no campeonato da Indy Racing League: venceu as 500 Milhas de
Indianápolis. Com isto, tornou-se o 4° piloto brasileiro a conquistar tal
feito, obtido pela primeira vez em 1989, quando Émerson Fittipaldi, nosso
grande pioneiro em títulos no automobilismo mundial, venceu pela primeira vez
na Brickyard Line, após uma disputa ferrenha com Al Unser Jr. nas voltas finais,
que terminou, assim como o triunfo de Tony, sob bandeira amarela, com a batida
de “little” Al no muro após tocar rodas com Émerson na luta pela liderança da
corrida.
Émerson
ainda venceria a corrida uma segunda vez, em 1993, data que comemorou 20 anos
esta semana. Depois disso, seria preciso esperar até 2001, quando Hélio Castro
Neves se tornaria o segundo brasileiro a vencer a mítica prova, feito que
repetiria no ano seguinte, em 2002, quando igualou a marca de Émerson. Em 2003,
Gil de Ferran se juntaria ao grupo, perfilando nada menos de 3 vitórias
brasileiras no oval mais famoso do mundo. Estaria a Indy500 rendendo-se ao
talento brasileiro? Nem tanto. De lá para cá, apenas em 2009 voltaríamos a
celebrar um triunfo na prova, novamente com Helinho, que naquele ano significou
muito mais do que apenas vencer pela 3ª vez, pois algumas semanas antes havia
sido absolvido de um processo de evasão de divisas movido pelo fisco americano,
e com perspectivas, no caso de condenação, de encerrar prematuramente sua carreira
de piloto. E agora, Tony, finalmente à 12ª tentativa, finalmente chegou lá, e
com muito merecimento.
Tony
fez uma boa corrida. Largando com extrema competência, o brasileiro não tinha o
melhor carro da corrida, mas compensava com muita garra e braço, mantendo-se
sempre no grupo da frente, ora assumindo a liderança, ainda que por algumas
voltas apenas, ora oscilando-se entre os primeiros colocados. Mais do que
poupar o equipamento, a estratégia visava também economizar combustível, e Tony
conseguiu executá-la com perfeição. Nas voltas finais da prova, onde aí sim os
pilotos partem para o tudo ou nada, Kanaan mostrava-se um páreo duro, frente a
concorrentes que estavam dispostos a vender caro suas posições. Assumia a
liderança mas logo era também superado pelos rivais, que mostravam ter até um
pouco mais de carro que o brasileiro. A chave para a vitória era conseguir
cruzar em primeiro no ponto mais importante: a linha de chegada, e Tony
calculava o momento certo de utilizar o vácuo para assumir a ponta bem na reta
dos boxes, pois nos outros pontos da pista se via que logo ele era alcançado e
superado, mas se conseguisse passar em primeiro na linha de chegada, pouco
importava ser superado depois, pois era ali o ponto-chave da vitória. Se não
foi preciso tanto, devido às batidas que ocorreram nas voltas finais e
colocaram até mais tensão sobre a luta no final da corrida, foi crucial que
Tony aproveitasse ao máximo sua capacidade de largar bem para fugir dos
concorrentes.
A
batida de Dario Franchiti, e que motivou o encerramento da corrida sob bandeira
amarela, apenas coroou um trabalho bem feito e muita determinação. Tony deu à
KV sua primeira vitória na Indy Racing League no melhor palco de todos, e a
conquista não poderia ter vindo em hora mais propícia. Como um time médio, a KV
não tinha orçamento para completar o ano com o piloto brasileiro, que estava
garantido apenas em 10 das 19 corridas. Apesar das afirmativas de Jimmy Vasser,
proprietário da KV, de que manteria o brasileiro assim mesmo, a perspectiva de
falta de dinheiro para terminar o ano certamente comprometeria as chances de
boas performances potenciais do time. Com o triunfo em Indianápolis, o prêmio
de mais de US$ 2 milhões vem em boa hora para reforçar o caixa financeiro do
time, que já conseguiu arregimentar mais um patrocínio importante para garantir
todo o ano. E Tony não está perdendo tempo, capitalizando seu triunfo para
iniciar negociações que visem garantir também toda a temporada de 2014.
Ainda
é cedo para garantir que a KV vença novamente este ano alguma outra corrida,
mas o esforço de Kanaan desde que chegou à escuderia, em 2011, é mais do que
evidente, tendo ajudado o time a crescer, embora ainda esteja muito atrás em
capacidade e estrutura frente às organizações mais poderosas da categoria, como
a Andretti, Penske, e Ganassi. Kanaan já havia feito um trabalho notável em
2011, quando chegou à KV praticamente no fim de semana do início do campeonato,
e terminou o ano na 5ª colocação, com muita constância e bons resultados,
embora ainda sem vitória. No ano passado, infelizmente o time andou para trás,
e Tony não conseguiu repetir as mesmas performances. Este ano, mais centrada, a
KV parece ter recuperado parte do rumo de crescimento, e desde que tenha carro
para tanto, Kanaan mostra do que é capaz na pista.
Desde
que estreou na IRL em 2003, Tony sempre se mostrou um dos pilotos mais rápidos
da categoria. No ano de estréia, já venceu uma corrida, e em 2004, era campeão
do certame, com 3 vitórias, sempre competindo pelo time de Michael Andretti,
que havia encerrado a carreira de piloto e agora tinha se tornado dono de
equipe. Mas a estréia de Tony na Indy500 havia sido antes, em 2002, quando
piloto ainda disputava a F-Indy. Naquele ano, Morris Numm resolveu inscrever
Tony para a corrida da IRL, e o brasileiro logo mostrou intimidade com o oval
de Indiana: largou em 5° lugar logo na primeira participação, mas acabou
terminando apenas em 28°. No ano seguinte, já como piloto da Andretti, e
competindo regulamente na IRL, já terminava a corrida em 3° lugar, sendo um dos
destaques da corrida, após largar em 2° lugar. Vencer, todos diziam, seria
questão de tempo para o brasileiro, que naquele ano ainda vibrou com a vitória
do compatriota Gil de Ferran, perfilando um resultado de maioria brasileira no
pódio da Indy500.
Mas
vencer em Indianápolis nunca é algo fácil. E nos anos seguintes, Tony alternou
boas participações com resultados frustrantes. Em 2004, terminou em 2° lugar,
depois de largar na 5ª posição. Em 2005, foi pole-position da prova, mas finalizou
apenas em 8° lugar, resultado muito inferior ao que esperava conseguir. Em
2006, largou em 5° e em 5° terminou. No ano seguinte, largou novamente na
primeira fila (2° lugar), mas de novo terminou aquém do que esperava, apenas em
12° lugar. Em 2008, largou em 6°, mas foi classificado apenas em 29°. Em 2009,
o dilema foi parecido: largou novamente em 6°, e acabou apenas em 27°. Em 2010,
acabou largando em último lugar, para terminar em 11°. Apesar de boas
apresentações, Tony parecia destinado a repetir o drama de outro conterrâneo,
Raul Boesel, que apesar de ter feito algumas boas corridas em Indianápolis,
parecia predestinado a nunca vencer a prova mais importante dos Estados Unidos.
E, ao fim do ano, com a decisão de Michael Andretti de dispensar o brasileiro
por perder o patrocínio da 7-Eleven, até mesmo a continuidade da carreira de
Tony na IRL ficou em risco.
Contratado
pela KV para 2011, Tony iniciou uma nova fase na carreira, mais difícil e
desafiadora, por não contar mais com um time de ponta por trás. Mas nem por
isso baixou os braços e deixou de lutar como sempre fez. Em Indianápolis
naquele ano, largou apenas em 22°, mas fez uma prova cheia de garra, terminando
em 4° lugar. No ano passado, foi melhor ainda: largou em 8°, e finalizou em 3°.
E neste ano, largando apenas em 12°, finalmente chegou à vitória, e beijou com
muito gosto a Brickyard Line, a linha de tijolos do piso original do circuito
que ainda hoje delimita a linha de chegada do oval mais famoso do mundo. Era a
vitória que faltava para Kanaan em sua carreira, e também serviu para acabar
com um jejum incômodo: já fazia praticamente 3 anos desde sua última vitória na
IRL, em 2010, no circuito oval de Iwoa, seu último triunfo pelo time de Michael
Andretti.
Tony
conseguiu a vitória que todo campeão da IRL sempre sonhou, e com isso,
completou ainda mais os números de sua carreira. Há inúmeros casos de pilotos
que foram campeões e nunca venceram a Indy500, como o reverso também é
verdadeiro. Hélio Castro Neves que o diga: já venceu 3 vezes a corrida, mas
nunca foi campeão da categoria, embora ele mesmo afirme com orgulho que, entre
um e outro, prefere triunfar em Indianápolis. E ele não é o único a pensar
desta maneira. As 500
Milhas são uma corrida praticamente à parte do que tange
à fama e desafio, e quem fatura a corrida garante praticamente seu lugar na
lista dos gigantes do automobilismo mundial, orgulho que é comparável àqueles
que vencem as 24 Horas de Le Mans, ou faturam o Grande Prêmio de Mônaco de
Fórmula 1, embora neste último caso o título da categoria máxima do
automobilismo ainda seja mais prestigiado do que apenas vencer no Principado.
Os
tempos da Indy500 certamente são outros: apenas 34 pilotos disputaram vaga este
ano, sendo que em tempos recentes, houve apenas os 33 pilotos regulares no grid
para competirem, e em determinados anos, foi até complicado encher todo o grid,
sem dúvida um panorama muito distinto de épocas onde mais de 50 pilotos
disputavam vaga na corrida mais famosa do continente americano. Mas, mesmo
assim, as 500 Milhas
ainda conservam um brilho próprio e único, e vencer ali sempre será motivo de
orgulho para qualquer piloto, que passa a ter sua face imortalizada no famoso
troféu Borg-Warner, que traz reprodução de todos os seus vencedores, e que
acaba de ganhar a face de mais um piloto brasileiro.
Parabéns
a você, Tony, por mais esta conquista em sua carreira. É mais do que merecida,
e que não seja a última. Mas hoje é hora de voltar a acelerar novamente, e a
IRL inicia os treinos para a etapa de Detroit, que será em rodada dupla, com
provas neste sábado e no domingo, em corridas completas e distintas, uma
experiência nova na categoria. Vamos ver se a estrela de Kanaan continua
brilhando nestas novas provas.