Será que Vettel está encenando com o dedo errado quando faz uma cara que sugere pensar "fodam-se, eu venci e é o que importa..."? |
A
corrida da Malásia, disputada domingo passado, já deu início ao grande
questionamento da temporada, e ao que parece, a Fórmula 1 não consegue ficar
muito tempo sem dar margem a assuntos escandalosos ou questionáveis. Afinal,
Sebastian Vettel errou ao desobedecer a equipe, vencendo a corrida, ou agiu
certo? Do ponto de vista esportivo, teria agido certo, mas não totalmente. Do
ponto de vista operacional do time, cometeu falta grave de insubordinação. Agora,
isso vai mudar alguma coisa? Não, infelizmente, não vai.
Antes
de mais nada, meu ponto de vista é que Vettel ganhou uma disputa de forma
desleal. A famigerada ordem do time, para que ambos os pilotos cuidassem de
seus carros, ordenando a redução do ritmo do motor para poupar as unidades, e
ao mesmo tempo os carros e pneus, foi cumprida por Mark Webber, mas Vettel a
ignorou solenemente, e partiu para cima do australiano com tudo, em um momento
em que Webber, correndo, numa comparação analógica, com “apenas” 6 ou 7
cilindros do motor, estaria em desvantagem técnica desleal contra o adversário,
correndo com um motor “cheio” de 8 cilindros. É diferente de quando você é
superado por errar uma marcha, uma freada, ou ter algum problema mecânico, pois
isso são riscos inerentes de uma corrida, são aceitos e fazem parte do jogo de
disputa. Com um carro mais potente, Vettel assumiu a liderança, após uma
disputa que teria sido limpa e justa, não fosse Webber estar com o motor “enfraquecido”
por cumprir a determinação do time. Ele pode até ter voltado o propulsor para a
potência total, mas o estrago já estava feito: perdera a posição. E não haveria
como recuperá-la por ter os pneus mais gastos e/ou de menor performance naquele
momento, mas este detalhe já é outra história, e sem questionamento, da estratégia
diferente de pneus. Mas corridas são decididas em detalhes, e naquele momento,
surpreendido por uma manobra totalmente inesperada, mas calcada em uma situação
influenciada pela ordem de Box, o australiano sentiu a punhalada, e mesmo que
tenha reagido rapidamente, Vettel já tinha assegurado vantagem suficiente para
dificultar ao máximo uma reação.
Mark
Webber não é santo, e ao longo de sua carreira na F-1, o australiano sempre
soube jogar com as situações de modo a sair bem na fita. Como no último fim de
semana, onde, histórico à parte, realmente saiu como vítima na história, e
Vettel, como o “bandido” da situação. E, num raro momento de sinceridade nas
declarações que se vê na categoria hoje em dia, falou que o alemão não vai
sofrer nenhuma punição, por ser o “protegido” do time. Quem saiu perdendo foi a
Red Bull, que vinha pelo menos se esforçando para mostrar ser um time menos “contaminado”
pelo ambiente pueril que as relações humanas vêm aturando na categoria nos últimos
tempos. Pode-se dizer que o time austríaco sucumbiu finalmente aos maus hábitos
ditados pelas escuderias em suas políticas de pilotos, e isso é uma pena. Houve
mal-estar mesmo no time, a ponto de até Adrian Newey dar uma bronca em Vettel,
e raro momento, Helmut Marko, o “paizão” de Vettel no time, ter criticado a
atitude de seu protegido, que parece ser a primeira vez que isso acontece.
Nessa
hora, quem critica o jogo de equipe tem sempre bons argumentos. Mas os times
sempre também têm argumentos para justificar suas posições e políticas, e tanto
de um lado como de outro, há argumentos razoáveis e compreensíveis. O duro é
sempre combinar as coisas de modo a satisfazer tanto o lado esportivo como o
gerencial, e é neste ponto que a categoria infelizmente parece perder
completamente o rumo, dado preferência para o fator gerencial e mandado o fator
esportivo, e com ele a simpatia dos torcedores pela disputa, às favas. Se
tivesse liberado a disputa entre seus pilotos, cobrando deles apenas cuidado e
responsabilidade, a Red Bull teria capitalizado com o episódio como nunca. Mas
desconfio que, mesmo do alto de seus 3 títulos mundiais, Vettel não apresente
ainda equilíbrio suficiente para decidir um disputa contra Webber sem partir
para um contato físico. Sua reação durante a corrida, pedindo para que o time “tirasse”
Webber de sua frente, alegando que ele estava mais rápido, beira o ridículo, e
expõe uma contradição: se ele estava mais rápido, então por que não o ultrapassou?
Foi preciso Webber ficar inferiorizado momentaneamente por uma ordem de Box para
ele conseguiu ultrapassar, mas então que campeão é esse que precisa deste artifício?
Convenhamos, pega mal para a imagem de um piloto, se bem que, hoje em dia,
muita coisa parece não ser mais levada a sério.
Lembrando
do incidente entre ambos na Turquia em 2010, naquela época Vettel fez uma
interpretação equivocada de situação parecida, e se meteu a disputar uma curva
onde Webber já estava enfiando o carro, achando que o parceiro havia aberto
caminho: ambos bateram, com o abandono do alemão, e o australiano ainda
conseguindo voltar à corrida, mas em 3° lugar. Logo a seguir, os pilotos da
McLaren deram o exemplo, duelando ferozmente pela vitória por algumas voltas,
trocando posições, mas com lealdade, e sem esbarrarem um no outro.
Vettel,
que até então vinha cultivando a imagem de um piloto carismático, afável e
desinibido no ambiente sisudo da F-1, começa a mostrar também que já vem
criando um ego desmedido, igual a outros pilotos campeões, como Michael
Schumacher e Fernando Alonso, e isso é lamentável, pois o jovem alemão vai
perdendo a fama de “bom moço”, o que era um de seus principais atrativos.
Na
Mercedes, vimos situação similar, mas com outro tipo de resultado. Mais veloz
na parte final da corrida, Nico Rosberg foi impedido por Ross Brawn de superar
seu companheiro Lewis Hamilton, que tinha de economizar o ritmo por talvez
estar perto de sofrer uma pane seca. Por mais que a preocupação fosse legítima,
alijar Rosberg da possibilidade de lutar pelo pódio e até incomodar a Red Bull
naquele momento foi totalmente errado. Nico e Lewis já tinham duelado entre si por
posição na corrida, e ambos, amigos de longa data, deram exemplo de se
respeitarem na disputa de posição e não arriscarem os carros na disputa entre
ambos. Ross Brawn, cujo histórico de “ordens de equipe” já é notório, adicionou
mais uma caveira no seu currículo, e a julgar pela reação de Niki Lauda e Toto
Wolf, que dividem com ele a chefia do time de Stuttgart, pode ter dado um tiro
no pé. E a Mercedes, que é uma das empresas que mais investem na F-1, também
fica com um arranhão em sua reputação.
Lewis
Hamilton, por sua vez, certamente não gostou muito do ocorrido, mas preferiu
ser educado, ao dizer que Rosberg merecia mais o pódio do que ele, numa crítica
indireta à atitude de Brawn, que pode ter escapado de levar um puxão de orelhas
explícito do novo contratado do time, que poderia ter dito algo mais
contundente na crítica. E Lewis, infelizmente, terá seu primeiro pódio na
Mercedes marcado como algo conquistado por ordem da equipe, o que sempre ficará
com a pecha incômoda de que ele não o conquistou exatamente por mérito próprio,
mas por política. Conhecido como o piloto mais arrojado e veloz da F-1 atual,
Lewis poderia passar sem essa... E Nico Rosberg, que deu à Mercedes os melhores
resultados dos últimos 3 anos, inclusive com pole e vitória no ano passado no
GP da China, merecia mais consideração por parte de Brawn. Depois de atitudes
como essa, se Ross acabar injustiçado futuramente, que não ache ruim não ter
merecido mais “consideração” pelo que já fez...
Houve
quem dissesse que Rosberg, se assumisse a 3ª posição, tinha ritmo até para
encostar nos pilotos da Red Bull. Pode até ser, e mesmo que não encostasse a
ponto de ameaçar a dupla rubro-taurina, certamente teria influenciado o
comportamento do time dos energéticos, que poderia ter tomado posição
diferente. O time prateado pode ter perdido uma chance potencial de um
resultado melhor. Um erro, claro. Por outro lado, depois dos resultados
negativos no final do ano passado, e com apenas um carro cruzando a bandeirada
em Melbourne, querer garantir pontos e evitar riscos “desnecessários” pode até
ser compreensível e normal. Novamente, os fatores gerencial e esportivo acabam
por não se equilibrarem
Rosberg
ficou na dele, assumiu a ordem, e disse que não iria esquecer aquilo. Certamente
espera ter sorte inversa no futuro. Se levarmos o histórico de Brawn, ele pode
perder as esperanças, pois Ross cansou até de dar de ombros para o que o público
e seus pilotos sentem. Na Ferrari, claro, contava com toda a aprovação de Jean
Todt; fica a dúvida se agora terá esse comportamento na Mercedes. Por incrível
que se pareça, não aconteceu quando Nico e Michael Schumacher dividiram o time
nos últimos 3 anos, quando todos, pelo histórico tanto de Ross quanto de
Schumacher, se achava que veríamos Nico ser cilindrado no time. Talvez porque o
inglês viu logo de cara que o heptacampeão, apesar de ainda ser rápido, não era
mais o piloto fenomenal que já tinha sido. Mas agora, tendo no time um piloto
jovem e tremendamente arrojado, e que deseja ser novamente campeão e tem
tremenda fome de vitórias, contratado a peso de ouro pela escuderia como último
recurso, assim como Schumacher o foi pela Ferrari em 1996, Brawn tenha voltado aos
“velhos hábitos”.
É
difícil querer que a F-1 se livre de seus vícios e defeitos. Há coisas erradas
e coisas certas na categoria. O problema é as coisas erradas ficarem em nível
muito mais alto do que as coisas certas. As diferenças de interesses precisam
ser melhor trabalhadas. É possível conciliar isso de forma a não causar tantas
discussões, mas a categoria, mais uma vez, mostra que não consegue se entender
com si mesma, e esse é o maior erro que sempre comete. E não há santos ou anjos
nesta história. A diferença é que antigamente havia muito mais respeito entre
todos na categoria, mesmo sendo um lugar para todo o tipo de rivalidades
exageradas. Hoje, esse respeito já virou lembranças...
E
o ano da F-1 havia começado tão bem...