sexta-feira, 10 de junho de 2011

A VIDA NADA FÁCIL NA F-1

            A Fórmula 1 chegou ao Canadá, para uma corrida que promete muito pelas características particulares do circuito de Montreal, que normalmente já costuma oferecer corridas bem interessantes, e neste ano, com as novas regras técnicas, e os novos pneus da Pirelli, tem tudo para ser uma prova extremamente agitada, com bons pegas e, quem sabe, surpresas no campeonato. Mas, enquanto os treinos livres não começam, eis que o assunto da categoria nos últimos dias é a reinclusão – ou não, do GP do Bahrein no calendário deste ano da F-1. Bernie Ecclestone começou defendendo a volta da prova, mas depois de uma série de críticas, inclusive das equipes, aparentemente mudou de idéia, pra não mencionar que até já teriam arrumado uma “desculpa” oficial, que seria o relatório “viciado” do emissário da FIA que teria afirmado que a situação no pequeno país do Golfo Pérsico estaria normalizada quando na verdade as coisas não andam tão normais assim por lá.
            Discussões à parte, uma preocupação de todos é com relação ao calendário: recolocar a etapa barenita exigiria mudanças na logística dos times, além das datas das corridas, o que empurraria o campeonato até o mês de dezembro, algo que nenhum time deseja. Para o ano que vem, o pré-calendário fala em 21 provas, mas Jean Todt, presidente da FIA, fala que só teremos 20 corridas. E olha que ainda tem gente querendo entrar nessa brincadeira, que conforme analisei em coluna recente, não anda valendo tanto a pena assim. Mas, o mundo é livre, ou parte dele, e se querem fazer parte do mundial de F-1, que agüentem o tranco. Um tranco que, diga-se de passagem, não é tão fácil e agradável para quem faz parte do “circo” da categoria.
            Em fóruns e comentários pela net, vejo muita gente dizendo que quanto mais corridas melhor, que o pessoal que trabalha na F-1 ganha bem, e tem que trabalhar mesmo, que viajam pelo mundo inteiro, tem várias regalias, e que reclamam de barriga cheia. Li outros tantos de comentários que nem vale a pena mencionar, mas dá para ver que esse pessoal tem uma imagem totalmente equivocada do que é trabalhar na F-1. tem seus pontos positivos, claro, mas tem muitos pontos negativos, assim como qualquer outro serviço. E, acreditem, os funcionários das escuderias não levam um vida tão fácil como muitas mensagens e comentários levam a acreditar.
            Ganham bem? Podemos dizer que sim: quase todos os integrantes são altamente qualificados, e em sua boa parte, recebem bons salários, se considerarmos uma série de fatores. Viajam o mundo todo? Sim, viajam, mas a trabalho, e não a passeio, e isso faz toda a diferença. Tomemos como exemplo aqui o Canadá. Todos os integrantes das equipes chegaram por volta de segunda e terça-feira, mas não há tempo para turismo: é chegar, registrar-se no hotel, e rumar para o circuito, onde será acompanhada a chegada dos materiais e carros, ocupar os boxes designados, e começar a montar toda a parafernália necessária para se disputar um GP. E não é pouca coisa, embora os times racionalizem os materiais e sua logística de transporte ao máximo. Tudo o que é trazido é o absolutamente necessário, ainda mais que não estamos na Europa, onde tudo é um pouco mais fácil. Em geral, o esquema é chegar na terça, e já começar a montar tudo. Às vezes, isso acontece no máximo na quarta-feira. Na quinta, tudo já tem de estar pronto, os carros montados e sendo vistoriados e seus sistemas postos em funcionamento para conferir se tudo está OK. De sexta, até o fim da corrida no domingo, tudo anda na velocidade da F-1. E, durante a própria corrida, para economizar tempo, alguns dos integrantes dos times já começam a empacotar diversos volumes, que já não serão mais utilizados, para adiantar o serviço. Finda a corrida, o trabalho se acelera, pois no fim do dia, tudo já terá de ser novamente empacotado para, no dia seguinte, seguir viagem nos aviões de carga fretados pela FOM, seja para retornar à Europa, seja para seguir para o local do próximo GP. Dependendo da situação, os integrantes curtem um ou dois dias de descanso, dependendo da escala de cada time, mas já com a cabeça voltada para o compromisso seguinte.
            Mecânicos, então, tem tarefa redobrada de sexta a domingo. E se um dos pilotos bater com o carro, tudo fica ainda mais complicado. Já foi pior: antes, havia o treino de aquecimento domingo pela manhã, e havia ainda muito o que mexer nos carros. Hoje, após a classificação, todos já ficam em esquema de parque fechado, para começarem a corrida da mesma maneira, salvo mudanças de pneus para aqueles que forem permitidas e/ ou mudanças de ajuste em caso de corrida sob chuva. Fim de treino não é fim de serviço, pilotos, mecânicos e engenheiros começam suas reuniões, trocam idéias, leituras de telemetria, etc. Só à noite há algum descanso, e olhe lá. Para os pilotos, ainda há os compromissos com patrocinadores, entrevistas, etc. E essa maratona, por mais interessante que pareça, cansa também.
            Viajar também cansa. Para quem faz isso uma vez ou outra, é uma sensação; para quem faz isso sempre, já é outra a percepção. Tomar avião sempre torna-se algo problemático, com as frescuras de check-ins, check-outs, horários, etc. Depois de um tempo, a novidade perde o encanto, e as viagens ficam enfadonhas. É preciso criatividade para evitar que as horas dentro de um avião tornem-se um fardo. Alguns driblam o problema melhor do que outros.
            Os funcionários que ficam nas sedes das escuderias também trabalham muito. Os setores de engenharia e de mecânica estão sempre estudando como manter a evolução dos carros. Comunicações on-line direta com os computadores nos autódromos abastecem os sistemas dos times em suas sedes, onde todo um grupo de funcionários está atento para analisar e estudar os dados. E, paralelamente ao trabalho atual do time, é pensado também já no projeto do próximo ano. Quando se fala que a F-1 é tão veloz fora da pista quanto dentro dela, isso não é apenas força de expressão. Trabalha-se muito mais fora dos fins de semana de GP do que nele propriamente dito. Os Grandes Prêmios são apenas a exposição direta de todo o trabalho desenvolvido nas fábricas, em seus túneis de vento, simuladores, oficinas, etc.
            É uma rotina muitas vezes estressante, que exige demais de todos, e que nem sempre dá a devida recompensa: um funcionário de uma Force Índia pode trabalhar muito mais que seu equivalente na Ferrari, e isso não quer dizer que seu time, normalmente, vá ter um desempenho melhor do que o da escuderia italiana. E, mesmo que seja de um time de ponta, muitas vezes todo o trabalho desenvolvido não dá resultado. E haja cobrança em cima dos funcionários, seja em quase todos os escalões, para que a equipe seja mais competitiva.
            A logística de montagem do calendário da Fórmula 1 já é bem racionalizada, de modo que as viagens sejam otimizadas ao máximo, para evitar deslocamentos inúteis. Isso ajuda os times e a categoria em si, evitando desgastes adicionais. Mesmo assim, tudo tem um limite. Não há ganho que compense um trabalho exagerado que coloque em xeque a saúde e a eficiência de um time, onde o ponto ideal, quando atingido, pode até ser melhor trabalhado para render mais, mas se forçar além de certo ponto, não se consegue melhorar a situação, mas ajuda a piorar tudo. Quando se fala que 20 corridas já é o limite, devemos entender isso como o ponto máximo a ser usado em um campeonato, ainda mais devido ao excesso de provas mundo afora que a F-1 anda fazendo hoje em dia.
            É diferente de uma Nascar, que pode ter corrida em quase todos os finais de semana, mas correm em apenas um país, e possuem uma estrutura relativamente mais simples do que a da F-1, com muito menos pressão e viagens distantes. Tem outro detalhe interessante que deve ser considerado também: evitar a banalização das corridas. Se há corridas demais, cada uma delas passa a ser vista com menos importância. Antigamente, findo o campeonato, todo mundo ficava na expectativa do começo para a próxima. Eram cerca de 4 meses de exercício de paciência, esperando pelo próximo campeonato. E cada uma das corridas era apreciada ao máximo. Claro, algumas corridas a mais são bem-vindas. Mas não vamos exagerar
            Tudo que é demais costuma perder parte de sua atratividade. É como o Natal, época que todos aguardam com muita espera pelo clima de festas. Mas, se tivesse Natal todos os meses, que graça teria? Pode-se aplicar o mesmo raciocínio ao automobilismo. E a vida do pessoal da F-1 costuma ser dura em muitos aspectos. E eles, assim como nós, também precisam de um descanso. Ninguém é de ferro...

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