sexta-feira, 24 de junho de 2011

PALHAÇADAS DA FIA

            Começam hoje os treinos oficiais em Valência, que abriga o Grande Prêmio da Europa de F-1, e pelo paddock, a sensação é de um certo clima de revolta contra a FIA, entidade que comanda o esporte a motor no mundo, e por tabela, a maior categoria automobilística do mundo. O motivo são mudanças nas regras técnicas que os times consideram absurdas em virtude do campeonato estar em andamento, e pelo fato de os carros, até então tidos como “legais” e “dentro do regulamento”, de uma hora para outra passarem a estar “ilegais” e com “irregularidades”. Aqui em Valência, já entra uma nova medida da entidade proibindo a mudança de mapeamento eletrônico do motor da classificação para a corrida. E, a partir de Silverstone, na Inglaterra, o escapamento “aerodinâmico”, como vem sendo designado o novo formato dos escapamentos adotados nos carros este ano, estará proibido. Ambas são novidades técnicas que, até algumas semanas atrás, eram “legais” e dentro do regulamento.
            Agora, a FIA muda a conversa, e coloca o novo sistema de escapamento na ilegalidade. E o recurso de mapeamento do motor, idem, em termos. O que acontece é que os times da categoria passaram a colocar os terminais dos escapamentos sobre o assoalho do carro, e não embaixo dele. O motivo da mudança da posição é usar o ar tremendamente aquecido que sai do motor para acelerar o fluxo aerodinâmico na parte traseira do carro. Este ar quente passa a atuar como uma espécie de substituto do ar natural que o carro desvia para aquele setor. Sendo expelido em altíssima temperatura, o ar pega velocidade no escape, dirigindo-se para o difusor traseiro. O ar quente consegue até diminuir o efeito das rodas, que turbilhona o ar pela sua rotação, ajudando a “abrir caminho” para o difusor. Com esse recurso, o ar que passa por baixo do carro, em especial na parte traseira, ganha muito mais velocidade, e com isso, o downforce exercido pelo ar que passa por cima do carro aumenta, em virtude de não fluir com a mesma velocidade. E, ganhando mais downforce,o carro ganha mais estabilidade, e com isso, a chance de obter mais tração. Adrian Newey, projetista da Red Bull, é quem desenvolveu o sistema, ainda no ano passado, e não demorou para os times passarem a adotar sistemas similares em seus bólidos, com resultados similares. Claro, em termos de eficiência do aproveitamento do conceito, são outros quinhentos.
            E o que o mapeamento eletrônico do motor tem a ver com isso? Para a classificação, como costumam ser poucas voltas, os engenheiros da Renault desenvolveram um gerenciamento de seu propulsor que mantém a unidade em aceleração plena, ou até mais, mesmo quando o piloto pisa no freio. Normalmente, deveria haver redução do trabalho do motor momentaneamente, até pelas trocas de marcha que são efetuadas neste momento de frenagem, para a recuperação de velocidade a seguir. Ocorre que, mantendo o motor plenamente acelerado, o fluxo de gases no escapamento mantém-se sempre alto, com maior constância. E o fluxo de gases aquecidos é o que faz a eficiência do escapamento “aerodinâmico”. Quanto mais constante o fluxo de ar, melhor. Com o motor desacelerando nas freadas, o fluxo torna-se irregular nestes momentos, e por tabela, o carro perde downforce no sistema. Para a corrida, o mapeamento do motor, que pode ser feito pela simples acoplagem de um notebok ao propulsor, procedimento que é feito geralmente no grid, antes da largada, é modificado para a posição normal, ou mais próxima disso. Trata-se de garantir a vida do motor, uma vez que manter a unidade em aceleração constante pode comprometer sua durabilidade, e com isso, ocasionar uma quebra. Este “truque” é mais válido para a classificação, uma vez que são geralmente poucas voltas, onde o risco de uma quebra é muito menor.
            Novamente, todos os times andaram copiando a artimanha, com menor ou maior eficiência de resultados. Mas estes dois recursos, que serão proibidos, podem explicar parte do grande desempenho dos carros da Red Bull especialmente nas classificações, obtendo todas as poles da temporada até agora, e por vezes com vantagens até arrasadoras. Nas corridas, a performance dos carros de Sebastian Vettel e Mark Webber não é tão grande, embora ainda sejam os modelos a serem batidos, o que aconteceu até agora por motivos alheios à qualidade do projeto do carro, como erros dos pilotos, ou o desgaste dos pneus.
            A partir deste final de semana, o mapeamento do motor da classificação para a corrida passa a ser proibido. Era um dos poucos recursos passíveis de uma mudança desde que a FIA implantou o regime de parque fechado há anos atrás, impedindo que as escuderias mexessem nos carros após o treino de formação do grid. Até então, os times tinham ajustes específicos para classificação e outros para as corridas. Tencionando dar mais equidade para com os times menos competitivos, que muitas vezes não tinham como desenvolver tantos ajustes diferentes, optou-se por proibir que os carros fossem modificados após a classificação. Com relação aos gases do escapamento, a FIA argumenta que o uso dos gases do carro para melhorar a aerodinâmica é ilegal, pois os carros estariam utilizando um ar “modificado artificialmente” para obter maior vantagem. Ladainhas técnicas de justificativa à parte, o que está deixando todo mundo irritado é a FIA baixar tais mudanças com o campeonato em andamento. Todos concordam que, se a entidade resolvesse abolir tais recursos para o ano que vem, a medida seria muito bem mais aceita e até “compreendida”, pois mudar as regras com o campeonato em curso só seria justificável em caso de alguma coisa comprometer seriamente a segurança, o que está longe de ser o caso.
            Em anos recentes, a FIA até agiu “corretamente” ao proibir certos sistemas, como o duto aerodinâmico no ano passado, que não seria mais permitido este ano. Da mesma forma, o lance sobre o difusor duplo. Mas tudo indica, nas entrelinhas, que a FIA quer é reduzir o favoritismo da Red Bull, e com isso, garantir que haja mais disputa no campeonato, que vem tendo corridas emocionantes, mas está péssimo na disputa pelo título, dada a superioridade de Sebastian Vettel até aqui. E, nas mesmas entrelinhas, leia-se que a Ferrari poderia ser a maior beneficiada, em que pese a proibição dos recursos afetar todos os times. É no modelo RB07 projetado por Adrian Newey que o sistema funciona melhor, embora não seja o único responsável pela excelente performance do carro. As escuderias ganharam um tempo da entidade para modificarem seus carros, e a proibição, que deveria ter sido implantada até em Montreal, ficou para Silverstone.
            É difícil dizer se, com esta proibição implantada subitamente pela FIA, a Red Bull perderá seu favoritismo. Mas seria um ganho para a categoria se, de repente, a disputa pelo título ganhasse novos ares, com mais times a poderem, potencialmente, lutar pela taça. Se é essa mesma a intenção velada da FIA, pode até conseguir seu intento, mas ajuda também a desmoralizar a credibilidade da competição, ao dar a idéia de que, a qualquer momento, pode mudar as regras de acordo com sua conveniência política.
            Já vimos isso em 2006, quando a entidade, sem motivos aparentes, declarou, de um momento para outro, que o recurso dos amortecedores de massa utilizados pela equipe Renault eram ilegais, por efetuarem de forma aerodinâmica no carro. Fernando Alonso, que liderava o campeonato, viu nisso uma clara tentativa de favorecer a Ferrari, que de certa forma, ganhou terreno sobre o time francês, que ainda continuou bem competitivo. O curioso é que a Renault já utilizava o sistema desde o ano anterior, e ele sempre foi considerado “legal”, da mesma forma que ambos os recursos mencionados acima, também eram plenamente “válidos” até poucas semanas atrás, e que contaram com consentimento da entidade quando da apresentação dos projetos à FIA para a construção dos carros deste ano, que também foram considerados todos “legais” nas vistorias técnicas do início do campeonato.
            Além da patifaria que essa mudança de regras com o campeonato em andamento sugere, é ainda mais injusto a entidade punir indiretamente quem melhor sabe trabalhar de acordo com as regras. A Red Bull não tem culpa de ser melhor do que os outros times se soube fazer com mais competência o seu trabalho. E os demais times também acabam prejudicados por essa medida, pois de uma hora para outra precisaram mudar o foco de desenvolvimento de seus carros, que com certeza pode se refletir de maneira negativa no desempenho dos bólidos, que estavam ficando mais parelhos, embora os Red Bull ainda tivessem alguma folga de performance.
            Aguardemos os resultados deste fim de semana para ver o que acontece. E os de Silverstone, principalmente...

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