Daniel Ricciardo deixa a F-1 pela porta dos fundos, com muito poucas chances de um eventual retorno.
Daniel Ricciardo está
fora da F-1 em 2024. O anúncio, confirmando os rumores que já circulavam dias
antes, se confirmou logo após a etapa de Singapura, quando a Red Bull
praticamente sacramentou o destino do piloto no resto da temporada, cujo lugar
na Visa RB, o time “B” dos energéticos, será ocupado por Liam Lawson nas seis
etapas restantes do campeonato. O motivo é óbvio: o australiano não rendeu o
que se esperava, de modo que a Red Bull precisou fazer a fila andar, diante de
uma complexa situação que envolve, claro, a posição de Sergio Perez no time
principal, sobre o qual surgem boatos de uma “aposentadoria” a ser anunciada no
GP do México, sua terra natal, e a consequente substituição do mexicano, seja por
Lawson, ou até mesmo por Yuki Tsunoda no próximo ano, como companheiro de Max
Verstappen no time principal.
E assim, a Red Bull vai rifando seus pilotos, não havendo histórico de um time que tenha substituído tantos titulares desde que chegou à categoria máxima do automobilismo. Mas seria a esquadra dos energéticos assim tão impiedosa com seus pilotos? A resposta é sim, e não, a depender das circunstâncias. O problema não está na cobrança de resultados, algo que é sempre implacável na F-1, e na imensa maioria de seus times. Talvez o problema seja o modo como a Red Bull frita seus pilotos, muitas vezes sem dó nem piedade, submetendo-os a um calvário público que poderia ser dispensado. Mas já tratei disso em outros momentos, e basicamente, não é o caso de Ricciardo, por incrível que pareça.
O que é triste é ver o ocaso de um piloto, que em seus melhores momentos já chegou a ser considerado um campeão mundial em potencial, e que quando chegou a um carro de ponta, a Red Bull em 2014, simplesmente superou um tetracampeão mundial, o reinante Sebastian Vettel, que vinha de quatro conquistas consecutivas. Por mais que falem dos problemas que Vettel teve com os carros naquele ano, entre outras justificativas, não dá para ignorar o feito do australiano, que venceu 3 provas, sendo o único além da dupla da hegemônica Mercedes a subir ao degrau mais alto do pódio naquele ano, deixando, assim, Sebastian nas sobras no time onde até então ele deitava e rolava. Tanto que o piloto alemão nem quis tentar a revanche no ano seguinte: bandeou-se para a Ferrari, mostrando que o impacto da competição interna no time dos energéticos sinceramente não foi de seu agrado.
No confronto com Yuki Tsunoda, o australiano perdeu o duelo com o japonês, e as chances de uma redenção na F-1.
Seria o australiano um
talento assim tão grande? Ou Vettel, afinal, não era tudo o que se diziam dele?
Em 2012, em seu primeiro ano na Toro Rosso, Ricciardo fpoi superado pelo
companheiro Jean-Éric Vergne por 10 a 16 em favor do francês, com ambos
terminando aquele campeonato em 17º e 18º. Em 2013, a situação se inverteu, com
Vergne a perder a disputa para Ricciardo, por 13 a 20 a favor do australiano,
com eles terminando em 14º e 15º no campeonato. Se levarmos em conta que, após
ter sido injustamente dispensado da F-1, Vergne se tornaria bicampeão da
Formula-E, podemos dizer que o duelo foi equilibrado, se levarmos em conta as
performances meio instáveis da Toro Rosso.
Na temporada de 2015, contudo, a disputa interna na Red Bull foi igualmente parelha, mas Ricciardo terminou o ano atrás de Daniil Kvyat, por uma diferença de apenas 3 pontos, com o russo terminando o ano em 7º e Daniel em 8º. Isso poderia ter um grande efeito negativo, se levarmos em conta como Kvyat caiu em desgraça na Red Bull no ano seguinte, ante a sanha de Helmut Marko de subir Max Verstappen, o novo queridinho do dirigente, de qualquer maneira para o time principal. Se Ricciardo ainda esperava ter maiores chances de disputar um título na Red Bull algum dia, tudo acabou com a chegada do holandês como companheiro de time, que em sua primeira corrida já chegou vencendo no time principal, e mostrando as garras.
Depois de disputar alguns GPs mostrando resultados em 2023, Liam Lawson será testado neste final de temporada. Visa RB ou Red Bull para ele ano que vem?
Não haveria problemas,
não fosse a preferência praticamente descarada por Verstappen por parte de Marko.
Ricciardo era quase tão rápido quanto o holandês, mas compensava com maior
visão de corrida, saber poupar o equipamento, e principalmente, não se envolver
em confusões. Isso equilibrava o duelo entre os pilotos, e o australiano, junto
com Max, formava uma das duplas mais fortes da competição. Não havia motivos
para um tratamento desigual no trato com os pilotos, apesar das negativas
oficiais da Red Bull nesse sentido, embora, na prática, todo mundo visse que
Daniel começava a se ver escanteado dentro da escuderia, ainda que de maneira
sutil, mesmo tendo melhores resultados. Portanto, não se pode culpar Ricciardo
por tentar apostar em outras paragens, diante das perspectivas de não ver sua
posição valorizada dentro da Red Bull, que passou a enxergar apenas Max
Verstappen dali em diante, ainda mais passando pano para suas estripulias na
pista, mesmo quando ele ferrava com tudo na pista.
Afinal, a vida é feita de apostas, certas ou erradas. Na teoria, seria dar um passo para trás e depois dar novos passos à frente. Àquela época, a Renault tinha um projeto bem mais definido de querer voltar a ser protagonista na F-1, tanto que resolveu até encerrar seu projeto na Formula-E, para se concentrar apenas na categoria máxima do automobilismo. Mas é claro que ainda assim, comparado à forma da Red Bull, os resultados decairiam. Ricciardo teve alguns problemas de adaptação no seu primeiro ano no time francês, mas assumiu a liderança do time, e melhorou muito em 2020. Mas viu que as promessas de evolução do time, bem como de seu propulsor, não viriam da maneira como se esperava, com a Renault a começar a errar em seus trabalhos para de fato voltar a ser uma força real na F-1. Então, mudou-se para um time de potencial declarado muito maior, a McLaren. E foi no time de Woking que infelizmente as coisas começaram a desandar, ao invés do piloto voltar a crescer como se esperava.
Na chegada à Red Bull em 2014, desbancou ninguém menos que o tetracampeão Sebastian Vettel, surpreendendo a todos.
O confronto com Lando
Norris foi desfavorável ao australiano, que teve como único ponto positivo o
triunfo no GP da Itália de 2021, um resultado circunstancial, mas que serviu de
compensação em um ano onde Ricciardo não se adaptou ao carro, situação que foi
até enfatizada por Norris ao afirmar que o bólido laranja era mesmo complicado
de se conduzir. Mas, em 2022, com a estréia de um novo regulamento técnico, com
o retorno do efeito-solo, o que deveria ter sido o momento de virada para o
australiano, onde todo mundo começaria com carros novos, em supostas igualdades
de condições entre todos eles, tentando entender os novos carros, confirmou-se
exatamente o oposto. O desempenho de Ricciardo despencou ainda mais, a ponto de
a McLaren resolver encerrar prematuramente o seu contrato que previa três
temporadas, dispensando-o ao final do ano, após apenas dois no time, substituindo-o
por um conterrâneo, Oscar Piastri, numa negociação meio complicada com a
Renault, mas que foi assumida pela McLaren, para dar uma amostra de quão
desiludida ela ficou com Daniel.
O mundo do automobilismo por vezes é imprevisível. E em determinados momentos, mesmo certas condições de estabilidade não são suficientes para contemplar as necessidades de um piloto. Todos fazem escolhas, algumas óbvias, outras mais arriscadas. Algumas dão certo, outras não, e em alguns casos, algumas decisões acabam sendo até catastróficas, arruinando a carreira de um competidor. Mas é fácil falar depois de um tempo, enquanto na época, certas condições davam até razão para se avalizar algumas destas decisões. Mas é claro para muitos afirmarem que Ricciardo errou ao deixar a Red Bull. Só que não dá para acusar apenas o australiano por isso, dada a maneira como o time passou a dar pano ilimitado para Verstappen como andava fazendo. Mas é claro que ele também poderia ter comprado a briga, e quem sabe, até mesmo colocado a condição do holandês em dificuldades, uma vez que, mesmo sendo um talento muito maior, o australiano dava combate a Max dentro do time. Resta saber como isso se daria, e o quanto ele conseguiria manter a luta em equilíbrio, ou não. De qualquer forma, nunca saberemos. E para a Red Bull, a contragosto ou não, eles tiveram uma certa “paz” na escuderia, pois os substitutos de Ricciardo desde então nunca andaram perto de Verstappen como o australiano conseguia fazer. Tivesse mantido o duelo, sabe-se lá quão tumultuado o ambiente na escuderia dos energéticos poderia ter ficado com essa disputa interna. Ele quis tentar algo diferente. Infelizmente, não deu certo. Mas, e se tivesse dado? Tudo são escolhas. Da mesma maneira quando Lewis Hamilton trocou a McLaren pela Mercedes em 2013, muitos disseram que era uma loucura, mas no caso dele, deu certo. Mas poderia ter dado errado também. E vamos lembrar que naquela época a McLaren era um time muito mais forte que a Mercedes. Quem poderia imaginar que a situação se inverteria como ocorreu algum tempo depois? No caso de Ricciardo, não deu, e eis que ele deixou a McLaren completamente desacreditado.
Fora da F-1, Daniel
ainda deu sorte de voltar à Red Bull, mesmo que apenas como piloto de testes,
já que o time dos energéticos raramente dava segundas chances a seus pilotos. E
foi em um destes trabalhos como piloto de testes que Ricciardo aparentemente
mostrou que ainda poderia ser o piloto que era nos velhos tempos da escuderia
austríaca, que resolveu dispensar Nyck de Vries da Alpha Tauri e colocar o
australiano lá como um teste para ver se ele ainda poderia ser de fato o piloto
que andava no nível de Verstappen anos antes. Sergio Perez tinha um momento fraco
na competição no time principal, mesmo com o carro dominante da escuderia, e
poderia ser substituído por Daniel para 2024, se o australiano se mostrasse
capaz. De fato, uma chance que não se poderia desprezar. Seria a oportunidade
de redenção de Ricciardo? Ele voltaria a ser o piloto de antes, ou a forma
demonstrada na McLaren, menos vistosa e eficiente, ainda se manteria?
O resultado foi duvidoso. Primeiro porque, ao sofrer um acidente e machucar o pulso em uma batida em Zandvoort, Ricciardo teve de ficar de fora de várias corridas, o que complicou sua situação. A Red Bull teve de lançar mão de Liam Lawson, que se mostrou combativo nas corridas que disputou ao lado de Yuki Tsunoda, chegando até a pontuar. No seu retorno, Ricciardo teve como ponto positivo apenas o GP do México, onde teve grande atuação, mas que acabou devendo nas demais provas. O resultado foi que Perez acabou mantido para 2024 na Red Bull, e Ricciardo, com um resultado inconclusivo, ganhou uma chance mais efetiva sendo mantido na Alpha Tauri este ano, com vistas a ser novamente avaliado, em caso de nova queda de performance de Sergio Perez.
E, lamentavelmente, o australiano perdeu o duelo para Tsunoda, que apesar de estar pilotando bem, nunca foi considerado um talento diferenciado pela Red Bull. E essa medida com o japonês foi o prego no caixão de Ricciardo, que até durou bastante na Alpha Tauri, mas viu suas chances chegarem ao fim justamente por causa de uma situação similar este ano ao que promoveu seu retorno no ano passado. A situação de Perez na Red Bull para 2025 é incerta, e o time precisava fazer nova avaliação sobre Lawson, para ver quem será titular no próximo ano, ao lado de Max Verstappen. E Daniel, pura e simplesmente, não se mostrou mais o piloto que era quando defendia a Red Bull de 2014 a 2018. Infelizmente, ele não conseguiu aproveitar a chance que lhe foi dada, em que pese os azares e percalços que passou. Para muitos, ele teve até muito mais chances do que deveria por parte da Red Bull, que já rifou vários pilotos por muito menos em sua história na F-1.
E assim, até o presente momento, Daniel Ricciardo despediu-se da F-1 com um currículo até bem razoável, com 8 vitórias, 3 pole-positions, 1329 pontos marcados, e 17 voltas mais rápidas, em um total de 258 GPs na competição. Ele já declarou que não pretende voltar à posição de piloto de testes da Red Bull, e no momento, a equipe dos energéticos estuda tê-lo como embaixador da escuderia, ainda demonstrando apreço pelos serviços que ele prestou, algo até raro diante do retrospecto do time para com seus pilotos. Não se pode ignorar seu histórico: de todos os pilotos da Red Bull em seu histórico na F-1, Ricciardo fica atrás apenas de Max Verstappen e Sebastian Vettel, que foram campeões pela escuderia. No time principal, apenas os três pilotos, além de Sergio Perez, venceram corridas pela escuderia. Em termos de popularidade, Ricciardo conquistava a todos pelo seu sorriso fácil e extremo carisma, algo que certamente era muito bem valorizado pelo pessoal da Red Bull, talvez por isso a paciência que tiveram com ele nesta nova chance.
Mas, diante das necessidades da escuderia, apenas carisma e popularidade não são suficientes. E a velocidade que faltou a Ricciardo, especialmente no confronto interno com Yuki Tsunoda, foi fatal. E nada havia a ser feito quanto a isso. Assistimos ao ocaso de um piloto que já foi considerado um campeão em potencial, se tivesse a chance. Mas a história da F-1 está cheia de pilotos com as mesmas características, que prometiam muito, mas nunca chegaram lá. Daniel não foi o primeiro, e dificilmente será o último nesta relação de grandes talentos que, pelas mais diversas razões, não conseguiram vingar como se esperava.
Na McLaren, o último bom momento de Daniel Ricciardo, com a vitória no GP da Itália de 2021, um resultado circunstancial que nunca mais se repetiu (acima e abaixo).
Difícil dizer onde Ricciardo se perdeu. Alguns pilotos perderam performance e desempenho depois de sofrerem alguns acidentes fortes na carreira, mas isso não é o caso do australiano. As novas regras técnicas a partir de 2022, com a introdução dos novos carros de efeito-solo, podem ser uma explicação para o fato de ele não conseguir mais andar com o mesmo empenho. Helmut Marko disse que Daniel perdeu seu “instinto assassino” de pilotagem, aquela agressividade que todo piloto precisa ter na busca de performance. E claro, temos também a idade, embora isso seja algo relativo, variável de piloto a piloto. Com 35 anos, Ricciardo era um dos mais velhos do grid, ainda que essa idade não seja tão limitadora. Fernando Alonso, com mais de 40 anos, ainda pilota em nível extremamente alto, assim como Lewis Hamilton, o segundo piloto mais velho do grid. Mas eles são exceções à regra no ranking de talentos do grid da F-1, uma classe à qual Daniel nunca foi exatamente considerado, ainda que viesse a ser campeão com todos os méritos.
Em um momento onde a F-1 toma a medida cretina de praticamente proibir a entrada de novos times na competição, pelos motivos mais vergonhosos possíveis, infelizmente o número de vagas diminui, o que também compromete a ascenção de novos talentos no grid, por mais vencedores e talentosos que possam ter sido nas categorias de acesso, inflamando uma legião de fãs para os quais pilotos como Ricciardo passaram a ser nada mais do que “pesos mortos” no grid, e portanto, defendendo a expulsão deles de todos os times, a fim de dar lugar a pilotos “de verdade” (alguns mais exagerados falam isso), como se eles não fossem mais pilotos de competição.
Mas o mundo do automobilismo é amplo e vasto. Daniel Ricciardo pode ter encerrado sua passagem como piloto pela F-1, mas não no mundo do automobilismo, onde pode tentar se acertar em outras categorias de competição, dando um novo rumo à sua carreira, e quem sabe, encontrar sua redenção em outro lugar, como tantos ex-pilotos de F-1 já fizeram em tempos passados. Indycar, IMSA, WEC, DTM, há muito lugar por aí onde o australiano pode dar sequência à sua carreira, e ser relativamente feliz. E ter um final de carreira mais digno. Não se pode dizer que apenas os campeões possam ter tido carreiras de sucesso. Mas cabe a cada um conseguir fazer o seu melhor, seja por onde puder competir.
Boa sorte a Ricciardo em tentar achar um novo lugar para competir, e que aceite pelo menos ser embaixador da Red Bull, num raro reconhecimento do time à sua contribuição na escuderia dos energéticos. Que consiga dar um fim digno à sua carreira, como muitos fizeram.
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