sexta-feira, 23 de agosto de 2024

SORTE DE CAMPEÃO

Will Power tinha tudo para vencer em Gateway e se aproximar perigosamente de Álex Palou, mas o abandono foi um forte golpe às suas expectativas de lutar pelo tricampeonato.

            A Indycar entra em sua reta final da temporada de 2024, e a expectativa é de Álex Palou está quase com a mão na taça para comemorar o tricampeonato. O piloto da Ganassi tinha tudo para sair da etapa de Gateway, no sábado passado, com uma dianteira menor do que a que tinha antes, uma vez que seu principal rival, Will Power, vinha com chances de vencer a corrida, e reduzir potencialmente pela metade sua vantagem na pontuação, o que poderia complicar a situação do espanhol nas etapas finais do certame, diminuindo sua margem de manobra para poder lidar com reveses inesperados.

            Mas, eis que Power viu suas chances de concretizar a ameaça irem pelos ares. O piloto da Penske teve uma dividida de posição dura com David Malukas, da Meyer Shank, com ambos os carros se tocando, mas Malukas rodando e indo parar no muro, batendo e dando adeus à corrida. Bandeira amarela acionada, na hora da relargada, uma partida meio atrasada de Josef Newgarden confundiu os pilotos atrás de si, de modo que Alexander Rossi encheu a traseira de Power, que rodou e foi parar no muro, sendo atingido também por Romain Grosjean, que não conseguiu desviar. O resultado: Power fora da corrida, e Palou, que vinha algumas posições atrás, terminou em 4º lugar, um resultado acima do que ele esperava.

            Mas, melhor mesmo, foi aumentar ainda mais sua vantagem na classificação, agora em 59 pontos, para Colton Herta, da Ganassi, que com seu 5º lugar superou Power na classificação, e agora é o vice-líder. Power, que ocupava esta posição, caiu para o 4º lugar, com uma desvantagem agora de 66 pontos, sendo superado até por Scott Dixon, mesmo que por apenas 1 ponto, diante de uma prova onde o neozelandês não deu sorte para fazer sua estratégia de corrida. Como desgraça pouca é bobagem, outro competidor potencial que poderia complicar a disputa com Álex Palou, Patrício O’Ward, da McLaren, abandonou a corrida com problemas no carro, perdendo qualquer chance de tentar reverter a desvantagem na pontuação, que agora é de 98 pontos para o rival da equipe Ganassi.

            Podemos falar que Palou está tendo a famosa “sorte de campeão”, sem a qual nenhum piloto consegue de fato vencer um campeonato. À primeira vista, o termo parece desprezar a capacidade e talento do piloto, como se ele fosse ser campeão apenas com base na sorte, e nada mais. Mas não é bem assim. A sorte, sim, faz parte da bagagem que leva um piloto a ser campeão, pois mesmo com todo o talento do mundo, sem ela, o piloto pode não conquistar coisa alguma. Quantos pilotos tiveram um imenso talento, e não conseguiram nada, apesar dos seus esforços? E tivemos também alguns pilotos que, mesmo sem serem considerados grandes talentos, conseguiram ser campeões, tendo a sorte de estarem no lugar certo, no momento certo.

Colton Herta (acima) não consegue ter a constância necessária para ameaçar Palou na briga pelo campeonato, enquanto Josef Newgarden (abaixo) faz uma temporada com mais baixos que altos, apesar da vitória na Indy500 e na prova de Gateway.


           
É uma conjugação de fatores, onde entra o talento e a capacidade do piloto, e também a sorte propriamente dita. O caso de Álex Palou na etapa de Gateway ilustra bem isso. O piloto espanhol nunca venceu uma corrida em circuito oval, mas sempre soube aproveitar as oportunidades e tirar o melhor proveito de cada corrida. Em Madison, ele largou lá na parte de trás, e veio se recuperando na corrida, com o intuito de minimizar os prejuízos, já que seu principal rival tinha boas chances de ganhar a corrida e diminuir bastante sua vantagem na liderança. Isso é a competência do piloto, que aliando talento e capacidade de usar bem a performance de seu carro, trata de conquistar o melhor resultado possível, não necessariamente a vitória, o que nem sempre é possível, ainda mais em um certame mais equilibrado como a Indycar. Mas aí, eis que Power, seu principal rival, sofreu o acidente que arruinou sua corrida. Um misto de azar e atitude do piloto, já que o australiano havia participado do incidente que ocasionou a bandeira amarela que, por sua vez, resultou na relargada onde o piloto da Penske acabou colhido por Rossi diante da aceleração tardia de Josef Newgarden. E Grosjean acabou envolvido na confusão. Palou escapou por pouco da confusão, e isso lhe rendeu um ótimo 4º lugar, premiando seu esforço na prova. Mas, podia ter dado zebra, e ele ter sido colhido também na confusão, e nada poderia fazer para contornar o problema. Mas em Gateway, além de ter feito um bom trabalho na pista, também teve a sorte que faltou a seus rivais, como por exemplo O’Ward, que nada pôde fazer para evitar o problema mecânico que afligiu seu carro.

            Em contrapartida, na primeira corrida de Iowa, Palou deu azar, e acabou indo parar no muro, vendo a chance de um bom resultado, que vinha tendo na pista, se esvair. Lá ele deu azar, apesar de mais uma vez fazer uma corrida com performance positiva. Em Gateway, ocorreu o oposto. E o azar foi de seus rivais potenciais, que agora precisam dar ainda mais duro, e torcer ainda mais por um mau resultado do espanhol, para voltarem firmes à disputa, o que é complicado. Isso porque Palou vem conseguindo aliar competência e sorte na temporada. Mostrando seu talento, e usando ao máximo as possibilidades da capacidade técnica da Ganassi, ele conseguiu fazer bom uso do carro que possui para vencer três provas na temporada. Ao mesmo tempo, tem procurado ficar longe de confusões na pista, algo que, acima de tudo, exige sorte, especialmente para não ir de embrulho em acidentes causados por terceiros, onde poderia sobrar para ele. Podemos citar como exemplo o acidente múltiplo ocorrido em Toronto, logo na primeira curva do circuito, onde vários pilotos se envolveram após a batida de Patrício O’Ward no muro, em mais um resultado negativo para o mexicano da McLaren, que ainda almejava disputar o título da temporada, e viu tudo ruir ali, enquanto Palou tez mais uma corrida cerebral, cuidando de seu carro e sendo preciso na estratégia de corrida e nas disputas de posição para terminar em 4º. Em contrapartida, foi na etapa da metrópole canadense que Will Power fez besteira ao forçar uma ultrapassagem sobre Scott McLauhglin, seu companheiro na Penske, estragando a corrida do neozelandês, e por causa disso, tomando uma punição da direção de prova que o jogou lá para trás na classificação da corrida, arruinando suas chances de ter um bom resultado, o que colaborou para Álex abrir vantagem na classificação. Foi uma manobra forçada do australiano que deu azar, tocando no carro do colega de time, mas que poderia não ter acontecido nada também. Mesmo manobras de ultrapassagem destrambelhadas costumam ser bem-sucedidas vez ou outra, o que não foi o caso em Toronto.

Patrício O'Ward, da McLaren, bem que tentou entrar na briga pelo título, mas problemas mecânicos o tiraram da corrida de Gateway eliminando suas chances de brigar com Palou na disputa.

            E mesmo manobras calculadas com precisão, e nos locais certos, podem dar zebra, se o piloto que está perdendo a posição efetuar algum movimento inesperado. É preciso ficar esperto para não ser surpreendido, e aqui, novamente é preciso contar com a sorte em vários momentos, para que nada dê errado, mesmo tomando todos os cuidados possíveis, pois o automobilismo é um esporte de risco, e mesmo com tudo sob controle, as coisas podem degringolar. Neste ponto, a competência de Palou foi premiada com a sorte de nada anormal ocorrendo em suas disputas, mas poderia ter tido algum percalço em algum momento, se os outros pilotos resolvessem engrossar o duelo, e tudo dar errado.

            Talvez o único piloto que poderia complicar a situação de Palou, Scott Dixon teve a sorte faltando em alguns momentos no ano, e o Gateway foi um destes momentos, onde o hexacampeão, que também largou lá na parte de trás do grid, não conseguiu fazer uma recuperação tão eficiente quanto a do companheiro de time. Neste momento, contudo, ele precisa não apenas de sorte, mas do azar do companheiro de time para vir perto da briga, já que ambos tem conseguido performances bem similares quanto conseguem desempenhar seu papel a contento. De Colton Herta, o problema é que o piloto da Andretti volta e meia tem seus altos e baixos, precisando dar uma melhor constância às suas performances, pois em muitas ocasiões ele acabou sendo o maior inimigo de si próprio. Este ano, ele parece estar melhor, mas ainda assim, precisa conseguir conjugar todos os detalhes como fez em Toronto, para ser uma ameaça de fato a Palou. Mas, com quatro corridas para o final, o espanhol pode jogar no seguro, preferindo não se arriscar em determinadas manobras na pista que podem ser redentoras, mas também azaradas, enquanto Herta tem de partir para o tudo ou nada, onde os riscos são grandes e o prêmio, incerto se algo fugir ao controle.

            Há um ditado que diz também que cada piloto “faz” sua própria sorte, e isso tem seu fundo de verdade, quando os pilotos procuram estar no lugar certo, para na hora certa, aferirem ganhos no caso de algo ocorrer com os rivais. E eles precisam conseguir estar neste lugar certo, na hora certa, para poderem aferir esse bônus, que pode tanto ocorrer, como não vir. Neste ponto, mais uma vez, a sorte precisa estar aliada aos feitos do piloto, pois ela pode ser inócua se ele não estiver onde precisa para ganhar o prêmio inesperado. Não se pode confiar totalmente na sorte, porém, e é por isso que ela nunca é contabilizada oficialmente no plano de cada piloto. Ele pode precisar dela, mas na prática, precisa se fazer por si só. Cumprindo com este segundo quesito, quando a sorte aparece, eles podem aproveitar, com méritos, de estarem onde precisavam para isso.

            A sorte, por si só, não faz nada se o piloto também não se ajudar, ainda que em determinados momentos ela sempre pode surgir de tal maneira que só o acaso pode explicar a obtenção do prêmio. Até porque, como já mencionei, quando o azar bate firme em cima, não há piloto talentoso que possa dar conta do problema. Por isso, a “sorte de campeão” tem seus méritos. E podemos considerar sim de certa forma iluminados aqueles que podem se dar ao luxo de tê-la em momentos decisivos de suas carreiras.

 

 

A F-1 volta do seu período de férias de verão, com a disputa do GP da Holanda, na pista de Zandvoort. E a pergunta é se Max Verstappen e a Red Bull conseguirão reagir diante da aproximação forte dos rivais, uma vez que a última vitória do tricampeão holandês se deu no GP do Canadá, o maior intervalo de triunfos de Max desde o início da temporada de 2021. A McLaren foi para o intervalo de agosto como o melhor carro do grid, mas diante de erros de seus pilotos e do próprio time, apenas na Hungria o time de Woking averbou o resultado máximo, de vencer e ainda fazer uma dobradinha com seus pilotos no pódio, com o 2º lugar. No time dos energéticos, o consenso é que as atualizações promovidas no modelo RB20 não surtiram os efeitos esperados, muito pelo contrário, tornaram o carro mais complicado de pilotar, e com isso, abriram brechas para os rivais não apenas chegarem, mas também ultrapassarem o time rubrotaurino. O time estaria voltando para as configurações iniciais da temporada, quando o desempenho do carro parecia indicar que 2024 seria outro passeio como fora a temporada do ano passado, além de tentar entender melhor se o modelo RB20 chegou ao limite de seu potencial de desenvolvimento. De uma maneira ou outra, quem mais quer tentar resolver essa questão é Verstappen, que venceu todas as provas em Zandvoort desde que o circuito voltou recentemente ao calendário da F-1, uma vez que é a sua corrida de casa. Mas, pelos primeiros treinos livres hoje, a avaliação preliminar do desempenho da Red Bull é que eles não conseguiram minimizar os problemas do carro, e a concorrência pode ter outra boa chance de deitar e rolar em cima de Max no seu GP caseiro.

 

 

Numa rara admissão de culpa do trabalho de desenvolvimento da escuderia, Helmut Marko disse que apenas Verstappen está conseguindo domar o modelo RB20, e que Sergio Perez não tem culpa de seus resultados estarem tão abaixo do que seria esperado, dando a entender o quão temperamental o carro se tornou com suas atualizações, e que o baixo desempenho do mexicano tem esse detalhe como principal causa. Isso não inibe Perez de erros cometidos nas últimas corridas, mas dá uma boa aliviada na falta de performance em algumas corridas, diante da incapacidade do piloto de superar o comportamento nervoso do carro, algo que pode muito bem arruinar o desempenho de muitos pilotos, devido a não conseguir ter confiança nas reações do carro. Por outro lado, isso significa que o comportamento do modelo de 2024 começou a prejudicar efetivamente Max Verstappen, que teve de duelar com o carro principalmente nas duas últimas corridas, impossibilitando-o de brigar pela vitória, e fazendo o piloto até perder as estribeiras na Hungria, onde pilotou de forma afobada e cometeu vários erros tentando driblar a falta de performance do carro frente à McLaren. A admissão de Marko de que apenas Verstappen está conseguindo “domar” o carro é também uma confissão de que o holandês, mesmo com seu enorme talento, começou a ser prejudicado pelo comportamento do RB20, de forma que nem ele está conseguindo sobrepujar as dificuldades como seria de se esperar. Daí a aliviada na barra de Perez, muito criticado em momentos anteriores pela falta de resultados à altura, que, sim, tem culpa do piloto mexicano, mas não toda ela. Afinal, quando Perez pediu ajuda ao time para ajudar a deixar o carro mais ao seu gosto de pilotar, e assim, poder obter melhores resultados, o time simplesmente não o atendeu, já que Verstappen não apenas estava dando conta do recado, como vencia sem aparentes dificuldades. Mas agora o buraco ficou mais embaixo, de forma que a escuderia precisou se mexer, mas me pergunto se não fossem as críticas do holandês, se o time tomaria providências neste sentido. Na minha opinião, deixar o carro mais neutro é aumentar as chances de potencializar os resultados de sua dupla de pilotos, porque não faz sentido ter um carro em que apenas um dos pilotos consegue extrair resultados. Muitos criticaram minha posição, defendendo que um time que quer vencer não pode ficar atendendo aos choramingos de seus pilotos “secundários”, e que tem de maximizar suas chances com seu piloto principal. Só que eles se esquecem que, com um carro mais de reações mais seguras, Verstappen também seria favorecido, pois ele não precisaria ficar brigando com o carro para arrancar velocidade na marra, podendo fazer uma pilotagem mais centrada, sem ter este comportamento nervoso para atrapalhar. E, ao mesmo tempo, Perez poderia produzir mais, trazendo mais resultados para o time. Em suma, é um jogo de ganha-ganha, onde ambos os pilotos saem favorecidos, e não uma ajuda onde apenas Perez sairia ganhando, como eles alegam em seus argumentos para se manter o estilo de trabalho centrado apenas em Verstappen.

 

 

Foi este tipo de mentalidade, aliás, que deu à Mercedes seu grande período de domínio entre 2014 e 2021. Ao construir carros mais “neutros”, o time não privilegiou apenas Lewis Hamilton, mas também seus companheiros de equipe, que puderam obter melhores resultados, que foram cruciais na conquista dos títulos de construtores por parte do time alemão, inclusive no ano em que perdeu, por uma decisão controvertida, o campeonato de pilotos, em 2021, por não ter um carro que apenas um de seus pilotos conseguisse “domar”. Mesmo Valtteri Bottas conseguia produzir bons resultados e até vencer corridas, por não ter que ficar brigando com seu carro nas corridas. Fosse assim, Sergio Perez com certeza teria conseguido oferecer resultados bem melhores do que os que apresentou desde que chegou à Red Bull, e em contrapartida, Verstappen não seria prejudicado por ter um carro mais confiável em termos de reações, podendo ser até mais rápido dessa maneira.

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