sexta-feira, 9 de agosto de 2024

AU REVOIR, RENAULT

A Renault deve deixar de fabricar propulsores para a F-1. Equipe Alpine deve passar a utilizar motores da Mercedes, talvez já no próximo ano.

            A Fórmula 1 está no meio de suas férias de verão, e um dos assuntos mais comentados recentemente diz respeito à equipe Alpine, que já na próxima temporada poderá deixar de ser um time de fábrica na categoria máxima do automobilismo. O motivo seria o encerramento da produção dos propulsores Renault para a F-1, o que deixaria o time sem apoio oficial da marca francesa, que só não se chama mais Renault porque resolveu rebatizar a equipe com o nome esportivo com o qual vem se dedicando ao automobilismo em tempos recentes, Alpine.

            Não é a primeira vez que a fábrica francesa deixaria a F-1, mas diferente de algumas outras saídas, esta será total. A Alpine não terá os motores Renault sob preparação privada, como ocorreu em outras ocasiões, tanto que deverá usar os propulsores da Mercedes, muito provavelmente já no próximo campeonato, não esperando a mudança técnica para 2026. Para a Mercedes, não significa muito mais trabalho, já que a partir de 2026 a marca das três pontas perde a Aston Martin, que passará a ser o time oficial da Honda, deixando de utilizar os propulsores alemães.

            Mas, com isso, mais uma vez, a Renault pula fora da competição, não conseguindo driblar os problemas enfrentados. Com a desculpa, cada vez mais óbvia, de que os gastos não compensam, a marca francesa resolve deixar a competição, e com isso, fica com o problema do que fazer com sua fábrica em Viry-Chatillon, cuja utilidade passa a ser discutida, diante do enorme número de funcionários ali presentes, e como ela poderia desenvolver suas atividades em outros setores de tecnologia do grupo francês. A decisão de encerrar a participação na F-1, pelo menos como fabricante de motores, pode resvalar também para a venda do próprio time, algo negado no momento, obviamente, mas que pode se concretizar em futuro breve, se lembrarmos da condição extorsiva que a F-1 resolveu impor a Michael Andretti para poder entrar na competição, que seria unicamente adquirir um time, em seu propósito cretino de não permitir novos times no grid além dos dez atuais.

            De um modo ou de outro, é uma saída vergonhosa para a marca francesa, que se notabilizou por introduzir a tecnologia dos motores turbo em 1977 na F-1, causando espanto pela revolução que tal tecnologia poderia causar. Verdade que levou um tempo, mas o motor turbo virou norma na categoria, mas por uma dessas ironias do destino, foi uma marca rival que conseguiu a primazia de ganhar o primeiro título com um propulsor turbo, a BMW, campeã em 1983 com Nélson Piquet, que derrotou principalmente Alain Prost, principal piloto do time oficial da Renault naquele ano.

            Desgostosa de ver marcas rivais ganharem, a Renault saiu da competição ao fim de 1986, para voltar apenas em 1989, com a nova era aspirada da F-1, que habia proibido os turbos em nome da contenção de gastos. A partir de 1991, os propulsores franceses se tornariam os melhores motores do grid, obtendo seus primeiros títulos de pilotos e construtores em 1992, com Nigel Mansell, e a equipe Williams. Ao fim de 1997, nova saída da F-1, agora pelo excesso de sucesso, sem ter maiores desafios, mas ainda assim, mantendo um pé na competição, com seus motores sendo utilizados por alguns times sob preparação da Mecachrome. Assim, de certa forma, a Renault permanecia na categoria, mesmo que de forma velada.

Na temporada de 1977, a Renault fazia sua estréia na F-1 com a tecnologia revolucionária dos motores turbo (acima), mas perderam a chance de ganhar o primeiro título de um motor turbo em 1983 com Alain Prost (abaixo), que perdeu a disputa para Nélson Piquet, com o motor BMW na Brabham.


            Nos anos 2000, com o ingresso e retorno de várias montadoras, a Renault, claro, retornou à competição, adquirindo a antiga Benetton e transformando-a em seu novo time oficial, uma vez que a primeira equipe tinha sido dissolvida ao fim da temporada de 1985. E aí a Renault conquistou os títulos de 2005 e 2006 com Fernando Alonso, no ápice do sucesso da marca francesa na competição. Mas a crise econômica de 2008 provocou a debandada destes mesmos fabricantes, e assim, a Renault repassou seu time adiante, continuando apenas como fornecedora de motores na F-1. E, de 2010 a 2013, a marca foi campeã de pilotos e de construtores, abastecendo o time da Red Bull, que se tornava a nova grande força da F-1. Paralelamente, seus motores conseguiram algumas vitórias com seus times clientes, como a Lotus (novo nome do time Renault no início dos anos 2010) e Williams. Mesmo não sendo o mais forte do grid, o propulsor V-8 aspirado francês era versátil e confiável, e a marca colhia os frutos dos títulos conquistados pela equipe dos energéticos, sendo na prática a marca mais bem sucedida na competição de 1990 a 2013 (11 títulos de pilotos, contra 6 da Ferrari, 4 da Mercedes, 2 da Honda, e 1 da Ford).

            Mas, aí veio a nova era turbo híbrida da F-1, e a Mercedes atropelou a tudo e a todos, na mais longeva hegemonia de uma marca na história da categoria máxima do automobilismo, com nada menos que 7 títulos de pilotos entre 2014 e 2020, deixando todos os demais concorrentes a ver navios. E a Renault, tão elogiada nos tempos anteriores, passou a viver um calvário, que só não foi pior do que a associação McLaren-Honda de 2015 a 2017, quando os japoneses tinham disparado o pior propulsor do grid, que virou motivo de chacota, diante do histórico vitorioso da marca nipônica entre 1985 e 1992. Apesar de ainda ser a fornecedora da Red Bull, nem mesmo os excelentes carros produzidos por Adrian Newey, o gênio das pranchetas, conseguiu contrabalançar o desempenho inferior das unidades francesas, que perdiam para Mercedes e Ferrari.

Depois dos títulos com Williams e Benetton nos anos 1990, finalmente o título com uma equipe própria, em 2005 e 2006, com Fernando Alonso (acima). A marca ainda faria parte do sucesso da Red Bull com os quatro títulos conquistados por Sebastian Vettel entre 2010 e 2013 (abaixo).


            Cansada, a Red Bull resolveu dar um pé na bunda da Renault, após várias críticas abertas ao desempenho do equipamento fornecido pela parceira, que anos antes tinha sido importante na conquista do tetracampeonato de Sebastian Vettel, e apostar numa redenção da Honda, o que se concretizou em 2019, quando os japoneses passaram a fornecer suas unidades de potência ao time dos energéticos após um ano de experiência com a Toro Rosso. Paralelamente, a Renault havia recomprado seu antigo time de volta, objetivando uma reestruturação para voltar a ser uma marca de referência em competição na F-1, passando inclusive a ser fornecedora da McLaren a partir de 2018. Mas os resultados prometidos nunca apareceram, apesar dos investimentos feitos. Não só o time de fábrica ficava sempre na promessa de “agora vai”, como até mesmo seu time cliente, a McLaren, resolveu retornar à velha parceria com a Mercedes a partir de 2021, deixando a Renault apenas com seu próprio time. Apesar de algumas melhoras no rendimento e performance das unidades de potência da marca francesa, a administração conturbada da escuderia de F-1 nestas últimas temporadas acabou por frustrar qualquer esperança de recuperação da imagem da marca na competição.

O time também marcou bobeira na administração de seus pilotos, e em meio à temporada de 2022, perdeu Fernando Alonso para a Aston Martin, e sua grande promessa em potencial, Oscar Piastri, que se bandeou para a McLaren. Trocas no comando da escuderia e em outros cargos importantes a partir dali não ajudaram a recuperar o moral da escuderia, muito pelo contrário, o time parecia cada vez mais sem rumo, e neste ano de 2024, apesar de ter apresentado alguma melhora, depois de um início de temporada completamente desastroso, ainda está devendo e muito em termos de performance. A coordenação errática do time chegou a tal ponto que Flavio Briatore voltou ao time, que dirigiu na época da antiga Benetton, e nos títulos de 2005 e 2006 conquistados por Alonso, como “consultor”, para achar um rumo para a equipe, por mais controversa que esta medida pudesse ser, diante do histórico polêmico do dirigente como mentor do escândalo do Singapuragate em 2008.

Usando sua marca esportiva Alpine, a Renault teve um desempenho errático nas últimas temporadas, não revivendo o sucesso na F-1 como esperava.

            Mas, incompetência administrativa à parte, isso também é um sinal de quão complicados ficaram os propulsores da F-1 na última década, quando incorporaram os sistemas híbridos de recuperação de energia e potência elétrica. Com o advento da eletrificação dos carros seguindo firme mundo afora, mesmo com alguns percalços, os sistemas das novas unidades de potência, que foram vistas com bom olhos pelos fabricantes há uma década atrás agora parecem estar em uma encruzilhada, a qual esperam tornar mais simples com as novas regras técnicas de 2026, que prometem simplificar o sistema híbrido dos propulsores, e quem sabe, baratear seus custos de produção. Ainda assim, pode-se dizer que a F-1 estará ainda no lucro, pois se está perdendo a Renault, a Ford está voltando, em sua nova parceira com a Red Bull Powertrains, que anunciou que está aberta à possibilidade de fornecer motores para terceiros, além de equipar tanto a Red Bull quanto seu time satélite Visa RB. E ainda ganhará a Audi, que virá com seu time próprio, egresso da compra da Sauber. E ninguém sabe exatamente como ambos estarão em sua estréia em 2026, uma vez que seus trens de força estão em desenvolvimento. Serão competitivos, ou enfrentarão muitas dificuldades, a ponto de questionarem o investimento feito na concepção de seus projetos?

            Para a Renault, a situação parece clara: tornar seu time cliente de outro fornecedor poderá ser muito mais compensador do que gastar no desenvolvimento de seu próprio propulsor. Mas de nada adiantará se não conseguir dar uma administração decente à sua escuderia, que milagre não fará se não conseguir colocar ordem na casa. As mudanças de comando no time, com diversas trocas de chefes e profissionais-chave na estrutura da escuderia nos últimos tempos, indicam que a paciência anda curta na cúpula da Renault, e que encerrar o programa de produção dos motores não bastará para reabilitar a imagem da escuderia na F-1.

            A bem ou mal, a F-1 vai se virar sem os motores da fabricante francesa. E a Renault, claro, também não parece que irá perder seu sono por sair da competição. Então, au revoir, Renault! Até sua volta, se um dia isso acontecer...

 

 

A situação na Alpine anda tão brava em termos de organização que Carlos Sainz Jr., que era cotado para ser o companheiro de Pierre Gasly no próximo ano, resolveu decidir seu rumo de 2025, e este será com a Williams. Sim, o time fundado por Frank Williams, que só não está pior que a Sauber nesta temporada, acabou parecendo um porto mais sólido para o espanhol do que a escuderia francesa. Desde que foi comprada pelo grupo Dorilton, a Williams promete uma renovação do time, que até agora ainda não veio, mas tem tido vários profissionais sendo recrutados desde que James Vowles assumiu a chefia do time no ano passado. O dirigente, ex-Mercedes, vem tentando colocar a casa em ordem, e aos poucos, parece estar conseguindo montar uma nova estrutura que pode começar a dar frutos quem sabe na próxima temporada, ou no mais, em 2026, quando entra o novo regulamento técnico. O contrato de Sainz, como virou moda atualmente, é plurianual, o que significa que deve ser de pelo menos duas temporadas, já que o time não queria um piloto que estivesse a fim apenas de esquentar o banco do carro em Grove. Verdade que Sainz bem que tentou arrumar algo melhor, sendo que durante algum tempo especulou-se sua ida para a Red Bull, ou até mesmo a Mercedes, nos lugares de Sergio Perez e Lewis Hamilton, respectivamente, antes que ambos os times resolvessem esfriar as expectativas de Carlos, retirando-o de suas listas de possíveis contratações. De qualquer forma, no que tange ao ditado de “dar um passo para trás para depois avançar novamente à frente”, alguns dizem que Sainz pode estar dando tantos passos para trás, saindo da Ferrari para a Williams, que pode ser que não consiga mais avançar para a frente. É um risco que ele corre, efetivamente, diante do histórico recente da equipe inglesa, que já foi uma das mais vitoriosas da F-1. Mas, nunca se sabe que surpresas o futuro pode apresentar...

 

 

A direção da Red Bull se reuniu em Milton Keynes, logo após o GP da Bélgica, antes de iniciar as férias de versão da F-1, e bateu o martelo: Sergio Perez fica na Red Bull, pelo menos até o fim da temporada de 2024, e da mesma maneira, a dupla titular da Visa RB segue com Yuki Tsunoda e Daniel Ricciardo. Isso acaba com as especulações sobre troca de pilotos nos times dos energéticos, pelo menos para esse ano, e uma das justificativas é que a escuderia precisa de alguma estabilidade neste momento, onde a concorrência está vindo para cima deles. Se é verdade que o piloto mexicano ainda está devendo, por outro, é mais verdade que a culpa não é exclusiva de Perez, a ponto de até Max Verstappen vir em sua defesa, confirmando que o modelo RB20 é um carro complicado, e as atualizações feitas no bólido apenas complicaram a situação, a ponto de até ele sentir maiores dificuldades para conduzir o carro, apesar dos bons resultados que o holandês ainda vem conseguindo nas últimas corridas. Uma troca neste momento não renderia resultados muito melhores ao time principal, fosse qual fosse o novo piloto no segundo carro do time principal, Ricciardo, Tsunoda, ou até Liam Lawson, sendo que este último poderia acabar se queimando desnecessariamente diante da exigência de resultados rápidos que cairia sobre ele caso assumisse o bólido, algo que a direção da Red Bull quer evitar, pelo menos por agora. O argumento tem sua lógica, ainda mais se lembrarmos que o carro da Red Bull e o da Visa RB tem comportamentos diferentes, e o piloto que assumisse o modelo RB20 poderia ter de perder alguns GPs até “pegar a mão” do carro, o que poderia resultar em prejuízos maiores ainda, diante do que Perez pode apresentar. Fosse apenas as queixas de Perez ao comportamento difícil do carro, ele seria ignorado, mas como Verstappen está avalizando as afirmações do mexicano, isso indica que o problema do carro é o principal ponto que precisa ser resolvido, especialmente se a escuderia quiser salvar a conquista do mundial de construtores, título que está em maior ameaça do que o título de pilotos, haja visto que Verstappen ainda tem uma vantagem confortável na liderança do campeonato, e há folga para se administrar os resultados nas próximas corridas, na pior das hipóteses, até porque os rivais não estão conseguindo mostrar a constância necessária para se aproximarem mais do holandês. Agora, a expectativa fica por conta do próximo ano, onde a situação poderá ser bem diferente.

 

 

Por outro lado, a manutenção de Perez dá indicação de que ainda há uma disputa de poder dentro da Red Bull, com Christian Horner conseguindo se impor sobre Helmut Marko, o que poderia ajudar a manter o clima conturbado dentro da escuderia, que inclusive acaba de perder mais um membro de seu staff técnico, Jonathan Wheatley, que ocupava a posição de diretor técnico, e irá para o novo time da Audi na competição, a partir do ano que vem, mais um desfalque que pode se fazer sentir lá na frente. Por esse lado, manter os pilotos nos seus lugares significa ter um problema a menos para enfrentar até o fim do ano, e com eles seguros, podem se concentrar em dar o seu melhor na pista.

Nenhum comentário: