sexta-feira, 17 de novembro de 2023

DE VOLTA A LAS VEGAS

Com um projeto faraônico, a Liberty Media fez uma pista no centro de Las Vegas, em sua maior aposta para fazer a F-1 conquistar os Estados Unidos.

         A Fórmula 1 prepara-se para o maior evento da temporada de 2023. Trata-se do GP de Las Vegas, anunciado ainda no ano passado, mas já sendo tratado desde então como a maior aposta de um novo estilo de evento de GP sob a organização da Liberty Media, que na ânsia de tentar popularizar de vez a F-1 nos Estados Unidos, resolveu criar uma corrida como nenhuma outra, pelo menos, na teoria, enchendo o fim de semana de GP de eventos a tal ponto que a corrida parece até virar um detalhe no final de semana, e não o seu atrativo principal. É verdade que durante muitos anos a categoria máxima do automobilismo padeceu de um excesso de “conservadorismo” nas mãos de Bernie Ecclestone, e isso teve pontos positivos e negativos. Quando a Liberty Media comprou a F-1 alguns anos atrás, tinha a intenção de chacoalhar um pouco as coisas, e tirar a categoria de seu ostracismo em alguns aspectos do mundo do entretenimento. Algumas mudanças, claro, foram bem-vindas, já outras, como este GP faraônico em termos de marketing, bem, pode começar a fazer duvidar se eles não exageraram na dose.

         De qualquer forma, é o retorno da F-1 a Las Vegas, onde já esteve em pelo menos duas oportunidades no início dos anos 1980, fechando as temporadas de 1981 e 1982, no lugar que até 1980 era ocupado pela pista de Watkins Glen, que saiu do calendário devido a dívidas do circuito com a direção comercial da F-1, já comandada por Bernie Ecclestone naqueles tempos. Bernie queria repetir aqui o sucesso da corrida de Long Beach, na Califórnia. Las Vegas já era uma cidade atrativa por ser a “capital do pecado” e dos cassinos, e porque não fazer uma corrida nas ruas da cidade? Tinha tudo para dar certo, não é? Não exatamente...

         Para começar, a prefeitura não autorizou a criação de uma pista de corrida usando as ruas da cidade, entre elas a famosa Las Vegas Boulevard, onde se concentram os cassinos. A solução foi montar uma pista provisória em um grande terreno ao lado do Caesar’s Palace Hotel, que era usado parcialmente como estacionamento do hotel. E até que conseguiram montar um circuito razoável, com quase 4 Km de extensão, e largura de traçado ampla, favorecendo as disputas de posição. Mas a corrida foi um suplício: calor infernal, asfalto do traçado em condição degradante, e o sentido anti-horário da pista, fizeram uma mistura que se tornou uma corrida de sobrevivência para carros e pilotos. Por incrível que pareça, houve até poucos acidentes no circuito, mas mesmo tendo sido palco da decisão dos títulos das temporadas de 1981 e 1982, a corrida não emplacou. O público não se cativou por aquela corrida, e o GP deu prejuízo ao Caesar’s Palace, de forma que a F-1 pulou fora para a temporada de 1983, em um grande fracasso, de uma pista que foi considerada uma das piores pelas quais a categoria máxima do automobilismo já se apresentou. E nunca mais se falou de correr novamente em Las Vegas, pelo menos até recentemente, quando a F-1, agora nas mãos do grupo norte-americano Liberty Media, resolveu dobrar suas apostas em território ianque.

Várias obras foram feitas para que a F-1 possa se apresentar nas ruas de Las Vegas, com várias estruturas permanentes, para uma corrida que deve ficar pelos próximos 10 anos no calendário da competição, numa aposta ousada da Liberty Media. Abaixo, concepção artística de um trecho do circuito urbano na capital do jogo.


         E, no melhor estilo dos cassinos que infestam a cidade do Estado de Nevada, a Liberty Media fez uma grande aposta: ela mesma é a promotora da corrida, tendo investido até aqui aproximadamente US$ 500 milhões na realização da etapa, gasto que incluiu as obras de estruturas permanentes para a corrida, mesmo sendo um circuito de rua, para uma corrida que fará parte do calendário pela próxima década. Os terrenos onde estas estruturas foram erguidas também foram compradas pela Liberty, para se ter uma idéia de sua aposta, e estamos falando da área nobre de Las Vegas, onde os terrenos têm um preço bem significativo. Tudo para fazer uma prova única, diferente de tudo e de todas as demais. Resta saber se o otimismo não foi exagerado, e se as expectativas irão se concretizar efetivamente.

         A aposta da Liberty, contudo, já começou a fazer alguns furos. A começar pelos ingressos para a corrida, os mais caros de todo o calendário da F-1, que já não são baratos, mas que para a prova na cidade de Nevada, foram levados às alturas. A idéia era elitizar a etapa como nenhuma outra, atraindo os endinheirados que enchem os cassinos para apostar, que se divertiriam com uma nova atração no local. Bem, o tiro saiu pela culatra, com os ingressos tendo sido oferecidos nos últimos dias com uma redução de preço que chega a mais de 60% de seu valor original. O motivo: encalhe generalizado, que corria o risco de fazer a prova ser disputada com arquibancadas quase vazias. Um caso clássico onde a gula foi exagerada, e agora é preciso ver se essa exorbitância toda garantirá a fama da prova, algo que já divide o pessoal da própria categoria em relação ao assunto. E olhe que uma das vozes mais críticas é justamente Max Verstappen, que já não gostou do show de apresentação da corrida realizado nesta virada de quarta para quinta-feira, onde o holandês não mediu palavras para dizer como se sentiu participando daquilo: “palhaço”, foi o que disse. E concordo que o excesso de show bizz planejado para essa corrida parece exagerado demais. Já tinham feito isso ano passado quando realizaram a primeira corrida em Miami, e resolveram baixar um pouco a bola na corrida deste ano. Mas em Las Vegas a coisa foi muito mais longe, e é de se perguntar se a F-1 precisa mesmo disso para cativar o público norte-americano, que é muito chegado a shows neste estilo, mas que talvez não seja lá a melhor idéia para se cacifar uma nova corrida. Eu, particularmente, já achei que passaram da conta.

         E a população da cidade também já engrossou o coro contra a corrida, por causa das dificuldades enfrentadas no dia-a-dia pelos inconvenientes causados pelas obras para criação das estruturas do circuito. A F-1 chegou a pedir desculpas pelos transtornos ocorridos, justificando que tais dificuldades não se repetirão mais, agora que as estruturas permanentes foram erguidas, e os percalços se restringirão apenas ao fim de semana de GP a partir de 2024. Infelizmente, só sobrou à população afetada ter paciência com isso, mas que já ajudou a não entusiasmar muito o público local. Se isso vai afetar negativamente o evento, só saberemos ao seu final, especialmente se a corrida não apresentar um show como se espera. Caso contrário, a chuva de críticas vai engrossar, e que ninguém diga que não foi avisado...

         Difícil dizer o que esperar da corrida em si. Circuitos novos sempre são uma incógnita, mesmo na era dos simuladores de alta tecnologia que prometem adivinhar quase tudo o que rola na pista. Antigamente, todo circuito novo tinha direito a uma sessão extra de treinos livres, realizada na quinta-feira, para os pilotos conhecerem o traçado, prática abolida na F-1 atual, para nosso azar, em mais uma daquelas regras estúpidas que a categoria se impôs nos últimos tempos. Desse modo, times e pilotos terão apenas os dois treinos livres tradicionais de hoje para se aclimatarem ao lugar. Pelo menos não inventaram de fazer uma corrida Sprint por aqui, mas seria forçar demais a barra da situação...

A F-1 se apresentou duas vezes em Las Vegas, em um circuito improvisado no terreno do estacionamento de um hotel (acima), o que ajudou a corrida a não emplacar nos anos 1980. Abaixo, a localização da nova pista montada para o GP nas ruas do centro da cidade, e onde ficava a pista usada nos anos 1980.


         E, ao menos, também não cometeram o mesmo erro da primeira vinda da categoria máxima do automobilismo a esta cidade, que vieram disputar provas aqui nos meses de outubro e setembro, impondo a todos um desgaste tremendo em virtude do calor escaldante do deserto de Nevada, que levou os pilotos e carros a um verdadeiro teste de resistência naqueles idos tempos dos anos 1980, com metade dos competidores conseguindo receber a bandeirada de chegada, alguns deles em estado de quase pleno esgotamento físico. Nélson Piquet, quando conquistou seu título com o 5º lugar na corrida em 1981, levou 15 minutos para sair do carro, e mesmo assim, foi carregado para fora, tão esgotado estava da corrida, onde já estava quase a perder os sentidos nas voltas finais, diante do sufoco do calor, além do esforço desencadeado pelo sentido anti-horário da pista, algo que os pilotos estavam muito pouco acostumados na época, já que poucas pistas tinham provas neste sentido. E, claro, a corrida foi disputada à tarde, sob o sol forte que imperava na região, e não à noite, coisa impensável para a categoria na época, que só viria a se realizar mais de 25 anos depois, em Singapura, como será agora.

         Mas, em compensação, com as temperaturas nesta época do ano bem mais baixas, teme-se que o reverso possa ser igualmente prejudicial. Las Vegas já terá horários muito incomuns, sendo disputada tarde da noite de sábado, da mesma forma que seus treinos livres e de classificação, o que deverá fazer com que todos tenham de se preocupar com a aderência dos pneus às baixas temperaturas do momento, mais baixas do que se veria em outras provas noturnas, mas não realizadas a este horário. Os times estão preocupados em como farão os pneus funcionarem adequadamente, e compostos frios não irão oferecer a aderência ideal que um carro de F-1 precisa, e se prevê que o controle dos carros possa ficar meio complicado, com os pilotos tendo dificuldades para dominarem seus bólidos. Com um retão de praticamente dois quilômetros, os carros deverão alcançar velocidades bastante altas para uma pista de rua, e com a aderência potencialmente longe do ideal, a expectativa de batidas pode ser potencializada. A Pirelli trouxe a sua gama de compostos mais macia para a corrida, que em tese deve se aquecer melhor e fornecer melhor aderência, mesmo com as temperaturas mais baixas. O problema é que a F-1 rifou a pré-temporada da pista de Barcelona este ano, voltando a fazer ridículos três dias de testes no Bahrein, em pleno calor do deserto, de modo que ninguém conseguiu treinar com as temperaturas mais baixas que a pista da Catalunha poderia oferecer em fevereiro e início de março, então ninguém sabe exatamente como os pneus irão se comportar. Bela jogada da F-1, na qual eu falo que as pré-temporadas recentes viraram uma piada de mau gosto, e uma preparação muito incompleta para um calendário de mais de vinte corridas.

         Como desgraça pouca é bobagem, trata-se também de uma pista com asfalto novo, bem liso, o que deve complicar ainda mais a aderência dos carros, que devido aos trechos de reta, trouxeram asas traseiras de baixo downforce, similares às que são usadas para pistas de alta velocidade, como Monza. Algo óbvio devido às poucas curvas fechadas do circuito montado, trechos que serão sacrificados para se ganhar velocidade nas retas, onde se darão as disputas de posições, sendo que a pista contará com duas zonas de DRS. A baixa carga aerodinâmica pode comprometer o controle dos carros, que já não terão pneus com a aderência ideal. A expectativa é que, por se tratar de uma pista plana e bem uniforme, seja possível abaixar um pouco mais os carros, otimizando o efeito-solo dos assoalhos, e assim gerando maior sustentação aerodinâmica para potencializar o aquecimento dos pneus, e garantir melhor estabilidade e controle dos bólidos. Os dois treinos livres serão vitais para se achar o acerto ideal, ou menos comprometedor. Felizmente, como todos os treinos serão realizados tarde da noite, as condições serão similares para a corrida. Mesmo assim, fica o temor se não teremos acidentes no fim de semana, devido às condições não ideais em termos de temperatura. Pra não mencionar que existe a possibilidade de chuva para hoje, o que pode complicar tudo ainda mais.

         O sucesso desta aposta da Liberty será se teremos uma boa corrida ou não. Se as disputas forem boas, e tivermos grandes emoções na pista, poderemos dizer então que o evento, apesar de seus exageros, foi um ponto positivo, agregando interesse ao calendário da competição. Porém, se a corrida for enfadonha, a chuva de críticas poderá ser implacável, e quem sabe, talvez até comprometer o futuro da realização da corrida nos próximos anos, risco que, mesmo baixo, diante dos contratos da Liberty Media, não pode ser ignorado, se a sensação de fracasso comprometer as expectativas de sucesso, especialmente financeiras, para um evento de gasto tão elevado quanto foi até agora. Poderão falar que a corrida de Mônaco também é um porre, mas o principado tem sua tradição de seu charme e carisma únicos, que ajudam a sustentar a realização do GP, por mais paradoxal que possa ser. Las Vegas conseguirá criar tal carisma, a fim de se garantir na possibilidade da pior das corridas se concretizar? Um GP ruim poderia minar a atratividade da etapa, e sem essa base, do que adiantam os shows com os quais encheram o fim de semana? Ainda é cedo para cravar um fracasso, mas também não se pode garantir o sucesso da empreitada. Mas ambas as possibilidades têm suas virtudes e consequências, e é preciso estar pronto para encarar ambas, e tirar disso importantes lições para corrigir e/ou aprimorar a empreitada que está sendo realizada na capital do jogo.

         Os dados estão na mesa, e prontos para serem jogados. Vamos ver se a aposta feita pela Liberty sorri para ela, ou se o azar irá se apresentar e frustrar os planos realizados. Como nos cassinos, um resultado ou outro nunca pode ser subestimado, tanto na sorte quanto no azar. O que vai dar? Veremos no final deste sábado, na madrugada para domingo no Brasil. Façam suas apostas...

 

 

Bernie Ecclestone criticou a forma como a F-1 está se apresentando em Las Vegas, afirmando que aquilo nada tem a ver com a categoria máxima do automobilismo. Mas vale lembrar que foi o próprio Ecclestone quem orquestrou a primeira empreitada da F-1 na cidade, lá no início dos anos 1980. E também não vamos esquecer que foi ele também quem levou a categoria a correr em alguns lugares que nada tinham a ver com o automobilismo tradicional, para não mencionar a farra dos “tilkódromos” que passaram a empestear o calendário há duas décadas. Algumas corridas “pegaram”, enquanto outras não... Fosse Bernie ainda no comando da F-1, ele não hesitaria em levar a competição de volta a Las Vegas como a Liberty está fazendo, só que ele não iria colocar a cara a tapa sendo o promotor da prova, como a entidade está fazendo. A especialidade de Ecclestone era lucrar em cima das etapas, e deixar os riscos operacionais e financeiros com os promotores da corrida, de modo que, fizesse sucesso ou não, ele sempre levava a dele, e a FOM idem...

 

 

A disputa pelo título da temporada 2023 da MotoGP continua embolada. Na etapa da Malásia, “Pecco” Bagnaia, o atual campeão, da equipe oficial da Ducati, conseguiu controlar a situação, embora não da maneira como gostaria, do duelo que trava com Jorge Martin, da Pramac, time satélite da marca italiana. Bagnaia perdeu o duelo na corrida Sprint, mas se saiu melhor na corrida principal, de modo que sua vantagem na classificação aumentou de 13 para 14 pontos, o que ele mesmo considera ser muito pouco, diante das circunstâncias, ainda com duas provas em jogo, onde tudo pode acontecer. E o embate recomeça hoje com os treinos livres em Losail, para a etapa do Qatar, penúltima corrida da temporada, onde a disputa promete ser quente. Martin declara que a pista lhe é favorável, e que irá para o ataque. Não dá para fazer expectativas da corrida comparando com a prova do ano passado, onde tanto Bagnaia quanto Martin abandonaram a corrida, que foi realizada em março. Mas se formos levar a classificação do grid como parâmetro, a briga pode ser mesmo desfavorável para o atual campeão, já que Jorge Martin anotou a pole-position para a corrida, enquanto Bagnaia saiu apenas da 9ª colocação do grid. Se quiser impedir que o rival se fortaleça, Bagnaia não pode se dar ao luxo de largar tão atrás assim, tendo de fazer uma corrida de recuperação. Martin está como franco-atirador, e em teoria não tem nada a perder, enquanto “Pecco” tem a maior responsabilidade de defender o título como atual campeão da categoria. E o maior risco que ele precisa evitar é sofrer um acidente, o que poderia comprometer as chances de levar o bicampeonato. A prova Sprint e a corrida de domingo terão largada a partir das 14:00 Hrs., neste sábado e domingo, com transmissão ao vivo pelo canal por assinatura ESPN4, e pelo sistema de streaming Star+. Quem vai levar a melhor nas areias do Qatar?

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