Voltando com as matérias sobre pistas que sediaram provas da Fórmula 1 ao longo de sua longa história, abordo hoje o circuito de Las Vegas, não a nova pista que ainda fará sua estréia neste próximo final de semana, mas o circuito utilizado pela categoria no início dos anos 1980, que foi montado no terreno de um... estacionamento! Sim, isso mesmo, a F-1 já foi bem mais flexível e menos exigente no que tange a aceitação de pistas para sediar corridas em seu campeonato, ao contrário dos dias atuais, quando o nível das exigências das pistas por vezes beira o absurdo, diante das necessidades por vezes exageradas que a F-1 demanda atualmente para se apresentar em alguns lugares, para não falar das cifras astronômicas das taxas cobradas. Claro que, nem sempre essa flexibilidade atualmente perdida resultava em algo positivo, e o caso da pista de Las Vegas foi um destes momentos onde as críticas de todos acabaram sendo unânimes sobre a qualidade do circuito montado. Confiram agora no texto a seguir, e boa leitura...
LAS VEGAS
A Fórmula 1 prepara-se para estrear a sua mais nova prova do calendário neste final de semana, na capital mundial do jogo, Las Vegas, no Estado de Nevada, nos Estados Unidos, e desde já vem sendo classificada como a corrida mais excêntrica da temporada, pelos horários diferenciais, mesmo para uma corrida noturna, e pelo oba-oba que a Liberty Media faz do evento. Mas muitos desconhecem que a categoria máxima do automobilismo já esteve em Las Vegas. Isso aconteceu no início dos anos 1980, e dando seguimento à série de matérias sobre pistas já utilizadas pela F-1 em sua longa história, vamos falar um pouco desta prova, cujo circuito figurou no calendário da competição por um breve momento.
Tudo se iniciou ainda em 1980, quando a pista permanente de Watkins Glen sediou pela última vez uma etapa da F-1, após praticamente duas décadas participando do calendário da categoria máxima do automobilismo. O sucesso da prova de Long Beach, na Califórnia, no outro lado do país, assanhou Bernie Ecclestone, que querendo aumentar as taxas de provas que desejassem figurar na competição, colocou a prova já tradicional de Glen na berlinda, a ponto de na edição daquele ano o autódromo ter ficado devendo parte dos valores combinados à então FOCA, o que resultou na saída do circuito do calendário da F-1.
Mas Bernie não queria deixar os Estados Unidos apenas com a etapa de Long Beach, e logo ele correu para acertar uma prova em Las Vegas, que àquela época já detinha uma fama pelos cassinos existentes na cidade. Dessa forma, a temporada de 1981 teria início e fim nos Estados Unidos, com Long Beach iniciando a competição em 15 de março, e a nova prova de Las Vegas fechando a temporada no dia 18 de outubro, com um total de 15 corridas. Mas Las Vegas não tinha um local apropriado para sediar uma corrida de automóveis, se bem que a idéia era tentar replicar na capital do jogo o mesmo estratagema que havia dado certo em Long Beach: implantar um circuito de rua, e fazer da corrida um grande evento com as atrações locais. Mas as coisas não correram muito bem, com a prefeitura da cidade se opondo à idéia de se realizar uma corrida no centro da cidade, utilizando, entre elas, a famosa Las Vegas Boulevard, sua mais famosa avenida. A solução veio de se montar uma pista, também temporária, na área do Hotel Caesar’s Palace, nas proximidades. Era um grande terreno plano, onde poderia ser desenhada uma pista, com algum jogo de cintura, e assim foi feito.
Conseguiu-se produzir um traçado com desenho similar à letra “E”, com 3,65 Km de extensão, e 14 curvas. Os limites da pista foram feitos com blocos de concreto, e tinha boa largura para permitir ultrapassagens, e algumas áreas de escape bem razoáveis. Mas a superfície do local era bem lisa, e o formato da pista, com o sentido anti-horário, provaria ser desafiador para os pilotos, já que poucas pistas da competição tinham provas neste sentido. As expectativas não deixavam os pilotos muito animados, mas quem sabe tudo desse certo?
Dados da pista montada no terreno do Hotel Caesar's Palace (acima), e vista aérea do local à época (abaixo).
E assim tivemos a primeira prova de Las Vegas na história da F-1. A corrida foi disputada em um sábado, de modo que os treinos livres e classificatórios foram realizados na quinta e sexta-feiras, sendo que, na época, por se tratar de um circuito novo na competição, os pilotos ainda tinham direito a um treino extra, que neste caso, foi feito na quarta-feira. A corrida teria um atrativo especial, que seria a decisão do título da temporada, entre o argentino Carlos Reutemann, da Williams, e o brasileiro Nélson Piquet, da Brabham. Reutemann saiu na frente, conquistando a primeira pole-position do circuito, com o tempo de 1min17s821, tendo seu companheiro Alan Jones fechando a primeira fila, numa dobradinha do time de Frank Williams, que disputava ali seu segundo título, tendo sido campeão no ano anterior com Jones. Piquet largava em 4º lugar, e teria de partir para o ataque se quisesse sobrepujar seu rival na luta pelo título, separados por apenas 1 ponto de diferença na classificação do campeonato, em uma pista desconhecida, onde tudo poderia acontecer. A corrida teria duração de 75 voltas, com um percurso de 273,75 Km.
Mas tudo deu errado para Reutemann, que já no arranque da largada, caiu para trás, enquanto Alan Jones assumia a ponta que não mais perderia até o final, vencendo a corrida. Mas a corrida, no fortíssimo calor do deserto de Nevada, se tornaria uma prova de resistência para pilotos e carros. Apenas metade dos 24 pilotos que largaram chegaram ao fim da corrida, que se tornou extremamente desgastante para os pilotos, não apenas pelo forte calor, mas também pelo sentido anti-horário da pista, que castigou todos bem mais do que eles esperavam. A fim da corrida, Piquet, com a 5ª posição final, conquistava o seu primeiro título mundial, pela diferença de um ponto sobre Reutemann, enquanto o argentino foi apenas o 8º, uma posição que na época não marcava pontos. Aliás, o desgaste do piloto brasileiro foi tão forte que ele demorou 15 minutos para conseguir sair do carro, tamanho o cansaço e o esforço feito na corrida diante do calor. Piquet precisou ser retirado do carro, tão esgotado que estava. Os pilotos também reclamaram muito do piso da pista, extremamente ruim e escorregadio. Felizmente, apesar de tudo, houve apenas um acidente na corrida, com Patrick Tambay, da Ligier-Matra, que estampou seu carro numa barreira de pneus que revestia um dos blocos de concreto que delimitava a pista, felizmente sem ferimentos para o piloto, apenar dos danos na dianteira de seu bólido. Didier Pironi, da Ferrari, marcaria a volta mais rápida da prova, com o tempo de 1min20s156.
No ano seguinte, a prova voltou a encerrar a temporada, e mais uma vez, veria a decisão do título da F-1, com Keke Rosberg, da Williams, a ser o campeão. Realizada no dia 25 de setembro de 1982, a mudança de data infelizmente não fez com que os pilotos conseguissem escapar novamente do forte calor do deserto de Nevada, e tal como no ano anterior, foi novamente uma prova de resistência para carros e pilotos, sendo que dos 27 pilotos que alinharam no grid, apenas 13 receberam a bandeirada de chegada. Nesta edição, Alain Prost, da Renault, marcou a pole-position, com o tempo de 1min16s356. Ao fim das 75 voltas previstas, a vitória ficou para Michele Alboreto, da Tyrrel-Ford, que também marcou a melhor volta da corrida, com 1min19s639. O piso continuou um horror para os pilotos, apesar de poucos acidentes terem ocorrido, mas desta vez o principal problema foi o pouco público presente, mostrando que as pessoas não tinham ficado seduzidas pela corrida na capital do jogo. Como o Caesar’s Palace ficou no prejuízo, a corrida não teria uma nova edição em 1983, de modo que a F-1 encerraria por ali, após apenas duas edições, a participação de Las Vegas no calendário da competição. Pelo menos, até a prova deste ano, em uma nova pista que nada tem a ver com o antigo circuito montado nos anos 1980.
Alías, a debandada da F-1 não foi o fim do circuito do Hotel Caesar’s Palace. A F-Indy, campeonato de monopostos dos Estados Unidos, assumiu a etapa, que acabou sendo realizada em 1983 e 1984, no mesmo local, mas com algumas mudanças, sendo que as curvas internas foram suprimidas, e a pista ficou parecendo um circuito oval, tão popular no calendário da categoria naqueles tempos. Com esta configuração, a pista foi reduzida a 1,81 Km de extensão, com apenas 5 curvas. Em 1983, a prova, agora com 178 voltas de percurso, totalizando 327,7 Km, foi vencida por Mario Andretti, da Newmann-Hass. Em 1984, a vitória ficou com Tom Sneva, da Mayer Motor Racing, como último vencedor da prova, que também não conseguiu atrair o público necessário para sua manutenção, de modo que Las Vegas acabou também ficando de fora do calendário da F-Indy, e tivemos o fim das competições na pista montada no Caesar’s Palace. Émerson Fittipaldi, em seu ano de estréia na competição, disputou esta derradeira corrida, mas acabou abandonando após uma batida. Aliás, a pista continuou sendo desafiadora para a resistência de carros e pilotos da F-Indy. Em 1983, dos 26 pilotos que largaram, apenas 11 receberam a bandeirada. Já em 1984, novamente apenas 11 pilotos chegaram ao final, entre os 25 que alinharam no grid.
Com o fim das competições, parte do local deu lugar ao Forum Shops at Caesars, um shopping center de luxo ligado diretamente ao Hotel Caesar’s Park. Outra parte do terreno deu lugar ao Mirage, mais um dos resorts com cassinos da cidade de Las Vegas. O que sobrou do terreno continua como área de estacionamento do Caesar’s Palace, que funciona até hoje, e está bem ao lado do novo traçado montado pela Liberty Media para o retorno da F-1 a Las Vegas. Se o circuito para a nova corrida desperta dúvidas, ninguém tem saudades da pista do GP disputado nos anos 1980, que figura certamente entre as piores pistas já visitadas pela F-1 ao longo de sua história, e desta vez, com críticas mais do que justas e merecidas.
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