A classe rainha do motociclismo inicia hoje sua reta final da temporada de 2023. É a vez do GP da Malásia, na bela pista de Kuala Lampur, tão conhecida dos fãs da F-1 desde 1999, mas que dispensou a categoria máxima do automobilismo há alguns anos, devido aos altos custos do contrato de realização da corrida, preferindo se concentrar em sua etapa do mundial da motovelocidade, que garantia maior atração e melhor custo-benefício. Dali, semana que vem o pessoal estará no Qatar, na pista de Losail, para a penúltima prova do ano, que terá o encerramento da temporada no dia 26 de novembro, no Circuito Ricardo Tormo, em Valência, na Espanha, para o GP da Comunidade Valenciana, que há anos é palco tradicional de encerramento da temporada da MotoGP.
E a disputa promete pegar fogo na pista. Francesco Bagnaia, o atual campeão, do time oficial da Ducati, chegou a Sepang com uma vantagem de apenas 13 pontos sobre Jorge Martin, da equipe satélite Pramac, que vem numa toada imparável nas últimas corridas, podendo se tornar o primeiro piloto de um time independente a ser campeão na classe rainha do motociclismo desde 2001. Um feito que será amplamente comemorado pelos fãs do esporte.
Naquela temporada, Valentino Rossi conquistou o título da temporada, seu primeiro na classe rainha, pelo time da Nastro Azurro, time independente que usava motos Honda. Rossi era o único piloto da escuderia, e derrotou o time oficial da marca nipônica, na época contando com os pilotos Àlex Crivillé e Tohru Okawa, que teve uma atuação apenas mediana na competição naquele ano. Curiosamente, depois de Rossi, os melhores pilotos da Honda foram de outro time independente, a Pons, que teve Loris Capirossi terminando a temporada em 3º lugar, e seu companheiro, o brasileiro Alexandre Barros, finalizando em 4º. O vice-campeão foi Max Biaggi, defendendo a Yamaha. Na Honda oficial, Crivillé foi apenas o 8º no campeonato, enquanto Okawa terminou em 10º.
Desde então, só os times oficiais de fábricas levantaram o título de pilotos na principal classe da motovelocidade. O mais próximo que tivemos de um piloto de time satélite chegar ao título foi em 2020, quando Franco Morbidelli, do time SRT, escuderia satélite da Yamaha, terminou o ano como vice-campeão, com 158 pontos, contra Joan Mir, do time oficial da Suzuki, que fechou o ano com 171 pontos e conquistou seu primeiro e até agora único título na classe rainha do motociclismo. Naquele ano, aliás, a SRT deu um baile no time oficial da Yamaha, que teve uma única vitória no ano, com Maverick Viñalez, que ficou em 6º lugar no campeonato, com 132 pontos. Valentino Rossi, por sua vez, foi apenas o 15º colocado, com 66 pontos. Já a SRT venceu 6 provas, três com Morbidelli, e outras três com Fabio Quartararo, que iniciou a temporada de forma arrasadora, mas foi perdendo o ímpeto conforme o ano avançava, e terminou o campeonato apenas em 8º lugar, com 127 pontos. Na classificação de equipes, a SRT foi vice-campeã com 248 pontos, enquanto o time oficial da marca dos três diapasões foi a 6ª colocada, com 178 pontos.
Curiosamente neste último quesito, a Pramac já praticamente garantiu o título da competição entre as equipes, estando na liderança com 570 pontos, enquanto o time oficial da Ducati é apenas o 3º colocado, com 444. E vejam só, a VR46, outro time satélite da marca de Bolonha, é a vice-líder na competição de equipes, com 474 pontos. Mas a Ducati não pode reclamar, já tendo garantido mais um título de construtores. Mas a equipe de fábrica tem uma desculpa válida, por estar competindo na prática somente com Bagnaia, já que Enea Bastianini teve boa parte da temporada comprometida por quedas que ocasionaram lesões que impossibilitaram sua participação em quase um terço do campeonato, comprometendo também seu rendimento em algumas corridas, enquanto em outras o piloto praticamente não conseguiu apresentar resultados condizentes com seu equipamento.
Mesmo assim, por mais que possa afirmar que o título, sendo do time oficial ou não, fará pouca diferença, já que a Ducati será campeã de qualquer maneira, é inegável que ver o campeonato sendo ganho por um piloto de time satélite não pegará bem para a equipe oficial de fábrica. Isso significa um atestado de incompetência para a escuderia e seus pilotos, que tendo os melhores recursos, não souberam fazer o melhor aproveitamento, humano e técnico, à sua disposição. Por isso mesmo, a ordem é lutar com tudo o que puderem pelo título.
Francesco Bagnaia (acima) tenta rumar para o bicampeonato, mas Jorge Martin (abaixo) tem outros planos e pretende levar o título. A disputa vai ser feroz na pista, e o piloto da Pramac vem com tudo. |
Para Francesco Bagnaia, é sua afirmação como piloto campeão. O italiano teve uma recuperação fulminante no ano passado, tendo chegado a ficar mais de 90 pontos atrás de Fabio Quartararo na classificação para superar o piloto da Yamaha na reta final e levar a Ducati ao seu primeiro título de pilotos desde a conquista de Casey Stoner na década retrasada. Mas, sendo dono da melhor moto do grid, sempre se terá o questionamento de quanto o piloto teve de participação efetiva no resultado, ou se isso se deveu apenas à moto italiana, a melhor do grid? Bagnaia até vem fazendo uma temporada melhor que a de 2022, quando caiu demasiado na primeira metade da temporada e jogou fora pontos importantes que precisou ir buscar com afinco na segunda metade. Em 2022, foram 7 vitórias, e 10 pódios, com um total de 265 pontos, e 5 abandonos. Este ano, até aqui, “Pecco” já teve 6 vitórias, e 12 pódios, com 389 pontos, e 4 abandonos. Não está ruim, para dizer a verdade.
Mas o problema é que Jorge Martin “explodiu” na competição nas últimas provas. O piloto espanhol foi apenas o 9º colocado no ano passado, com 152 pontos, e 4 pódios. Nenhuma vitória. Mas este ano, ele ocupa a vice-liderança, com 376 pontos, com 8 pódios, e 4 vitórias. E um fator novo se junta à equação: as provas Sprint, adotadas a partir deste ano em todas as etapas do calendário, onde o espanhol da Pramac vem tendo um aproveitamento melhor do que o de Bagnaia: já foram 7 vitórias nas provas curtas, contra apenas 3 do campeão, o que ajudou Martin a encostar mais.
E temos também estilos diferentes de condução. Bagnaia é mais cerebral, calculista. Ele começa o fim de semana de forma mais modesta, procurando o acerto melhor da moto, de forma que seus primeiros tempos nos treinos livres raramente fica entre os primeiros. Ele procura evoluir até achar o ajuste ideal do equipamento. Já Martin, vem direto no ataque, procurando sempre os melhores tempos logo de cara, e por isso mesmo, nas últimas etapas, tem sido o homem a ser batido, enquanto o atual campeão parece até meio claudicante, como se tivesse se tornado o azarão da disputa. Uma imagem que pode conduzir a impressões equivocadas a respeito da posição de cada piloto.
Não se pode ignorar que, até a etapa de Barcelona, Bagnaia ia conduzindo muito bem a temporada, abrindo uma vantagem confortável, e rumando para um bicampeonato firme e sóbrio. Mas a queda sofrida, e ter sido atropelado, foi um revés importante para o campeão, que deu sorte de escapar praticamente sem ferimentos graves, mas não totalmente ileso, o que comprometeu parte de sua performance nas etapas seguintes, onde Martin simplesmente foi ao ataque, e demoliu a vantagem do italiano, tornando-se o principal favorito na briga.
Em termos de equipamento, não podemos falar que Martin está tirando “leite de pedra”: a Pramac é o único time satélite que compete com as Desmosédici GP23, a mesma moto do time oficial de fábrica. VR46 e Gresini, os demais times satélites, competem com as motos GP22, que embora competitivas, estão um degrau abaixo do modelo deste ano. Com equipamentos idênticos em essência, o que faz a diferença é o modo como os times preparam as motos, e claro, o braço e talento do piloto. E nestes quesitos, a Pramac tem feito um trabalho melhor do que a Ducati oficial no acerto da GP23.
E aqui vale lembrar um detalhe interessante: a Ducati tem liberado os dados de telemetria de todas as suas motos na competição, tanto de seu time de fábrica como de seus times satélites, e todos os dados podem ser consultados por qualquer um dos times e pilotos da marca. Essa estratégia garantiu à marca italiana a coleta e cruzamento de dados de todos os pilotos, e foi importante para a Ducati evoluir seu equipamento, contando com o feeling de todos os seus pilotos, e sabendo onde precisa trabalhar para melhorar a Desmosédici. E qualquer piloto também pode ver os dados dos demais competidores, e assim, saber o que ele precisa melhorar, e os ajustes que pode tentar fazer para isso, baseado no que os demais estão fazendo. Desse modo, a Pramac pode ver como o time de fábrica está acertando suas motos para uma corrida, e o inverso também é válido, com o time oficial podendo consultar os ajustes feitos pela Pramac com seus pilotos. Transparência total entre eles. Daí, de posse de todas estas informações, cabe à equipe e ao piloto decidirem como trabalharão.
E o grande mérito também vai para Jorge Martin, que está em um estado puro de brilhantismo, mesmo tendo cometido alguns erros. E a Pramac tem conseguido ajustes mais precisos em suas motos, mostrando estar conseguindo agir de forma mais eficiente do que a própria Ducati. O próprio Bagnaia relatou ter tido dificuldades com os ajustes de freios em alguns momentos, o que pode complicar o desempenho na corrida, onde avançar além da conta na tomada em uma curva pode resultar em uma queda, e a fuga de resultados imprescindíveis na disputa. E aqui, Jorge Martin leva vantagem: ele é o franco atirador, e não tem nada a perder. Por defender um time satélite, em tese ele não teria a responsabilidade de lutar pelo título, uma glória reservada em teoria aos times de fábrica, mais fortes, bem estruturados, e competitivos. Mas a realidade nem sempre bate com a teoria, e neste momento, a Ducati oficial parece sentir a pressão de poder perder uma luta pelo título que ninguém imaginava pudesse vir da ameaça de um de seus próprios times satélites. Eles precisam trabalhar melhor e saber utilizar seus recursos que possuem, e oferecer a seu campeão uma moto afinada para que possa mostrar toda a sua capacidade, no momento podendo até ser levemente questionada diante da performance exibida pelo espanhol da Pramac.
Martin não esconde certo ressentimento de não ter sido promovido ao time de fábrica no ano passado, perdendo a vaga para Enea Bastianini. Mas na época a decisão era coerente, diante da fantástica temporada do italiano na Gresini, enquanto Martin não fez uma temporada assim tão brilhante. Ser campeão justamente em cima do time de fábrica seria uma vingança saborosa, e um grande grau de descrédito até para o atual campeão, Francesco Bagnaia, que este sim, tem a responsabilidade voltada para si de defender a manutenção de seu título e a posição da equipe de fábrica. Por isso mesmo, ele tem de ter a cautela de não fazer movimentos precipitados na pista. Isso pode ser um revés, na proporção em que, não tendo nada a perder, Jorge vai para o tudo ou nada, podendo arriscar bem mais, e isso lhe custou uma queda enquanto liderava sozinho na Indonésia, e a estratégia arriscada de pneus na Austrália, onde acabou despencando na volta final, em etapas recentes.
Ele admitiu que seria um pouco mais conservador nestas provas finais, sem arriscar tanto, e isso já lhe rendeu melhores resultados do que Bagnaia na etapa da Tailândia, onde novamente voltou a encurtar a vantagem de “Pecco”, que goste ou não, terá de ser mais agressivo e determinado nesta reta final de campeonato, se não quiser ver o sonho do bicampeonato desmoronar, e ainda por cima batido por um piloto de um time independente, sendo a principal aposta do time oficial de Borgo Panigale.
Temos portanto, três corridas normais e três provas curtas. E cada uma delas promete ser decisiva nesta luta pelo título. Quem irá conquistar a taça de campeão de 2023? É uma disputa vibrante, e até aqui, completamente imprevisível. Não há como apontar quem vai ganhar, e é isso que deixa a briga tão empolgante. O domínio da Ducati na temporada foi inegável, mas o campeonato está longe de ser tedioso, muito, muito longe mesmo, bem diferente do domínio que vimos na F-1 este ano, que deixou o campeonato até morno, por não termos tido uma luta pelo título por lá. A MotoGP consegue dar um show muito melhor para os amantes da velocidade neste ano.
A corrida Sprint, assim como a corrida de domingo, terão largada neste sábado e domingo no mesmo horário, às 04:00 Hrs. da madrugada, com transmissão ao vivo pelo sistema de streaming Star+, e pelo canal pago ESPN4. Preparem-se para torcer por seus favoritos na disputa pela vitória na pista malaia. E que vença o melhor.
A fraca atuação da Mercedes em Interlagos praticamente definiu o vice-campeonato para Sergio Perez, ainda que a disputa não tenha sido encerrada matematicamente. Mas, tendo conseguido abrir 36 pontos de vantagem para Lewis Hamilton na pontuação, e com apenas duas corridas para fechar o ano, é quase certo que o mexicano tirou a corda do pescoço, sendo necessário um verdadeiro desastre para que Lewis Hamilton consiga superar o mexicano. Mas, não se pode comemorar antecipadamente: um abandono de Perez em Miami, e um bom resultado de Hamilton na prova de rua da cidade dos cassinos dos Estados Unidos pode reacender a disputa, e levar a tensão da briga para Yas Marina, em Abu Dhabi. Pode ser difícil, mas já vimos situações onde tudo poderia correr a favor de Sergio, e deu com os burros n’água. Então, devagar com o otimismo.
Na Mercedes, o resultado de Interlagos foi visto como uma enorme frustração. Mas, a cúpula da escuderia vê pontos positivos no fim de semana desolador. Em 2022, o bom desempenho do time na pista brasileira até deu esperanças de que o conceito do carro era de fato positivo, e que bastaria apenas compreendê-lo melhor para que se pudesse melhorar sua performance, o que fez com que o time continuasse investindo no conceito zeropod este ano. Mas, como todos vimos, foi um verdadeiro tiro no pé, fazendo o time cair na real de que seguiu por um caminho errado, e que precisava corrigir o rumo. E o desempenho em Interlagos, depois de provas animadoras em Austin e Cidade do México, só confirmaram que o projeto do carro precisa ser completamente revisto. O time alemão até cogitou tirar os carros do parque fechado, mesmo que tivesse que largar dos boxes no domingo, mas admitiu que seria inútil, por não compreenderem o que teriam que mudar no acerto para conseguir mais performance. O time só não saiu pior porque conseguiu manter a vantagem para a Ferrari no Mundial de Construtores na briga pelo vice-campeonato, já que a equipe Ferrarista, além de não ter conseguido andar bem no Brasil, ainda viu Charles LeClerc ter um azar incrível que o fez bater na volta de apresentação devido a um problema no sistema hidráulico do carro. Mas a disputa entre os dois times deve se manter firme nas duas provas finais do ano, em Las Vegas e Abu Dhabi.
Fernando Alonso foi o grande destaque da corrida em Interlagos, voltando ao pódio depois de várias corridas, especialmente depois de um duelo titânico contra Sergio Perez nas voltas finais, com o piloto da Red Bull conseguindo até ultrapassar o asturiano, mas sendo surpreendido com sua reação, e terminando a corrida em 4º lugar. Curiosamente, a Aston Martin precisou reverter as atualizações desenvolvidas no modelo AMR23 para voltar a ter um desempenho mais aceitável, mostrando que os últimos desenvolvimentos levaram o time na direção errada, fazendo-o cair de performance, e dificultando até mesmo pontuar nas corridas. Prova disso é que até Lance Stroll andou forte no Brasil, como não fazia desde a primeira corrida do ano, no Bahrein, e terminou em um firme 5º lugar. A volta da performance dos carros esmeraldas dá a Alonso a esperança de lutar para manter o 4º lugar no campeonato, em risco de ser superado por Lando Norris, que vem escalando a pontuação com a renovada McLaren, enquanto a 5ª posição da Aston Martin no campeonato deve ser mantida, sem melhores chances de tentar recuperar a 4ª posição diante da forma melhor do time de Woking na reta final da temporada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário