Globo anunciou que deixará de transmitir a F-1 no próximo ano. |
E mais uma “bomba”
surgiu no meio automobilístico recentemente, esta dizendo respeito
especificamente aos brasileiros: a Globo confirmou que não renovará seu
contrato e que deixará de exibir o campeonato da Fórmula 1 a partir de 2021,
depois de quase 40 anos de transmissão ininterrupta das provas da categoria
máxima do automobilismo. O que pensar de algo assim?
Aqueles que há tempos
criticam a forma como a Globo exibe a categoria, claro, comemoraram o fato. Para
eles, é o fim do descaso como a emissora trata as corridas, e por assim dizer,
também se livrarem do “mala” do Galvão Bueno, que para eles, mais enche o saco
e a paciência do que narra direito nos últimos tempos, entre outras condenações
capitais à emissora carioca, que tem lá seus pecados na forma como trata a
categoria máxima do automobilismo. Para outros, contudo, fica a apreensão de
como poderão continuar seguindo as corridas, e a exemplo do que aconteceu com a
MotoGP, que também foi deixada de lado pela Globo, e agora está na Fox Sports,
esperam que algo similar aconteça. E há aqueles que não estão nem aí com isso,
e tanto faz o que aconteça a respeito.
Oficialmente, a Globo
declarou que está revisando o seu portfólio de eventos, procurando redimensionar
seus gastos e a relação custo-benefício. E isso vem ocorrendo com vários
eventos, entre eles a Copa do Mundo de 2022, e a Copa Libertadores da América,
além da já citada MotoGP, e agora, a F-1. A emissora alega que a decisão já
vinha sendo cogitada desde antes do início da temporada atual, iniciada em
julho, por conta da pandemia da Covid-19. As negociações com a Liberty Media,
que já vinham desde o ano passado, não teriam chegado a termo, e diante das
exigências financeiras pedidas pelo grupo norte-americano que hoje é dono da
F-1, a Globo optou por não renovar o contrato de transmissão, encerrando uma
relação que teve início ainda nos anos 1970, e segue até hoje, com exceção da
temporada de 1980, transmitida pela TV Bandeirantes naquele ano.
Entre os detratores da
emissora, isso é um sinal da falência da Globo, e que seria muito bem-vinda,
pela forma como a rede de TV por vezes mais prejudica do que ajuda o país, além
de que, sem contar mais com benesses do governo, estaria agora em crise
financeira, e até com a possibilidade de ter sua concessão cassada por calote e
sonegação de impostos devidos há tempos. Bem, a Globo tem lá sua cota de
pecados e mazelas, mas desejar o mal, e até o fechamento da empresa não é algo
elogiável, uma vez que ela emprega milhares de pessoas, que dela tiram o seu
sustento e mantém suas famílias, e que em caso de acontecer o que muitos
críticos raivosos desejam, jogaria a imensa maioria destes funcionários no
inferno do desemprego, como se já não tivéssemos tantas pessoas sofrendo com
isso no momento. Devagar com essas idéias bestas, pessoal...
Falando
especificamente do caso da F-1, não há como negar o impacto que isso poderá ter
no panorama nacional, e no que resta da popularidade da categoria por aqui. Um
dos aspectos que infelizmente estava “emperrando” as negociações é que a
Liberty Media atualmente tem seu sistema de streaming próprio para a F-1, com
transmissão das corridas via internet para diversos países. Um sistema que ela
quer ampliar para o maior número de países, e que só não chegou aqui até agora
porque o contrato em vigor com a Globo impedia isso de ocorrer, por dar à
emissora brasileira a exclusividade de exploração da F-1 em nosso país, fosse
em TV, ou até mesmo na internet. Desconhecendo o teor exato das condições de
renovação, muito provavelmente a Liberty estava impondo que a Globo não teria
mais essa exclusividade, indicando que o streaming oficial da F-1 poderia ser
oferecido aqui, concorrendo com a Globo, que obviamente não deve ter gostado de
saber que teria essa competição. E, já que não teria exclusividade, não teria
também razão para aceitar os altos valores pedidos pela Liberty, só que esta
não teria aceitado reduzir as exigências financeiras, que se manteriam no mesmo
nível de antes, de quando a Globo tinha o monopólio em nosso país. Natural,
portanto, que a rede de TV refutasse tais condições.
Há erros dos dois
lados. A Globo, como já é de praxe, tem o hábito de tratar como “acessório”
tudo em sua programação que não é produzido por ela, e isso se aplica também a
eventos esportivos. Em alguns detalhes, o descaso é patente, especialmente
quando se refere ao nome de algumas equipes de competição cujos nomes são de
patrocinadores ou produtos, que são omitidos nas transmissões, onde a ordem é
não fazer propaganda de graça. No caso da F-1, a birra era com as equipes Red
Bull e Toro Rosso, que sempre eram citadas como “RBR” (abreviatura de Red Bull
Racing) e “STR” (Super Toro Rosso). A emissora, no caso da F-1, recentemente
deixou de exibir o pódio ao final das corridas, que passou a ser exibido apenas
na internet, no site do Globoesporte.com, e as transmissões das provas, vez por
outra, passam por cima até mesmo da vinheta de apresentação oficial da F-1,
enquanto narrador e comentarista conversam sobre a prova, mostrando imagens
deles no estúdio da emissora. A Liberty quer uma transmissão mais engajada, e
que ajude a valorizar o seu produto, tanto é que mudou o horário de início das
corridas, atrasando-as em 10 minutos, a fim de ajudar a encaixar melhor nas
grades de transmissão ao vivo das emissoras. A empresa também investiu numa
nova apresentação oficial, com tema próprio, e espera que isso seja exibido na
transmissão, reforçando a identificação do produto. Mas, o que esperar de uma
emissora que, desde os anos 1980 passou a mutilar a abertura dos seriados que
exibe, trocando-os por uma vinheta muito breve, com os dizeres “Rede Globo
Apresenta...”
Não dá para exigir da
Globo um tratamento para a F-1 como a da Sky Sports britânica, que começa mais
de uma hora antes da largada, com vários materiais sendo apresentados, e
termina também muito depois, com toda a avaliação dos acontecimentos da
corrida, mas a emissora poderia se empenhar mais em melhorar seu esquema de
transmissão, que quase sempre começa em cima da hora, e nem bem temos a
bandeirada, a transmissão já é cortada, e quem quiser ver o pódio que vá até o
site de Globoesporte.com procurar por lá. Quando a transmissão é no SporTV, até
há um cuidado melhor, uma vez que o programa começa antes, mas que também
poderia ser melhor neste aspecto... E nem falo do pecado capital que é a
fixação em citar Ayrton Senna em algum momento da transmissão, fazendo questão
de não deixar o torcedor esquecer que ele existiu, esquecendo-se que Nélson
Piquet e Émerson Fittipaldi, nossos outros campeões, são quase ignorados, se
comparados com as menções frequentes a Senna, que morto há 26 anos atrás, não
pôde descansar até hoje das lembranças da emissora...
Por parte da Liberty,
o erro é querer impor valores altos para um contrato de transmissão sem
exclusividade, para que possa explorar o seu canal oficial de F-1 na internet.
O grupo norte-americano foi duramente afetado pela pandemia da Covid-19, e
parece se esquecer que o mundo todo foi impactado também, de modo que muito poucos
grupos podem se dar ao luxo de cumprir com exigências contratuais em valores
tão altos. Empenhados em fazer caixa, os donos atuais da F-1 ficam cada vez
mais parecidos, ou talvez até piores do que Bernie Ecclestone, que vivia
impondo valores astronômicos para realização de GPs, e contratos de
transmissão. Um dos trunfos da Globo, que é a transmissão em TV aberta, rende a
maior audiência em números quantitativos da F-1 no mundo inteiro, mas isso
parece estar sendo ignorado pela Liberty Media, que estaria interessada em ter
mais lucros, mesmo que isso signifique menor audiência, e não o contrário. Este
tipo de atitude já é amplamente praticado lá fora, onde as provas da F-1
migraram para canais pagos, sendo poucas provas exibidas em TV aberta. Estão
neste sistema países como França, Itália, e a própria pátria-mãe do
automobilismo, a Inglaterra. E a F-1 está disponível apenas em pacotes caros, o
que diminui ainda mais sua difusão dentro da própria TV por assinatura.
Sem os índices de
audiência da Globo, os números de transmissão do campeonato certamente sofrerão
um decréscimo que ainda precisará ser calculado. A Liberty Media pode estar
menosprezando o impacto que isso causará, mas parece estar pagando para ver no
que vai dar. Para um grupo que iniciou uma luta para tornar a F-1 mais atrativa
para a atual geração de fãs do esporte, manter os valores de renovação do
contrato muito altos, e com isso dificultar as possibilidades de renegociação,
elitizando o produto, parece ser um grande erro estratégico. Muitos fãs estão
ansiosos para poderem assinar o streaming oficial da F-1, e se “livrarem” da
transmissão da Globo, mas se esquecem que isso não será de graça. Será preciso
ver quanto custará a assinatura do pacote, e ver se teremos opções em nosso
idioma, algo que até o presente momento não está disponível na plataforma. Por
enquanto, há dois serviços disponíveis no Brasil: assistir reprises de
corridas, e ter acesso aos dados de cronometragem e telemetria dos carros. Para
ver as reprises de provas da F-1, incluído aí F-2, F-3, e Porsche Supercup, o
plano custa cerca de US$ 27 por ano, enquanto o acesso aos dados da telemetria
é de cerca de US$ 3 por mês. No acervo de corridas, contudo, estão disponíveis
corridas desde 1981 para frente, e não há opção em português, e os replays das
provas só está disponível depois de uma semana da realização da corrida em si.
E nem menciono o pacote completo, que permite aos assinantes verem a corrida
com uma série de recursos, mas cujo valor... Bem, muitos não vão nem querer
saber, e vão gostar menos ainda quando souberem quanto custa... E lembrem-se
que são valores em dólar, e a cotação da moeda norte-americana deu um grande
salto por aqui recentemente... Este aumento bruto do valor do dólar também
teria pesado sobremaneira nas negociações, já que os valores em reais sofreram
uma disparada. O “pacote” que a Globo oferecia costumeiramente às empresas
anunciantes sempre foram considerados bons, pela exposição que ganham nos
jornais e em horários nobres da grade da emissora, e na imensa maioria das
vezes, sempre foram comercializados com relativa facilidade, garantindo um bom
lucro com a operação da F-1. Mas, neste ano, uma das cotas de patrocínio não
foi vendida, e com as dificuldades econômicas, potencializadas pela pandemia, isso
poderia tornar ainda mais complicado para vender os pacotes de 2021 às empresas
potenciais interessadas, que poderiam pensar duas vezes antes de embarcar na
empreitada. E com potenciais dificuldades financeiras à frente, mais dólar nas
alturas, e contratos de transmissão caros... Tudo se acumula para servir de
justificativa para não renovação do contrato.
Os fãs brasileiros que
adoram criticar a TV Globo se esquecem que podem assistir a maioria das
corridas no canal aberto, sem pagar nada. E quem tem TV por assinatura pode
curtir os treinos livres e a classificação nos canais do SporTV. E, apesar dos
pesares, a emissora ainda mantém um repórter presente “in loco” nos locais das
corridas, mesmo depois de ter deixado de mandar um time de transmissão completo
para os GPs nos últimos anos, com narração e comentários sendo feitos em
estúdio, e não mais nos autódromos, à exceção do GP do Brasil. E, a bem ou mal,
a transmissão da corrida é feita sem interrupções, enquanto em alguns lugares
mundo afora, a prova é “cortada” para exibição de propagandas de patrocinadores
e programas da emissora, algo muito pior. E, a despeito das críticas que se faz
à narração das corridas, onde ninguém é poupado, apenas menos “massacrado” pelo
modo como trabalha nas corridas, a Globo ainda mantém uma equipe de nível, como
Felipe Giaffone e Luciano Burti nos comentários. Nas reportagens mundo afora,
Mariana Becker atua com boa desenvoltura na transmissão das reportagens e
notícias, pela experiência que tem há anos na função. Um pouco menos calejado,
Marcelo Courrege também dá conta do recado. É verdade, contudo, que a Globo
pecou ao dispensar nomes importantes de seu staff de transmissão, como Lito
Cavalcanti e Reginaldo Leme, o que só deu mais razões para os fãs criticarem a
emissora.
E, não fiquem com
muitas esperanças quando a Globo fala que ainda cobrirá a F-1, mesmo sem
transmitir as corridas. Quem conhece a postura da emissora sabe que ela tem o
hábito de ignorar eventos que não transmite, de modo que muito provavelmente só
veríamos notas rápidas sobre o campeonato, como ocorre quando ele fala de algum
evento que não transmite. Ou alguém vê a Globo mencionar a Indycar ou a
Formula-E em seus jornais esportivos, sem que haja algo excepcional a
noticiar...?
E, quando se fala em
quem poderia assumir a transmissão, esqueçam as emissoras abertas. Se a Globo,
que é a que tem o melhor potencial financeiro, está pulando fora, os demais
canais nem chegariam perto. Basta ver o que a Bandeirantes faz com a Indycar,
para ver a diferença de estrutura posta à disposição para a transmissão...
Claro, tudo pode mudar, se a Liberty Media e a Globo voltarem atrás, e se
acertarem nos pontos divergentes. Não é algo impossível, mas é melhor não ficar
empolgado demais com essa possibilidade. Podemos ter tido o exemplo da
Bandeirantes, que ia deixar de exibir a Indycar, e acabou voltando atrás,
acertando um contrato de última hora, e permitindo aos fãs do certame dos
Estados Unidos continuar assistindo às corridas, mas nada garante que possa
ocorrer o mesmo entre a Globo e a Liberty Media. A menos que o buraco seja
muito mais embaixo do que se possa imaginar, mas teria que atingir muito mais o
grupo norte-americano do que a Globo propriamente...
Sem transmissão na TV, o Grande Prêmio do Brasil também pode ser afetado, com nosso país podendo até perder sua corrida, na pior das hipóteses. |
Ah, e não fiquem
empolgados também com o grupo Rio Motorpark, que planeja construir o novo
autódromo no Rio de Janeiro, e que adquiriu os direitos da MotoGP, com vistas a
divulgar sua “corrida” da motovelocidade no “futuro” autódromo em 2022,
repassando os direitos ao Fox Sports. Além do autódromo em Deodoro ainda ser
uma miragem, sem garantias de sair do papel e se tornar realidade, a empresa
não teria pago pelos direitos de transmissão da MotoGP à Dorna como o
combinado, dando um calote no negócio. E se isso acontece com a MotoGP, imagine
com a Fórmula 1, já que muitos imaginaram que a empresa poderia repetir a
empreitada com a categoria máxima do automobilismo, e garantir a transmissão da
F-1 em alguma emissora, a fim claro, de usar isso para se promover na luta
contra Interlagos para sediar o Grande Prêmio do Brasil de F-1.
E nem menciono que o
GP brasileiro também corre risco com a não-exibição da F-1 por aqui, já que
patrocinadores potenciais da corrida poderiam pular fora devido à falta de
transmissão da corrida em nosso país, o que impossibilitaria a divulgação de
suas marcas. E sem apoio financeiro, como ter GP? Não é impossível, mas
complica a situação. E, sem transmissão, o grande público pode até esquecer do
automobilismo, o que pode complicar até mesmo o automobilismo nacional, que em
muitos casos, se aproveita da fama que a F-1 conseguiu por aqui, graças aos
feitos de Émerson Fittipaldi, Nélson Piquet e Ayrton Senna. Tudo isso ainda vai
gerar muitas consequências potenciais. Apenas esperem para ver...
Um comentário:
Aí mesmo que vou passar direto sem assistir a Globo. Só assisto lá quando tem automobilismo.
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