Devemos lembrar que no ano passado, a própria Fórmula 1 atingiu a marca de mil corridas realizadas desde que foi disputado o primeiro GP na pista de Silverstone, na Inglaterra, em 1950. A China teve a honra de sediar a prova que marcou o milésimo GP, e a corrida deste final de semana é a corrida número 1.027 da categoria máxima do automobilismo, e com mil delas contando com uma Ferrari na competição. Uma marca a ser celebrada no mundo do esporte a motor, pois nenhuma equipe se manteve por tanto tempo na competição, sem passar por mudanças em sua história. Mas, quando me refiro a mudanças, falo de o time italiano, sediado em Maranello, ser ainda hoje o mesmo que disputou os primeiros GPs da história da F-1. Uma situação bem diferente da Alfa Romeo, outro time que, embora esteja no grid atualmente, e usar o mesmo nome, não é o mesmo que disputou e venceu o primeiro campeonato da categoria, em 1950, sendo a escuderia atual oriunda da Sauber.
Mesmo a campeoníssima Mercedes, apesar de ser um time de fábrica oficial da marca, não é a mesma escuderia que iniciou sua participação na F-1 ainda nos anos 1950, lembrando que a marca alemã esteve ausente por décadas do grid, até retornar no início dos anos 1990 apenas como fornecedora de motor, e somente a partir de 2010 novamente como um time de competição. Muito pelo contrário, a Ferrari está presente na categoria máxima do automobilismo desde seu primeiro ano de competição, e ali tem permanecido até os dias de hoje. Um exemplo único de permanência de um time na competição do mundo do esporte a motor mundial, além de ser a única escuderia que possui uma torcida fervoroso que torce pela marca, não por seus pilotos, com raras exceções.
Sim, a Ferrari se tornou uma verdadeira instituição italiana, e praticamente uma religião entre muitos fãs do esporte a motor. Os famosos torcedores ferraristas, os “tiffosi”, estão espalhados pelo mundo inteiro, em sua devoção a um time que transcendeu sua existência simples como uma equipe de competição, idealizada por um jovem engenheiro chamado Enzo Ferrari, que saiu da então toda-poderosa Alfa Romeo nos anos 1940 para construir seus próprios carros. Hoje, a Ferrari não é apenas a mais famosa equipe de competição de corridas do mundo, mas a marca mais sonhada de carros esporte do planeta, a ponto de seus compradores terem de passar pelo crivo da própria marca para serem “aprovados” como proprietários de um carro construído na fábrica de Maranello, que fazem o sonho e o ideal de milhares de afortunados financeiramente que desejam possuir um destes carros.
E, a bem ou mal, a pandemia promoveu uma mudança teoricamente bem-vinda para o time “rosso”. Tivesse sido mantido o campeonato em um mundo sem a pandemia, o milésimo Grande Prêmio dos carros vermelhos seria atingido na etapa do Canadá, na América do Norte, no circuito de Montreal, que a seu favor se chama Circuito Gilles Villeneuve, um dos mais icônicos pilotos que defendeu o time italiano, e até hoje lembrado por milhares de fãs da Ferrari pelo seu espírito indomável e arrojado ao volante dos carros vermelhos, além de ser um ídolo da história do esporte canadense. Com a pandemia, e um calendário reorganizado, tivemos duas recompensas: a prova comemorativa da Ferrari acabou calhando de ser em sua terra natal, a Itália; melhor ainda, em Mugello, pista que pertence à Ferrari, e que por muitos anos os fãs acalentaram o desejo de ver ser realizado ali uma corrida de F-1. Melhor local, impossível, na teoria. Mas, infelizmente, o belo momento a ser comemorado na história da “squadra rossa” desanda completamente quando lembramos do momento complicado que vive o time italiano na atual temporada.
No Grande Prêmio de Mônaco de 1950, a primeira participação da escuderia italiana, que viria a se tornar um mito do esporte a motor mundial. |
Diante de tal descalabro de rendimento inferior frente aos rivais, foi uma bênção que a corrida italiana tenha sido disputada sem público, diante da pandemia da Covid-19. Os torcedores se sentiriam ultrajados de ver aquele time tão idolatrado passar por tal vergonha. Mas, neste final de semana, a situação será diferente. Não que a Ferrari vá mudar o seu desempenho de uma hora para a outra, mas porque a prova de Mugello será a primeira a ter algum público na atual temporada, com aproximadamente três mil torcedores nos camarotes e tribunas VIP. Mesmo assim, haverá motivos para comemorar, tanto que o time preparou uma pintura especial em seus carros, além de um uniforme especial, para comemorar a marca dos mil GPs. Quanto à esperança de um rendimento melhor dos carros vermelhos neste GP e pista inéditos no Mundial, vai depender muito de como os adversários irão se sair na pista da Toscana, inédita para todos eles, com exceção, obviamente, do time italiano.
Mugello, além de pertencer à Ferrari, foi utilizada pela escuderia como pista de testes na época onde essa prática era liberada. Especialmente nos anos de domínio de Michael Schumacher, Mugello e Fiorano, os dois circuitos de propriedade da escuderia, viviam intensa rotina de trabalhos quase todas as semanas, com os pilotos de testes, e por vezes a dupla titular, trabalhando assiduamente para garantir as melhores performances dos carros da escuderia. Mas, com a proibição de testes instituída a partir de 2009, o circuito deixou de ser utilizado com esta função, ao menos na intensidade de trabalhos de antes. Logicamente, a Ferrari tem todas as informações da pista, mas diante da performance problemática de seu carro atual, isso não significará praticamente nenhuma vantagem diante dos concorrentes. O buraco no time italiano é bem mais embaixo, e embora até agora Mattia Binotto, o atual chefe do time, fale que não há uma crise na escuderia, é praticamente impossível encontrar outra palavra que defina a situação vivida pela equipe.
Sebastian Vettel, o grande nome da escuderia nos últimos anos, está de saída do time, e pela porta dos fundos, depois de cometer erros crassos nos últimos anos na luta pelo título contra a arquirrival Mercedes e Lewis Hamilton. Vettel foi simplesmente dispensado pelo time sem nenhuma cerimônia, num descaso ao seu histórico de tetracampeão mundial, e de sua dedicação ao time, onde chegou em 2015 para tentar leva-lo novamente ao título mundial. Seu lugar será ocupado pelo espanhol Carlos Sainz Jr., que nesta temporada defende a McLaren/Renault. A mais nova estrela e esperança do time é o monegasco Charles LeClerc, “cria” da academia de pilotos da Ferrari, e que fez boa temporada de estréia no time italiano no ano passado, conseguindo suplantar Sebastian Vettel na pista, e marcar várias pole-positions e vencer duas corridas. Tanto que o time rosso renovou o seu contrato por várias temporadas, a fim de evitar que os concorrentes tentassem leva-lo para suas escuderias. Uma confiança em alguns aspectos muito mais motivada pelo desespero de voltar a ser campeã, o que não consegue desde 2007.
E não é querendo ser chato, mas isso é “possibilidade”, e não uma certeza. Daí provavelmente o fato de Binotto não querer dar muitas esperanças aos torcedores que esperam por algum resultado “mágico” no desempenho da equipe para breve. Até pode acontecer, mas somente em circunstâncias excepcionais. Mas, é de esperança que a torcida vive, e se Pierre Gasly conseguiu uma vitória até improvável para muitos, domingo passado em Monza, ao volante da Alpha Tauri, quem sabe a Ferrari não dá sorte semelhante, e consegue ao menos emplacar um resultado mais condizente? Sonhar ainda é possível, por mais difíceis que sejam as condições atuais.
E, mesmo vivenciando um momento complicado, a Ferrari ainda é a Ferrari. Se para os brasileiros ela significou humilhação e subserviência pela condição de “capachos” a que foram reduzidos Felipe Massa e Rubens Barrichello quando defenderam o time (mesmo esquecendo o “quase” título de Massa em 2008, mas que, como não foi campeão, dá na mesma para muitos ter sido mais um fracassado na F-1...), guiar para o time de Maranello é o sonho da grande maioria daqueles que, ainda muito cedo na vida, colocam um capacete e vão para a pista tentar a sorte no automobilismo. A mítica do “cavalinho rampante”, o símbolo da escuderia rossa, exerce um charme e uma atração indisfarçáveis, que seduzem aqueles que desejam ser alguém no esporte a motor. Um sonho, claro, que pode virar um pesadelo, como já dissertei em mais de uma vez. Se a escuderia criou heróis, é verdade que, ao longo de todas estas décadas, também já “destruiu” a carreira de vários pilotos. Guiar para Maranello é um privilégio, mas se anda na ponta da navalha mais do que em qualquer outro time da F-1.
Tudo isso é pouco para se definir o que é a Ferrari. Mas é por isso mesmo também que o time, a bem ou mal, tem que louvar o seus mil GPs de participação na F-1. Uma marca que só poderá ser igualada daqui a alguns anos, por apenas dois outros times da categoria que ainda se mantém firmes na competição. A McLaren, fundada em 1966, acumula até aqui 876 participações (contando com a corrida de domingo), podendo comemorar o seu milésimo GP apenas em 2026, se nada anormal acontecer até lá. E a Williams, por sua vez, tem até aqui, com a prova de domingo, 752 GPs disputados. Se o time, que foi vendido recentemente pela família de Sir Frank, continuar existindo com o nome de Williams, alcançará seu GP de número 1000 em algum momento da próxima década, tendo de percorrer ainda um bom caminho até lá.
Então, o momento é de celebrar esta marca que a Ferrari está alcançando. Uma marca lendária de participações em praticamente sete décadas de competição ininterrupta na F-1, como convém a uma lenda do esporte a motor. Felicitações pelo milésimo Grande Prêmio, Ferrari!
A Indycar remarcou para este final de semana a rodada dupla de Mid-Ohio, que deveria ter sido realizada há um mês atrás, e que foi adiada devido à pandemia da Covid-19 nos Estados Unidos. Teremos então duas provas no circuito de Lexington, com prova neste sábado e neste domingo. A categoria acabou cancelando as provas em Portland e Laguna Seca, e terá apenas estas duas corridas neste mês de setembro, retornando em outubro para as corridas finais no misto de Indianápolis e no circuito de rua de São Petesburgo.
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