sexta-feira, 25 de outubro de 2019

30 ANOS DE UMA POLÊMICA

O acidente que definiu o GP do Japão de 1989, e por tabela o campeonato de F-1 daquele ano, entre Ayrton Senna (no carro) e Alain Prost (já fora do seu).

            Esta semana, no último dia 22, completou-se 30 anos de uma das decisões mais polêmicas da história da Fórmula 1, quando o brasileiro Ayrton Senna foi desclassificado após vencer o Grande Prêmio do Japão de 1989, resultado que deu o título daquela temporada ao francês Alain Prost, companheiro de Senna na equipe McLaren, e àquela altura, inimigo fidagal do piloto tupiniquim na pista e nos boxes do time.
            Foi uma prova com um duelo de tirar o fôlego. A dupla da McLaren largou na frente na pista de Suzuka, e foi-se embora. Estava em disputa o título da temporada, e Senna precisava da vitória para postergar a decisão para a última corrida do ano, na Austrália. O brasileiro chegara ao Japão com 16 pontos de desvantagem para seu rival Prost. O que salvava um pouco a situação era que, na época, o regulamento da F-1 adotava o descarte de resultados, de modo que, em um campeonato com 16 corridas, só os 11 melhores resultados seriam contabilizados. Com 7 provas sem marcar pontos no ano, todo ponto era válido para Ayrton, enquanto Prost, com apenas um abandono até ali, teria que começar a jogar pontos fora por causa desse sistema (que seria abolido a partir de 1991).
            Só que Prost, naquele momento, estava decidido a tudo para garantir o título, e não ia dar mole para o brasileiro. E não deu mesmo. Ajustou seu carro para ter maior velocidade em reta, a fim de dificultar as tentativas de ultrapassagem que Senna tentasse fazer, e ao conseguir largar melhor que o rival, assumiu a dianteira, que não estava decidido a perder. Pode-se dizer que todos ficaram surpresos ao ver Senna ter tanto trabalho para conseguir chegar em Prost, afinal, na temporada, o francês só vencera corridas em que o brasileiro ficou fora de combate, tendo perdido todos os duelos diretos na pista. Mesmo assim, Ayrton foi à luta, até que, perto do final da corrida, tentou a ultrapassagem na última chicane, quando Prost abre sua tangência um pouco mais. Mas o francês, vendo o brasileiro tentar o bote, simplesmente fechou a porta, e os dois carros se tocaram, enroscando as rodas.
            Era um resultado que dava o título a Prost. Senna, contudo, ao ser empurrado pelos fiscais para tirar o seu carro de posição perigosa, conseguiu fazer seu motor pegar. Então, voltou à pista cortando a chicane por dentro, e depois de parar no box para consertar o bico de seu carro, ainda conseguiu retomar a prova e vencer a corrida. Mas Senna seria desclassificado por ter cortado a chicane, mesmo tendo perdido todo aquele tempo em consequência da batida. E com isso, o campeonato ficou decidido a favor de Prost. Jean-Marie Balestre, presidente da então FISA, confessou anos depois que deu uma “ajudinha” a Prost naquele dia, e comenta-se que, embora não tenha sido algo completamente decisivo, a pressão que teria feito nos comissários ajudou. Mas também houve um agravante, que foi justamente o percurso “irregular” de Ayrton, ao retornar à pista por dentro da chicane. Na época mesmo, o regulamento não permitia isso, e era consenso que Senna devia ter dado um cavalo de pau, e retornado ao circuito pela chicane da pista. Teria perdido pouco tempo a mais do que perdeu, mas quem sabe, daquela maneira, teria garantido a vitória.
            A gritaria foi geral no Brasil, com a torcida brasileira apontando que Senna fora “roubado” em favor de Prost, entre outras acusações mais sérias e comentários mais odiosos. Em uma era sem internet, pode-se dizer que foi uma tremenda repercussão, e não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Mas insuficiente para reverter o resultado da corrida decidido pelos comissários. A McLaren apelou da decisão, e quase levou a pior: entre acusações de favorecimento a Prost e ladroagem, o time levou uma forte multa, e Senna ainda foi obrigado a se retratar publicamente, do contrário, seria banido da F-1 praticamente, com a revogação de sua Superlicença, o documento que permite a um piloto competir na categoria máxima do automobilismo. Ayrton teve de recuar, tanto que sua participação em 1990 foi confirmada tardiamente.
Largada do GP do Japão de 1989: Prost (acima) consegue ir para a liderança e lá foi ficando, em um duelo sob a perseguição implacável de Ayrton Senna (abaixo).
            E quem diria que já vão 30 anos daquele momento... O tempo realmente voa quando olhamos para trás. Na repercussão, Senna foi considerado o campeão moral da temporada, enquanto Prost, o vencedor de fato, teria sua credibilidade e capacidade como piloto colocada em dúvida por muitos fãs do esporte a motor. A fama de ter ganho “no tapetão” a temporada de 1989 demoraria a ser apagada de sua reputação.
            De minha parte, considero que Senna foi mesmo roubado naquele GP. Prost fechou a porta jogando o carro em cima, mas não se pode dizer que a manobra foi ilegal. Mas, que dá para notar que o francês começa a mover o carro antes de chegar na chicane para fazer a tomada, isso dá, de modo que ele provocou deliberadamente a batida. Um ato antidesportivo, mas que não era ilegal. Senna, por outro lado, ao retornar à pista pelo interior da chicane, deu aos comissários a desculpa perfeita para desclassificar o brasileiro, por ser uma irregularidade que era prevista no regulamento. Tivesse retornado pelo traçado normal, tudo teria sido bem mais complicado para justificar a punição a Ayrton, e quem sabe, tivesse mantido a vitória, e adiado a decisão para a prova derradeira, na Austrália.
            Só que, é preciso ser realista: Senna não teria conquistado o título. Na Austrália, o brasileiro acabou abandonando após bater na Brabham de Martin Brundle, em meio à chuva torrencial que caia em Adelaide, então palco da prova. Tivesse vencido aquele GP, o resultado do campeonato de 1989 sempre estaria em questão pelo que ocorrera em Suzuka. Com o seu abandono, tivesse mantido a vitória no Japão, não teria feito diferença. E vale lembrar que, desclassificado ou não do GP japonês, nem por isso Ayrton estava aliviando na Austrália, debaixo da chuva, onde vinha liderando a corrida facilmente, até errar por si mesmo, ao abalroar Martin Brundle numa tentativa de ultrapassagem onde não viu o piloto da Brabham.
            Senna foi o piloto mais vencedor da temporada, é fato. Mas Prost foi um piloto muito mais regular e constante, algo que Ayrton não foi. E com 6 abandonos até o Japão, isso era um revés considerável, enquanto o francês até então só tinha um abandono na temporada. Isso não desmerece a temporada de Senna, mas mostra que o francês soube ser um piloto mais eficiente. Uma reprise do que acontecera no duelo entre Nélson Piquet e Nigel Mansell na Williams, em 1987, onde o brasileiro, com perda parcial de seu ritmo diante das sequelas do acidente sofrido na curva Tamburello, em San Marino, passou a se concentrar na regularidade e constância de resultados para derrotar seu parceiro de time Nigel Mansell, que estava mais veloz naquele momento. Arrojo X cérebro. Simples assim.
            Prost foi sujo na manobra de fechar Senna em Suzuka? Foi. Mas quem disse que Senna era um santo dentro da pista? O lance do acordo de não-agressão na primeira volta de uma corrida entre os dois pilotos da McLaren foi mandado para o espaço justamente por Senna na prova de Ímola de 1989, ao alegar depois que o acordo valia só para a “primeira” largada, já que a corrida teve duas, por causa do acidente de Gerhard Berger na curva Tamburello. Então, um piloto acusar o outro de deslealdade e traidor, para usar um termo mais forte, era praticamente o roto falando do rasgado. Não havia inocentes naquela história. Ayrton fez seu nome com um nível de arrojo que a F-1 já tinha visto em outros pilotos em sua história, mas agregou a seu estilo um nível de agressividade jamais visto até então. Sua fome de vitória parecia não conhecer limites, como o próprio Prost acusou, afirmando que o brasileiro não aceitava perder, o que não era mentira, haja vista o seu tremendo mau humor quando perdia.
            Se Senna quis dar uma de esperto para cima do francês, achando que a luta seria fácil, quebrou a cara, pois Prost também tinha seus ases na manga. E um deles era saber cuidar melhor do carro, em uma época onde os bólidos quebravam com mais frequência do que hoje. Senna teve algumas quebras durante o ano, enquanto em um ou outro momento, sua própria impetuosidade jogou contra si próprio, como no Brasil, onde forçou a dividida de curva logo no início da corrida, e danificou seu carro, perdendo as chances de ganhar a corrida, e com isso, levar mais 9 pontos que fizeram falta na luta pelo título mais tarde. Mas o francês também acusou o golpe, passando a afirmar publicamente que a Honda favorecia Senna na luta pelo título. Foi um duelo de gigantes, dentro e fora da pista, que atingiu um nível onde um já não suportava mais o outro. Ninguém arredava pé, e como dois grandes campeões e fenômenos dentro do esporte a motor, os iguais passaram a se repelir. O clima dentro dos boxes só ia piorando, mas de forma relativamente velada, com a McLaren ainda conseguindo manter o ritmo de competição.
            Assim, não era de se admirar que Prost, naquele momento, já acertado com a Ferrari para o ano seguinte, não ia dar mole para Senna. Posso dizer até que o brasileiro meio que baixou a guarda ao não notar como o francês havia sido o mais rápido no warm-up em Suzuka, a despeito de ter ficado praticamente 1s7 atrás de Ayrton no treino de classificação. E como dizem, treino é treino, e corrida é corrida. Se a estratégia de Prost exigia que ele estivesse na frente para fazer valer seu acerto mais veloz para a corrida, era imprescindível largar na frente, e Senna infelizmente deixou o rival pular na frente no arranque da luz verde. Tivesse mantido a ponta, a tarefa de Prost teria sido muito mais complicada. Como se daria um duelo com as posições invertidas, com Prost a forçar Ayrton o tempo todo? Uma pergunta interessante, mas que jamais saberemos a resposta...
Aqui se faz, aqui se paga: no mesmo GP do Japão, em 1990, Ayrton Senna bate em Alain Prost, agora em times diferentes, e o brasileiro ganha o bicampeonato, vingando-se do ocorrido no ano anterior, para fúria do francês e de seu compatriota Jean-Marie Balestre.
            Haveria um rescaldo deste momento no futuro, e quis o destino que ele se desse novamente na mesma pista de Suzuka, um ano depois. Agora em equipes diferentes, Senna e Prost chegaram ao Japão mais uma vez duelando pelo título, mas com o francês tendo de correr atrás, e com uma Ferrari que tinha muito mais chances de ser competitiva na pista japonesa do que a McLaren, devido ao maior equilíbrio do carro italiano. E, mais uma vez, tivemos uma decisão curiosa, com os comissários a manterem a posição do pole-position no lado interno da pista, ao invés do lado externo, onde era feito o traçado normal pelos carros. Isso se tornava um revés para o pole, que obviamente, acabou sendo Senna, com Prost a largar em segundo. Dava para sentir que ia sair faísca naquela corrida novamente, e foi o que aconteceu.
            A diferença é que tudo ocorreu em poucos segundos, já na largada, com Senna a tentar recuperar a liderança perdida para Prost no arranque na aproximação da primeira curva, com os dois carros se tocando, e saindo da pista. E mais um fim de campeonato, agora a favor de Senna. Por linhas tortas, alguns disseram que foi feita justiça, depois do ocorrido em 1989. Verdade ou não, Prost, e principalmente Jean-Marie Balestre, ficaram bem furiosos naquele dia, mas nada puderam fazer. Senna, como ele próprio admitiu algum tempo depois, executara sua vingança, dando o troco em seu principal rival, e em seu desafeto presidente da FISA. Prost, aliás, chegou até a querer fazer um movimento para “moralizar” a F-1, alegando que pilotos com Senna eram um perigo para o esporte, mas ninguém deu muita bola para isso. Esportivamente falando, não foi uma maneira correta de se decidir um título, e pior, ainda daria um mau exemplo, quando, alguns anos depois, Michael Schumacher ganharia o seu primeiro campeonato com uma batida feita em seu adversário Damon Hill, no encerramento da temporada de 1994, na Austrália, com o alemão tentando repetir a manobra em 1997 contra Jacques Villeneuve, mas fracassando nessa nova tentativa.
            A rivalidade entre Senna e Prost ainda ganharia um novo round em 1992, quando o francês, após um ano sabático após ser demitido pela Ferrari (chamou seu carro de “caminhão” ao fim do GP do Japão de 1991) acertou seu retorno à F-1 pela Williams, que dominava amplamente a categoria máxima do automobilismo, e obviamente vetando o nome de Senna como possível companheiro de equipe, recebendo uma saraivada de críticas ferozes do brasileiro pelo que considerou um gesto “covarde” e antidesportivo, esquecendo-se de que fizera o mesmo na Lotus em 1986, com relação à possível contratação de Derek Warwick pelo time inglês. Prost foi campeão em 1993, mas guiando o melhor carro da categoria, disparado muito melhor que os outros, sua conquista não teve o reconhecimento de outros tempos, sendo vista muito mais como mera obrigação. Com Ayrton finalmente garantindo um lugar no time de Frank Williams em 1994, já que o veto do francês não valia mais, Prost optou por se retirar da F-1, encerrando sua carreira de piloto.
            Todos se perguntam como Senna e Prost estariam hoje em dia. Prost se tornou dono de equipe, e hoje é um dos chefes do programa da Renault na F-1. Já Ayrton faleceu em 1994, vítima do carro que tanto cobiçara nos dois anos anteriores. Senna iniciou uma reaproximação ao fim de 1993, e continuou em 1994. Provavelmente, talvez fossem até amigos de novo, e se respeitassem muito mais... Mas é algo que nunca saberemos de fato. De qualquer maneira, frente à rivalidade extremada de ambos, os duelos de hoje na F-1 parecem mais briguinhas à toa, onde não vemos o mesmo ímpeto ou instinto “matador puro” dos velhos tempos. Se competissem hoje, será que ambos também se comportariam como naquela época? Outra boa pergunta...


Terreno das hipóteses: e se Ayrton Senna não tivesse cedido, e preferisse ficar de fora da F-1 a pedir desculpas públicas a Jean-Marie Balestre e à FISA pelo ocorrido no Japão em 1989, como exigia o cartola? O que ele faria como piloto, lembrando que a entidade, por retaliação, poderia bani-lo como piloto do mundo do esporte a motor por sua recusa em se desculpar? A resposta mais possível parece um tanto óbvia: a Fórmula Indy. Lembremos que, depois da temporada de 1992, insatisfeito com a competitividade da McLaren frente às poderosas Williams, Senna testou o carro da Penske de Émerson Fittipaldi, incentivado pelo mesmo, e gostou muito da brincadeira. Imaginemos que isso acabasse acontecendo até antes, por Ayrton estar banido da F-1 e do resto do mundo do automobilismo, lembrando que a Indy não era uma categoria sancionada pela FISA (que aliás, até considerava o certame norte-americano como uma categoria “pirata”, por não se sujeitar a ela). Poderia ter sido o início de uma carreira muito interessante de Senna na F-Indy, para sorte dos americanos e azar da F-1, como Nigel Mansell fez em 1993. Uma possibilidade que dá asas à nossa imaginação, sobre como Senna poderia ter seguido com sua carreira, em uma atitude que seria um verdadeiro tapa na cara da prepotência de Balestre, que teria de ver o sucesso do brasileiro na Indy, e nada podendo fazer quanto a isso...
Senna com o carro Penske de F-Indy de Émerson Fittipaldi. E se o brasileiro mandasse a F-1 se danar e fosse correr nos EUA? Se Nigel Mansell causou impacto quando o fez, imagine Ayrton Senna mandando a F-1 às favas...

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