O acidente que definiu o GP do Japão de 1989, e por tabela o campeonato de F-1 daquele ano, entre Ayrton Senna (no carro) e Alain Prost (já fora do seu). |
Esta semana, no último
dia 22, completou-se 30 anos de uma das decisões mais polêmicas da história da
Fórmula 1, quando o brasileiro Ayrton Senna foi desclassificado após vencer o
Grande Prêmio do Japão de 1989, resultado que deu o título daquela temporada ao
francês Alain Prost, companheiro de Senna na equipe McLaren, e àquela altura,
inimigo fidagal do piloto tupiniquim na pista e nos boxes do time.
Foi uma prova com um
duelo de tirar o fôlego. A dupla da McLaren largou na frente na pista de
Suzuka, e foi-se embora. Estava em disputa o título da temporada, e Senna
precisava da vitória para postergar a decisão para a última corrida do ano, na
Austrália. O brasileiro chegara ao Japão com 16 pontos de desvantagem para seu
rival Prost. O que salvava um pouco a situação era que, na época, o regulamento
da F-1 adotava o descarte de resultados, de modo que, em um campeonato com 16
corridas, só os 11 melhores resultados seriam contabilizados. Com 7 provas sem marcar
pontos no ano, todo ponto era válido para Ayrton, enquanto Prost, com apenas um
abandono até ali, teria que começar a jogar pontos fora por causa desse sistema
(que seria abolido a partir de 1991).
Só que Prost, naquele
momento, estava decidido a tudo para garantir o título, e não ia dar mole para
o brasileiro. E não deu mesmo. Ajustou seu carro para ter maior velocidade em
reta, a fim de dificultar as tentativas de ultrapassagem que Senna tentasse
fazer, e ao conseguir largar melhor que o rival, assumiu a dianteira, que não
estava decidido a perder. Pode-se dizer que todos ficaram surpresos ao ver
Senna ter tanto trabalho para conseguir chegar em Prost, afinal, na temporada,
o francês só vencera corridas em que o brasileiro ficou fora de combate, tendo
perdido todos os duelos diretos na pista. Mesmo assim, Ayrton foi à luta, até
que, perto do final da corrida, tentou a ultrapassagem na última chicane,
quando Prost abre sua tangência um pouco mais. Mas o francês, vendo o
brasileiro tentar o bote, simplesmente fechou a porta, e os dois carros se
tocaram, enroscando as rodas.
Era um resultado que
dava o título a Prost. Senna, contudo, ao ser empurrado pelos fiscais para
tirar o seu carro de posição perigosa, conseguiu fazer seu motor pegar. Então,
voltou à pista cortando a chicane por dentro, e depois de parar no box para
consertar o bico de seu carro, ainda conseguiu retomar a prova e vencer a
corrida. Mas Senna seria desclassificado por ter cortado a chicane, mesmo tendo
perdido todo aquele tempo em consequência da batida. E com isso, o campeonato
ficou decidido a favor de Prost. Jean-Marie Balestre, presidente da então FISA,
confessou anos depois que deu uma “ajudinha” a Prost naquele dia, e comenta-se
que, embora não tenha sido algo completamente decisivo, a pressão que teria
feito nos comissários ajudou. Mas também houve um agravante, que foi justamente
o percurso “irregular” de Ayrton, ao retornar à pista por dentro da chicane. Na
época mesmo, o regulamento não permitia isso, e era consenso que Senna devia
ter dado um cavalo de pau, e retornado ao circuito pela chicane da pista. Teria
perdido pouco tempo a mais do que perdeu, mas quem sabe, daquela maneira, teria
garantido a vitória.
A gritaria foi geral
no Brasil, com a torcida brasileira apontando que Senna fora “roubado” em favor
de Prost, entre outras acusações mais sérias e comentários mais odiosos. Em uma
era sem internet, pode-se dizer que foi uma tremenda repercussão, e não apenas
no Brasil, mas no mundo inteiro. Mas insuficiente para reverter o resultado da
corrida decidido pelos comissários. A McLaren apelou da decisão, e quase levou
a pior: entre acusações de favorecimento a Prost e ladroagem, o time levou uma
forte multa, e Senna ainda foi obrigado a se retratar publicamente, do
contrário, seria banido da F-1 praticamente, com a revogação de sua
Superlicença, o documento que permite a um piloto competir na categoria máxima
do automobilismo. Ayrton teve de recuar, tanto que sua participação em 1990 foi
confirmada tardiamente.
Largada do GP do Japão de 1989: Prost (acima) consegue ir para a liderança e lá foi ficando, em um duelo sob a perseguição implacável de Ayrton Senna (abaixo). |
E quem diria que já
vão 30 anos daquele momento... O tempo realmente voa quando olhamos para trás.
Na repercussão, Senna foi considerado o campeão moral da temporada, enquanto
Prost, o vencedor de fato, teria sua credibilidade e capacidade como piloto
colocada em dúvida por muitos fãs do esporte a motor. A fama de ter ganho “no
tapetão” a temporada de 1989 demoraria a ser apagada de sua reputação.
De minha parte,
considero que Senna foi mesmo roubado naquele GP. Prost fechou a porta jogando
o carro em cima, mas não se pode dizer que a manobra foi ilegal. Mas, que dá
para notar que o francês começa a mover o carro antes de chegar na chicane para
fazer a tomada, isso dá, de modo que ele provocou deliberadamente a batida. Um
ato antidesportivo, mas que não era ilegal. Senna, por outro lado, ao retornar
à pista pelo interior da chicane, deu aos comissários a desculpa perfeita para
desclassificar o brasileiro, por ser uma irregularidade que era prevista no
regulamento. Tivesse retornado pelo traçado normal, tudo teria sido bem mais
complicado para justificar a punição a Ayrton, e quem sabe, tivesse mantido a
vitória, e adiado a decisão para a prova derradeira, na Austrália.
Só que, é preciso ser
realista: Senna não teria conquistado o título. Na Austrália, o brasileiro
acabou abandonando após bater na Brabham de Martin Brundle, em meio à chuva
torrencial que caia em Adelaide, então palco da prova. Tivesse vencido aquele
GP, o resultado do campeonato de 1989 sempre estaria em questão pelo que
ocorrera em Suzuka. Com o seu abandono, tivesse mantido a vitória no Japão, não
teria feito diferença. E vale lembrar que, desclassificado ou não do GP
japonês, nem por isso Ayrton estava aliviando na Austrália, debaixo da chuva,
onde vinha liderando a corrida facilmente, até errar por si mesmo, ao abalroar
Martin Brundle numa tentativa de ultrapassagem onde não viu o piloto da
Brabham.
Senna foi o piloto
mais vencedor da temporada, é fato. Mas Prost foi um piloto muito mais regular
e constante, algo que Ayrton não foi. E com 6 abandonos até o Japão, isso era
um revés considerável, enquanto o francês até então só tinha um abandono na
temporada. Isso não desmerece a temporada de Senna, mas mostra que o francês
soube ser um piloto mais eficiente. Uma reprise do que acontecera no duelo
entre Nélson Piquet e Nigel Mansell na Williams, em 1987, onde o brasileiro,
com perda parcial de seu ritmo diante das sequelas do acidente sofrido na curva
Tamburello, em San Marino, passou a se concentrar na regularidade e constância
de resultados para derrotar seu parceiro de time Nigel Mansell, que estava mais
veloz naquele momento. Arrojo X cérebro. Simples assim.
Prost foi sujo na
manobra de fechar Senna em Suzuka? Foi. Mas quem disse que Senna era um santo
dentro da pista? O lance do acordo de não-agressão na primeira volta de uma
corrida entre os dois pilotos da McLaren foi mandado para o espaço justamente
por Senna na prova de Ímola de 1989, ao alegar depois que o acordo valia só
para a “primeira” largada, já que a corrida teve duas, por causa do acidente de
Gerhard Berger na curva Tamburello. Então, um piloto acusar o outro de
deslealdade e traidor, para usar um termo mais forte, era praticamente o roto
falando do rasgado. Não havia inocentes naquela história. Ayrton fez seu nome
com um nível de arrojo que a F-1 já tinha visto em outros pilotos em sua
história, mas agregou a seu estilo um nível de agressividade jamais visto até
então. Sua fome de vitória parecia não conhecer limites, como o próprio Prost
acusou, afirmando que o brasileiro não aceitava perder, o que não era mentira,
haja vista o seu tremendo mau humor quando perdia.
Se Senna quis dar uma
de esperto para cima do francês, achando que a luta seria fácil, quebrou a
cara, pois Prost também tinha seus ases na manga. E um deles era saber cuidar
melhor do carro, em uma época onde os bólidos quebravam com mais frequência do
que hoje. Senna teve algumas quebras durante o ano, enquanto em um ou outro
momento, sua própria impetuosidade jogou contra si próprio, como no Brasil,
onde forçou a dividida de curva logo no início da corrida, e danificou seu
carro, perdendo as chances de ganhar a corrida, e com isso, levar mais 9 pontos
que fizeram falta na luta pelo título mais tarde. Mas o francês também acusou o
golpe, passando a afirmar publicamente que a Honda favorecia Senna na luta pelo
título. Foi um duelo de gigantes, dentro e fora da pista, que atingiu um nível
onde um já não suportava mais o outro. Ninguém arredava pé, e como dois grandes
campeões e fenômenos dentro do esporte a motor, os iguais passaram a se
repelir. O clima dentro dos boxes só ia piorando, mas de forma relativamente
velada, com a McLaren ainda conseguindo manter o ritmo de competição.
Assim, não era de se
admirar que Prost, naquele momento, já acertado com a Ferrari para o ano
seguinte, não ia dar mole para Senna. Posso dizer até que o brasileiro meio que
baixou a guarda ao não notar como o francês havia sido o mais rápido no warm-up
em Suzuka, a despeito de ter ficado praticamente 1s7 atrás de Ayrton no treino
de classificação. E como dizem, treino é treino, e corrida é corrida. Se a
estratégia de Prost exigia que ele estivesse na frente para fazer valer seu
acerto mais veloz para a corrida, era imprescindível largar na frente, e Senna
infelizmente deixou o rival pular na frente no arranque da luz verde. Tivesse
mantido a ponta, a tarefa de Prost teria sido muito mais complicada. Como se
daria um duelo com as posições invertidas, com Prost a forçar Ayrton o tempo
todo? Uma pergunta interessante, mas que jamais saberemos a resposta...
Haveria um rescaldo
deste momento no futuro, e quis o destino que ele se desse novamente na mesma
pista de Suzuka, um ano depois. Agora em equipes diferentes, Senna e Prost
chegaram ao Japão mais uma vez duelando pelo título, mas com o francês tendo de
correr atrás, e com uma Ferrari que tinha muito mais chances de ser competitiva
na pista japonesa do que a McLaren, devido ao maior equilíbrio do carro
italiano. E, mais uma vez, tivemos uma decisão curiosa, com os comissários a
manterem a posição do pole-position no lado interno da pista, ao invés do lado
externo, onde era feito o traçado normal pelos carros. Isso se tornava um revés
para o pole, que obviamente, acabou sendo Senna, com Prost a largar em segundo.
Dava para sentir que ia sair faísca naquela corrida novamente, e foi o que
aconteceu.
A diferença é que tudo
ocorreu em poucos segundos, já na largada, com Senna a tentar recuperar a
liderança perdida para Prost no arranque na aproximação da primeira curva, com
os dois carros se tocando, e saindo da pista. E mais um fim de campeonato,
agora a favor de Senna. Por linhas tortas, alguns disseram que foi feita
justiça, depois do ocorrido em 1989. Verdade ou não, Prost, e principalmente
Jean-Marie Balestre, ficaram bem furiosos naquele dia, mas nada puderam fazer. Senna,
como ele próprio admitiu algum tempo depois, executara sua vingança, dando o
troco em seu principal rival, e em seu desafeto presidente da FISA. Prost,
aliás, chegou até a querer fazer um movimento para “moralizar” a F-1, alegando
que pilotos com Senna eram um perigo para o esporte, mas ninguém deu muita bola
para isso. Esportivamente falando, não foi uma maneira correta de se decidir um
título, e pior, ainda daria um mau exemplo, quando, alguns anos depois, Michael
Schumacher ganharia o seu primeiro campeonato com uma batida feita em seu
adversário Damon Hill, no encerramento da temporada de 1994, na Austrália, com
o alemão tentando repetir a manobra em 1997 contra Jacques Villeneuve, mas
fracassando nessa nova tentativa.
A rivalidade entre
Senna e Prost ainda ganharia um novo round em 1992, quando o francês, após um
ano sabático após ser demitido pela Ferrari (chamou seu carro de “caminhão” ao
fim do GP do Japão de 1991) acertou seu retorno à F-1 pela Williams, que
dominava amplamente a categoria máxima do automobilismo, e obviamente vetando o
nome de Senna como possível companheiro de equipe, recebendo uma saraivada de
críticas ferozes do brasileiro pelo que considerou um gesto “covarde” e
antidesportivo, esquecendo-se de que fizera o mesmo na Lotus em 1986, com
relação à possível contratação de Derek Warwick pelo time inglês. Prost foi
campeão em 1993, mas guiando o melhor carro da categoria, disparado muito
melhor que os outros, sua conquista não teve o reconhecimento de outros tempos,
sendo vista muito mais como mera obrigação. Com Ayrton finalmente garantindo um
lugar no time de Frank Williams em 1994, já que o veto do francês não valia
mais, Prost optou por se retirar da F-1, encerrando sua carreira de piloto.
Todos se perguntam
como Senna e Prost estariam hoje em dia. Prost se tornou dono de equipe, e hoje
é um dos chefes do programa da Renault na F-1. Já Ayrton faleceu em 1994,
vítima do carro que tanto cobiçara nos dois anos anteriores. Senna iniciou uma
reaproximação ao fim de 1993, e continuou em 1994. Provavelmente, talvez fossem
até amigos de novo, e se respeitassem muito mais... Mas é algo que nunca
saberemos de fato. De qualquer maneira, frente à rivalidade extremada de ambos,
os duelos de hoje na F-1 parecem mais briguinhas à toa, onde não vemos o mesmo
ímpeto ou instinto “matador puro” dos velhos tempos. Se competissem hoje, será
que ambos também se comportariam como naquela época? Outra boa pergunta...
Terreno das hipóteses: e se
Ayrton Senna não tivesse cedido, e preferisse ficar de fora da F-1 a pedir
desculpas públicas a Jean-Marie Balestre e à FISA pelo ocorrido no Japão em
1989, como exigia o cartola? O que ele faria como piloto, lembrando que a
entidade, por retaliação, poderia bani-lo como piloto do mundo do esporte a
motor por sua recusa em se desculpar? A resposta mais possível parece um tanto
óbvia: a Fórmula Indy. Lembremos que, depois da temporada de 1992, insatisfeito
com a competitividade da McLaren frente às poderosas Williams, Senna testou o
carro da Penske de Émerson Fittipaldi, incentivado pelo mesmo, e gostou muito
da brincadeira. Imaginemos que isso acabasse acontecendo até antes, por Ayrton estar
banido da F-1 e do resto do mundo do automobilismo, lembrando que a Indy não
era uma categoria sancionada pela FISA (que aliás, até considerava o certame
norte-americano como uma categoria “pirata”, por não se sujeitar a ela).
Poderia ter sido o início de uma carreira muito interessante de Senna na
F-Indy, para sorte dos americanos e azar da F-1, como Nigel Mansell fez em
1993. Uma possibilidade que dá asas à nossa imaginação, sobre como Senna
poderia ter seguido com sua carreira, em uma atitude que seria um verdadeiro
tapa na cara da prepotência de Balestre, que teria de ver o sucesso do
brasileiro na Indy, e nada podendo fazer quanto a isso...
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