Depois de um fim de
semana menos convencional que os demais de um Grande Prêmio, devido ao risco da
passagem do tufão Hagibis pelo Japão, no mesmo final de semana da corrida em
Suzuka, vimos uma decisão na pista nipônica. Preventivamente, a F-1 suspendeu
suas atividades no sábado, quando se previa a chegada do fenômeno climático à
região de Nagoya, onde Suzuka se encontra, com o treino de classificação
remarcado para a manhã de domingo, se tudo corresse bem. Felizmente, a chuva
que atingiu Suzuka foi até menor que a esperada, e tudo pode ser retomado no
domingo sem sustos, em que pese várias outras áreas do Japão terem tido muitos
estragos com o tufão, que mostrou que o temor de sua chegada não era nada
exagerado.
E, numa corrida que
teve lá seus bons momentos, eis que mais um título foi decidido em terras
nipônicas, como nos seus bons tempos. Mas não o título de pilotos, o mais
aguardado e até mais óbvio desta temporada, mas o de construtores. E a Mercedes,
com mais uma vitória, e com direito a ter seus dois pilotos no pódio de Suzuka,
garantiu sua 6ª taça consecutiva, um recorde na história da F-1.
A rigor, a equipe
alemã igualou o número de conquistas consecutivas de construtores da Ferrari,
que entre 1999 e 2004 faturou 6 títulos no Mundial de Construtores, durante o
período áureo dos “anos Schumacher”. Mas há um detalhe importante a ser
considerado, e que faz do atual período de domínio da Mercedes algo maior: o
título de 1999 de pilotos não foi da Ferrari, mas da McLaren, com o finlandês
Mika Hakkinen a conquistar o bicampeonato. Em suma, 6 títulos de construtores,
e 5 títulos de pilotos. A Mercedes, por sua vez, terá 6 títulos de
construtores, e também 6 títulos de pilotos, uma conquista bem mais completa.
Outro detalhe
interessante: entre 1999 e 2004, apenas em duas temporadas a Ferrari fez
dobradinha no campeonato, em 2002 e 2004, quando o brasileiro Rubens
Barrichello, segundo piloto do time vermelho, foi vice-campeão. A Mercedes fez
a dobradinha em 2014, 2015, 2016, e já praticamente garantiu a dobradinha neste
ano. Resta apenas liquidar a fatura matematicamente. Com o resultado do GP do
Japão, apenas Lewis Hamilton e Valtteri Bottas estão na luta pelo título, mas
com 64 pontos de vantagem para o finlandês, a conquista de Lewis é mera questão
de tempo, podendo vir semana que vem, na Cidade do México, México, ou em
Austin, no Texas, Estados Unidos. Bottas, por sua vez, estava com sua posição
no campeonato ameaçada pelo renascimento da Ferrari a partir da etapa da
Bélgica, com Charles LeClerc chegando perigosamente no finlandês da Mercedes.
Mas o time prateado, com um pouco de sorte, e estratégia, conseguiu virar o
jogo na Rússia, e no Japão, e recolocou Bottas como favorito ao
vice-campeonato.
Valtteri tem 53 pontos
de vantagem para LeClerc, e mesmo que ainda tenhamos 104 pontos disponíveis,
inclusos os pontos extras de melhor volta, o monegasco precisaria de um azar
tremendo de Bottas para conseguir alcança-lo na pontuação, e superá-lo. Com Hamilton
quase garantido como hexacampeão, a escuderia alemã pode se permitir dar ao
finlandês a devida atenção para que ele pudesse vencer a etapa japonesa, e
reforçar sua posição na classificação. Hamilton pode até não ter gostado da
estratégia que o time lhe reservou, que acabou por deixa-lo em 3º no final da
corrida, mas o inglês não pode reclamar, visto que sua vantagem ainda é
considerável, e que só um completo desastre lhe tira o título da temporada, que
aliás, é seu por muitos méritos.
Competência dentro e fora da pista, como nas estratégias e nos pit stops, são algumas das ferramentas do domínio da Mercedes nestas seis temporadas. |
Mas de nada valeria
tudo isso se Bottas não tivesse cumprido seu papel à perfeição em Suzuka. O
finlandês ganhou de presente a largada falhada de Sebastian Vettel, o
pole-position, e não desperdiçou a oportunidade, fazendo um excelente arranque
que o levou para a liderança já na primeira curva, de onde só se ausentou em
determinados momentos da corrida pela estratégia traçada pelo time. E, enquanto
esteve na pista, Valtteri imprimiu um ritmo forte, para lhe garantir merecer a
vitória na prova japonesa, em uma performance que ele ficou a dever em outros
momentos no ano. Com contrato renovado para 2020, e com sua performance posta
em questão depois que o time liberou Esteban Ocón para a Renault no próximo
ano, Bottas tinha de fazer por merecer continuar no time prateado, onde chegou
com muitas expectativas de reprisar o papel desempenhado por Nico Rosberg, de
ser um parceiro, mas também um rival à altura de Lewis Hamilton, em um clima
mais cordial.
Infelizmente, Bottas
não manteve essa expectativa em tempo integral, decepcionando um pouco quando
se esperava que representasse um desafio para Hamilton. Tanto é que isso
permitiu que a Ferrari surgisse como ameaça nos últimos dois anos, com
Sebastian Vettel a conquistar o vice-campeonato, sem desmerecer a performance
renovada dos carros vermelhos, que chegaram a ameaçar a hegemonia prateada, mas
só não concluíram sua ameaça por azares, alheios e próprios, e incompetência em
momentos cruciais.
E é nesse ponto, a
competência, que a Mercedes tem se destacado. Por mais que afirmem que, quando
da introdução do novo regulamento técnico das unidades de potência híbridas em
2014 ter favorecido os alemães, que já se encontravam adiantados no
desenvolvimento de sua unidade motriz, o regulamento tem sido basicamente o
mesmo desde então, com os concorrentes a terem tido suas chances de desafiar o
domínio dos carros prateados. A Renault, desde a introdução da nova tecnologia,
tem patinado desde então, alternando alguns momentos de altos e baixos; já a
Honda, em seu retorno em 2015, foi um desastre completo, que só agora está
começando a colher resultados mais animadores. Mesmo assim, as duas marcas
ainda estão bem atrás para declararem que são desafiantes das unidades
produzidas pela Mercedes.
A Ferrari, por outro
lado, também começou mal, em 2014, mas soube começar a evoluir em 2015. Mas foi
só em 2017, com a liberação do desenvolvimento sem as amarras das “fichas”
implantadas de 2014 a 2016, que os italianos começaram a balançar o poderio dos
alemães. A unidade híbrida da Mercedes, inigualável entre 2014 e 2016, hoje tem
uma rival não apenas à altura na da Ferrari, como está até um pouco atrás, no
que tange à potência bruta total, haja visto a velocidade de reta proporcionada
aos carros vermelhos, em que pese sua configuração aerodinâmica voltada para
esta área.
Muito se falava que o
domínio da Mercedes era unicamente devido ao motor, tanto que em 2014 e 2015,
mesmo com um carro que muitos podem considerar mediano, a Williams foi 3ª
colocada no Mundial de Construtores. Em parte, isso até tinha sua razão de ser,
mas a partir do momento em que o time alemão começou a ser acossado pelos
ferraristas de forma efetivamente séria, vimos que o sucesso do domínio
prateado é muito mais do que apenas uma excelente unidade de potência: eles
também possuem um chassi e um projeto de bólido extremamente competente e bem
desenvolvido, e acima de tudo, tem mantido o time e seu ambiente interno sob
controle, e sem cometerem deslizes. E, mais importante do que tudo, eles
conseguem manter as áreas e profissionais do time rendendo o seu máximo, e
conjugar seus esforços para obterem sempre a máxima eficiência. Tudo isso sob o
comando de Toto Wolf, que tem conseguido manter o foco e a excelência do time
em alta. E, por mais que possam afirmar que Niki Lauda era uma figura mais
decorativa do que efetiva em Brackley, o ex-piloto austríaco também teve papel
importante na montagem e condução desta máquina de competição que tem
conseguido se manter perfeitamente azeitada até agora. Tanto é que este novo
título de construtores, para Lewis Hamilton, é dedicado a Lauda, falecido há
alguns meses, e cuja ausência tem sido sentida no ambiente do time.
Não se trata apenas de
garantir os recursos para se obter o melhor, é conseguir que seus integrantes
possam alcançar esse “melhor”, sentindo-se em harmonia e sintonia com o
restante da escuderia, de modo a maximizar seus potenciais. Ou alguém aí lembra
de Paddy Lowe, que deixou o time, por desejar ter mais destaque e importância
na escuderia, e foi para a Williams, no que resultou? Lowe não apenas não
conseguiu reerguer o time de Grove, como nesta temporada, o desempenho do time
decaiu ainda mais, sem que Paddy conseguisse mostrar em seu novo time a mesma
competência e sinergia que conseguia produzir na Mercedes. E, em exemplo
inverso, podemos citar James Allison, que saiu desacreditado da Ferrari, ou
pelo menos, não valorizado, para ir para Brackley, e ter sido mais um nome a
reforçar com extrema competência o setor técnico da escuderia desde então?
Conseguir manter um ambiente onde seus funcionários consigam produzir o melhor,
e se sintam mais do que motivados a manter este alto padrão é um dos grandes
méritos da Mercedes neste seu período de domínio na F-1.
Em contrapartida, a
Ferrari tem nos mostrado o quanto isso é verdadeiro: desde 2017, tendo
conseguido competir no mesmo nível, e até melhor do que a Mercedes, em vários
momentos, o time italiano perdeu várias oportunidades por não conseguir
apresentar esse mesmo nível de sinergia dentro e fora da pista com a mesma
eficácia. O time italiano, aliás, chegou a menosprezar a escuderia alemã,
quando afirmou que, muito acostumados a ganhar, os alemães perderiam o controle
quando se vissem em situação inferior. E o que aconteceu foi justamente o
contrário: a equipe de Brackley manteve-se calma e com a cabeça no lugar,
enquanto a turma de Maranello começou a bater cabeça, dentro e fora da pista. E
na pista, Lewis Hamilton tem se mantido focado e extremamente eficiente. Tanto
que, mesmo nos momentos em tese mais difíceis, quando a Ferrari parecia
imbatível, não vimos o inglês fazendo barbeiragens para tentar diminuir a
desvantagem a qualquer custo. Lewis tem tido uma pilotagem firme, segura, e
arriscando quando é necessário. Parece ter uma visão muito maior do campeonato
em si. Sabe que a Mercedes, mesmo quando é superada, ainda é competitiva, e por
isso, sabe que há os momentos onde se deve guiar com a cabeça mais do que com
coração.
E, na reta final da
temporada de 2019, vimos novamente a Ferrari a desperdiçar suas oportunidades.
Primeiro a tentar entender o seu carro como deveria, tendo sido surpreendidos
pela eficiência da rival Mercedes na primeira metade do campeonato. E segundo,
ter que aprender a gerenciar melhor seus pilotos, algo que o time italiano
faria muito melhor se perdesse alguns hábitos ruins de querer controlar tudo o
que acontece na pista. O resultado é que, com dois pilotos muito rápidos, ainda
que Sebastian Vettel tenha tido mais dificuldades com o carro do que Charles
LeClerc, ambos poderiam ter tido resultados muito melhores se o time não
ficasse interferindo com sua política de primeiro e segundo piloto: desse a
ambos tratamento igual, e os deixasse competir de forma mais livre, talvez até
ainda tivessem alguma chance de lutar pelo título, agora que conseguiram
acertar o rumo do desempenho de seu carro. A Mercedes aproveitou seu melhor
momento, e disparou na frente, e se Bottas não está mais próximo de Hamilton
nos pontos, o finlandês teve parte de culpa nisso, pois muito menos o time
complicou sua corrida do que a Ferrari acabou fazendo com seus dois pilotos.
Fica a expectativa se
a Mercedes manterá este domínio no próximo ano. Eles já começaram a trabalhar com
grande antecedência no projeto do novo carro, o que explicou uma certa
“estagnada” do carro atual, tido como uma das explicações para terem sido
superados pela Ferrari desde a Bélgica. Mas isso não significa que os prateados
deixaram de ser competitivos. Nos testes da pré-temporada, quando todo mundo
imaginava que a Ferrari viria mais forte do que nunca, o que vimos foi a
Mercedes novamente se mostrar mais eficiente e competente. Que fique a lição
para os ferraristas tentarem de novo em 2020, sem caírem nos mesmos erros deste
ano. O que não significa que o desafio será mais fácil.
A estrela da Mercedes
brilhou intensamente quando de sua primeira participação na F-1 nos anos 1950.
E depois de retornarem oficialmente como time completo, em 2010, foi um caminho
de construção da estrutura que permitiu, a partir de 2014, exibir o domínio que
muitos consideram extremamente prejudicial para a competição da F-1. A
preocupação não é irrelevante, mas seria muito menor, se os concorrentes
conseguissem exibir o mesmo grau de eficiência que o time prateado tem
demonstrado nos últimos anos. A estrela da Mercedes brilha por vários méritos,
e tem tudo para continuar brilhando intensamente por um longo tempo. Cabe aos
concorrentes mostrarem que podem ser tão bons quanto os alemães. As chances
eles possuem, e condições também, como vimos a Ferrari demonstrar. Que consigam
aproveitar isso, e superar quem parece insuperável.
Uma conquista que
certamente será mais do que reconhecida, caso se concretize. Mas enquanto isso
não se torna realidade, todos tem que se acostumar a serem eclipsados pela
estrela Mercedes, e ela brilha como nunca! Parabéns, Mercedes, por mais um
título de construtores, e outro de pilotos que logo logo se definirá. E que
venha 2020...
A MotoGP chega ao Japão com o
título já decidido a favor de Marc Márquez, que faturou o hexacampeonato na
etapa anterior, na Tailândia. Mas nem por isso as comemorações da Honda, que
inclusive é dona do complexo de Twing Ring Motegi, onde será realizada a
corrida, serão menores. Foi neste circuito, aliás, que o espanhol faturou o
título do ano passado, então para os japoneses o clima de triunfo será mais do
que justificado. E Márquez faz história, com 6 títulos averbados em 7
temporadas na classe rainha do motociclismo, e todos eles conquistados
defendendo o time oficial da Honda na MotoGP. Os treinos e a corrida terão
transmissão ao vivo no canal pago SporTV3.
Apesar dos percalços causados
pelo tufão Hagibis, cerca de 90 mil torcedores encheram as arquibancadas de
Suzuka no domingo do GP do Japão de F-1. A categoria chegou a desmontar parte
da estrutura da corrida para evitar que sofressem estragos na passagem da
tormenta no sábado, remontando-a completamente no domingo de manhã, que
amanheceu com sol e tempo bom. Mas se a área de Suzuka escapou de sofrer muitos
estragos, muitos outros locais, especialmente ao norte, e próximos a Tóquio, sofreram
com o forte tufão. Melhor prevenir do que remediar, e se tem um país que não
costuma brincar com isso é justamente o Japão. Não se pode menosprezar as
forças da natureza, e os nipônicos, que também convivem com terremotos em seu
país, sabem disso melhor do que ninguém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário