É verdade que o
panorama do campeonato não mudou com a prova da Áustria. A Mercedes ainda nada
de braçada rumo ao título, com uma vantagem imensa para os concorrentes, mas
tivemos um GP onde aconteceu algo diferente, e muito importante: respeitou-se
os pilotos na pista, com a direção de prova não interferindo no resultado
final, como acabara fazendo nas etapas anteriores, em Montreal e Paul Ricard.
Afinal, nas voltas
finais, quando Max Verstappen aproximava-se vertiginosamente de Charles
LeClerc, a ansiedade tomava conta dos torcedores, esperando pelo duelo pela
liderança da corrida. E ele veio, com Verstappen superando o piloto da Ferrari,
mas perdendo a posição logo em seguida, numa briga que deixou todo mundo
empolgado, ainda mais porque quem conhece o estilo de “Mad” Max sabe que o
holandês parte mesmo para cima, sem desistir nunca. E faltando duas voltas,
Verstappen repetiu o bote, no mesmo ponto, e desta vez espalhando de modo que
só restava a LeClerc frear para não bater, ou sair da pista. Os dois carros
tocaram-se de leve, e LeClerc saiu do traçado, indo para fora da pista e
retomando o curso logo a seguir. A batalha estava ganha pelo piloto da Red
Bull, que rumou firme para vencer pela segunda vez “em casa”, no circuito que
atualmente é de propriedade da Red Bull.
Ou não? Não demorou a
aparecer a famigerada “placa” de que o incidente entre os dois pilotos estava
sob análise, e aí começou a preocupação: uma vitória esplendorosa de Verstappen
iria por água abaixo, caso os comissários decidissem que a manobra em que o
holandês superou o monegasco estaria infringindo as regras? Pelo que tínhamos
visto nas últimas corridas, isso era um temor nada exagerado. E já tínhamos
tido punições na definição do grid, por conta de exageros na aplicação das
regras. Cito o exemplo de Lewis Hamilton, que perdeu 3 posições no grid por
“bloquear” Kimi Raikkonen no Q1 da classificação, quando se vê pela imagem que
este bloqueio não foi nada assim tão prejudicial, uma vez que Raikkonen não foi
tão prejudicado a ponto de erguer o dedo reclamando do inglês, que até saiu da
pista tentando dar passagem. Mais acertada foi a punição dada a George Russel
por atrapalhar Danill Kvyat, que este sim foi bloqueado pelo piloto da Williams
quando tentava fechar sua volta rápida. Se bem que ali, também vejo que foi
mais um caso de azar, pois à frente de Russel, que estava lento, haviam mais
dois carros, que também estavam lentos, na curva Rindt, preparando-se para
abrir volta rápida. E, em um circuito curto, as chances de pegar tráfego aumentam.
É uma questão de sorte ou azar não ser atrapalhado. Mas hoje em dia os pilotos
são tão frescos que qualquer oportunidade desperdiçada por causa disso gera
muita reclamação, algo que poderia ser evitado se tirassem essa regra, ou a
aplicassem a casos flagrantemente escandalosos e/ou premeditados.
Foi uma longa espera,
cuja resposta saiu somente três horas depois da bandeirada, mas enfim, pode-se
respirar aliviados: os comissários classificaram como “incidente de corrida”,
confirmando o resultado na pista, e encerrando a discussão. Claro que a
Ferrari, e principalmente Charles LeClerc, não gostaram disso, mas ao menos
dessa vez, ao contrário do ocorrido em Montreal, fez-se o correto. Claro que a
FIA, através de seus comissários, trataram de “dourar” a pílula de sua decisão
em Zeltweg, justificando a demora em soltar o comunicado da decisão por terem
estudado “a fundo” o ocorrido, para não cometer um “erro” na avaliação. Finjo
que acredito... Tirar a vitória de Verstappen, por causa daquela manobra, seria
uma pá de cal na credibilidade da F-1, que passaria ali o atestado de que
ultrapassagens onde os carros acabam esbarrando um no outro seriam
terminantemente proibidas dali em diante. E, fazendo isso diante da torcida
holandesa que compareceu em peso à Áustria, seria condenar o sucesso do GP da
Holanda previsto para retornar em 2020 ao calendário. E uma nova saraivada de
críticas às regras da categoria máxima do automobilismo, sob o título de
proibir tudo o que faz uma corrida de verdade existir. Será que a F-1
aguentaria mais essa? Os fãs já andam fartos das interferências dos comissários
nas provas, acreditem, e com a categoria precisando recuperar sua atratividade,
outra punição dessas seria um tremendo revés.
Em um momento onde se
lembrava da primeira vitória da Renault na F-1, há 40 anos atrás, obtida por
Jean-Pierre Jabouille, numa corrida depois de um duelo titânico entre Gilles
Villeneuve e René Arnoux, na pista de Dijon-Prenois, na França, onde ambos
disputaram ferozmente o 2º lugar na corrida, disputa vencida por Villeneuve, em
manobras que hoje poderiam significar o banimento de ambos os pilotos da F-1
por “condução irresponsável e perigosa”, do jeito que as coisas andam
atualmente. E olhe que não ocorreu nada demais naquele duelo. Cercear hoje as disputas
na pista com a aplicação de regras que “engessam” as alternativas que os
pilotos tem é o maior mal da F-1 atual. E a manobra de Verstappen também não
foi nada de mais; toques involuntários sempre podem ocorrer em manobras de
ultrapassagem, e os pilotos sabem muito bem o que fazem, e não vão
deliberadamente provocar um acidente, com consequências imprevisíveis para
ambos na pista.
Max Verstappen resumiu
bem a crítica sobre uma eventual punição que sua manobra poderia gerar, ao
afirmar que, se aquilo fosse proibido na F-1, nem valia mais a pena correr,
devendo ficar em casa. E ele tem mais do que razão. O público quer ver duelos,
brigas, e acima de tudo, uma disputa honesta e clara. O excesso de punições que
empesteia a F-1 atual é um câncer que ela precisa tratar com séria urgência.
Não se trata de promover um “libera geral” na pista, mas de coibir o excessivo
número de regras que não levam a nada em termos práticos. O público foi ao
delírio com a vitória de Max porque ele foi atrevido, rápido, audacioso, e
determinado. E em nenhum momento ele se comportou da forma como ficou conhecido
desde que estreou na F-1, fazendo manobras intimidatórias, ou trocando de
trajetória ou freando de forma desleal junto a outros pilotos. Aliás, é notável
o amadurecimento do holandês este ano, onde ele vem tirando tudo do carro, sem
deixar de ser agressivo ou veloz, mas sem se envolver em confusões ou fazendo
gestos estabanados na sua pilotagem. A responsabilidade de liderar a Red Bull
na pista parece ter feito o jovem piloto, de apenas 21 anos, encarar a
necessidade de repensar sua conduta na pista, e ficar livre de rolos e
enroscos.
A pista da Áustria, em Zeltweg nos brindou com a melhor corrida do ano até aqui na F-1. |
Claro que não dá para
agradar a todo mundo. Vi muita gente defendendo a punição para o holandês, sob
a alegação de que sua manobra foi contra as regras, e que se a FIA puniu
Sebastian Vettel no Canadá, tinha a obrigação de fazer o mesmo em Zeltweg.
Muitos disseram que a FIA aplicou dois pesos e duas medidas a atitudes iguais
na pista, e mais uma vez, interpretaram isso de forma tendenciosa, a fim de
prejudicar mais uma vez a Ferrari. De minha parte, fizeram o certo ao não
aplicar punição a Verstappen, mas continuo firme em dizer que a punição a
Vettel em Montreal foi errada. Já em relação à punição aplicada em Daniel
Ricciardo na França, a resposta é uma só: tragam de volta as caixas de brita e
a grama à beira da pista, acabando com as áreas asfaltadas. Quem sair da pista
pagará o preço de seu erro, e poderá danificar o carro e até arruinar sua
corrida. Mas, com tantas áreas de escape asfaltadas em diversas pistas pelo
mundo, fica bem complicado estabelecer uma “tolerância zero” para todos que
acabem saindo da “pista”. Os argumentos são até válidos (asfalto proporciona
maior segurança em caso de escapada; pilotos podem obter vantagem indevida “cortando”
caminho fora da pista, etc), mas carecem de uma análise que permita que a
competição prevaleça, e não uma birra intolerante de cumprimento das regras.
Como é que antigamente tínhamos disputas ferrenhas na pista, até com toques
entre os competidores, e nada isso provocava um escândalo, enquanto agora nas
disputas, qualquer encostada já provoca uma série de chiliques e mimimi, tanto
dentro quanto fora da pista? E olhe que os carros de antigamente não tinham
tanta segurança embarcada de proteção à integridade física dos pilotos como
agora. Só que a impressão que dá é exatamente a oposta: hoje em dia batem tanto
na tecla da segurança de que parece que os carros vão explodir se encostarem
uns nos outros, ou alguém levar uma pancada qualquer no calor da disputa. No
passado, víamos muito mais raspadas dos pilotos uns nos outros, e ninguém ficava
em pânico, mesmo que seus bólidos não fossem muito seguros. Não é desprezar a
segurança, mas achar uma proporção mais adequada de se disputas a fundo, sem
dar “tilt” de botas os garotos (os pilotos) de castigo por terem feito “molecagens”
enquanto brincam. Liberar os duelos significa deixar os pilotos confrontarem-se
entre si na pista, confiando na capacidade deles de domarem seus carros, e
manter a calma quando o calor da disputa promover algumas rusgas mais fortes
entre eles. Mas, com as punições para quase tudo hoje em dia, a maioria dos
pilotos fica encurralada, sem poderem mostrar tudo do que são capazes, por
temor de tomarem punições dos comissários.
Não é por acaso que
provas de outras categorias estão dando um banho na F-1 em termos de qualidade
das disputas, em especial a MotoGP, e a Indycar. Não defendo o fim de todas as
punições, mas sua aplicação apenas a casos “excepcionais” e necessários para
coibir excessos realmente excessivos, que ocorrerem, e quando obviamente
intencionais. E boas disputas nas corridas é o que leva o público a ir aos
autódromos e acompanhar as corridas pela TV. Eles querem ver o pessoal lutando
entre si pelas melhores colocações, e não ver um festival de castigos e
punições que nada de positivo está rendendo neste momento. Eles querem ver os
pilotos indo aos limites, e superando-os, nas disputas pelas posições, dando
tudo de si para alcançarem os melhores resultados. É algo complicado nestes
últimos anos, pela supremacia da Mercedes sobre o restante do grid, mas tornado
muito pior pela intervenção por vezes desmedida, e até desnecessária, dos
comissários de pista e suas punições.
Que a F-1 reformule o
seu regulamento para botar ordem na casa, e resgatar o verdadeiro espírito de
competição em sua mais pura essência. Não que desse modo todas as corridas
serão como a de domingo passado, longe disso, mas pode ajudar a tornar as
demais corridas menos chatas e modorrentas. E a categoria máxima do
automobilismo precisa muito resgatar este espírito de competição que existia
antigamente. Que consiga fazê-lo muito em breve, quando discutirem as novas
regras para 2021... O tempo urge!
A Red Bull teve motivos mais do
que óbvios para festejar como nunca a vitória de Max Verstappen em Zeltweg. A
mais óbvia, naturalmente, foi por vencer no circuito que atualmente pertence à
Red Bull. Mas foi festejada mesmo foi pelos japoneses da Honda, que inclusive
estava com alguns de seus executivos presentes na pista austríaca, para
acompanharem o andamento de suas atividades na F-1, e mais importante: definir
se a marca continuará na F-1 depois de 2020, quando novas regras passarão a
valer. Apesar de fazer uma boa temporada com o time dos energéticos, a imagem
da Honda ainda não goza de boa reputação, devido aos três anos tenebrosos de
sua parceria com a McLaren, onde apesar dos erros do projeto dos carros da
equipe inglesa, as unidades de potência nipônica quebravam a torto e a direito,
e não entregam potência alguma. Foi preciso uma assessoria de Mario Illen, sob
pressão da McLaren, para que os japoneses começassem a revisar o seu projeto e
a abandonar certos métodos de trabalho que não estavam dando resultados na
evolução da unidade. Isso começou a dar alguns resultados, mas tarde demais
para salvar a parceria com a McLaren, encerrada ao fim de 2017. A partir do ano
passado, os japoneses puderam implementar de fato as melhorias advindas da
consultoria da Ilmor, e a fiabilidade melhorou bastante, e continuou evoluindo
este ano, agora equipando os carros da Red Bull. Ainda há muito a ser feito,
pois os propulsores nipônicos ainda devem muito em performance e potência, se
comparadas a Mercedes e Ferrari, mas essa vitória, mesmo que possa parecer
circunstancial, é um tremendo alento para a Honda, cujo último triunfo na F-1
foi no GP da Hungria de 2006, com Jenson Button. E converte-se em um grande
incentivo para a Honda permanecer no grid como fornecedora de motores, em um
momento onde outras marcas não tem absolutamente interesse em adentrar ou
retornar à F-1, e continuar trabalhando duro para igualar-se aos melhores
equipamentos da categoria. O único ponto distoante da festa foi o resultado
pífio de Pierre Gasly, que terminou a prova em 7º lugar, tendo tomado uma volta
de Verstappen. O francês começa a ver sua situação no time dos energéticos
ficar cada vez mais complicada na comparação com seu colega de time holandês, e
muitos já se perguntam se ele termina o ano na Red Bull. Mas ainda tem a
pergunta que não quer calar: quem a Red Bull colocaria no seu lugar, uma vez
que não tem opções viáveis no momento?
Não faltaram alfinetadas em
Fernando Alonso pela vitória da Honda em Zeltweg, pelas críticas que o espanhol
fez aos propulsores japoneses durante os anos de parceria com a McLaren, com o
asturiano chegando a chamar as unidades de “motor de GP2” em pleno GP do Japão,
uma humilhação para a fábrica japonesa. Mas, apesar dos excessos, e de chassis
cujas qualidades não eram as mais adequadas, as unidades infelizmente eram
mesmo lastimáveis, não oferecendo nem potência adequada, ou confiabilidade.
Muitos tratam os atuais propulsores nipônicos como se eles fossem exatamente os
mesmos de quando equipavam a McLaren, esquecendo-se que do ano passado para cá
foram feitos muitos avanços, especialmente em durabilidade, para só depois
focar na melhoria de potência. Se naquela época os propulsores japoneses já
tivessem a performance que apresentam atualmente, as críticas seriam muito
menores, ou talvez nem existissem, pelo menos publicamente, como ocorreu. E
isso tudo sem isentar os erros da McLaren, cujos projetos dos carros produzidos
durante a parceria não contavam com um ás das pranchetas como Adrian Newey por
trás, cujo projeto atual do RB15, mostra grandes qualidades, que ajudam e muito
nos resultados na pista.
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