Hoje começam os
treinos oficiais para a etapa da Alemanha, no circuito de Hockenhein, e a
perspectiva é se Ferrari ou Red Bull conseguirão incomodar, ou não, o
favoritismo da Mercedes. Por ora, o mais indicado é ver quem será a segunda
força, um duelo bem mais parelho, onde o time de Maranello parece ter uma
pequena vantagem sobre a equipe dos energéticos, mas não significativa. Os dois
times tem duas forças a serem consideradas: Max Verstappen e Charles LeClerc,
considerados estrelas da nova geração de talentos da F-1. Mas também possuem
duas incógnitas, como Sebastian Vettel e Pirre Gasly. O alemão retorna à pista
de seu país, onde no ano passado bateu bisonhamente enquanto liderava a prova,
entregando a vitória ao arquirrival Lewis Hamilton. Problemas com a pista
molhada pela chuva à parte, de lá para cá tudo pareceu desandar para Vettel,
com exceção da etapa da Bélgica do ano passado, palco de sua última vitória na
categoria. Já Gasly enfrenta o processo de fritura prematura desencadeado por
Helmut Marko, responsável por acabar com a carreira de 9 entre 10 pilotos que
competem pela Red Bull na Fórmula 1, e que tem tudo para engrossar a lista de “vítimas”.
Enquanto os carros não
entram na pista para o primeiro treino livre, prefiro dissertar sobre o que
Jean Todt andou falando esta semana, sobre os carros “inquebráveis” da F-1
estarem contribuindo negativamente para o show. A discussão nas redes sociais e
fóruns mundo afora teve opiniões a favor e contra a fala do dirigente, mas aqui
eu faço a minha opinião do assunto, que acho uma tremenda hipocrisia do
mandatário da FIA, porque ele, como presidente da entidade que comanda o
automobilismo mundial, tem muita culpa no cartório por este panorama atual que
temos na F-1, e que teve várias oportunidades para corrigir tal rumo, mas só o
piorou ainda mais. E o principal motivo para isso é as ridículas regras que
limitam o número de componentes que os times podem usar durante a temporada, do
qual o mais falado é o número estúpido de cada piloto poder usar apenas 3
unidades de potência por ano no campeonato. No caso do uso de uma 4º unidade ou
mais do que isso, o piloto é punido com a perda de posições no grid. Mas não
são só as unidades de potência: câmbios também sofrem dessa limitação, com as
mesmas penalidades para quem exceder o limite de conjuntos, e por aí vai.
Os times, lógico, não
querem sofrer punições por causa disso, portanto, investiram pesado na confecção
de componentes cada vez mais resistentes e duráveis, para fazer com que seus
bólidos cumpram o número de corridas necessário para não extrapolarem a
quantidade de equipamentos permitidos. O efeito colateral é que, salvo
acidentes, quase não há abandonos hoje em dia na F-1, e ainda vemos especialmente
corridas onde ninguém abandona. Daí a dizer que carros que “quebrem” mais
melhorariam a competição, são outros quinhentos, mas certamente ajudariam a
quebrar um pouco dessa monotonia, uma vez que hoje os times conseguem controlar
tanto a vida útil de seus componentes, que isso também se tornou um grande
gasto em investimento das escuderias pela maior vida útil possível de seus
equipamentos, sem comprometimento da performance. Mas também, significa, em muitos
casos, que os pilotos não extraem a fundo tudo o que seus carros podem render,
com efeitos variados.
A limitação de
equipamentos já é algo antigo na F-1. No início dos anos 1990, tentando
equacionar um pouco o desnível orçamentário entre os times de ponta e as demais
equipes do grid, começou-se a implantar alguns limites para tentar conter os
gastos. Só para se ter uma idéia, nos anos 1980, os times de ponta tinham
motores especiais para usar somente nos treinos de classificação. Eram unidades
muito mais fortes que as de corrida, mas com vida útil extremamente curta.
Basicamente, com um pouco de exagero, os times usavam até um motor por treino,
que depois era jogado fora. Para a corrida, eles trocavam o propulsor, que
geralmente também era descartado depois da corrida. Isso significava que, entre
treinos, classificações e corridas, um único piloto de um time de ponta podia
usar mais de 50 motores por ano, um gasto que obviamente times menores não
tinham como bancar. Com os pneus, era quase a mesma coisa: tínhamos os pneus de
classificação, que tinham muito mais aderência que os compostos convencionais,
mas duravam quando muito 5 voltas. Era uma tentativa, e só. Para a seguinte,
usava-se outro jogo de compostos, e assim por diante. E, da mesma maneira que os
motores, os times pequenos não podiam gastar tanto assim como pneus, para não
mencionar que nem todos eles também tinham acesso a tais equipamentos,
dependendo do previsto no contrato de fornecimento e na quantia paga ao
fornecedor. Isso também era válido para componentes como câmbio, que também
tinham durabilidade por vezes reduzida, devido ao esforço intenso com a máxima
performance a ser extraída, e por aí vai.
GP da Áustria deste ano: todos os carros que largaram chegaram ao final da corrida, sem um único abandono. |
A idéia de limitar
equipamentos era tentar diminuir este desnível, que no início dos anos 1990
começava a comprometer a saúde financeira e as chances de sobrevivência de
vários times. Logo, os pilotos passaram a dispor apenas de 7 jogos de pneus por
fim de semana de GP, além de serem proibidos os compostos especiais de
classificação. Se os times menores já viviam usando o mínimo possível o número
de compostos de pneus para não extrapolar nas despesas, na teoria os times de
ponta, até então acostumados a “queimar” um jogo de compostos por treino,
sentiriam o desafio de ter de poupar os compostos, enquanto os times menores já
estariam habituados a isso. E na década passada, isso acabou estendido também a
outros equipamentos, como câmbio, motores, etc. O objetivo era conter custos, e
fazer os times de ponta terem de se virar sem a quantidade absurda de certos
equipamentos que utilizavam até então sem dor na consciência financeira,
enquanto aqueles que não podiam pagar por tanto contavam no dedo as peças
disponíveis no orçamento para a temporada. Novamente, o argumento é que os
times de ponta, tendo de economizar seus componentes, perderiam parte de sua
performance, enquanto quem sempre viveu com o dinheiro contado não sentiria
isso. Em tese, o desempenho dos times grandes cairia, enquanto os médios e
pequenos, mais equiparados, poderiam ter melhor chance de competir.
Mas, se tem uma coisa
que os engenheiros e times da F-1 sabem fazer como ninguém é driblar os
percalços impostos pelo regulamento, quando tentam restringir a performance. Os
times de ponta conseguiram não apenas se adaptar a estas restrições de
equipamentos, como continuaram mantendo sua performance superior aos demais
times médios e pequenos. E começaram a investir pesado para aumentar
significativamente a durabilidade de seus componentes, de modo que estes aguentassem
o tranco do número de provas exigido pelo regulamento, sem que o time sofresse
punição. Na prática, ninguém ficaria sem ter equipamento, mas as punições, em
uma categoria que ficava cada vez mais difícil conseguir ultrapassagens, perder
posições no grid de largada por quebra de componentes poderia comprometer o
esforço de todo o fim de semana, daí então, os esforços em tornar os carros os
mais “inquebráveis” possíveis, receita que foi sendo seguida por todas as
escuderias.
Inicialmente, a idéia
destas limitações de equipamentos disponíveis por temporada até ajudou a
reduzir custos, mas foi um alívio momentâneo, pois os times passaram a
direcionar os recursos que eram gastos na fabricação de um grande número de
componentes na pesquisa de materiais mais duráveis e eficientes. Da mesma
maneira, a proibição de testes durante a temporada, instituída em 2009 para
reduzir os custos astronômicos de competição da F-1, ajudou a reduzir os gastos
das escuderias em um primeiro momento, mas a crise econômica também reduziu o
número de empresas dispostas a se aventurar em patrocínio no automobilismo, de
modo que o dinheiro disponível encolheu, e deu meio que empate. Mas, alguns anos
depois, os gastos cresceram novamente, com as escuderias investindo pesado em
simuladores virtuais, como substitutos para os testes de pista, de modo que
hoje os times preferem “testar” no simulador no que na pista.
Antigamente, os carros de F-1 quebravam bem mais, o que ajudava em alguns casos a variar os resultados das corridas. |
Outro ponto que
certamente a limitação de equipamentos se faz sentir é nos finais de semana de
GPs. Por mais resistentes e duráveis que os bólidos de competição se tornaram,
os times, por precaução, andam apenas o suficiente no final de semana. Assim,
nos treinos livres, eles tentam andar o mínimo possível, para não desgastar o
carro e seus sistemas. Da mesma maneira, os pneus também tem de ser conservados,
sob o risco de o piloto não ter compostos para usar na corrida. Tudo isso acaba
impactando na performance, pois alguns times poderiam andar melhor se pudessem
andar mais com seus equipamentos nos finais de semana de GP. Mas como fazer
isso, se precisam poupar o número de componentes disponíveis? O que deveria ser
um limitador de gastos para oferecer melhores condições de competição aos times,
do ponto de vista financeiro, virou um tiro pela culatra, pois vários times não
andam o que poderiam, para poupar equipamento. E, logicamente, isso acontece
mais com os times menos competitivos, que poderiam melhorar seu desempenho caso
pudessem treinar mais e aprimorar seus acertos para os carros.
Lógico que, com mais
equipamentos disponíveis, os times de ponta também se aproveitariam disso, mas
o problema consiste mesmo em aprofundar o erro, ao invés de minimizá-lo. Tomemos
como exemplo o caso dos motores: na década passada, quando foi instituído a
limitação de propulsores, os times tinham direito a apenas 8 unidades por
temporada, por piloto. E com o desenvolvimento das unidades “congelado”, ou
seja, os fabricantes não poderiam evoluir seus motores durante as temporadas, e
até entre elas. De início, cada motor tinha que durar X corridas, para atingir
o número ideal de provas da temporada. Um motor que quebrasse antes disso
submetia o piloto a punição de perda de posições no grid. Depois, ao menos
evoluíram a regra, estabelecendo que o limite era para toda a temporada, e o
time tinha liberdade para gerenciar o uso destes propulsores, o que era algo
mais inteligente de se fazer, sem penalizar tanto a competição. Mas aí, veio a
era das unidades turbo híbridas, e o que vimos: a limitação de motores ficou
ainda pior, reduzindo para 5 unidades por temporada, em um momento onde o
número de GPs crescia, e a introdução da nova tecnologia das unidades de
potência era algo que exigia maiores estudos de durabilidade e performance. E
ainda, com “congelamento” do desenvolvimento das unidades propulsoras, foi mais
um tiro no pé proporcionado pela FIA.
E como pau que nasce
torto tem tendência a permanecer torto, a FIA deu mais dois tiros no pé neste
quesito. O primeiro, ao reduzir de 5 para 4 o número de unidades. E o segundo,
é o que vemos atualmente, com o número de unidades de potência reduzido a
míseras 3 por temporada, por piloto. Eles acabaram com a regra do “congelamento”
do desenvolvimento, mas com apenas 3 unidades podendo ser utilizadas por ano,
sem penalização, este desenvolvimento livre também não é livre, pois não se
pode modificar certas partes do motor sem infringir a regra de ele ser considerado
uma unidade nova.
Se é verdade que a
regra é para todos, e a Mercedes se deu melhor que todo mundo nesta era das
unidades híbridas, o contrário se deu com Renault, e principalmente a Honda,
que poderiam ter tido um desenvolvimento muito melhor, contribuindo para a
melhoria da competição, se não tivessem ficado “presas” aos limites do
regulamento. Mesmo assim, perde-se a conta de quantas punições a McLaren
recebeu por quebras da Honda nas temporadas de 2015 e 2016, pela fragilidade do
equipamento, potencializada pelas proibições de se desenvolver o equipamento,
cujas falhas poderiam ter sido sanadas mais rápido se fosse permitido
desenvolver as unidades com liberdade. Lógico que, com desenvolvimento livre, a
Mercedes poderia ser ainda mais eficiente com suas unidades de potência, mas
certamente Renault e Honda não pagariam tanto mico como fizeram, e os times que
utilizavam suas unidades poderiam ter tido um desempenho menos ruim.
Mas a FIA avalizou
este regulamento, e leia-se, Jean Todt, presidente da entidade, concordou com
estas regras. Vir reclamar agora dos efeitos potencialmente negativos de algo
que ele ajudou a implantar é ser muito cara de pau, especialmente quando não
tenho visto nenhum esforço para corrigir estes limites de uso de equipamentos
por temporada.
E quando falo de
corrigir isso, é claro que não significa voltar à liberdade ilimitada que
víamos nos anos 1980. Mas impor limites mais condizentes, que permitam aos
times serem mais agressivos na utilização de seus equipamentos, ajudando a melhorar
a competição. Ao invés de 7 jogos de pneus, por que não mudar o limite para 10
jogos por piloto no final de semana de GP? Pode parecer pouco, mas já faz
bastante diferença. E no caso dos motores, porque não estabelecer um limite de
10 unidades por ano? Isso permitiria aos times rodar mais com cada motor, e os
pilotos poderem exigir mais dos carros, e das próprias unidades de potência.
Não se trata de instituir uma quebradeira generalizada, mas de acabar com
algumas neuroses que levaram os times a produzir carros cada vez mais
confiáveis. Afrouxar os limites de equipamentos deixaria times e pilotos mais
livres para abusar na pista. Se os carros vão quebrar mais, isso é incerto.
Nos velhos tempos, o
que ajudava os resultados serem um pouco mais variados era que a fiabilidade
dos equipamentos era variável e instável. Mesmo os melhores carros poderiam
quebrar, e às vezes, isso permitia a alguns pilotos e times alcançarem
resultados que normalmente não obteriam. Dizer que carros que quebram pioram o
show da competição é uma meia-verdade: há momentos em que podem mesmo jogar
contra a disputa, mas também podem jogar a favor, favorecendo os pilotos que
sabem ser rápidos sem desgastar seus carros. Na verdade, não é muito diferente
dos dias de hoje, onde todos andam abaixo do limite possível para seus carros e
equipamentos, mas alguns pilotos conseguem ter mais constância e performance do
que outros, e com estilos diferentes de condução, entre pilotos arrojados, e
cerebrais. Mas carros com um pouco menos de confiabilidade, com os times
podendo explorar mais seus limites, por poderem usar mais unidades de sistemas,
poderiam potencializar estas diferenças, e oferecer ao público a oportunidade
de verem pilotos competindo com estilos mais pronunciados, quem sabe? E não ver
todo mundo por vezes em uma procissão, sem forçarem o equipamento pela necessidade
absurda de não desgastá-lo além do necessário.
Em um momento onde a
F-1, junto com a FIA, pretende estabelecer o novo regulamento técnico que
vigorará a partir de 2021, a oportunidade para se corrigir várias regras e
limites esdrúxulos existentes nas regras atuais da categoria máxima do
automobilismo é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Deve-se
procurar o melhor entendimento possível para se estabelecer regras que não
comprometam a saúde financeira dos times, mas ao mesmo tempo, não impor limites
absurdos, de forma a permitir que a competição possa se dar em um equilíbrio
saudável e sem camisas de força. Se vão conseguir, só saberemos mais adiante.
Mas torço para que consigam fazer o melhor regulamento possível para todos, a
nível técnico e esportivo. Amém!
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