sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

BALANÇO INICIAL DO 5º ANO DA F-E

A Andretti (acima) estreou vencendo na Arábia Saudita, e por pouco não venceu em dobradinha no Marrocos. Mas o time não repetiu o mesmo desempenho no Chile, onde quem brilhou foi Sam Bird e a Virgin (abaixo).

           Com três etapas disputadas na sua 5ª temporada, a Formula-E mostra que seu campeonato ainda pode oferecer uma imprevisibilidade de disputas por vitórias, e quem sabe, pelo título da competição. Depois de duas corridas onde a Andretti e a Techeetah mostraram ares de protagonismo pelo desempenho de seus carros, o panorama foi bem diferente em Santiago, palco da terceira etapa, disputado no último final de semana. E tivemos o terceiro vencedor diferente em 3 corridas deste 5º ano, algo a se comemorar, uma vez que a disputa pelo título ainda não possui nenhum favorito destacado, mas um grupo de pilotos que pode disputar a liderança da competição, ao sabor dos acontecimentos.
            De vencedora da etapa inicial, a Andretti, agora o time oficial da BMW na categoria, perdeu o impulso inicial visto em Riad e Marrakesh, para ficar no meio do pelotão no Chile, o que torna o incidente entre sua dupla de pilotos ainda mais contundente no Marrocos, onde a escuderia caminhava para uma dobradinha, e viu seus pilotos se enrolarem numa disputa de posição que entregou a vitória para a rival Mahindra. O time de Michael Andretti viu Antonio Félix da Costa ter um segundo abandono e Alexander Sims finalizar apenas em 7º. Mas é cedo para dizer que o time não pode voltar a vencer nas próximas etapas. Tudo pode mudar novamente.
            A Mahindra, por sua vez, tem conseguido se manter um pouco mais constante. Ganhou a vitória de presente no Marrocos, é verdade, mas Jerôme D’Ambrosio estava no lugar certo para colher os frutos do enrosco protagonizado pela dupla da Andretti, e no Chile, o novato Pascal Wehrlein mostrou categoria para discutir a vitória, obtendo seu 1º pódio em sua 2ª corrida na categoria. Mas D’Ambrosio ficou no meio do pelotão, apenas, e por uma punição, perdeu a chance de ser o líder do campeonato.
            Enquanto isso, a Virgin, agora impulsionada pelo trem de força da Audi, havia saído da etapa inicial da Arábia Saudita zerada, mas simplesmente arrumou a casa, e Sam Bird obteve uma vitória firme em Santiago, após largar em 4º e andar sempre no ataque, induzindo Sébastien Buemi, que largou na pole e liderava a prova, ao erro, quando o piloto da e.dams acertou o muro, ao que ele alegou ter sido causado por um problema no software de seu carro. Bird já havia sido 3º em Marrakesh, e o triunfo em Santiago o catapultaram para a liderança do campeonato, com 43 pontos. Mas não é só isso: graças a Robin Frijns, que também foi ao pódio no Marrocos, e foi o 5º colocado no Chile, a Virgin lidera o campeonato de equipes, com 71 pontos, 12 de vantagem para a Mahindra, a vice-líder, com 59 pontos até aqui.
            Quem também se apagou no Chile foi a Techeetah, que depois de mostrar ter o carro mais veloz da competição nas duas primeiras provas, não se acertou no Chile, com Jean-Éric Vergne a abandonar a corrida, e André Lotterer terminar apenas em 13º, sem nunca estar em luta por lugares pontuáveis. Mesmo assim, a escuderia é a 3ª colocada no campeonato, com 47 pontos. Mas tanto Vergne quanto Lotterer perderam chance de se posicionarem mais à frente na pontuação. E por pouco o time chinês não foi superado pela Andretti, que vem logo a seguir, com 46 pontos, tendo um pouco menos de azar em Santiago, indicando que teremos um bom pega entre os times.
            E, nesse ponto, a disputa na 3ª colocação de pilotos ficou embolada: Antonio Félix da Costa, Robin Frijns, e Jean-Éric Vergne estão empatados com 28 pontos na classificação. Logo a seguir, temos Mitch Evans, que vem se mostrando constante ao carro da Jaguar, ocupando a 6ª colocação.
            Um pouco mais atrás, a e.dams, agora como time oficial da Nissan, mostra potencial, mas deu azar com o erro e o acidente de Buemi em Santiago, onde tinha chances de vencer. Depois de passar a última temporada sem vencer ou disputar o título, Buemi quer voltar às primeiras colocações. E ele não é o único com essa meta em vista.
Lucas Di Grassi: show na pole foi jogado no lixo por regra imbecil inventada pela direção da F-E na última semana.
            Lucas Di Grassi não vem tendo o melhor início de campeonato, mas a Audi mostra competitividade em seu trem de força, tanto que ele é o equipamento da Virgin, líder da competição. Di Grassi marcou uma pole arrasadora no Chile, mas uma nova e estúpida regra inventada pela direção da categoria fez o brasileiro largar em último, e como desgraça pouca é bobagem, ele ainda acabou punido por um toque durante a corrida, perdendo posições e ficando fora da zona de pontuação. Menos azar vem tendo Daniel Abt, que pelo segundo ano consecutivo, inicia a temporada à frente de Lucas, ganhando de presente o pódio do 3º lugar no Chile, após Alexander Sims tomar uma punição por um toque em Edoardo Mortara, e perder algumas posições. Mas no ano passado, Di Grassi ficou praticamente zerado nas corridas iniciais, devido a problemas técnicos, que uma vez superados, mostrou o brasileiro iniciando uma grande recuperação que o levou a ser vice-campeão. Apesar das dinâmicas de corrida agora serem diferentes com os novos carros, a duração de cada corrida, e o recurso do moto de ataque, Lucas tem plenas condições de reverter sua desvantagem para Abt, assim como a Audi também tem recursos para voltar a lutar pelo título, assim que acertar os novos detalhes das provas, e refinar o acerto do carro. O time da marca alemã não está tendo um início de temporada tão complicado como no certame anterior,  quando conseguiu reagir para ser a campeã da disputa de times, então, tem chances de ir para a frente. No momento, ocupa a 5ª posição, com 30 pontos na classificação.
            Já Nelsinho Piquet precisa começar a mostrar serviço. Problemas à parte enfrentados pelo primeiro campeão da F-E, Nelsinho vem sendo superado constantemente por seu companheiro de equipe Mitch Evans. Piquet só marcou um ponto até agora, não conseguindo se impor sobre Evans. Nelsinho passou boa parte do campeonato passado sendo superado pelo inglês, e é hora de mostrar serviço, tendo o título de primeiro campeão da categoria no currículo. Em Santiago, Piquet terminou a corrida 25s atrás de Evans, uma diferença considerável. É preciso encerrar essa fase, e deixar os azares para trás, se quiser voltar a ser protagonista da competição. A Jaguar anda rondando o pódio, dependendo da situação, mostrando que devagar está se aproximando um pouco mais dos primeiros lugares, mas Piquet, que deveria capitanear essa evolução, não está conseguindo tirar proveito dela como esperava.
A Techeetah tinha o carro mais rápido na Arábia Saudita e no Marroco, mas também decaiu de produção no Chile, onde não conseguiu disputar a vitória.
            Felipe Massa tem tido dias mais complicados do que esperava. Apesar de sua longa experiência na F-1, Felipe vê que a F-E tem uma dinâmica de competição bem diferente em alguns aspectos, e ainda está se ajustando a ela. Falta, entretanto, um pouco de sorte: acabou punido por usar incorretamente o fanboost na Arábia Saudita; acabou em último no Marrocos por problemas no carro; e no Chile, um toque de Maximilian Gunther, da Dragon, mandou o brasileiro no muro, danificando a suspensão, e motivando seu abandono. A Venturi também tem seus problemas para resolver, mas o carro mostra algum potencial, como visto com o 4º lugar de Mortara em Santiago.
            Dragon, Nio e HWA, depois de três provas, mostram que terão muitos desafios pela frente, ocupando as últimas posições na tabela de equipes. A Nio, aliás, nunca mais se acertou depois da primeira temporada, quando foi campeã com Nelsinho Piquet. A Dragon até aqui não vem correspondendo ao DNA do grupo da Penske em competições esportivas. Dá-se um desconto por enquanto à HWA por ser o mais novo time da categoria, mas a equipe até que tem mostrado alguma força nos treinos. Assim que resolver seus problemas em corrida, pode começar a mostrar resultados. Afinal, o time será a porta de entrada da Mercedes na próxima temporada, e não se pode dizer que terá um ano apenas de experimentação na categoria.
            Mas se tem algo que a F-E precisa corrigir é sua tendência a arrumar algumas confusões desnecessárias. A começar pela nova e imbecil regra sobre não poder mudar o uso do freio na classificação. Lucas Di Grassi havia feito uma volta demolidora, mas no retorno ao box, só por passar a frear de modo diferente, acabou desclassificado, e tendo de largar em último. Uma regra inventada dias antes, e ainda por cima, sem efeito prático, quando eles sugerem que a proibição é para evitar que os pilotos circulem com os pneus com calibração inferior à recomendada, para ganhar aderência, e quando mudam a regulagem de freio, forçam o pneu a esquentar, ficando então na calibração recomendada. Di Grassi mudou a regulagem na volta ao box, de modo que não teria como ele aferir vantagem alguma. O piloto ficou compreensivelmente irritado, classificando a regra de a “mais estúpida” que ele já viu, e concordo plenamente.
            A categoria também precisa parar com certas punições que andam ocorrendo a rodo. Em Santiago, vários pilotos acabaram punidos por toques em outro competidor, mas não foram encostos tão acintosos assim, me parecendo mais incidentes de corrida. Some-se a isso o fato do piso do traçado do ePrix de Santiago ter começado a esfarelar durante a prova, e temos vários pilotos que acabaram sem conseguir frear direito em alguns momentos, com os pneus passando sobre os detritos que se soltavam do piso, ajudando nas colisões. José-Maria Lopez criticou a quantidade de punições, e o modo como são aplicadas e concebidas certas regras, chegando a classificar a competição como “amadora”. Alexander Sims não viu quando teria tocado em Mortara durante a corrida; e Di Grassi, que também tomou punição por tocar no carro de José Maria Lopez, também achou um toque de corrida, discordando da perda de posições que tomou. A situação ficou de um jeito que não dá para confiar no resultado dos treinos, e da corrida, tão logo se encerram. Há sempre a possibilidade de vir uma canetada horas depois, e isso não ajuda na imagem da categoria.
            Aliás, desde o seu surgimento, a F-E tem diversos críticos a sua proposta como competição, e ao objetivo de desenvolvimento dos carros de propulsão elétrica. Quando qualquer detalhe vira assunto para críticas, especialmente em sua maioria sem o devido fundamento, a própria direção da F-E acaba dando uma tremenda ajuda a esta legião de críticos e detratores oferecendo motivos justo e plausíveis paras se descer a lenha no certame. Se a direção da F-E e a FIA continuarem nessa toada, corre-se o perigo de as fábricas perderem a paciência em algum momento, e resolverem se impor para botar ordem na casa, ou até pular fora, na pior das hipóteses. Um dos diferenciais que tornam, ou pelo menos, tornavam a F-E mais atrativa do que a F-1, eram regras e ambiente mais simples, maior proximidade do público, e menos frescura política e esportiva. Infelizmente, parece que a competição está pegando um vício crônico por punições, em especial por motivos ridículos, enquanto em outros casos referem-se a situações que já deveriam estar resolvidas. A categoria precisa ser mais profissional neste quesito. Não precisa virar uma chatice regrada como a F-1, mas também não precisa esculhambar em algumas situações como vem fazendo, a ponto de jogarem os esforços de times e pilotos no lixo por algo que nem tem relevância ou faz tanta diferença.
            Deixando as palhaçadas e imbecilidades das punições de lado, a F-E passou por um batismo de fogo em Santiago... Quase literalmente! Com 37° na temperatura ambiente, e no asfalto chegando a quase 50°, os novos carros foram levados a seus limites, com alguns deles literalmente tendo uma pane eletrônica momentânea devido ao forte calor, que acabou afetando os sistemas dos trens de força, reduzindo sua performance e eficiência. Alguns carros que pararam no meio da pista conseguiram “pegar” de novo, mas foi complicado para os pilotos. E o consumo de energia, que havia sido até folgado nas duas primeiras provas, com todos os pilotos cruzando a bandeirada com razoável reserva de força, desta vez chegou perto de obrigar todo mundo a quase tirar o pé para conseguir chegar até o final, e olhe que ainda tivemos bandeira amarela em toda a pista durante a corrida. No ano passado, os carros não tinham condições de correr toda a prova pela autonomia menor de sua baterias, ao contrário deste ano. Os novos carros Gen2, assim como as novas baterias, em uma corrida sob condições mais extremas, aguentaram o tranco.
            E é importante frisar também o aumento de performance dos novos carros. Se levarmos em conta que os novos carros são apenas 2 kg mais pesado que os da primeira geração, o que sugere uma comparação de peso praticamente igual, os novos bólidos, agora capazes de atingir até 280 Km/h, estão pouco a pouco deixando para trás a imagem de uma categoria de carros lentos. Se na Arábia Saudita e no Chile, onde as provas foram disputadas em pistas novas, impedindo uma comparação, em Marrakesh a situação era diferente, sendo uma pista onde eles já haviam corrido nos dois últimos anos. E as diferenças são significativas: com o carro novo Gen2, Sam Bird, da Virgin, marcou a pole este ano com 1min17s489, contra 1min20s355 de Sébastien Buemi, da e.dams, no ano passado. Uma diferença de quase 3s na pole-position. No ano passado, a volta mais rápida da corrida foi de Nelsinho Piquet, da Jaguar, com o tempo de 1min22s832; neste ano, Lucas Di Grassi, da Audi ABT, marcou 1min20s296, sendo 2s536 mais veloz.
            Como as corridas agora terminam pelo tempo, e não mais pelo número de voltas, a comparação não é muito válida, mas a corrida do Marrocos em 2018 teve 33 voltas, com o tempo de 48min04s751, enquanto a deste ano foi encerrada com 31 voltas, em 46min45s884. O ritmo de corrida pode parecer o mesmo, mas é preciso lembrar que a duração das provas agora diminui sobremaneira com a entrada do Safety Car, já que o tempo continua contando, mas isso reduz o número de voltas da corrida. Mas, em performance de melhor volta em Marrakesh, com exceção de Gary Paffet, Stoffel Vandoorne e Pascal Wehrlein, todos os demais pilotos marcaram suas melhores voltas com tempos mais velozes do que a melhor volta de Buemi em 2018. Decididamente, os novos carros são um grande passo à frente, não apenas com uma aerodinâmica muito mais moderna, mas com o novo sistema de baterias, com muito mais autonomia, e novos trens de força mais eficientes e desenvolvidos.
            Fica agora a preocupação em manter as corridas disputadas, sem apelar para punições desembestadas. Com mais velocidade, os trechos de reta ficam potencialmente mais “curtos”, diminuindo as chances de ultrapassagem, pela maior rapidez com que são engolidas pelos novos bólidos. Futuramente, será necessário redesenhar os circuitos, para aproveitar essa nova velocidade, de forma a proporcionar um nível de disputas mais propício. E também repensar essa nova regra de terminar as corridas pelo tempo, uma vez que elas acabam sendo prejudicadas pelo Safety Car, diminuindo por vezes sobremaneira o tempo de disputa na corrida.
            Um ponto positivo é que, até o presente momento, não se pode fazer uma idéia de quem serão os favoritos na luta pelo título deste ano. Lógico que quem está nas primeiras posições na classificação pode ser visto como favorito, mas no ano passado, Felix Rosenqvist despontava como um grande favorito no início, mas estancou e despencou conforme a temporada avançava. Podemos ver reviravoltas na situação conforme as corridas forem acontecendo. E que sejam boas disputas, para que a F-E continue a mostrar porque merece sua chance de crescer ainda mais...

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