Nélson Piquet comemorando o 3º lugar que lhe garantiu o bicampeonato no GP da África do Sul de 1983, na prova vencida por seu parceiro na Brabham Riccardo Patrese. |
Na última segunda, o
canal pago SporTV comemorou uma data histórica para o automobilismo brasileiro.
Naquele mesmo dia, 15 de outubro, há 35 anos atrás, em 1983, Nélson Piquet
igualava o feito de seu antecessor Émerson Fittipaldi, e se tornava o segundo
piloto brasileiro a ser bicampeão na Fórmula 1. Iniciando o novo projeto da
série “Túnel do Tempo”, que até então consistia em reprisar, durante as transmissões
da F-1, alguns momentos do passado da categoria máxima do automobilismo, o novo
programa reprisou praticamente na íntegra o Grande Prêmio da África do Sul de
1983, prova que encerrava o campeonato naquela temporada, e que viu a conquista
do piloto brasileiro defendendo a equipe Brabham, ao terminar a corrida com um
3º lugar, fechando o pódio.
Mas o programa não se
restringiu apenas a reapresentar a corrida. Sérgio Mauricio, narrador do canal nos
treinos da F-1 que são transmitidos, ao lado de Reginaldo Leme, e de Pedro
Piquet, o mais novo filho do tricampeão a enveredar pelo mundo do automobilismo,
participaram de um bate-papo inicial, trocando idéias do que foi aquela
temporada, e de como Nelsão contou a seu filho sobre aquela conquista, além de
outros pormenores. Enriqueceram o programa a reprise de várias reportagens
sobre a prova feitas na época, veiculadas nos telejornais e programas
esportivos da TV Globo, além de detalhes a respeito da transmissão da prova,
como quando caiu o contato com Galvão Bueno, logo no início da corrida, obrigando
Léo Batista a assumir a narração da prova, até que o contato fosse
restabelecido. Tudo isso, e mais um pequeno resumo da disputa da temporada até aquele
momento, veio muito a calhar para situar o telespectador que até hoje só ouvira
falar da conquista de Piquet naquele tempo. Nesse ponto, a emissora poderia ter
apresentado um resumo melhor do que foi a temporada de 1983, que começou
justamente com um triunfo de Piquet no GP do Brasil, que iniciava a temporada,
no que foi a primeira vez que se ouviu a música que se tornaria o “tema da
vitória”, que passaria a ser tocado sempre que um de nossos pilotos vencesse na
F-1. Muitos se acostumaram a chamar de “tema do Senna”, mas a música começou
ali, a ser apresentada nas vitórias de Piquet na F-1. Apenas em 1985, quando
Ayrton venceu pela primeira vez na categoria máxima do automobilismo, a música
tocaria para outro piloto brasileiro na F-1.
E foi um ano bem
disputado. Seis times venceram corridas durante o ano, mas apenas 3 deles
disputaram o título, com 8 pilotos diferentes no topo do pódio. A Ferrari, com
seu modelo 126C2, projetado por Mauro Forghieri, era o carro mais competitivo
do grid, e tinha uma dupla forte, composta pelo francês René Arnoux, e seu compatriota
Patrick Tambay. E o principal adversário do time de Maranello era a Renault,
que vinha com seu modelo RC30, substituído a meio da temporada pelo RC40,
projeto de Michel Tetu, e com a dupla composta pelo francês Alain Prost, e pelo
estadunidense Eddie Cheever. E tínhamos a Brabham, um pouco abaixo destas duas,
competindo com seu modelo BT52, impulsionado pelo invulgar quatro cilindros turbo
em linha da BMW, com o italiano Riccardo Patrese ao volante, ao lado de sua principal
arma, o brasileiro Nélson Piquet, campeão mundial de 1981. A rigor, a temporada
até que foi bem equilibrada, com estes três times destacando-se dos demais, mas
sem que nenhum deles conseguisse abrir uma dianteira sobre o outro, o que
arrastou a decisão do título até a última etapa, no circuito de Kyalami, na
África do Sul, com René Arnoux, Alain Prost, e Nélson Piquet firmes na disputa
pelo título. Não fosse o abandono de Patrick Tambay em Brands Hatch, na
penúltima corrida, e a Ferrari chegaria com seus dois pilotos na luta pelo
título. Na classificação, Prost chegou a Kyalami na liderança, com 57 pontos,
seguido de Piquet com 55, e Arnoux com 49. René precisaria ganhar a corrida e
torcer por um abandono de Prost e um mau resultado de Piquet para chegar ao título.
Ao brasileiro, só precisava marcar 3 pontos a mais que Prost para faturar o
título. Já Alain só precisava mesmo marcar seus rivais. Claro, faltava cada um combinar
com os adversários...
O brasileiro iniciou o ano com vitória, no Brasil, levando a torcida ao delírio. |
E Piquet foi quem deu
o primeiro golpe nos rivais na luta pelo título, ao conseguir o 2º lugar no
grid de largada, bem à frente de Arnoux, o 4º, e Prost, o 5º. A pole foi de
Tambay, que como já tinha sido avisado de que não teria lugar em Maranello no
ano seguinte, não daria mole para ajudar o compatriota Arnoux na disputa pelo
título. Na largada, as duas Brabham conseguiram pular na frente, e imprimindo
um ritmo infernal, foram-se embora, deixando Arnoux e Prost no desespero para
tentarem acompanhar. Uma aposta até arriscada, pois na época, a confiabilidade
dos carros não era como hoje, e a tática de forçar o ritmo no começo para
obrigar os adversários a correrem atrás do prejuízo era arriscada.
René Arnoux foi o
primeiro a capitular, logo à 9ª volta, com problemas no motor de sua Ferrari. A
luta agora ficava restrita entre Piquet e Prost, mas o brasileiro, na liderança
da prova, ia se distanciando cada vez mais, e Alain não conseguia nem mesmo ameaçar
Patrese na 2ª colocação, quanto mais Nélson, firme no comando da prova. E aí,
na 35ª volta, o turbo do carro do francês foi a nocaute, e Prost abandonava a
corrida. Mas ainda era cedo para os torcedores brasileiros comemorarem: Piquet
seguia firme na liderança da corrida, mas precisava termina-la, pois estava 2
pontos atrás na classificação, e se também tivesse uma quebra, e fosse forçado
a abandonar, Prost seria o campeão. Mas Nélson, ciente de que não deveria
arriscar, passou a poupar o equipamento, rodando mais devagar. Bastava um 4º
lugar para liquidar a fatura e conquistar o título. Abrandando o ritmo, ele
permitiu que Riccardo Patrese o superasse, e assumisse a ponta. O piloto
italiano até então tinha marcado apenas 4 pontos em todo o ano, e merecia um
prêmio por sua dedicação e por atuar como escudeiro de Piquet na corrida
decisiva, dificultando tentativas de ultrapassagem de pilotos que vinham atrás,
enquanto o brasileiro escapava na liderança.
Naquela altura, quem
passou a ameaçar foi Niki Lauda, da McLaren, que passou Piquet, e estava
pressionando Patrese na luta pela primeira posição. Mas o carro do austríaco
também quebrou, a poucas voltas do fim, por problemas elétricos. Patrese então
ficou solto na frente para vencer a corrida, enquanto Piquet, poupando o carro,
permitiu-se ser ultrapassado até por Andrea De Cesaris, que assumiu a 2ª
posição e assim foi até a bandeirada, enquanto Piquet, em 3º, faturava o
bicampeonato. Mas não sem sustos, como mencionado a respeito do regulador da
pressão do turbo, que caiu dentro do carro, obrigando Nélson a ter de acha-lo e
colocar de volta no lugar, o que poderia ter custado o título. Um segredo que
Piquet contou apenas muito tempo depois.
O programa foi
instrutivo também com Reginaldo a contar como era o trabalho de transmitir um
GP de F-1 naqueles tempos. Ele cumpria uma função dupla: além de comentarista,
também atuava como repórter, por vezes tendo de circular pelos boxes para
buscar informações até durante o desenrolar da prova, para conseguir passar as
informações corretas sobre o que estava acontecendo na prova. As condições eram
muito precárias, se comparadas com os recursos disponíveis hoje em dia. A
transmissão da narração, por exemplo, era feita por telefone, daí o som abafado
do narrador durante a corrida. E a cabine de transmissão? Tinha vez que nem
cabine o pessoal ocupava, narrando a prova praticamente ao ar livre, ou debaixo
de um simples puxadinho... Gravar as matérias era fácil, mas editá-las era um
problema, porque não tinha como ser feito no autódromo... Era necessário ir a
um estúdio para montar o material e enviar para o Brasil, e tudo isso a tempo
de ser veiculado nos telejornais do dia. Os computadores eram arcaicos, se comparados
com os de hoje, e muitas vezes a cronometragem ainda era manual. Cobrir o GP
era um desafio e tanto, mas como lembrava Galvão Bueno, a respeito dos poucos
recursos e destas dificuldades todas, ainda era um grande barato, porque eles
se superavam para fazer um bom trabalho, e se divertiam com isso.
Aliás, que diferença
para os dias de hoje, onde com muito mais recursos, a Globo não consegue produzir
um material tão relevante quanto fazia naqueles tempos. Aproveitando a presença
no país, não apenas Reginaldo e Galvão fizeram reportagens sobre a prova, mas
também sobre a África do Sul. Tudo com muita sobriedade e profissionalismo, sem
aquele clima de torcida piegas para com nossos pilotos. Havia claro o foco em
Piquet, que disputava o título, mas nada daquele clima de ufanismo que virou o
padrão de transmissão muitos anos depois.
E a corrida então? A
pista, os boxes... E os pit stops? Parava-se no box, e a troca de pneus era
feita em uma média de 9 ou 10s. Naquela temporada, ainda tinha o
reabastecimento também, e ao contrário de hoje, não havia limite de velocidade
dos boxes, que em alguns lugares eram bem apertados. Imagine ver Piquet entrando
a toda no box, parando no pit da Brabham, esperando trocarem os pneus e
reabastecerem em 9s2, e voltar à pista cantando pneu literalmente? Não havia
rádio para os times falarem com seus pilotos na pista, e informações eram
passadas unicamente através das placas na reta dos boxes. Cada piloto tinha que
se virar literalmente durante toda a corrida, saber quem ia à sua frente, e
quem vinha atrás. Hoje, os pilotos praticamente não sabem correr sem falar com
seus times no box via rádio...
É claro que alguns dirão
que era loucura correr naqueles tempos naquelas condições. Em muitas curvas não
haviam caixas de brita para segurar os carros em caso de escapada da pista. Já
em outros pontos, haviam telas para tentar desacelerar os bólidos, que nem
sempre eram efetivas, já que podiam se enrolar no carro, e dificultar até um
resgate ao piloto, caso houvesse necessidade. E quando o motor da Toleman de
Bruno Giacomelli estourou e enfumaçou uma curva inteira, praticamente tirando a
visão? Hoje poderiam dar até bandeira vermelha, para parar a corrida e
recomeçar logo em seguida, com certas exigências de segurança por vezes até
exageradas, mas naquela época, era simplesmente tomar cuidado, e torcer para
não dar azar de pegar o traçado errado. De fato, era perigoso mesmo... Mas do
jeito que as coisas são hoje, muitos teriam um chilique só de ver como a
corrida foi disputada, e como era a pista de Kyalami naqueles tempos. E, se
acham aquilo doideira, precisariam ver então como se faziam as coisas nas
décadas anteriores. Aquilo sim era correr a fundo, desafiando o perigo a cada curva,
a cada ultrapassagem, enquanto hoje, por quase qualquer coisa, já se aciona o
safety car, e se paralisa as disputas...
Piquet se tornou o
primeiro piloto campeão com um motor turbo, novidade introduzida em 1977 pela
Renault, e que mudaria o panorama dos propulsores na categoria máxima do
automobilismo. Mas foram precisos vários anos até o novo equipamento adquirir a
fiabilidade necessária para enfim suplantar os motores aspirados utilizados até
então, que mesmo sem ter a mesma potência, compensavam por quebrarem bem menos.
E ironia das ironias: a temporada de 1983 foi a melhor já disputada pela equipe
original da Renault, que nunca mais disputaria um título, e ao fim de 1985,
deixaria de existir, ficando a marca francesa apenas como fornecedora de motores
para a categoria. Só em 1992 a Renault conquistaria seu primeiro título na F-1,
equipando os carros da equipe Williams, com Nigel Mansell sendo campeão. A
fábrica francesa, nos anos 2000, compraria a Benetton, e a transformaria em sua
nova equipe de fábrica, voltando a Renault a ter um time próprio, que então
seria campeã em 2005 e 2006 com Fernando Alonso.
A temporada de 1983
também foi o último vestígio de glória da equipe fundada por Jack Brabham, que
a partir dali despencaria a olhos vistos, e nunca mais ganharia um campeonato.
Piquet ainda averbou mais algumas vitórias no time até 1985, e ficou nisso.
Gordon Murray, projetista do BT52, brilharia depois com o modelo MP4/4 da
McLaren na temporada de 1988. Já Bernie Ecclestone, que na época acumulava a chefia
da FOCA, a associação de construtores da F-1, e era dono da Brabham, venderia o
time, e se dedicaria a fortalecer e ampliar cada vez mais a categoria,
transformando-a num monstro, literalmente, em vários aspectos...
Outro ponto
interessante mostrado na reprise da corrida: mesmo derrotada, a equipe Renault,
juntamente com Alain Prost, foi parabenizar a Brabham e Nélson Piquet pela
conquista, num reconhecimento claro e sincero de que o brasileiro mereceu o
título. Mas um gesto muito mais espontâneo e de esportividade do que poderia
ter se fosse feito nos dias de hoje, onde o corporativismo e as rixas e disputas
políticas literalmente tomam conta do ambiente, fazendo tais atitudes parecerem
apenas gestos para se sair bem na foto. Outros tempos, bem mais simples e
honestos, e por isso mesmo, muito mais admirados e saudosos.
Era para o principal
protagonista do momento, Nélson Piquet, também estar presente no programa, mas
Nelsão precisou passar por uma cirurgia para retirar pinos do pé, consequência
do seu acidente sofrido nos treinos para as 500 Milhas de Indianápolis de 1992,
mas Sérgio Mauricio já adiantou que deve ser feito um programa enfocando a conquista
do primeiro título de Piquet, em 1981, assim como o tricampeonato de 1987, e
que aí sim o tricampeão deverá estar presente. Por agora, os fãs saudosistas devem
se preparar para o próximo dia 29 de outubro, quando o SporTV apresentará o
segundo programa desta série, enfocando o Grande Prêmio do Japão de 1988, que
definiu a conquista do primeiro campeonato de Ayrton Senna. A idéia do programa
também é de reprisar outras corridas antigas de várias épocas, algo muito
pedido pelos fãs. O projeto começou bem. Vamos esperar que seja bem conduzido,
e possa mostrar aos fãs atuais de automobilismo como eram as corridas naqueles
tempos, suas particularidades, e demais detalhes interessantes, além de
permitir a quem já as viu poder rever todas aquelas disputas.
Apesar das disputas equilibradas
daqueles tempos, nem sempre isso se refletia nos resultados. Na bandeirada do
GP da África do Sul, apenas os 3 primeiros colocados terminaram na mesma volta.
Derek Warwick, da Toleman, o 4º colocado, chegou uma volta atrás. E acredite:
tínhamos dois carros com pinturas iguais na pista. Quem teve chance de assistir
a corrida deve ter visto o duelo de posições entre Niki Lauda e Andrea de
Cesaris em certo momento da corrida, não? E os dois carros com a pintura da Marlboro...
Mas eram times diferentes. Lauda defendia a McLaren, enquanto De Cesaris
pilotava a Alfa Romeo. Os dois times tinham as mesmas pinturas, devido ao mesmo
patrocinador. Era preciso ficar atento para saber qual carro era de qual time,
uma vez que ao contrário de hoje, as imagens das corridas não costumavam trazer
muitos closes dos carros na pista. Hoje, o que temos de mais próximo é o
patrocínio da Red Bull nos seus dois times (Red Bull e Toro Rosso), mas com
pinturas bem diferentes em cada uma das escuderias...
Andrea De Cesaris (acima) ao volante do seu Alfa Romeo. E Niki Lauda (abaixo) com sua McLaren. Os dois times tinham pinturas quase idênticas em 1983, por causa do patrocínio dos cigarros Marlboro. |
Ah, sim... Temos o GP dos Estados
Unidos neste domingo... Hamilton encerra a fatura da luta pelo título? Parece
quase certo que sim... E, como a corrida bate com o horário do futebol, tudo
será transmitido somente pelo canal SporTV2...
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