Com a Sauber, a marca Alfa Romeo retorna à F-1 após várias décadas de ausência. |
Oficialmente, claro,
trata-se de uma “parceria” entre a Sauber e a Alfa Romeo, embora, na prática,
seja apenas efetivado o uso dos propulsores Ferrari com o nome da marca Alfa no
cabeçote do motor, e reforço técnico e financeiro à escuderia, que terá como
pilotos Charles Le Clerc, e por força do Grupo Longbow, ainda terão por lá o
mala sem alça do Marcus Ericsson, que conseguiu fazer valer o dinheiro de seus
patrocinadores, e se garantiu a ferro e fogo na escuderia, que deve ter um
desempenho muito melhor do que o desta temporada. Nesta operação, dançaram
Pascal Werhlein, apesar de ter marcado os únicos pontos do time (mais um piloto
que a F-1 faz dançar, no mau sentido, entre tantos outros), e Antonio
Giovinazzi, que esperava ser efetivado com a ajuda de Maranello. Na prática, só
o nome Alfa Romeo será usado, já que a motorização continuará a ser da Ferrari.
Mesmo assim, é um nome histórico que retorna à F-1, após mais de três décadas
de sua última presença na categoria.
Uma presença que
começou logo no seu início, em 1950. A Alfa Romeo era um dos times
participantes do primeiro campeonato mundial de F-1, assim como a Maserati,
Talbot, e ERA. E um de seus pilotos era Giuseppe “Nino”Farina, que por acaso
foi o primeiro pole-position da história da F-1, largando na posição de honra
do Grande Prêmio da Inglaterra, em 13 de maio de 1950, dando início oficial ao
primeiro campeonato da categoria. Foi dele também a primeira vitória, ao fim
das 70 voltas da corrida, que acabou dominada pela marca italiana, que
monopolizou o pódio, contando com Luigi Fagioli terminando em 2º lugar, e Reg
Parnell, em 3º, os únicos a terminarem na mesma volta do vencedor. E Farina seria
o primeiro campeão mundial de F-1, com 3 triunfos no ano, e a Alfa vencendo
praticamente todas as corridas da temporada, já que Juan Manuel Fangio venceu
as outras 3 restantes. As 500 Milhas de Indianápolis constavam como
pertencentes ao campeonato, mas era uma inclusão para inglês ver, já que
ninguém competia por lá, de modo que a F-1 propriamente dita só teve mesmo 6
provas, todas dominadas e vencidas pela Alfa Romeo, que repetiria o domínio no
ano seguinte, mas com menos intensidade, já que passou a ter a forte
concorrência da Ferrari, que venceria suas primeiras corridas. E coube a Juan
Manuel Fangio a honra de defender o time, conquistando o seu primeiro título de
F-1, e o segundo da Alfa, que seria também o seu último.
Em 1950, no primeiro campeonato da Fórmula 1, a Alfa Romeo foi a campeã com Giuseppe Farina. No ano seguinte, a marca venceria novamente, agora com Juan Manuel Fangio. |
Para 1952, a F-1 mudou
o regulamento de seus carros, e sem os recursos necessários para empreender na
construção de novos carros com as especificações técnicas, a Alfa deixou a
competição. Na década seguinte, a marca participaria do desenvolvimento de
alguns projetos de motores, que foram mais utilizados em outras categorias. Mas
um retorno mesmo, demoraria muito mais a acontecer de fato na F-1, que cada vez
mais crescia e se expandia, com a chegada de novas escuderias, GPs, e
fornecedores de motores. Por isso mesmo, era normal o “affair” que a categoria
máxima do automobilismo exercia sobre a Alfa. Mas, conversa vai, conversa vem,
nada de concreto se apresentava, apesar de um monte de insinuações aqui e ali
que nunca davam em lugar algum.
A fábrica de Milão só
voltaria à F-1 efetivamente em 1976, agora como fornecedora de motores, para a
equipe Brabham, fornecendo motores boxer de 12 cilindros para o time inglês
gerido por Bernie Ecclestone. A intenção era derrotar a Ferrari, o nome mais
forte do momento, que desfrutava de um poderoso motor boxer também. E nada
melhor do que um propulsor produzido por um rival italiano, para deixar a turma
de Maranello bem enfezada. Mas os motores não foram tão competitivos como se
esperava: a união durou de 1976 a 1979, e rendeu apenas 2 vitórias e duas
poles, em 1978, quando a pedido de Niki Lauda, a marca produziu um motor V-12
para 1979. Mas, como sempre acontece com um equipamento novo, o propulsor em V apesar
de rápido e potente, não rendeu a performance esperada, quebrando tanto a ponto
de esgotar a paciência não apenas da Brabham
quanto de Lauda, resultando na dispensa dos motores italianos, voltando a usar
o fiável e competitivo V-8 da Cosworth antes mesmo do fim da temporada, além do
austríaco ter decidido largar a F-1. A essa altura, a Alfa já tinha retornado à
competição com um time de fábrica, marcando o seu retorno como escuderia de
fábrica à F-1, disputando 5 GPs em 1979, para a partir de 1980 correr toda a
temporada.
Mesmo como um time de
fábrica, os resultados não apareciam. Quem esperava por uma nova era áurea da
marca italiana ficou a ver navios, vendo que os problemas da Alfa não se
resumiam apenas a motores pouco competitivos. Seus novos bólidos também estavam
longe de encantar, não apenas os torcedores, mas os próprios pilotos. Os carros
eram pouco competitivos, tanto no projeto, quanto no motor, que se revelava
tremendamente beberrão, consumindo muito mais do que os demais propulsores da
categoria, um defeito que já vinha dos tempos em que apenas forneciam
propulsores para a Brabham, e que nunca foi devidamente solucionado. Não
adiantava serem muito potentes, se gastavam tanto combustível, deixando os
carros muito mais pesados do que poderiam ser. Como os times chegaram a usar o
recurso do reabastecimento, parte desse revés era compensado, mas em 1984 o
reabastecimento não apenas foi proibido como os tanques de combustível tiveram
que ser limitados, o que complicou ainda mais a situação de performance dos
motores, que mesmo tendo sido mudados para os novos turbos que a F-1 passara a utilizar,
não conseguiam melhorar em performance, e continuavam consumindo em demasia. Em
1985, o time ficou praticamente zerado no campeonato, e a Alfa então resolveu
deixar novamente a categoria, pelo menos como time completo, passando a
fornecer apenas motores a terceiros. Até então, de 1979 a 1985, a marca
disputou 97 GPs, marcando apenas 50 pontos, com 2 pole-positions e nenhuma
vitória. Os melhores resultados foram 2 segundos lugares e 3 terceiros. Para o
investimento e o prestígio da Alfa Romeo, era muito pouco. Continuar apenas
fornecendo motores seria bem mais viável.
Um acordo com a Ligier
para 1986 chegou a ser iniciado, mas após os testes iniciais, René Arnoux disse
que o motor era tão ruim que os italianos romperam o contrato ali mesmo, para
desistirem de vez da F-1. Restou apenas a pequena equipe Osella, que já vinha
usando os propulsores italianos, e ainda utilizou os velhos turbos da marca até
o fim da temporada de 1987, sem conseguir sequer algum bom resultado. Por essa
altura, a Fiat acabou adquirindo a Alfa Romeo, e como também já era dona da
Ferrari, preferiu deixar seus esforços na F-1 centrados na marca de Maranello,
encerrando a participação da Alfa na categoria máxima do automobilismo.
Há anos atrás, com
Luca de Montezemolo na direção do Grupo Ferrari, as chances da Alfa Romeo
retornar à F-1 eram praticamente nulas. Os esforços de competição eram
direcionados apenas para a Ferrari, de modo que não haveria “competição” entre
marcas do mesmo grupo. Mas Montezemolo se foi, e Sergio Marchionne, seu
substituto, tem outras idéias, e com isso, as perspectivas de retorno da Alfa
começaram a surgir recentemente, concretizando-se agora neste acordo com a
Sauber.
No seu último ano como equipe própria, a Alfa não marcou nenhum ponto com Eddie Cheever e Ricardo Patrese, que classificaram o carro com um dos piores que já pilotaram. |
Saudosismos à parte, é
preciso encarar a realidade que envolve o retorno deste nome de grande fama à
F-1. Só o nome está retornando, e o equipamento será da Ferrari. Claro que os
técnicos da Alfa poderão desenvolver equipamentos “puro sangue” para a Sauber,
e quem sabe, uma unidade de potência, sem precisar utilizar os propulsores de
Maranello com outro nome no cabeçote. Se a Sauber viverá dias melhores, isso
vai variar. Quando a Red Bull comprou a Minardi na década passada, e a
transformou na Toro Rosso, muitos imaginavam que o time sediado em Faenza
viveria dias melhores, e quem sabe, até disputasse as primeiras posições. Bem,
a Red Bull se tornou um time campeão e vencedor, mas a Toro Rosso até hoje vive
no meio do pelotão, ora tendo seus momentos bons, mas sem se tornar um time
grande e competitivo. Em tese, a nova Alfa Romeo Sauber deve seguir o mesmo
destino: poderá ter algum brilho aqui e ali, mas nunca será tão competitiva e
forte quanto a Ferrari. Algo muito diferente do que se viu no Mundial de
Endurance nos últimos anos, onde Audi e Porsche, dois times de fábrica,
duelaram ferozmente nas pistas da categoria pelo título, mesmo pertencendo a um
único dono atualmente, que é o Grupo Volkswagen.
E que ninguém duvide
que, ao “possuir” sob sua rédea outra escuderia, a Ferrari visa aumentar a sua
força política na F-1. O time italiano, aliás, já começa a chiar de alguns
projetos do grupo Liberty Media, que assumiu a categoria máxima do
automobilismo, que pretende simplificar o projeto dos motores híbridos a partir
de 2021, e quer renegociar os valores pagos às escuderias nos lucros da F-1, e
também “extinguir” o bônus que a Ferrari recebe a título de “equipe histórica”
da categoria, por estar presente desde os seus primórdios. Tanto que Maranello
já anda dizendo que pode até tirar a Ferrari da F-1. E, se eles tiverem outra
escuderia, o prejuízo seria ainda maior, com a retirada tanto da Ferrari em si,
como da Alfa Romeo Sauber. E a F-1 ficaria, de um momento para o outro, de 20
para 16 carros, fora o impacto de perder o seu time mais icônico e importante.
Há quem pense diferente, no sentido de que, tendo agora dois times para cuidar,
a turma de Maranello dificilmente cumpriria tal ameaça, que muitos já
consideram um blefe, com o time rosso superestimando sua força e importância
para a categoria. Afinal, para quê fazer um investimento tão alto, para depois
jogar tudo para o ar? Muito pouco provável, em termos administrativos. Mas a
hipótese ventilada acima, de usar essa situação como uma condição para
reafirmar sua posição e força, para exigir mudanças no regulamento a seu
prazer, e se não for atendida em seus anseios, ameaçar fazer a F-1 perder, de
uma só vez, 4 carros no grid, o que poderia comprometer sua imagem como
competição mundial de alto nível, também não pode ser descartada.
Até a Mercedes anda
falando em situação parecida, por discordar das novas regras de motores para a
próxima década. E aí, na pior das hipóteses, ficaríamos sem Mercedes, Ferrari,
e Alfa Romeo Sauber. Mas, poderia até ser benéfico em certos aspectos, pois a
F-1 precisaria atrair novos times, e quem sabe, com eles, haveria maior
equilíbrio e competição... Mas obviamente, eles não vão querer perder um time
como a Ferrari. Mas é bom que ninguém radicalize suas posições, ou alguém
resolverá pagar para ver... E nisso, poderia haver muito mais perdas do que
ganhos...
Mas isso é algo para
se pensar bem mais adiante. Por enquanto, ficam as expectativas de que com o
apoio técnico e financeiro da Alfa Romeu/Ferrari, a Sauber possa deixar o fundo
do grid, e ajudar a proporcionar melhores corridas, com mais disputas, e ajudar
a fincar novamente o nome Alfa Romeo na F-1 como uma marca de respeito, que
mesmo que não vá repetir as glórias do passado distante, que pelo menos não
seja motivo de vergonha como foi a sua passagem pela categoria nos saudosos
anos 1980. Seja bem-vinda de volta à F-1, Alfa!
A Alfa Romeo foi fundada em 1910,
em Milão, Itália, fundada por Cavaliere Ugo Stella, um aristocrata. O nome Alfa
era a sigla de “Anonima Lombarda Fabbrica Automobili”. A direção da empresa foi
assumida por um de seus engenheiros, Nicola Romeo, em 1916, assumindo o
controle total em 1919, e mudando seu nome para Alfa Romeo em 1920. Com sua
falência, anos depois, a Alfa foi encampada pelo governo italiano de Benito
Mussolini, que queria fazer dela um orgulho nacional, e motivo de propaganda para
seus ideiais fascistas. Foi na Alfa Romeo que um certo Enzo Ferrari começou sua
carreira voltada para o automobilismo, primeiro como piloto, e depois como gestor
da fábrica. Nesse meio tempo, ele criou uma divisão de competição dentro da
própria Alfa chamada de Scuderia Ferrari, que na década seguinte, passaria a
gerir, saindo da Alfa para alçar vôos próprios. Quis o destino que Enzo Ferrari
e a Alfa Romeo se tornassem competidores no mundo do esporte a motor, ainda que
essa rivalidade tenha sido efêmera na F-1. Curiosamente, apesar de seu sucesso
inicial, o abandono repentino da Alfa da F-1 para 1952 abortou o sucesso da
marca na categoria, enquanto a Ferrari ficou, e tornou-se o mito que é
atualmente. Quando a Alfa retornou à categoria máxima do automobilismo, nunca
mais foi a mesma que havia brilhado nos dois primeiros campeonatos na F-1.
Tanto a Ferrari quanto a Alfa acabariam se tornando parte do mesmo
conglomerado, no caso, da Fiat, que assumiu a direção de ambas as marcas no
decorrer do tempo. A marca da Cavallino Rampante, símbolo da Ferrari, é
conhecida em todo o mundo. A da Alfa Romeo, também icônica, estampa a bandeira da
a cruz vermelha, é praticamente o brasão da cidade de Milão, na Itália. A
serpente com o homem sendo engolido por ela completa o desenho e representa a
família real milanesa. E está na hora deste símbolo voltar a ser mais do que
conhecido na F-1...
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