Domingo passado, em
Singapura, vimos o incidente que pode ter custado as chances do título de 2017
a Sebastian Vettel e à Ferrari. A pancada tripla entre a dupla ferrarista e Max
Verstappen suscitou as mais acaloradas discussões na internet mundo afora, com
todo mundo dando sua opinião sobre o ocorrido. A decisão da FIA de não punir
ninguém pelo incidente, a meu ver, encerrou a questão com justiça, mas para
muita gente, isso não está certo; alguém tinha de ser punido; para outros, a
corrida nem devia ter sido iniciada daquele jeito. Foram tantas críticas e
palpites, que fico me perguntando o que o pessoal fã de automobilismo quer de
fato hoje em dia.
Uma das críticas que
mais venho ouvindo nos últimos tempos, e que concordo plenamente, é que a F-1
virou uma “categoria de comadres” porque os pilotos não se arriscavam
demasiadamente nas disputas de posição, todo mundo tinha medo de relar no
outro, etc. Também, pudera: qualquer atitude, a FIA já metia a canetada, e
piloto X tomava punição disso, piloto Y tinha punição daquilo, etc.
Logicamente, ninguém queria levar uma dos comissários, portanto, as posturas de
muitos pilotos foram ficando conservadoras, e em alguns casos, prudentes até
demais. Todo mundo pensava duas vezes antes de algum movimento mais arrojado na
disputa de uma posição. Daí, as críticas que muitos fizeram com relação a este
festival de punições a torto e a direito. A coisa melhorou um pouco quando
passaram a chamar ex-pilotos para a função de comissários de pista, auxiliando
os comissários tradicionais no que deveria ou não merecer de fato uma punição.
As canetadas diminuíram, mas nem tanto, e alguns ex-pilotos, em defesa ferrenha
da segurança, continuaram avalizando punições em número demasiado altas ainda.
Esse exagero tinha que parar, pois o pessoal queria ver disputas na pista. Mas,
entre ganhar posição e ganhar uma punição, a escolha em muitas ocasiões ficava
complicada. Então, as corridas da F-1 não rendiam em emoção tudo o que poderiam
oferecer.
Com a nova direção da
F-1 agora pelo grupo Liberty Media, a ordem foi liberar mais os pilotos na
pista. Doravante, punições só em casos mais graves. Ainda há um caminho a
percorrer, em especial uniformizar os critérios que devem ser levados em conta
na punição, como a culpabilidade do piloto, as circunstâncias, consequências,
etc. Por isso mesmo, ao não punir Sebastian Vettel, Kimi Raikkonem e Max
Verstappen pelo ocorrido na largada em Marina Bay domingo passado, a FIA fez o
certo. Foi um incidente de corrida: ninguém fez nada ilegal ou antidesportivo
de forma proposital ali. Só deu tudo errado, e a maior punição já havia
ocorrido: os três pilotos ficaram de fora da corrida, em um circuito onde todos
os três tinham amplas expectativas de excelentes resultados. Mas, muita gente
mundo afora saiu matando a pau os três pilotos. Para muitos, era questão de
encontrar o culpado maior pela colisão, mas para outros, era simplesmente
descer a lenha no piloto.
Max Verstappen, por
exemplo, foi considerado culpado para muitos, e criticado de que só levará
jeito quando criar alguma catástrofe na pista, o que motivará a FIA a puni-lo
como se deve. Só que neste caso, Max acabou encurralado, e não teve para onde
ir. Acabou acertando Raikkonem, que tocou em Vettel, e por aí vai. E, se ele
tirasse o pé do acelerador, podia ser atingido por quem vinha atrás, dependendo
da desacelerada. Ou seja, podia dar batida do mesmo jeito. O problema é que,
dado o histórico recente do holandês da Red Bull, fica mais fácil, ou
conveniente para alguns, jogar a culpa por mais uma batida em Verstappen. E não
ajudava em nada o fato de ele ter declarado no dia anterior que ia partir para
o tudo ou nada na largada, o que me fez pensar, como que antevendo o desastre,
que ia dar confusão logo na primeira curva. Nem foi preciso esperar a primeira
curva... Mas nessa, o holandês não merece ser execrado. Ele acumulou mais um
abandono, e mais uma vez viu seu companheiro de equipe, Daniel Ricciardo, subir
mais uma vez ao pódio, enquanto ele vai ficando cada vez mais para trás na
classificação. E deixe ele falar bobagens, ao afirmar que pelo menos não
abandonou sozinho... Outra crítica dos torcedores era com relação às
declarações “pasteurizadas” dos pilotos, portanto, se o jovem Verstappen está
dizendo asneiras, ainda é melhor ouvi-lo falar isso do que receber mais uma
daquelas declarações insossas acordadas com assessores de imprensa, que muitas
vezes não correspondiam à realidade dos sentimentos do momento...
Max Verstappen pode falar algumas besteiras, mas é preferível ouvir isso a ter de aturar aquelas declarações assépticas e "comportadas" impostas pelos assessores de imprensa das equipes e pilotos... |
Aí, numa dessas, vem a
turma do politicamente correto descer a lenha no rapaz. Vão encher o saco de
outro, eu respondo. Nélson Piquet falava pelos cotovelos, e por mais ofensivas
que fossem algumas de suas declarações, era autêntico, e mesmo que falasse
bobagens, preferia isso a ser falso. Mas, nos dias de hoje, temos uma plateia
de chatos de galocha para os quais qualquer declaração mais contundente soa
pesada ou ofensiva em demasia. Eu prefiro estas declarações do que aqueles
comunicados padrão onde todos diziam que tudo estava bem, mesmo quando a casa
estava caindo legal na pista ou nos boxes. A F-1 foi ficando muito asséptica
nestes últimos anos, e infelizmente, muita gente também adotou este tipo de
postura. O ambiente “corporativo” vigente na categoria ditava que tudo tinha
que ser dito de forma polida, ou “censurada” pelos assessores de imprensa. Daí
alguns ficarem “exaltados” quando Fernando Alonso fala que seu motor Honda é
uma porcaria e tal, chamando o espanhol de arrogante, metido, entre outros
adjetivos. Novamente, Nélson Piquet, em seus dias, era o primeiro a declarar
quando seu carro estava “uma merda” sem salvação, ou que não andava nem que a
vaca tossisse. Curiosamente, quando Rubens Barrichello falou em tom de
brincadeira que seu carro estava uma porcaria, todo mundo caiu de pau em cima
dele, com comentários nada elogiosos ou educados... Dois pesos e duas medidas?
Em parte, mas para mim, parece que o pessoal mesmo não sabe o que quer, de
fato...
Da mesma forma vejo o
que andaram dizendo sobre Kimi Raikkonem. O finlandês vem sendo criticado de
fazer uma temporada apagada, nem conseguindo andar no mesmo ritmo de Vettel.
Mas em Singapura, ele foi quem melhor largou, e se não tivesse sido tocado,
muito provavelmente chegaria na primeira curva com chances de assumir a
liderança. Uma liderança que, obviamente, teria de entregar para Vettel mais à
frente, pelo jogo de equipe praticado pelo time rosso. Mas o que mais vi foi
gente criticando o finlandês por uma tentativa de ultrapassagem “perigosa” e
“irresponsável”, e o colocando também como culpado pelo enrosco múltiplo da
largada, e que também deveria ter levado uma senhora punição, fora aqueles que
comentaram a “idiotice” da Ferrari em renovar o contrato do finlandês por mais
um ano, e que ele teria feito todo o esforço do time de fazer de Vettel o
campeão do ano ir por água abaixo com seu arranque “tresloucado” no grid. Ora
essa! Kimi viu uma brecha, e se atirou nela, como todo piloto deve fazer quando
enxerga uma oportunidade, e ele já tinha superado Verstappen quando recebeu o toque
deste, e ainda sem ter muito para onde ir, já que o muro estava bem ali ao
lado. Um pouco mais à frente já havia um pouco mais de espaço, mas ele
precisava vir para dentro da pista, e com Max sendo fechado por Vettel, eis que
todo mundo foi para cima de todo mundo, e não deu outra: o toque acabou sendo
inevitável. Mas Raikkonem também nada fez de errado: ele escolheu uma
trajetória, e se manteve firme nela, e ia consumando a ultrapassagem quando
tudo deu errado. Se ele tivesse feito uma largada estabanada e maluca, a
crítica até poderia valer, mas não houve nada disso. E não é porque ninguém faz
nada errado que algo errado acontece. Pode simplesmente acontecer. O esporte a
motor é, por natureza, perigoso: mesmo com todas as precauções possíveis
tomadas, e cuidados ao extremo, mesmo assim podem acontecer acidentes...
Quanto a Vettel, ele
também foi execrado por muitos, e em certos aspectos, pode até ser considerado
o “culpado” maior de causar o incidente, pelo modo como fechou Verstappen e que
fez o holandês tocar em Kimi, e este em Sebastian. Mas, como pole, Vettel tinha
todo o direito de defender sua posição, e conforme as regras, fez apenas uma
mudança de direção. E mesmo assim, deu zebra. Não saber que o companheiro de
time já vinha firme pelo lado de fora é apenas uma consequência das
circunstâncias. Por mais que todo piloto tome cuidado na hora da largada, são
muitos carros no grid, e se alguém ficar pensando demais nos outros, ele
praticamente não larga, e fica para trás. Singapura é uma corrida noturna, e
domingo, ainda teve a condição inédita de começar com chuva, o que certamente
complicou um pouco a situação, colaborando para a falta de visibilidade. Mas
largadas podem ser complicadas, e mesmo que o pole não faça nada errado, as
chances de algo dar errado sempre estão por perto. Alguém lembra da
“atropelada” que Ralf Schumacher deu em Rubens Barrichello na largada do GP da
Austrália de 2001? OK, ali foi mesmo barbeiragem do alemão, que acertou a
traseira da Ferrari do brasileiro com tudo, decolando por cima e acabando com a
prova de ambos ali mesmo. Em Singapura, foi algo mais sutil, sem erros crassos
por parte dos pilotos. Todo mundo fez o que deveria fazer, e deu zica assim
mesmo... Acontece... Coisas da vida...Incidente de corrida... Nada mais óbvio.
E, culpado maior ou não, o alemão tetracampeão teve seu maior revés: zerou em
uma prova onde era o favorito, e ainda viu Lewis Hamilton vencer e abrir 28
pontos na classificação. Para quê entornar o caldo e tacar uma daquelas
punições imbecis ao ferrarista para a próxima corrida e dar a impressão de que
Hamilton está sendo favorecido desse modo? De qualquer modo, muita gente já
chiou que o fato do alemão não ser punido é devido à benemerência da FIA para
com a Ferrari. Se fosse outro piloto, era punição na certa, muitos disseram.
Prefiro pensar que não, porque se fosse, seria um desgaste e um imbróglio que a
FIA e a F-1 certamente não precisariam passar...
Por isso mesmo,
defendo critérios objetivos, e sem tantas frescuras. Uma categoria que se
propõe a maior e mais profissional do mundo não pode ficar “emparedando” seus
competidores, como se eles fossem participantes de um derby de demolição e que,
ao apagar das luzes vermelhas, saem literalmente jogando o carro em cima de
todo mundo com o maior espírito beligerante possível. Toques e incidentes devem
ser vistos como algo natural do meio. E nada mais, exceto em casos
escandalosamente premeditados, obviamente.
E o que dizer dos que
acusaram a FIA pelo incidente, pela “irresponsabilidade” de permitir a largada
parada, e não atrás do Safety Car? Gente, que palhaçada é essa? Não chovia
tanto assim, as condições da pista eram boas, e a iluminação noturna da pista
era tão forte que nem fazia parecer noite lá dentro. Tanto é que vários pilotos
largaram com pneus intermediários, e não com os pneus de chuva forte, e ninguém
saiu rodando por causa disso exatamente. E se teve alguém que fez besteira com
os pneus foi Felipe Massa, ao insistir permanecer na pista com os pneus de
chuva forte quando todo mundo já havia trocado os seus pelos intermediários, e
também se atrasando para colocar os pneus de pista seca, o que fez da
performance do brasileiro uma piada, só não terminando em último porque as duas
Sauber estavam tão ruins que nem conseguiram tirar proveito da situação de
corrida. O pessoal quer disputa, emoção, ou uma procissão onde qualquer
probleminha, para-se a corrida e taca o Safety Car na pista?
Não se trata de
menosprezar a segurança, mas em alguns momentos recentes, o pessoal da F-1
parece um bando de gente assustada que não pode ver uma chuva que já se borra
toda, e olha que já vi corridas debaixo de temporais onde os pilotos daquela
época simplesmente dariam risadas do “pavor” que andaram tendo recentemente em
alguns casos. E isso sem comprometer a segurança exatamente. Até porque os
carros atuais dão um show de segurança em relação aos carros antigos da
categoria máxima do automobilismo. Não falo de simplesmente largar de qualquer
jeito ou ignorar preceitos básicos de segurança, mas de coibir exageros de
precaução que simplesmente afastam o público, por dar a impressão de que
ninguém ali sabe correr com água. Ou alguém aí gostaria dever um jogo de
futebol paralisado por uma chuva à toa? Claro que é preciso analisar todos os
detalhes, mas hoje em dia, dá a impressão de que os pilotos da F-1 estão indo
correr em uma pista oval, e não em um circuito misto. Oval é outra história, e
aí a paralisação de uma corrida mais do que se justifica, uma vez que todo
mundo iria parar no muro na primeira curva, sem chances de escapar. Não o caso
da F-1.
Por isso, quando
deixam o pessoal largar como se deve, ainda vem gente criticando isso, como se
a FIA tivesse sido irresponsável por permitir tal coisa. Ora vamos, o que esse
pessoal quer, afinal? As condições mais do que permitiam largada em condições
normais. De fato, tanto tempo vendo a F-1 viver de suas frescuras em
preocupação com a segurança em níveis quase “paranoicos” andou deixando muita
gente também “paranoica” com situações que deveriam ser aceitáveis em condições
normais, e não algo “excepcional”. O pessoal quer ver ação, mas quando alguns
pilotos se mostram muito mais arrojados, começam a criticar, por vezes apenas
por criticar. É um pouco o caso de Max Verstappen, que até tem exagerado em
vários momentos, merecendo críticas adequadas, mas não aplicáveis quando ele
não faz nada demais como deveria. Como também criticar Vettel por dar uma
fechada na largada que qualquer pole-position tem o direito de fazer. O mais
importante é: alguém se feriu? Se não, ótimo (mas sem exageros na
interpretação, que fique bem claro: não é porque alguém saiu capotando por uma
irresponsabilidade e ficou ileso que tudo fica numa boa, lógico), e toca-se a
situação adiante.
O Liberty Media está
fazendo muito bem em tirar as “amarras” exageradas que a F-1 se auto impôs nos
últimos tempos. A competição precisa ficar mais livre e solta. E muitos
torcedores também precisam se acostumar a ver disputas mais acirradas e
ferrenhas na pista. Não é tornar as corridas arenas de gladiadores, mas fazer
delas novamente palcos de disputa onde seus competidores possam mostrar por que
de fato são os melhores pilotos que ali estão, que batalharam para ali estar, e
não ficarem brindando o público com disputas mixurucas temendo encostar uns nos
outros por sofrerem qualquer castigo por algo que muitas vezes nem tem consequências
ou uma posição errada assumida que levasse ao momento frustrado. Há muita coisa
ainda a ser feita para resgatar mais do espírito da competição e de trazer de
volta o charme e o carisma que a categoria máxima do automobilismo já exibiu um
dia. Tomando alguns passos de cada vez, e mais importante, que os torcedores
saibam realmente o que querem da F-1, talvez a competição volte a empolgar, sem
ter um bando de chatos e imbecis para arrumar frescuras, dentro e fora das
pistas...
Lewis Hamilton ganhou praticamente de presente a vitória em Singapura e ainda viu seu principal rival ficar fora de combate em Marina Bay. Dá para pedir mais? |
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