sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

OS RUMOS DE UMA NOVA F-1?


Com o Liberty Media à frente da F-1, uma das metas é tornar a categoria mais acessível e atrativa a novos times que queiram entrar. Gigantismo e complexidade exagerada da categoria atualmente é uma dificuldade enorme, desinteressando nomes potenciais.

            Em setembro do ano passado redigi uma coluna explicando que a Fórmula 1, sob o novo comando do Grupo Liberty Media, poderia fazer muito para ajudar a categoria máxima do automobilismo a recuperar a sua popularidade e atratividade, mas que não dava para se fazer isso no atropelo, e nem tão já como muitos gostariam que fosse realizado. Retomo o assunto nesta coluna pelo fato de o comando da F-1, como muitos esperavam, já estar em novas mãos, ainda mais depois de Bernie Ecclestone ter sido “removido” de sua posição de chefão da FOM, e com uma nova trinca de homens a tomar as decisões que antes eram do âmbito do dirigente inglês. Era especulado inicialmente que Bernie ainda ficaria à frente da F-1 por pelo menos mais três anos, no que tudo indicava que seria o período de transição, com Ecclestone passando suas atribuições paulatinamente aos novos proprietários. Mas o próprio Bernie já indicava no ano passado que a situação poderia ser outra, e não se enganou. A categoria máxima do automobilismo já está sob nova direção, e Bernie não apita mais nada. Mesmo!
            A missão agora é como tornar a F-1 novamente o produto popular e desejado que era nos bons tempos. Mas, conforme eu mencionei na referida coluna do ano passado, muita coisa atualmente em vigor não pode ser alterada, pelo menos até o fim de 2019, quando termina a validade do atual Pacto de Concórdia, acordo firmado entre escuderias e dirigentes, determinando os direitos e obrigações de todas as partes envolvidas. Isso tem seus pontos positivos e negativos. O ponto negativo, obviamente, é que a F-1 não poderá sofrer mudanças radicais que contrariem o que foi firmado no Pacto, e isso pode brecar a adoção de algumas mudanças que poderiam ser benéficas. Entre elas, o direito de a equipe Ferrari receber, a título de sua importância “histórica”, por ser o único time a competir na F-1 desde sua primeira temporada, uma polpuda verba da FOM, independente de sua posição no campeonato, que poderia ser melhor utilizada numa distribuição mais equânime aos demais times do grid. Claro que, só de mencionar ter essa idéia, a Ferrari já chiou, ameaçando até acionar seus advogados para garantir o que acha ser um direito seu. Mas, como está previsto no Pacto de Concórdia, o certo é mantê-lo, pois dificilmente o time rosso concordaria em perdê-lo, e o embate jurídico em torno disso é algo indesejável por todos. Mas, para o novo acordo que deverá vigorar a partir de 2020, é bom a turma de Maranello botar as barbas um pouco de molho, e procurar um acordo que seja mais acessível para todos.
            Pelo lado positivo, manter o regulamento técnico até o fim de 2019 significa um período de estabilidade para as equipes. E é preciso frisar que neste ano mesmo, movida pela necessidade de agradar aos fãs, o regulamento foi mudado, para deixar a F-1 mais competitiva, e isso só encareceu os custos de projeto dos novos carros. Tirando o fato de não haver mais a ridícula limitação de desenvolvimento (mas ainda mantido o limite esdrúxulo de 4 motores por piloto por temporada), as novas medidas de carros e pneus obrigaram todos os times a repensar seus bólidos, que nas últimas três temporadas tiveram configurações diferentes. E, quando se muda tudo de uma temporada para a outra, é um deus nos acuda nas escuderias, principalmente as menos abastadas, porque isso significa gastos extras, em um momento onde metade do grid praticamente anda no fio da navalha financeira.
            Ross Brawn, que coordenará a área esportiva e técnica, pelo menos é um profissional conhecido, e de ampla experiência na F-1. É alguém que entende do riscado, e que pode ajudar a definir as novas normas técnicas a serem implantadas em 2020. E o trabalho deverá começar já, e poder ser apresentado ainda este ano, dando a todos os times o tempo necessário para se prepararem adequadamente para 2020, promovendo uma mudança de regulamento técnico sem traumas e de amplo conhecimento de todos. Vale lembrar que neste momento, todos os times já estão finalizando seus bólidos para a temporada de 2017, mas paralelamente, seus engenheiros já começam a pensar nas idéias dos carros para 2018. Portanto, definir ainda este ano quais serão os parâmetros técnicos do regulamento de 2020 não é estar pensando tão longe assim.
            Isso tem implicações importantes em um ponto crucial: voltar a permitir o ingresso de novas escuderias na F-1. Semana passada, a Manor, último time da leva de equipes que estreou na categoria na temporada de 2010, fechou as portas de vez. Escolhidas sem muito critério técnico à época, mais por questões políticas, em detrimento de propostas mais estruturadas e viáveis, nenhum dos novos times logrou sucesso na F-1. A Manor, mesmo, acabou sendo a que melhores resultados obteve, por ter conseguido alguns míseros pontos, o que não a livrou das dívidas dos pesados custos de se competir na categoria. Não fosse a estréia da Hass no ano passado, e teríamos hoje apenas 18 carros para alinhar no grid da F-1. Uma das metas da nova direção da categoria deverá ser tornar viável a entrada de novas escuderias na competição, algo que foi muito dificultado por Bernie Ecclestone e Max Mosley no fim da década de 1990, quando estabeleceram um limite de 12 equipes para o grid, esperando valorizar as vagas existentes, numa manobra que se tornou um verdadeiro tiro pela culatra, que estimulou a entrada das grandes montadoras, e fez os custos e a estrutura dos times explodir de vez, impossibilitando a entrada de pequenas escuderias na disputa com chances viáveis de competir.
Falência da Manor deixa o grid com apenas 20 carros em 2017.
            Com a divulgação com antecedência do novo regulamento técnico para 2020, e a adoção de novos parâmetros de exigências para novas escuderias que desejem adentrar na F-1, todos que tiverem condições e interesses poderão se preparar a contento para ingressar na categoria a partir de 2020. É um tempo bem razoável para qualquer organização, nova, ou já existente dentro do mundo do esporte a motor, apresentar seu projeto de competição e desenvolvê-lo com todos os cuidados. O sonho de muitos é ver a F-1 pelo menos de volta com 26 carros largando em cada corrida, e mais do que isso batalhando para largar. Hoje, praticamente todos tem lugar garantido no grid, e isso tira parte da atração dos treinos de classificação, uma vez que a regra do limite de 107% do tempo do pole-position raramente elimina alguém. Em 1990, ao contrário, com pelo menos 30 carros na disputa, sempre sobravam 4 de fora, que não conseguiam tempo para alinhar dentro das 26 vagas do grid. Com mais times, essa atração dos treinos de classificação poderia retornar. Um dos motivos para Bernie limitar o número de times é que ele não queria “aventureiros” na F-1, e os times pequenos só serviam para atrapalhar, já que ninguém tinha interesse neles. Mas foi com “aventureiros” que a categoria cresceu, e muitos talentos surgiram nos times pequenos da F-1. É evidente que times sem qualquer estrutura, como uma Andrea Moda, ou uma Life (este um time que nunca conseguiu se classificar para qualquer corrida, na temporada de 1990) não são mesmo algo que encha os olhos dos organizadores, e neste ponto, evitar este tipo de equipe não é algo errado. Por outro lado, os custos de competição, e a estrutura necessária para se disputar a F-1 cresceram de forma exponencial, e é preciso baixar estes custos, e sua estrutura. Muitas escuderias, e empresas do setor automotivo poderiam ter interesse em competir, ou até retornar à categoria, se as exigências de competição fossem simplificadas, e menos burocratizadas.
            Um exemplo é a Ford, que nos últimos dias declarou que prefere seguir no Endurance a tentar retornar à F-1, argumentando que os custos da categoria máxima do automobilismo não se justificam, e sua relação custo-benefício não valem a pena. E a Ford teve parceria histórica com a Cosworth, financiando seu célebre motor DFV V-8, que marcou época durante quase 20 anos de competição, entre a segunda metade dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 1980, além de ter mantido um time próprio de competição, a Jaguar, de 2000 a 2004, até pular fora, justamente pelos altos custos e poucos resultados. E ela não é a única a pensar assim: a BMW também desistiu da F-1, do mesmo modo que a Toyota, que voltou-se também para a Endurance, e está satisfeita por lá, ao contrário de quando competiu na F-1. Não é preciso que todas as montadoras entrem na F-1, mas o fato de que vários nomes de peso desconsideram a possibilidade indica que a competição não lhes é interessante, seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista financeiro.
            Tornar o regulamento técnico menos asfixiante, e flexível, como já foi em outros tempos, é uma forma de arejar a F-1, e despertar o interesse de outros que queiram tentar a sorte competindo. Rosso Brawn é um nome muito indicado para isso, e ele já declarou que é preciso simplificar o regulamento da F-1, seja no campo técnico, seja no campo esportivo, esta outra área em que é preciso tomar medidas urgentes para se devolver a emoção das disputas. E acabar com a farra das punições que tomou conta de tudo nos últimos anos. Com mais liberdade, os pilotos e times poderão ser mais agressivos na pista, e melhorarem as disputas, hoje com certo viés punitivo, só do piloto já encostar o carro no concorrente, mesmo que nada aconteça de ruim. E evitar situações ridículas, como a vista no GP do México do ano passado, com o rolo que aconteceu com relação ao terceiro colocado na prova mexicana. E Ross Brawn deseja introduzir novidades aos poucos, a fim de evitar ações intempestivas, e evitar artificialidades na F-1. E tem razão: nos últimos tempos, a categoria andou fazendo mudanças bruscas que pouco ou nada tiveram de positivo para a imagem da categoria, como o polêmico formato de classificação adotado no início do ano passado, com eliminação gradual durante o treino, que se mostrou um fiasco completo. Ou as proibições de diversas iniciativas técnicas criadas pelas escuderias, como a suspensão “fric”, os amortecedores de massa, os difusores duplos, ou o duto aerodinâmico. Em todas estas proibições, puniu-se a criatividade dos engenheiros da categoria. Não é por acaso que Adrian Newey afirma que o regulamento técnico da F-1 é pior que uma camisa de força, tantas são as restrições picuinhas existentes nele, que tolhem por completo a criatividade dos profissionais na hora de projetar os bólidos. A F-1 passou a se regular em excesso, e é hora de mudar essa mentalidade. E com razão. E o clima no paddock também precisará mudar. E ficar muito mais acessível tanto para os profissionais que lá circulam, como o pessoal da imprensa, e até o público.
            Com relação aos GPs, é de se esperar novidades nesta área. O Liberty Media já declarou que tem planos ambiciosos com relação ao calendário, inclusive com idéia de aumentar a popularidade da F-1 nos Estados Unidos, o que dá a entender que poderão haver mais provas nas terras do Tio Sam, e até mesmo no calendário. Mas é preciso ir devagar nesse ponto. Com 20 corridas no ano, o calendário da F-1 está no que muitos chamam de limite máximo, e não é porque uma categoria como a Nascar pode disputar mais de 30 provas por ano que dá para repetir isso na F-1. Em primeiro lugar, a Nascar corre em um único país e/ou continente, e a sua estrutura, mesmo dos maiores times, é ínfima se comparada com a F-1. E as viagens de avião pelos continentes demanda uma logística complexa e demorada, para que tudo siga direitinho conforme o figurino. A F-1 já deu muita atenção aos Estados Unidos, no início dos anos 1980, onde chegou a ter até 3 provas em solo estadunidense, antes que os gringos perdessem a paciência com o modus operandi de Bernie Ecclestone, e ficassem até fora do calendário.
Uma das metas do Liberty Media é levar a F-1 para mais lugares nos Estados Unidos.
            Com os homens do Liberty Media, as desavenças culturais e mercadológicas devem desaparecer, e quem sabe uma segunda corrida surja. Ecclestone tinha planos de uma prova em Nova Iorque, e quem sabe agora ela não saia? A metrópole americana receberá este ano a F-E em suas ruas, e com a nova direção, a F-1 poderá se apresentar por lá também. Eles pretendem prestar atenção às provas históricas do calendário, e num momento onde Malásia, Cingapura, e até mesmo a Inglaterra cogitam pular fora, devido à relação custo/benefício, a nova direção terá de mostrar serviço não apenas para evitar uma debandada, mas conquistar novos e recuperar antigas provas. Em tese, uma renegociação dos contratos viria a calhar, mas em recente declaração, sobre a prova de Silverstone, Chase Carey, novo manda-chuva da F-1, já declarou que não pretende renegociar os contratos, em que pese afirmar que trabalhará para obter o melhor resultado possível na parceria com os organizadores da etapa britânica, considerada muito importante por eles pela sua importância histórica. Aguardemos para ver como eles pretendem negociar as corridas daqui em diante. A idéia é promover os GPs como um grande show que se realiza a cada duas semanas. A intenção parece boa... Tomara que não errem nas medidas a serem adotadas para melhorar o modo como as provas são realizadas.
            Um ponto já decidido é que a F-1 vai entrar com tudo nos meios digitais. Embora ainda não tenham detalhado como farão isso, é ponto consensual que a internet é uma ferramenta praticamente ignorada para promoção da F-1, e é hora de mudar o modo como a categoria se relaciona com ela e suas grandes atrações, como as redes sociais. Vários pontos serão discutidos com todos os participantes, detentores dos direitos e patrocinadores, de modo a viabilizar o melhor meio de todos se beneficiarem dessa área. E já não é sem tempo. Há muito que se recuperar neste terreno, e a batalha será árdua, porque quem já está estabelecido na área não vai querer perder terreno com a competição virtual da F-1. Mas não dá para prescindir de estar por lá. Então, mãos à obra, e quem sabe os fãs possam finalmente interagir com a categoria como fazem os de outros certames. A intenção é se aproximar de todos o máximo possível: fãs, patrocinadores, equipes, promotores, etc.
            Idéias não faltam. Com um bom estudo e planejamento, uma nova F-1 deve começar a nascer já neste ano, e desabrochar completamente em 2020. Aguardemos, então...

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