Em setembro do ano
passado redigi uma coluna explicando que a Fórmula 1, sob o novo comando do
Grupo Liberty Media, poderia fazer muito para ajudar a categoria máxima do
automobilismo a recuperar a sua popularidade e atratividade, mas que não dava
para se fazer isso no atropelo, e nem tão já como muitos gostariam que fosse
realizado. Retomo o assunto nesta coluna pelo fato de o comando da F-1, como
muitos esperavam, já estar em novas mãos, ainda mais depois de Bernie
Ecclestone ter sido “removido” de sua posição de chefão da FOM, e com uma nova
trinca de homens a tomar as decisões que antes eram do âmbito do dirigente
inglês. Era especulado inicialmente que Bernie ainda ficaria à frente da F-1
por pelo menos mais três anos, no que tudo indicava que seria o período de
transição, com Ecclestone passando suas atribuições paulatinamente aos novos
proprietários. Mas o próprio Bernie já indicava no ano passado que a situação
poderia ser outra, e não se enganou. A categoria máxima do automobilismo já
está sob nova direção, e Bernie não apita mais nada. Mesmo!
A missão agora é como
tornar a F-1 novamente o produto popular e desejado que era nos bons tempos.
Mas, conforme eu mencionei na referida coluna do ano passado, muita coisa
atualmente em vigor não pode ser alterada, pelo menos até o fim de 2019, quando
termina a validade do atual Pacto de Concórdia, acordo firmado entre escuderias
e dirigentes, determinando os direitos e obrigações de todas as partes envolvidas.
Isso tem seus pontos positivos e negativos. O ponto negativo, obviamente, é que
a F-1 não poderá sofrer mudanças radicais que contrariem o que foi firmado no
Pacto, e isso pode brecar a adoção de algumas mudanças que poderiam ser
benéficas. Entre elas, o direito de a equipe Ferrari receber, a título de sua
importância “histórica”, por ser o único time a competir na F-1 desde sua
primeira temporada, uma polpuda verba da FOM, independente de sua posição no
campeonato, que poderia ser melhor utilizada numa distribuição mais equânime
aos demais times do grid. Claro que, só de mencionar ter essa idéia, a Ferrari
já chiou, ameaçando até acionar seus advogados para garantir o que acha ser um
direito seu. Mas, como está previsto no Pacto de Concórdia, o certo é mantê-lo,
pois dificilmente o time rosso concordaria em perdê-lo, e o embate jurídico em
torno disso é algo indesejável por todos. Mas, para o novo acordo que deverá
vigorar a partir de 2020, é bom a turma de Maranello botar as barbas um pouco
de molho, e procurar um acordo que seja mais acessível para todos.
Pelo lado positivo,
manter o regulamento técnico até o fim de 2019 significa um período de
estabilidade para as equipes. E é preciso frisar que neste ano mesmo, movida
pela necessidade de agradar aos fãs, o regulamento foi mudado, para deixar a
F-1 mais competitiva, e isso só encareceu os custos de projeto dos novos
carros. Tirando o fato de não haver mais a ridícula limitação de
desenvolvimento (mas ainda mantido o limite esdrúxulo de 4 motores por piloto
por temporada), as novas medidas de carros e pneus obrigaram todos os times a
repensar seus bólidos, que nas últimas três temporadas tiveram configurações
diferentes. E, quando se muda tudo de uma temporada para a outra, é um deus nos
acuda nas escuderias, principalmente as menos abastadas, porque isso significa
gastos extras, em um momento onde metade do grid praticamente anda no fio da
navalha financeira.
Ross Brawn, que
coordenará a área esportiva e técnica, pelo menos é um profissional conhecido,
e de ampla experiência na F-1. É alguém que entende do riscado, e que pode
ajudar a definir as novas normas técnicas a serem implantadas em 2020. E o
trabalho deverá começar já, e poder ser apresentado ainda este ano, dando a
todos os times o tempo necessário para se prepararem adequadamente para 2020,
promovendo uma mudança de regulamento técnico sem traumas e de amplo
conhecimento de todos. Vale lembrar que neste momento, todos os times já estão
finalizando seus bólidos para a temporada de 2017, mas paralelamente, seus
engenheiros já começam a pensar nas idéias dos carros para 2018. Portanto,
definir ainda este ano quais serão os parâmetros técnicos do regulamento de
2020 não é estar pensando tão longe assim.
Isso tem implicações
importantes em um ponto crucial: voltar a permitir o ingresso de novas
escuderias na F-1. Semana passada, a Manor, último time da leva de equipes que
estreou na categoria na temporada de 2010, fechou as portas de vez. Escolhidas
sem muito critério técnico à época, mais por questões políticas, em detrimento
de propostas mais estruturadas e viáveis, nenhum dos novos times logrou sucesso
na F-1. A Manor, mesmo, acabou sendo a que melhores resultados obteve, por ter
conseguido alguns míseros pontos, o que não a livrou das dívidas dos pesados
custos de se competir na categoria. Não fosse a estréia da Hass no ano passado,
e teríamos hoje apenas 18 carros para alinhar no grid da F-1. Uma das metas da
nova direção da categoria deverá ser tornar viável a entrada de novas
escuderias na competição, algo que foi muito dificultado por Bernie Ecclestone
e Max Mosley no fim da década de 1990, quando estabeleceram um limite de 12
equipes para o grid, esperando valorizar as vagas existentes, numa manobra que
se tornou um verdadeiro tiro pela culatra, que estimulou a entrada das grandes
montadoras, e fez os custos e a estrutura dos times explodir de vez,
impossibilitando a entrada de pequenas escuderias na disputa com chances
viáveis de competir.
Falência da Manor deixa o grid com apenas 20 carros em 2017. |
Com a divulgação com
antecedência do novo regulamento técnico para 2020, e a adoção de novos
parâmetros de exigências para novas escuderias que desejem adentrar na F-1,
todos que tiverem condições e interesses poderão se preparar a contento para
ingressar na categoria a partir de 2020. É um tempo bem razoável para qualquer
organização, nova, ou já existente dentro do mundo do esporte a motor,
apresentar seu projeto de competição e desenvolvê-lo com todos os cuidados. O
sonho de muitos é ver a F-1 pelo menos de volta com 26 carros largando em cada
corrida, e mais do que isso batalhando para largar. Hoje, praticamente todos
tem lugar garantido no grid, e isso tira parte da atração dos treinos de
classificação, uma vez que a regra do limite de 107% do tempo do pole-position
raramente elimina alguém. Em 1990, ao contrário, com pelo menos 30 carros na
disputa, sempre sobravam 4 de fora, que não conseguiam tempo para alinhar
dentro das 26 vagas do grid. Com mais times, essa atração dos treinos de
classificação poderia retornar. Um dos motivos para Bernie limitar o número de
times é que ele não queria “aventureiros” na F-1, e os times pequenos só
serviam para atrapalhar, já que ninguém tinha interesse neles. Mas foi com
“aventureiros” que a categoria cresceu, e muitos talentos surgiram nos times
pequenos da F-1. É evidente que times sem qualquer estrutura, como uma Andrea
Moda, ou uma Life (este um time que nunca conseguiu se classificar para
qualquer corrida, na temporada de 1990) não são mesmo algo que encha os olhos
dos organizadores, e neste ponto, evitar este tipo de equipe não é algo errado.
Por outro lado, os custos de competição, e a estrutura necessária para se
disputar a F-1 cresceram de forma exponencial, e é preciso baixar estes custos,
e sua estrutura. Muitas escuderias, e empresas do setor automotivo poderiam ter
interesse em competir, ou até retornar à categoria, se as exigências de
competição fossem simplificadas, e menos burocratizadas.
Um exemplo é a Ford,
que nos últimos dias declarou que prefere seguir no Endurance a tentar retornar
à F-1, argumentando que os custos da categoria máxima do automobilismo não se
justificam, e sua relação custo-benefício não valem a pena. E a Ford teve
parceria histórica com a Cosworth, financiando seu célebre motor DFV V-8, que
marcou época durante quase 20 anos de competição, entre a segunda metade dos
anos 1960 e a primeira metade dos anos 1980, além de ter mantido um time
próprio de competição, a Jaguar, de 2000 a 2004, até pular fora, justamente
pelos altos custos e poucos resultados. E ela não é a única a pensar assim: a
BMW também desistiu da F-1, do mesmo modo que a Toyota, que voltou-se também
para a Endurance, e está satisfeita por lá, ao contrário de quando competiu na
F-1. Não é preciso que todas as montadoras entrem na F-1, mas o fato de que
vários nomes de peso desconsideram a possibilidade indica que a competição não
lhes é interessante, seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista
financeiro.
Tornar o regulamento
técnico menos asfixiante, e flexível, como já foi em outros tempos, é uma forma
de arejar a F-1, e despertar o interesse de outros que queiram tentar a sorte
competindo. Rosso Brawn é um nome muito indicado para isso, e ele já declarou
que é preciso simplificar o regulamento da F-1, seja no campo técnico, seja no
campo esportivo, esta outra área em que é preciso tomar medidas urgentes para
se devolver a emoção das disputas. E acabar com a farra das punições que tomou
conta de tudo nos últimos anos. Com mais liberdade, os pilotos e times poderão
ser mais agressivos na pista, e melhorarem as disputas, hoje com certo viés
punitivo, só do piloto já encostar o carro no concorrente, mesmo que nada
aconteça de ruim. E evitar situações ridículas, como a vista no GP do México do
ano passado, com o rolo que aconteceu com relação ao terceiro colocado na prova
mexicana. E Ross Brawn deseja introduzir novidades aos poucos, a fim de evitar
ações intempestivas, e evitar artificialidades na F-1. E tem razão: nos últimos
tempos, a categoria andou fazendo mudanças bruscas que pouco ou nada tiveram de
positivo para a imagem da categoria, como o polêmico formato de classificação
adotado no início do ano passado, com eliminação gradual durante o treino, que
se mostrou um fiasco completo. Ou as proibições de diversas iniciativas
técnicas criadas pelas escuderias, como a suspensão “fric”, os amortecedores de
massa, os difusores duplos, ou o duto aerodinâmico. Em todas estas proibições,
puniu-se a criatividade dos engenheiros da categoria. Não é por acaso que
Adrian Newey afirma que o regulamento técnico da F-1 é pior que uma camisa de
força, tantas são as restrições picuinhas existentes nele, que tolhem por
completo a criatividade dos profissionais na hora de projetar os bólidos. A F-1
passou a se regular em excesso, e é hora de mudar essa mentalidade. E com
razão. E o clima no paddock também precisará mudar. E ficar muito mais
acessível tanto para os profissionais que lá circulam, como o pessoal da
imprensa, e até o público.
Com relação aos GPs, é
de se esperar novidades nesta área. O Liberty Media já declarou que tem planos
ambiciosos com relação ao calendário, inclusive com idéia de aumentar a
popularidade da F-1 nos Estados Unidos, o que dá a entender que poderão haver
mais provas nas terras do Tio Sam, e até mesmo no calendário. Mas é preciso ir
devagar nesse ponto. Com 20 corridas no ano, o calendário da F-1 está no que
muitos chamam de limite máximo, e não é porque uma categoria como a Nascar pode
disputar mais de 30 provas por ano que dá para repetir isso na F-1. Em primeiro
lugar, a Nascar corre em um único país e/ou continente, e a sua estrutura,
mesmo dos maiores times, é ínfima se comparada com a F-1. E as viagens de avião
pelos continentes demanda uma logística complexa e demorada, para que tudo siga
direitinho conforme o figurino. A F-1 já deu muita atenção aos Estados Unidos,
no início dos anos 1980, onde chegou a ter até 3 provas em solo estadunidense,
antes que os gringos perdessem a paciência com o modus operandi de Bernie
Ecclestone, e ficassem até fora do calendário.
Uma das metas do Liberty Media é levar a F-1 para mais lugares nos Estados Unidos. |
Com os homens do
Liberty Media, as desavenças culturais e mercadológicas devem desaparecer, e
quem sabe uma segunda corrida surja. Ecclestone tinha planos de uma prova em
Nova Iorque, e quem sabe agora ela não saia? A metrópole americana receberá
este ano a F-E em suas ruas, e com a nova direção, a F-1 poderá se apresentar
por lá também. Eles pretendem prestar atenção às provas históricas do
calendário, e num momento onde Malásia, Cingapura, e até mesmo a Inglaterra
cogitam pular fora, devido à relação custo/benefício, a nova direção terá de
mostrar serviço não apenas para evitar uma debandada, mas conquistar novos e
recuperar antigas provas. Em tese, uma renegociação dos contratos viria a
calhar, mas em recente declaração, sobre a prova de Silverstone, Chase Carey,
novo manda-chuva da F-1, já declarou que não pretende renegociar os contratos,
em que pese afirmar que trabalhará para obter o melhor resultado possível na
parceria com os organizadores da etapa britânica, considerada muito importante
por eles pela sua importância histórica. Aguardemos para ver como eles
pretendem negociar as corridas daqui em diante. A idéia é promover os GPs como
um grande show que se realiza a cada duas semanas. A intenção parece boa...
Tomara que não errem nas medidas a serem adotadas para melhorar o modo como as
provas são realizadas.
Um ponto já decidido é
que a F-1 vai entrar com tudo nos meios digitais. Embora ainda não tenham
detalhado como farão isso, é ponto consensual que a internet é uma ferramenta
praticamente ignorada para promoção da F-1, e é hora de mudar o modo como a
categoria se relaciona com ela e suas grandes atrações, como as redes sociais.
Vários pontos serão discutidos com todos os participantes, detentores dos
direitos e patrocinadores, de modo a viabilizar o melhor meio de todos se
beneficiarem dessa área. E já não é sem tempo. Há muito que se recuperar neste
terreno, e a batalha será árdua, porque quem já está estabelecido na área não
vai querer perder terreno com a competição virtual da F-1. Mas não dá para
prescindir de estar por lá. Então, mãos à obra, e quem sabe os fãs possam
finalmente interagir com a categoria como fazem os de outros certames. A
intenção é se aproximar de todos o máximo possível: fãs, patrocinadores,
equipes, promotores, etc.
Idéias não faltam. Com
um bom estudo e planejamento, uma nova F-1 deve começar a nascer já neste ano,
e desabrochar completamente em 2020. Aguardemos, então...
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