O primeiro campeonato
de carros de competição monopostos totalmente elétricos, a F-E, chega ao seu fim neste
final de semana, em Londres. Após 9 etapas disputadas no mundo inteiro, é
chegada a hora da decisão, e em grande estilo, com direito a rodada dupla no
circuito montado ao redor do Battersea Park, no centro da capital britânica, ao
lado do Rio Tâmisa, que corta a metrópole inglesa. A pista tem 17 curvas, em um
traçado de 2,922 km
de extensão. Ambas as corridas, no sábado e no domingo, terão 29 voltas cada
uma, e promessa de arquibancadas cheias de fãs para acompanhar a decisão do
título da categoria, que está centralizada em dois pilotos brasileiros.
Nelson Angelo Piquet,
competindo pela equipe China Racing, é o líder do campeonato, posição assumida
na etapa de Berlim, após a desclassificação de seu compatriota Lucas Di Grassi,
que viu sua segunda vitória na competição ir para o espaço por um problema de
conserto irregular feito na asa dianteira de seu monoposto. E é justamente com
Lucas Di Grassi que Nelsinho terá de se cuidar nas corridas decisivas deste fim
de semana. Serão 50 pontos em jogo na corrida, que ainda tem a pontuação de 3
pontos pela pole-position, e mais 2 pontos pela volta mais rápida da corrida,
totalizando então 60 pontos em disputa. Com 17 pontos de vantagem para Lucas,
Piquet está em posição privilegiada para ser considerado o favorito, mas não
pode baixar a guarda pensando nisso.
Durante o campeonato,
o equilíbrio em algumas corridas foi ponto forte da competição, e alguns times
e pilotos tiveram também desempenho irregular, andando bem em determinado
circuito, mal ou menos bem em outro, por problemas variados. Nelsinho que o
diga: em Berlim, ele foi apenas o 13° no grid, e precisou fazer uma prova de
recuperação para chegar nas colocações à frente, onde terminou em 5° lugar, que
depois virou 4° colocação. Se Lucas não tivesse a punição, seria Nelsinho quem
estaria atrás 10 pontos no campeonato em relação ao compatriota. Já em Moscou,
Piquet foi à luta e largou na primeira fila, e tal como fizera na prova de Long
Beach, assumiu a liderança logo na freada da primeira curva para ir-se embora e
deixar os problemas para os concorrentes. Largando em 3°, Lucas Di Grassi
precisava de um bom resultado para descontar a diferença dos pontos perdidos em
Berlim, mas sofreu para superar Jean-Éric Vergne, enquanto Piquet disparava.
Quando conseguiu assumir a 2ª colocação, Nelsinho já tinha todas as condições
de apenas administrar o resultado, conquistando sua 2ª vitória e assumindo a
posição de favorito ao título.
Lucas deu azar com a desclassificação em Berlim, mas promete dar tudo na pista para chegar ao título da categoria de carros elétricos. Mas a parada vai ser dura. |
Para delírio dos
torcedores, eis que a dupla brasileira vem trocando farpas nas últimas
corridas, mostrando todo o ambiente de rivalidade que existe entre eles, que já
foram colegas de equipe na Renault, quando a fábrica francesa ainda tinha seu
time na F-1. E tanto Nelsinho quanto Di Grassi saíram da categoria por baixo.
Piquet pelo escândalo de Cingapura em 2008, pela batida premeditada no muro com
intenção da favorecer uma vitória de Fernando Alonso naquele GP, a mando de
Flavio Briatore, e cuja verdade surgiu apenas um ano depois, e infelizmente
encerrando a carreira de Nelsinho na F-1. Di Grassi, por sua vez, correu em
2010 pela Virgin, atual Manor, e com um carro totalmente sem performance,
acabou dispensado ao fim da temporada, para não mais achar nenhum cockpit
decente e disponível sem ter de apresentar altos patrocínios.
Foi o momento de ambos
terem de procurar novos horizontes para dar prosseguimento às carreiras de
pilotos. Nelsinho foi para os EUA, andou de Truck Series e Nationwide tentando
seguir carreira na Nascar, mas não deu muito certo. Passou a correr
praticamente em todas as oportunidades que surgiam, até aparecer a chance da
F-E, onde acabou contratado pela equipe China Racing para ser seu piloto na
competição dos monopostos elétricos criada pela FIA e comandada por Alejandro
Agag. Di Grassi tornou-se piloto de testes da Pirelli, ajudando a desenvolver
os compostos da fábrica italiana para a F-1, e seu conhecimento técnico o levou
até a Audi, que o contratou para disputar algumas provas por seu time no
Mundial de Endurance, acabando por se tornar piloto titular de uma das mais
vitoriosas escuderias do mundial de provas de longa duração. E isso também o
levou para a F-E, na equipe Audi ABT.
Lucas tornou-se o
primeiro vencedor de uma prova da categoria, na etapa inaugural de Pequim,
depois que Nick Heidfeld e Nicolas Prost, que estavam à sua frente, acabaram
batendo na última volta, deixando a liderança e a vitória para o piloto
brasileiro. Desde então, Lucas se caracterizou por manter uma boa regularidade
na competição, que apresentava altos e baixos na performance dos times e
pilotos, mantendo-se sempre na liderança da competição. Problemas nas etapas de
Buenos Aires e Miami alheios a seu controle o derrubaram momentaneamente, mas
ele nunca deixou de ocupar as primeiras colocações do campeonato, que foi se
mostrando bem equilibrado e competitivo.
Nelsinho Piquet venceu em Long Beach e Moscou, e é o favorito para conquistar o título do primeiro campeonato da F-E. |
Nelsinho Piquet, por
outro lado, começou o campeonato com alguns problemas, marcando poucos pontos
na estréia, e ficando fora de combate na segunda etapa. Na etapa de Punta Del
Este, no Uruguai, Piquet começou a reação, largando na primeira fila e subindo
ao pódio pela primeira vez com o 2° lugar. Ele sobreviveu aos percalços da
prova de Buenos Aires para subir novamente ao pódio, e começar sua escalada
rumo ao topo, que ficou patente após sua vitória magistral em Long Beach,
repetindo o feito obtido por seu pai na F-1 em 1980, quando Nelsão também
obteve no circuito do balneário californiano sua primeira vitória na F-1. Com
mais um pódio em Mônaco, e a segunda vitória, em Moscou, eis que Nelsinho está
como grande estrela da categoria, e pronto para fazer história tornando-se seu
primeiro campeão, e resgatando sua reputação no mundo do automobilismo como um
piloto de ponta. Para Di Grassi, que também demonstrou grande capacidade e
talento nas corridas disputadas até aqui, é a chance também de fazer seu nome
com o título da categoria.
Para os torcedores
brasileiros, é a primeira vez em muitos anos que ele tem a chance de ver dois
pilotos nacionais chegarem à etapa final de uma competição como protagonistas
de uma disputa de título. Mas tanto Lucas Di Grassi como Nelsinho Piquet
precisam estar atentos não apenas um em relação ao outro, mas também ao piloto
suíço Sébastien Buemi, 3° colocado na competição. Com 105 pontos, Buemi está 6
pontos atrás de Lucas, com 111. Piquet lidera com 128, mas ele ainda tem
chances matemáticas de conquistar o título, ainda que seja considerado um
azarão nesta disputa. Mas basta Nelsinho ou Lucas terem algum enrosco e abandonarem,
para tudo ficar potencialmente embolado. E Buemi também vem andando forte nas
últimas etapas, podendo complicar os planos de disputa dos brasileiros.
Do resto do grid,
apenas Nicolas Prost ainda tem chances matemáticas, mas com 82 pontos, apenas um
milagre o faria levar a taça, de modo que realmente apenas Piquet, Di Grassi, e
em menor escala, Buemi, serão mesmo os protagonistas do duelo que definirá o
campeão da categoria. E o fato de Di Grassi e Nelsinho trocarem farpas e
exibirem uma rivalidade forte, que vem se acentuando desde a etapa de Mônaco, é
um atrativo a mais para a categoria, onde os pilotos sentem-se mais à vontade,
sem as "mordaças" a que são impostos na F-1. Só para se ter idéia,
depois de sua desclassificação em Berlim, Lucas declarou que ia "chutar as
bundas de Piquet e Buemi" na pista nas etapas seguintes. Alguém aí ouviu
algum piloto de F-1 falar coisa parecida na F-1 em tempos recentes? Longe da
frescura do politicamente correto, o que o público gosta de ver são os pilotos
assumindo suas atitudes, portanto, quando o clima de rivalidade pega fogo, não
tem coisa melhor para atrair a atenção dos fãs, o que não significa que ambos
irão jogar o carro um em cima do outro logo na primeira curva também: ambos são
profissionais de quilate para evitarem fazer este tipo de briga insensata. A
briga vai ser na pista, e roda a roda, se necessário, mas sem picaretagens ou
manobras desleais.
Corridas disputadas, com vários duelos, em pistas de rua por várias cidades pelo mundo: a F-E conseguiu cair no gosto dos fãs de automobilismo. |
A chegada ao fim do
seu primeiro campeonato também coroa o sucesso obtido pela F-E em seu primeiro
ano. Vista inicialmente com desconfiança por muita gente, apesar dos nomes
envolvidos, a categoria dos carros monopostos totalmente elétricos teve um
início morno em Pequim, é verdade, com vários detalhes precisando serem melhor
trabalhados, mas com o avançar da competição, as equipes e pilotos, além da
própria categoria em si, foram evoluindo em suas apresentações, e a F-E mostrou
que veio mesmo para ficar, não sendo um certame passageiro como foram a
F-Masters, a A1GP, e a Champion League, que tentou unir futebol e automobilismo.
Com boas disputas na pista, o interesse dos fãs foi aumentando a cada etapa, e
para seu segundo campeonato, com início em outubro deste ano, mais empresas já
estão envolvidas na competição, que também irá evoluir em seus parâmetros
técnicos, visando aperfeiçoar seus equipamentos e promover melhor as disputas.
Se é verdade que os
carros não são tão velozes como algumas outras categorias, eles não
decepcionaram no quesito disputa, com algumas etapas sendo bem movimentadas, e
com várias surpresas. E uma limitação do equipamento, que é o fato das baterias
não terem autonomia para uma corrida inteira, promoveu um momento interessante:
pit stops para troca de carros. Ao invés de trocar pneus e baterias, o que
seria impossível neste último caso, além de que as mesmas não teriam como ser
recarregadas rapidamente, os pilotos precisam parar nos boxes e assumir o outro
monoposto, preparado, para disputarem o restante da corrida, ajudando a tornar
as etapas mais interessantes, sendo que os telespectadores ainda têm opção de
ver nas informações da transmissão quanto cada piloto possui de
"carga" em seu carro. Fala-se em tornar as baterias melhores a ponto
de permitir que os carros disputem a prova inteira sem necessidade de trocar de
monoposto, mas o pit stop para troca de carro se tornou tão interessante que
talvez fosse melhor usar a maior capacidade de carga para aumentar a
performance, dando mais velocidade ou permitindo a disputa em autódromos
futuramente.
A F-E, contudo, não
pretende perder de foco seu modo de competição. Desde o início, todas as provas
disputadas tem todas as suas atividades realizadas em um único dia, desde os
primeiros treinos à corrida propriamente dita. Isso ajuda a cortar custos, ao
mesmo tempo em que apresenta ao público uma programação compacta permitindo
atividades a serem acompanhadas durante todo o dia. E o público aprovou a
idéia, com as últimas provas apresentando lotação praticamente esgotada, com
ampla participação do público fã de automobilismo. Em Mônaco, a etapa da F-E nada
deveu em glamour e público à prova da F-1, e mesmo no fim de semana onde
tivemos as 500 Milhas
de Indianápolis e o GP de Mônaco de F-1, ainda assim a etapa da F-E disputada
em Berlim teve casa cheia, mostrando que o público realmente passou a
acompanhar a categoria com afinco.
Os pilotos, a
princípio correndo mais por falta de oportunidades em outros certames, passaram
também a ver a categoria como algo efetivamente promissor, com boas
perspectivas para suas carreiras. As escuderias trocaram vários pilotos no
grid, mas a maioria permaneceu firme, e o campeonato chega ao seu final
contando com um grid em sua maioria formado por gente que já passou pela F-1, o
que mostra que o nível de pilotagem não é nada desprezível.
A categoria tem sido
visitada constantemente por Jean Todt, mostrando que seu prestígio realmente
está aumentando. Ainda tem a presença do tetracampeão da IRL Dario Franchiti,
como comentarista oficial, e transmissão exclusiva do canal pago Fox Sports,
que está presente em muitos países, fazendo a transmissão integral das etapas
da F-E. Os fãs brasileiros, aliás, que fiquem a postos: as corridas do fim de
semana serão transmitidas ao vivo a partir do meio-dia, horário de Brasília, e
é hora de conferir qual de nossos pilotos levará o troféu do campeonato.
Portanto, é hora de todos ficarem ligados nesta rodada dupla, e não vai ser
apenas no sentido figurado da expressão. A decisão do título tem tudo para ser
eletrizante, no melhor sentido da palavra, só para mencionar o óbvio...
Traçado da prova de Londres, no Battersea Park: palco da decisão do título da F-E 2014/2015 neste sábado e domingo. |
Um dos melhores momentos do fim
de semana do Grande Prêmio da Áustria de F-1 aconteceu antes da corrida, no
domingo, quando vários pilotos do passado da categoria se apresentaram perante
o público presente conduzindo os carros que pilotaram nos anos 1980. Estavam
presentes Nélson Piquet, conduzindo sua Brabham/BMW; Niki Lauda ao volante da
McLaren/TAG-Porshe, assim como Alain Prost; Gerhard Berger, com a Ferrari;
Christian Danner com a Zackspeed; Riccardo Patrese conduziu um Renault da
primeira escuderia oficial da fábrica; Pierluigi Martini, que conduziu a sua
velha Minardi, e Jean Alesi com uma Sauber, único carro dos anos 1990. As
poucas voltas que deram no circuito de Zeltweg empolgaram o público, com
direito a "zerinhos" de Nélson Piquet numa área de escape, e a Minardi
de Martini mostrando que não perdeu sua "classe" de carro de time
pequeno: seu motor pegou fogo mesmo andando sem forçar, obrigando o italiano a
mostrar que ainda é ágil para sair de um monoposto, enquanto os fiscais
apagavam o fogo rapidamente. Mas, melhor de tudo mesmo, foi Piquet aprontar no
momento em que todos estavam reunidos para fotos dos fotógrafos, ao sentar no
colo de Niki Lauda e puxar o saco literalmente de Alain Prost, para delírio dos
presentes e dos fotógrafos. Apenas Piquet sendo Piquet, e mostrando que hoje em
dia a F-1 perde muito a graça não tendo mais pilotos com sua personalidade...
Piquet e sua mão boba ataca, para azar de Prost, e risadas gerais de todo mundo ao redor... |