Brecha no regulamento da FIA com relação à homologação dos novos motores é um revés inesperado para a Honda em 2015. |
Definitivamente, a
Federação Internacional de Automobilismo tem algum quê de masoquismo. O ano nem
bem começou, e o Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 2015 já tem sua polêmica no
ar. E olhe que os carros nem foram para a pista ainda...
Tudo se resume a uma
brecha no regulamento encontrada pelos rivais da Mercedes, Renault e Ferrari,
que segundo eles, lhes permitirá desenvolver seus motores e unidades de
potência com mais liberdade do que inicialmente prevista. E, em consulta a
Charlie Whiting, este teria confirmado a "brecha" encontrada no
regulamento técnico da entidade. Basicamente, o lance é o seguinte: no ano
passado, com a introdução das novas unidades híbridas de motores turbo e Ers,
como se tratava de novos equipamentos, os times tiveram um prazo para conceber
e desenvolver seus equipamentos. Ao fim dos testes da pré-temporada, a data de
homologação das novas unidades vencia em 28 de fevereiro. A partir dali, quase
mais nada era permitido ser modificado no sistema, além de alguns ajustes de
desenvolvimento na eletrônica e afins, que na prática, nem pode ser considerado
muita coisa. A intenção era novamente "congelar" o desenvolvimento
dos sistema, a fim de economizar recursos, tão escassos nos últimos tempos.
Mas, em se tratando de
um novo tipo de equipamento que mexeu de forma nunca antes vista nas unidades
propulsoras da categoria, combinando motores de combustão com sistemas de
recuperação de energia muito mais potentes e complexos do que os utilizados
anteriormente, o novo regulamento técnico abriu a possibilidade dos novos
equipamentos sofrerem mudanças em vários setores, que totalizam até 48% do
equipamento. Na prática, ainda serão os mesmos sistemas de 2014, mas
desenvolvidos e aprimorados. Na prática, a permissão dessas modificações era
dar a chance de se equalizar os equipamentos, no caso de alguém errar feio no
seu projeto, dando-lhe a chance de, pelo menos, corrigir parte do rumo. Nem é
preciso dizer que Ferrari e Renault rezaram como nunca para o campeonato
terminar logo, visto a surra que tiveram da Mercedes durante todo o campeonato
do ano passado. E é claro que esse tropeço por parte de ambas ajudou a
comprometer a temporada de suas escuderias, prejudicando a competição, cuja luta
pelo título praticamente ficou monopolizada pelos pilotos da escuderia oficial
da Mercedes, que pelo menos ofereceu um bom duelo, minimizando a monotonia do
campeonato.
Tanto Ferrari quanto
Renault, apoiados por seus principais times, começaram suas jogadas políticas
tentando reverter a política do congelamento, que inicialmente se pensava que,
novamente no próximo dia 28 de fevereiro, seriam homologadas as unidades, já
desenvolvidas e aprimoradas, para uso no campeonato deste ano. Usando o
argumento de que o congelamento está sendo "prejudicial" ao
"esporte" (será que alguém acreditou quando disseram isso?), pediram
a liberação do desenvolvimento dos sistemas de potência. Claro que a Mercedes,
principal contrariada, foi contra. Não se pode culpá-la, pois se estivessem na
posição da fábrica alemã, tanto Renault quanto Ferrari agiriam do mesmo modo:
não há santos na F-1. A
Mercedes, que fez os melhores motores e sistemas Ers, não pode ser penalizada
simplesmente por ter feito seu trabalho melhor do que os outros, que agora vêm
com essa choradeira toda por terem ficado para trás. Mas então descobriram que
o regulamento técnico não indica, para este ano, qual é exatamente a data de
homologação das novas unidades de potência. E, na F-1, tem uma regra de ouro
quando o assunto é interpretação do regulamento: o que não é proibido é
permitido. Assim sendo, se não há uma data para a homologação especificada
claramente, então esta data pode ser em qualquer ocasião.
Até aí, vá lá. Esse
detalhe, ainda que permita uma mudança na situação dos sistemas e não os faça
serem novamente "congelados" logo de cara tem seus prós e contras,
mas ainda é válido para todos os fabricantes que competiram no ano passado. Se
por um lado vai permitir que Ferrari e Renault possam melhorar suas unidades, e
com isso permitir uma melhora no nível da competição, ótimo. Mas é bom lembrar
que a Mercedes também poderá aprimorar sua unidade, permitindo-lhe, quem sabe
não só manter sua vantagem já conquistada, ou até aumentá-la. Segundo se
comenta, a nova unidade a ser homologada já teria um incremento de 50 HPs a mais
do que a utilizada no ano passado, e sem comprometimento dos demais aspectos.
Como se fala que os Renault tiveram de lidar em 2014 com uma desvantagem de
pelo menos uns 70 HPs em relação a seus rivais germânicos, será difícil
eliminar o déficit de performance. Mas, mesmo assim, dá a oportunidade de se
equilibrar um pouco a competitividade, permitindo um maior desenvolvimento dos
motores, sem quebrar efetivamente toda a regra do congelamento das unidades.
Há, entretanto, um
ponto crítico a ser considerado: enquanto a unidade 2015 não for homologada,
ela não pode competir. Assim, quem deixar a homologação para um momento
posterior do campeonato, confiando na evolução maior que poderá efetuar na
unidade, terá de manter os sistemas de 2014 nos times que os utilizarem. Em
outras palavras: se a Renault resolver homologar seus motores às vésperas do GP
da Espanha, em maio, por exemplo, todos os times abastecidos pela fábrica
francesa terão de competir as provas iniciais do campeonato com as unidades do
ano passado, com suas alterações mínimas permitidas. Se considerarmos este
aspecto, e a diferença de performance vistas no ano passado, será preciso
avaliar cuidadosamente se valerá a pena sacrificar o desempenho do início do
campeonato para tentar dar o pulo do gato mais adiante. Pelo que demonstrou no
ano passado, os Mercedes de 2014 até poderiam encarar o início do campeonato de
2015 ainda com favoritismo, se Renault e Ferrari insistirem em fazer o mesmo.
Em tese, a única esperança de modificar o equilíbrio de forças entre os times
seriam os novos carros desta temporada, que poderiam tentar compensar a menor
performance dos propulsores italianos e franceses. Mas é preciso lembrar que
não foi apenas o excelente motor Mercedes e seu Ers que garantiu o título para
a escuderia sediada em Brackley: o modelo W05 foi um excelente carro, e tudo
indica que o novo W06 será uma clara evolução com chances de não apenas manter
como até melhorar a performance sobre os demais concorrentes.
Existe ainda outro
ponto do regulamento que tende a tornar a postergação da homologação da unidade
2015 um risco: a limitação do número de unidades que cada piloto terá à sua
disposição no campeonato. No ano passado, cada competidor tinha direito de usar
5 unidades de potência. A partir da 6ª unidade, seria penalizado com perda de
posições no grid. E para este ano, esse limite ficou maior: cada piloto terá
apenas 4 unidades para o campeonato. Numa média, com 20 etapas, cada sistema
terá que durar, no mínimo, 5 GPs completos. Se começar o ano com a unidade do
ano passado, para só depois utilizar a unidade 2015 homologada e melhor
desenvolvida, as corridas efetuadas com o equipamento de 2014 já irá
"queimar" 1 das unidades disponíveis. Mantendo a média de 5 provas
como parâmetro, na hipótese de usar a unidade 2015 a partir da 6ª prova,
teria de competir em todos os 15 GPs restantes tendo apenas 3 conjuntos à
disposição, antes de começar a sofrer penalizações no caso de usar unidades
extras. Já considerei, e não sou o único com esta opinião, que o limite de 5
unidades em 2014 foi exagerado - deviam ter mantido o limite de 8 que vigorava
nos tempos dos V-8 aspirados, o que obrigou todos a serem muito conservadores
no trato dos motores. E esse conservadorismo tende a se acentuar com uma
unidade a menos disponível para este ano, e pode ser um revés para o adiamento
da homologação das novas unidades, se o equipamento de 2014 tiver de ser
descartado antes do planejado, se a jogada não se mostrar produtiva, ou mais
prejudicial do que o esperado.
Se fosse até aqui,
essa alternativa para "driblar" as restrições do regulamento quanto
ao congelamento dos motores não seria exatamente algo que comprometesse a
imagem da FIA e da F-1, ainda que não é por isso que se deva tolerar um
regulamento com esse tipo de furada, que faz ir por terra todo aquele ar
"profissional" de que Bernie Ecclestone tanto gosta de apregoar que a
categoria máxima do automobilismo é. Um regulamento claro e sem firulas faria
muito bem a todos, e não é de hoje que as regras da categoria andam um saco de
serem atendidas, a ponto de um dos maiores gênios das pranchetas da história da
categoria, Adrian Newey, que acumulou várias vitórias de seus carros nos
últimos anos, declarar que o regulamento da F-1 é uma "camisa de
força" onde não se permite criar como se deve. E se ele diz isso, ainda
por cima sendo considerado o gênio técnico dos últimos anos, com seus carros
conquistando 4 campeonatos consecutivos entre 2010 e 2013, então...
O pior de tudo isso é
que a mesma regra que permitirá que os atuais fabricantes possam ter uma melhor
chance de desenvolver seus equipamentos, ao mesmo tempo, negará isso a quem
está chegando na categoria, ou seja, a Honda, que terá forçosamente de
homologar sua unidade mesmo em 28 de fevereiro, e a partir daí, como ocorreu
com todos no ano passado, e também valerá para estes quando fizerem suas
homologações, não poderão ser feitas modificações nas unidades, devendo
competir com elas até o fim do ano. A justificativa é razoável e lógica: como
não competiu no ano passado, a Honda não tem uma unidade homologada, por isso,
só poderá entrar na pista oficialmente se seu motor estiver homologado. Nem é
preciso dizer que a fábrica nipônica, assim como a McLaren, não gostaram nem um
pouco desta história, e estão tentando conversar com a FIA para tentar escapar
desta limitação. A justificativa deles, é argumentar que querem competir com
regras iguais, e do modo como a situação foi apresentada, eles iniciarão a
competição com um motor "congelado" enquanto os demais, enquanto não
efetuarem suas homologações, terão chance de desenvolver seus equipamentos e
apresentar uma evolução à qual a Honda não terá como dar resposta. Quando todos
estiverem com seus motores homologados, os japoneses estarão atrás de todos os
outros.
É neste ponto que a
falha encontrada no regulamento faz a FIA meter os pés pelas mãos. Que a Honda
tenha de homologar suas unidades e a partir de então não poder mais mexer
nelas, é mais do que justo, para se igualar ao que as demais tiveram de fazer
em 2014. Pela experiência de pista adquirida no campeonato do ano passado,
Mercedes, Ferrari e Renault dispõe de informação valiosa que não pode ser
ignorada, e que lhes dá, teoricamente, grande vantagem em relação à Honda, que
está chegando somente agora. É verdade que durante o ano passado, os técnicos
japoneses andaram à cata de todas as informações disponíveis sobre o
desempenho, performance e dados técnicos do sistemas concebidos pelos rivais, e
que através da McLaren, tiveram acesso a vários detalhes dos propulsores da Mercedes.
Isso certamente permitiu aos japoneses eliminar diversas variáveis do projeto e
encontrar caminhos mais rapidamente na concepção e projeto de seus sistemas.
Mas, sem poder efetuar testes de pista, não se pode afirmar se toda esta
informação adquirida vai se traduzir em vantagem para a Honda, a ponto de os
nipônicos conseguirem, logo de cara, competir completamente de igual para igual
com os demais. E, pelos resultados pífios observados em Abu Dhabi no fim do ano
passado, quando foram para a pista no modelo 2014 adaptado ao motor nipônico, o
equipamento apresentou tantos problemas que a experiência foi completamente
infrutífera em termos de andamento de pista, mostrando que muito trabalho ainda
seria necessário para ter um desempenho aceitável.
A Honda certamente
sabia que este seu ano de retorno já seria trabalhoso, mas tinha a esperança de
que, com o correr do ano, as poucas mudanças que se pode fazer nas unidades lhe
permitiria pelo menos diminuir a desvantagem potencial, uma vez que os demais
fabricantes só poderiam evoluir também no mesmo ritmo, podendo mexer exatamente
nos mesmos setores do equipamento permitidos, sob as normas do regulamento que
congela o desenvolvimento. Confiando em fazer um trabalho mais eficiente em um
equipamento que teoricamente teria maior potencial, enquanto os demais estariam
mais próximos de seu limite técnico, a intenção era minimizar possíveis maus
resultados tidos como normais em um ano de retorno, ainda mais com um sistema
tão complexo de potência híbrida como o adotado atualmente. Mas, com a
possibilidade de os concorrentes melhorarem suas unidades por um tempo maior do
que os nipônicos, a tendência é que a desvantagem do equipamento japonês, a se
confirmarem no caso de uma performance ruim, ficaria ainda maior, em um
panorama inesperado que seria desonesto não só para com a Honda, mas para
qualquer novo fornecedor que viesse a entrar na categoria este ano.
É como mudar as regras
depois que você concorda em entrar na brincadeira. Ninguém entra em um
campeonato deste porte se não sabe onde está pisando exatamente, sabendo o que
pode o que não pode fazer. Ainda mais devido ao alto investimento demandado
para uma operação que envolve tanta tecnologia. A FIA anseia por atrair novos e
mais fornecedores de propulsores para a F-1, que teve apenas 3 marcas no ano
passado, um dos números mais baixos de sua história. A introdução da nova
tecnologia híbrida tinha como objetivo não só ajudar a desenvolver motores mais
limpos, como atrair novas marcas justamente interessadas em explorar esse novo
mercado de energia "ecológica", que anda em alta no mundo todo. O
retorno da Honda, muito atraída por este novo tipo de tecnologia a ser
desenvolvida, foi certamente comemorado por todos, ainda mais pelo histórico de
sucesso da marca nipônica nos anos 1980 e início dos anos 1990. E, à boca
pequena, fala-se que outras marcas, ainda que sem confirmar nada oficialmente,
já estariam de olho na possibilidade de entrar e/ou retornar à F-1, para, tal
como os japoneses, desenvolverem este tipo de tecnologia no campeonato mais
famoso do planeta.
Mas, e agora? Por mais
justo e coerente que pareça negar à Honda a chance de manter o desenvolvimento
de sua unidade após sua homologação, ao dar aos demais a chance de homologar
sua unidade depois cria uma penalização inesperada para quem está entrando. E eles
ainda tem sorte de ser "apenas" a Honda. Se outros fabricantes
estivessem para estrear, tal como os nipônico, mais gente estaria
"enquadrada" nesta desvantagem, que certamente traz alguns benefícios
para quem já está por lá. McLaren e Honda estão tentando argumentar com a FIA
para não sofrerem esse tipo de "punição", mas a entidade já está
enrolada de qualquer maneira. Seja qual atitude tomar, a Federação
Internacional de Automobilismo já começa o ano com um novo revés em sua
credibilidade. O menos danoso agora seria simplesmente forçar os fabricantes
estabelecidos a homologarem suas unidades também em 28 de fevereiro. Isso
voltaria a igualar as condições, mas ao mesmo tempo, seria mudar as regras do
jogo com o campeonato em andamento, e este tipo de atitude sempre gera ainda
mais descrédito. Para não mencionar que Renault e Ferrari ficariam novamente
furiosos com a perda de uma chance potencial de reverterem suas desvantagens
perante a Mercedes, que certamente veria com bons olhos a chance de manter sua
vantagem inicial. Mas pior seria manter a "brecha" do regulamento e
permitir a data de homologação a bel prazer dos fabricantes, que criaria um
desnível maior para com as unidades da Honda, para não falar que o tempo a mais
de desenvolvimento implicaria no aumento de gastos, algo que a Mercedes, claro,
diz ser contra (por motivos óbvios, já que está em vantagem perante os demais),
sem falar que estes gastos iriam impactar nas finanças de vários times, que já
não andam com a saúde financeira em dia propriamente. Mas vá explicar isso para
a Ferrari e para a Red Bull? Os outros que se danem, se não aguentam o
tranco...
Se as conversas da
Honda e da McLaren com a FIA não conduzirem a uma solução "pacífica",
o caso pode ir parar nos tribunais, e com a F-1 precisando se mostrar um
campeonato atrativo - leia-se no campo empresarial, que detesta rolos e confusões,
e com escassez de patrocinadores atualmente, é preciso mais do que nunca achar
uma saída para esta confusão que a própria entidade arrumou para si. E se
lembrarmos tudo que a FIA já aprontou nos últimos anos, dizer que a cartolagem
do esporte a motor tem uma tara estranha por se enrolar sozinha, é chover no
molhado, e podemos afirmar que eles conseguiram se superar novamente este ano,
antes que qualquer carro sequer ainda fosse para a pista. Definitivamente, está
começando o ano com o pé esquerdo...
Pois que tratem de se
virar para consertar a confusão que eles próprios criaram. Não estarão fazendo
nada menos do que a obrigação...
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