Há
pouco mais de uma semana para o início da pré-temporada do campeonato da
Fórmula 1 deste ano, o panorama econômico da categoria já prenuncia um ano
complicado no campo financeiro, e que pode ficar ainda pior se não forem
tomadas medidas preventivas a respeito.
Não
é segredo para ninguém que o certame de 2014 terminou com dois times falidos.
Marussia e Caterham sucumbiram aos elevados custos necessários para se competir
na categoria máxima do automobilismo. Tony Fernandes, depois de gastar muito
dinheiro e seu tempo tentando fazer seu time crescer desde sua estréia na
competição, em 2010, resolveu largar a F-1 e ir cuidar de outros interesses
menos infrutíferos. Os novos donos da Caterham não demoraram para ver a fria em
que se meteram, e quiseram pular fora também. Chegaram ao cúmulo de disputar a
etapa final, em Abu Dhabi, graças a uma vaquinha virtual. A Marussia nem isso
conseguiu, e já vendeu boa parte de seus pertences, inclusive o prédio de sua
sede, na Inglaterra, que servirá de base européia para o time de Gene Hass, que
pretende estrear na categoria em 2016. Porém, o mais incrível é ouvir conversas
de que ambos os times estarão - ou pelo menos tentarão, alinhar no grid na
Austrália, iniciando a disputa da competição. Como eles farão isso, não faço
idéia. Qualquer um teria de ser maluco para colocar um time em condições de
competição na F-1 do jeito que as coisas se encontram.
E
temos pelo menos mais 3 times na corda bamba em termos financeiros: Lotus,
Sauber, e Force India. A escuderia de Vijay Malliya já não anda bem das pernas
nas últimas temporadas, mas o empresário indiano tem conseguido manter o time
de F-1 relativamente estável na categoria. Só que, com seus negócios na Índia
indo mal, a escuderia foi buscar verbas adicionais no México, em boa parte
graças a Sérgio Pérez, que conta com aporte das empresas do empresário Carlos
Slim, e que graças ao retorno do país ao calendário nesta temporada,
arregimentou também mais alguns patrocínios para garantir o orçamento da
competição nesta temporada. Só que isso não poupou o time de ter de apertar o
cinto: os testes da pré-temporada começarão com o carro do ano passado
modificado com as inovações que estarão presentes no modelo 2015, de modo que o
novo chassi só estreará mesmo na segunda bateria de testes, no dia 19 de
fevereiro, na pista de Barcelona. De positivo sobre a situação, apenas o fato
de que a escuderia deve manter relativamente sua estabilidade financeira, sem
lucros, mas também sem dívidas propriamente, o que não é pouco.
No
ano passado, a Lotus também só mostrou seu carro novo na segunda sessão de
testes, devido à falta de recursos, inclusive faltando à primeira sessão
coletiva. Seu argumento, para inglês ver, claro, de que estavam finalizando
melhor seu carro 2014, foi por água abaixo quando se viu que o time quase nada
conseguiu no ano passado, depois de ter sido sensação nos anos de 2012 e 2013.
E o time inglês, novamente, tem de apertar o cinto mais do que nunca, pois a
verba encolheu significativamente nesta temporada. Se conseguiu manter o
patrocínio da PDVSA, num momento em que a economia da Venezuela enfrenta uma
crise monumental, por outro lado perdeu alguns patrocínios importantes, como da
Rexona, que se mudou de mala e cuia para a Williams. Para complicar a situação,
Pastor Maldonado andou arrumando algumas confusões no ano passado, que só
ajudaram a debilitar ainda mais as finanças. O time conseguiu mudar para os
motores da Mercedes nesta temporada, o que em tese deverá ser um problema a
menos em termos de performance, mas ninguém garante que com os recursos ainda
mais limitados do que já estavam, o corpo técnico de Enstone consiga apresentar
um monoposto com uma performance muito superior ao de 2014, ou pelo menos que
permita ao time se posicionar melhor entre os concorrentes. Na busca por mais
patrocínio, fala-se que até mesmo o nome do time pode mudar, bem como o visual
preto e dourado. Vale lembrar que o grupo Lotus não injeta nenhum recurso no
time, ao contrário do que aconteceu há alguns anos, quando a escuderia mudou o
nome de Renault (que já não pertencia mais à Renault) para Lotus, com aval da
marca de carros. A escuderia pôde manter o nome Lotus, mas sem ter vantagens
financeiras por isso, a adoção de uma nova denominação, que poderia advir da
entrada de um novo sócio e/ou patrocinador, é algo mais do que desejável. E
ainda tem uma longa lista de dívidas dos últimos anos a serem quitadas, que só
ajudam a tornar o balancete mais negro do que a pintura que os carros usaram
nos últimos anos...
E
se tem um time que irá precisar operar com toda a precisão de um relógio suíço,
é justamente a Sauber. A escuderia terminou 2014 com inúmeras dívidas a quitar,
e precisou contratar dois pilotos pagantes para resolver a situação. Mas o buraco
era tão embaixo que, segundo se noticiou estes dias, toda a verba trazida pela
nova dupla de pilotos já teria sido utilizada no pagamento das dívidas da
escuderia, e os poucos recursos que sobraram não permitiram ao time nem mesmo
construir o novo carro, que pode até ter de estrear na última sessão coletiva
de testes, segundo algumas fontes, afirmando que a construção do novo carro
está pra lá de atrasada, devido à penúria de recursos. Em outras palavras, a
construção do carro de 2015 teve de ser parada por não haver material e
recursos para se trabalhar. Como desgraça pouca é bobagem, o time de Peter
Sauber teve em 2014 sua pior temporada na F-1, sem conseguir marcar um ponto
sequer, e sem conseguir levantar até mesmo a presença de um patrocinador principal,
tendo sua maior fonte de receitas vindo dos patrocínios mexicanos trazidos por
Esteban Gutiérrez, que foi dispensado este ano, e por tabela, também os
patrocínios. A má temporada também se refletiu na premiação recebida da FIA de
acordo com o campeonato de construtores, e terminando lá atrás, a grana
recebida da FOM foi bem menor do que a do ano anterior, ajudando a deixar o
time em situação ainda mais delicada financeiramente. A menos que consigam
novas fontes de renda - leia-se mais patrocinadores, a Sauber pode até começar
o ano, mas terminá-lo será complicado, e mesmo que tenha meios para ir até o
fim do campeonato, o desempenho da escuderia tende a ser o pior do grid, pela
ausência de recursos para desenvolver o carro 2015.
Se
Force India parece pelo menos ter maiores condições de manter seu nível, Lotus
e Sauber estão mais debilitadas do que nunca, a ponto de se especular que podem
até sumir do grid durante a temporada, se não conseguirem arrumar novos
patrocinadores que ajudem a estancar a escassez de recursos que terão de
administrar. Isso seria desastroso para a F-1, que se veria com apenas 7 times
e 14 carros no grid, fazendo retornar a discussão sobre a obrigatoriedade de
alinhar 3 carros por escuderia para "encher" a competição. E isso, conforme
já discorri em outra coluna, não é exatamente a solução para a crise que afeta
a categoria, apenas um sintoma dos problemas que ela teima em não enfrentar com
a seriedade necessária.
Aliás,
se acontecer o pior, e Lotus e Sauber fecharem as portas, nem mesmo obrigar os
demais times a competir com 3 carros vai aliviar a barra da F-1. A Force India muito
provavelmente não conseguiria aguentar o tranco, e a categoria poderia ficar
então somente com 6 times - Mercedes, Red Bull, Williams, Ferrari, McLaren, e
Toro Rosso, sendo que esta última só aguentaria a parada por pertencer à Red
Bull, que garante pelo menos as condições para o time disputar a competição (o
que não quer dizer que tenham o mesmo orçamento polpudo da escuderia matriz).
Mas mesmo assim, teríamos apenas 18 carros com 6 times alinhando 3 monopostos,
e empataríamos com o panorama atual, que fará da temporada de 2015 um dos grids
mais enxutos da F-1 em sua história. E isso se todos estes 6 times colocassem
cada um 3 carros. Apesar de todos eles no momento não terem problemas com relação
a seus orçamentos, isso não significa que tenham fundos a perder de vista; a
Williams, por exemplo, apesar de seu "renascimento" em 2014, e do
reforço de seu orçamento para esta temporada, já admitiu que seus recursos
disponíveis não são tão amplos como os dos demais times de ponta. Urge
encontrar novos interessados em investir nas escuderias.
E
conseguir patrocinador anda sendo uma tarefa bem complicada. Se times pequenos
e de meio do grid sempre tiveram dificuldades em obter patrocínios, em maior ou
menor grau, o que dizer quando até mesmo um time grande, a McLaren, ficou
praticamente com o carro "virgem" no ano passado? Pois é, o time de
Woking disputou o campeonato de 2014 sem quase nenhum patrocinador no carro,
ostentando a carenagem praticamente limpa em quase toda a sua totalidade. Para
este ano, até o presente momento, o time inglês ainda não conseguiu firmar
nenhum contrato com um nome de peso para figurar como "sponsor"
principal da escuderia, como acontecia nos tempos em que tinha a Malboro, West,
e Vodafone. Ron Dennis afirmou que não vai aceitar patrocínios
"baratos" na McLaren, o que indica que no ano passado o time só não
correu com o apoio de mais marcas porque o dirigente não quis aceitar receber
valores baixos por isso. Pelo histórico da escuderia, sua argumentação é de que
só nomes de peso - leia-se grana vultosa, seriam aceitos, e que se aceitasse
qualquer marca por qualquer valor, iria desprestigiar o nome McLaren. Dennis
chegou a afirmar que não precisaria de patrocínio para correr. Exagero? Talvez.
O grande trunfo de Dennis foi ter transformado o que era apenas um time de F-1
em um grande centro tecnológico, colocando a grande capacidade de engenharia
disponível para produzir outros sistemas e produtos, ajudando a tornar isso uma
grande fonte de renda, e assim, minimizando a dependência dos patrocinadores
necessários para bancar a escuderia. O time de Woking anunciou há pouco a
entrada da CNN como um de seus patrocinadores para a temporada, mas a emissora
de TV americana não será o apoio principal da escuderia para a temporada de
2015.
Mas,
se a McLaren pode se dar ao luxo de ignorar alguns patrocinadores, situação que
deve ser facilitada ainda mais com a parceria com a Honda a partir deste ano,
com o aporte financeiro dos japoneses, o fato de não ter aparecido um grupo de
peso disposto a patrocinar a escuderia, uma das mais vitoriosas da história da
F-1, é um sintoma perigoso de que a fonte de recursos anda bem escassa. Os
patrocinadores não vão desaparecer, mas a imensa maioria deles certamente não
vai aceitar bancar os valores absurdamente elevados necessários para um time
competir de maneira decente no campeonato nos moldes atuais. E a Europa, um dos
principais mercados publicitários da categoria, ainda está em crise econômica,
e embora o pior tenha passado, muitas empresas estão bem mais exigentes com a
relação custo/benefício de suas verbas de publicidade, e para a grande maioria,
a categoria máxima do automobilismo não é atrativa com seus custos atuais.
Para
piorar a situação, na grande maioria dos novos países que passaram a sediar
corridas nos últimos anos, não surgiu em nenhum deles um grande apelo da
categoria para angariar patrocinadores de peso. Os indianos não ficaram
seduzidos pela F-1, apesar dos esforços de Vijay Malliya com a Force India, e
Karun Chandhok, que competiu na categoria, não conseguiu despertar um clamor
nacional no meio empresarial além de seus apoios pessoais. Da mesma maneira, os
sul-coreanos também não abraçaram a categoria, a exemplo do que os japoneses
fizeram no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando o sucesso da
Honda desencadeou uma fúria patrocinadora entre várias empresas nipônicas para
entrar na F-1. Os turcos não entrariam nessa para perder dinheiro, e já
perderam até seu GP. Os chineses também não se empolgaram, e os americanos já
tem seus próprios campeonatos automobilísticos que lhe rendem muito mais do que
a "sisuda" F-1. Os russos até que poderiam embarcar nessa, mas as
últimas confusões arrumadas por Vladimir Putin em relação à Ucrânia azedaram o
clima.
Na
verdade, enquanto os governos destes novos países aceitarem pagar as taxas
exorbitantes cobradas por Bernie Ecclestone, tanto faz se o povo do país em
questão vai se empolgar ou não. Como os GPs são realizados mais como forma de
se autopromover, mesmo que deem prejuízo deverão continuar bancando a
brincadeira. E acreditem, ainda tem gente na fila querendo fazer parte desta
festa. Só que nem todo mundo que já está dentro está se divertindo como se
imagina. Nurburgring que o diga: o autódromo alemão deveria sediar o GP da
Alemanha desta temporada, em um revezamento que faz com a pista de Hockenhein,
para minimizar os gastos. Só que o grupo que administra o circuito, atolado em
dívidas, não tem como bancar as taxas da FOM, e sem pagamento, nada de corrida.
Bernie, por sua vez, já teria "jogado" a corrida para Hockenhein, só
que os administradores do circuito próximo a Heidelberg já avisaram que não dispõem
dos recursos para organizar a corrida este ano. Trocando em miúdos: a Alemanha
pode ficar sem seu GP na temporada.
A
situação só fica ainda mais complicada quando lembro de ter visto lances de
arquibancadas praticamente vazios em Hockenhein ano passado, um panorama
desolador que pode decretar o fim da corrida, pela falta de interesse dos
alemães, que no momento tem outras categorias mais atrativas para se
divertirem, como o DTM. Os altos preços podem levar à perda da corrida alemã,
algo catastrófico se levarmos em consideração que o time campeão do mundo é
alemão, e eles têm o atual vice-campeão do mundo, (Nico Rosberg) e um
tetracampeão correndo pela Ferrari este ano (Sebastian Vettel).
Para
piorar o que já anda ruim, tanto Bernie Ecclestone como a FIA parecem ignorar
os sinais crescentes da crise financeira que ameaça tragar a F-1, ou pelo menos
ficam insinuando que o problema não é com eles. Muito pelo contrário.
Ecclestone enfiou várias corridas a mais no calendário, muitas delas longe da
Europa, onde consegue arrancar mais dinheiro das taxas de realização de
corridas. Só que isso implica em mais despesas para as escuderias, que tem de
deslocar seus equipamentos por via aérea, e mesmo com a franquia de transporte
da FOM para os times neste procedimento, as escuderias ainda gastam bastante
para estarem presentes às corridas. E o chefão da FOM continua com sua
mentalidade retrógrada, ignorando recursos de potencial ampliação da penetração
da F-1 em novos estratos e mercados através das redes sociais e da internet,
apenas pelo fato de isso não render dividendos diretos para ele, podendo cobrar
seus preços. Isso afasta a categoria de um público alvo que teria muito a
oferecer, em especial na renovação dos fãs da categoria, que cada ano vão
ficando mais velhos, e que poderá implodir a audiência do certame em futuro bem
próximo.
Ignorando
a internet e as redes sociais, a F-1 joga fora uma opção potencial de grande
apelo, que poderia se traduzir em vários apoios publicitários que ajudariam a
aliviar ou até a solucionar a crise de patrocínios tradicionais da categoria.
Mas, ao mesmo tempo, a própria F-1 não se mexe para adotar medidas que poderiam
diminuir os custos de competição que continuam extremamente elevados. Nunca
tantos tiveram de apertar o cinto na categoria, e o pior de tudo é que o cinto
está ficando cada vez mais apertado. Uma hora, contudo, não será possível
apertar mais sem causar um estrangulamento fatal. E nessa hora, a F-1 poderá
não conseguir manter sua capacidade de sobrevivência como vem fazendo em todos
os seus anos.
Sinais
de crise aparecem por todos os lados, e não apenas na categoria máxima. Na
Indy, a Ganassi, um dos maiores times da categoria norte-americana, demitiu
recentemente vário funcionários e deverá alinhar apenas 3 carros, ao invés de
4, por falta de recursos, e olhe que é um certame com gastos bem menos vultosos
do que a F-1. E, no pior dos cenários, a F-3 inglesa, o mais respeitado certame
do mundo na modalidade, acabou no ano passado, não sendo mais disputado este
ano, panorama similar ao da F-Renault inglesa, pela falta de times e
patrocínios que ajudassem a manter as competições.
É
só questão de tempo até tudo isso causar impacto na F-1. O problema é que, pelo
seu gigantismo, quando a crise bater com tudo, o estrago será igualmente
gigante. Resta esperar que os dirigentes criem juízo e tomem as atitudes
necessárias para tentar pelo menos achar uma solução para o problema. Ou os
cintos chegarão ao seus limites...
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