Na última
segunda-feira completou-se 40 anos do início oficial do sonho de se ter uma
escuderia brasileira disputando a Fórmula 1. Exatamente: no dia 12 de janeiro
de 1975, a
equipe Copersucar disputava seu primeiro Grande Prêmio na categoria. Foi a
primeira e única escuderia brasileira a se aventurar na categoria máxima do
automobilismo. Um feito para a época, e que tão cedo não se repetirá. Um sonho
de um piloto que desejou competir com seu próprio carro, e levar adiante o nome
de nosso país nas pistas. Um sonho que na maior parte do tempo tornou-se um
pesadelo, e que terminou com muitas mágoas e desilusões.
Na época, poucos se
deram conta da enormidade do desafio que era abraçado, e da complexidade que era
competir na F-1, que mesmo ainda vivendo seus tempos românticos, nunca foi um
campeonato fácil. Hoje, justiça seja feita, a empreitada não apenas é entendida
e respeitada, mas na época, o esforço feito pelos Fittipaldi raras vezes contou
com a simpatia do público. Sobravam o deboche, as piadas, e o desprezo. Gerou
cicatrizes que demoraram para cicatrizar, entre elas, o fim da carreira de
Émerson Fittipaldi na F-1. O nosso primeiro grande campeão na categoria só iria
se reencontrar anos depois, disputando a F-Indy, e mostrando que ainda era o
grande piloto que encantara o mundo nos anos 1970.
Foi o irmão mais velho
de Émerson, Wilson Fittipaldi, quem teve a idéia de montar um time brasileiro
para competir. Wilsinho estreara na F-1 em 1972, mas ao contrário de Émerson,
nunca teve um carro decente na competição. A fama do irmão caçula não ajudava
muito, e Wilsinho tinha de levar dinheiro para correr. Foi assim em 1972 e 1973,
e sem bons resultados, resolveu aplicar seu dinheiro na construção do próprio
carro, e assim, direcionar melhor sua carreira. Poderia dar certo? Se tínhamos
visto Jack Brabham conquistar um título com um carro construído por ele
próprio, porque não? Certo, Babham já era bicampeão quando se lançou a ser
construtor, mas a idéia não era teoricamente tão maluca. E os Fittipaldi já
tinha construído carros para competirem no automobilismo brasileiro, portanto,
tinham alguma bagagem na área. Mas claro, a realidade se mostrou muito mais
implacável do que se imaginava. E o esquema muito mais simples que permitia
competir no Brasil logo se mostrou inviável para se competir na F-1. De início,
nem mesmo tinham uma sede, e não bastava apenas ter idéias, mesmo de gente
gabaritada; era preciso saber juntar os pontos de maneira consistente e
profissional.
O primeiro carro,
batizado de FD01, ficou pronto em outubro de 1974, e a estréia ocorreria no
campeonato de 1975, que começaria em janeiro, na Argentina. O projeto havia
ganhado grande impulso com a entrada da Copersucar no esquema. Com o apoio da
cooperativa de açúcar, a escuderia tinha um bom orçamento, não tanto quanto um
time de ponta, mas também não os deixava apertados. O monoposto, exibido no
Congresso Nacional, era lindo, e naqueles tempos do "milagre
econômico", significava mais um pujante indício da potência que o Brasil
estava em vias de se desenvolver. Além do generoso aporte da Copersucar, o
carro ainda tinha o apoio de várias outras empresas nacionais, como a Varga, e
até colaboração da Embraer no suporte aos estudos aerodinâmicos. E também começaram
a surgir as primeiras críticas, infundadas, por parte dos radicais
"nacionalistas", pelo fato do carro não ser 100% produzido no Brasil,
incomodados pelo monoposto usar motor da Cosworth e penus da Goodyear, entre
outros componentes que só eram encontrados e fabricados na Europa.
Antes os problemas
fossem só esses. Nos testes realizados com o carro, vários problemas surgiram,
mostrando a todos que a aventura que se iniciava seria mais complicada do que
imaginavam. Wilsinho havia conseguido reunir alguns nomes interessantes no
time, como Ricardo Divilla na área técnica, e Jo Ramirez para comandar o time,
mas mesmo assim, os desafios não seriam poucos. E a estréia, em Buenos Aires,
em janeiro de 1975, não poderia ser pior: largou em último, com Wilsinho ao
volante, pouco mais de 10 voltas depois, sofreu um acidente por falha mecânica,
com direito a uma batida forte e um incêndio no monoposto. O ano de estréia se
mostraria duro, mas com vários progressos: o carro foi sendo evoluído, passando
a ser o FD02, e depois o FD03, e o time procurava evoluir em todos os aspectos.
O problema é que a concorrência andava a passos tão ou até mais largos, de modo
que mesmo com todo o progresso efetuado pelo time, ele parecia não sair do
lugar. Ao fim da temporada, Wilsinho encerrava sua carreira na F-1, tendo como
melhor resultado naquele ano apenas um 10° lugar em GP, para se concentrar na
direção da escuderia, e para sua segunda temporada, seu grande trunfo seria a
vinda de Émerson para conduzir o carro brasileiro nas pistas do mundo.
Wilsinho Fittipaldi guiaria o Copersucar em sua primeira temporada. O carro estreou com um acidente e um incêndio no GP da Argentina de 1975. |
Na época, foi um
tremendo choque. Bicampeão, e duas vezes vice-campeão da categoria, Émerson era
considerado, ao lado de Niki Lauda, o grande nome da F-1. Deixar a McLaren,
onde tinha a garantia de disputar vitórias e títulos, para abraçar o projeto do
time brasileiro na categoria, foi vista por muitos como uma grande ousadia e sinal
de terminação e confiança. Seu imenso talento poderia ser a peça que faltava
para fazer o time decolar, uma vez que o irmão mais velho nunca demonstrou na F-1
ter o mesmo calibre do irmão caçula. E, com um ano de experiência, certamente a
Copersucar saberia evoluir e evitar os erros que a mitigaram no ano de estréia.
Pela lógica, tudo deveria melhorar. E serviria para calar os críticos do
projeto do time brasileiro, que lançavam piadinhas e deboche do carro nacional,
chamando-o de "açucareiro", entre outros adjetivos menos educados e
elogiosos.
Entre as armas para a
temporada de 1976, estava o novíssimo FD04, e a estréia, além de Émerson, de um
jovem talento nacional chamado Ingo Hoffman. O novo carro até mostrou potencial
para andar rápido, mas seu desempenho era irregular, ora andando bem em alguns
circuitos, ora andando lento na maioria dos demais, a ponto de Émerson até
mesmo ficar sem conseguir se classificar para alguns GPs, além de ter um baixo
grau de fiabilidade. E não demorou para os críticos que condenavam o
"Rato" por ter embarcado na Copersucar voltarem à carga total. E
ganharam ainda mais lenha para pôr na fogueira quando James Hunt foi campeão naquela
temporada, pilotando justamente o carro que era de Émerson no ano anterior, a
McLaren. Eles sabiam que se um piloto apenas bom como Hunt fora campeão, um
gênio como o brasileiro teria sido tricampeão naquele ano facilmente. E na
época, após os desaires enfrentados em uma temporada que se mostrou mais
infrutífera do que todos imaginavam, o próprio Émerson chegou a dizer que o
pensamento de ter vencido o certame de 76 se tivesse continuado na McLaren
havia passado por sua cabeça.
Na maior parte as críticas
ao projeto da Copersucar eram exageradas e sem nenhuma base lógica, apenas o
inconformismo de muitos que acharam que seríamos na F-1 o mesmo que éramos no
futebol. Os maus resultados foram atribuídos de maneira indiferente tanto ao
carro quanto ao próprio Émerson. Se os resultados não apareciam, é porque ambos
haviam sido ruins. A grande maioria ignorava os percalços e os problemas de se
fazer funcionar um monoposto de F-1, além de gerenciar de forma coesa e
competente uma escuderia. E o fato de usarem os mesmos pneus e motores do que
time que fora campeão não ajudava a maneirar as críticas: todo mundo achava que
os motores Cosworth à disposição da McLaren eram iguais aos fornecidos à
Copersucar, quando na verdade tinham preparadores diferentes, apesar de serem
os mesmos motores basicamente. Mas vai explicar isso para alguém leigo na
época. A maior parte das matérias na imprensa era redigida por gente com pouca
compreensão do assunto, e havia poucos nomes verdadeiramente íntimos dos
detalhes que ocorriam no mundo das competições a motor, que mesmo fazendo boas
matérias, eram poucos diante de muitos que não entendiam a situação como ela
realmente era.
No ano de 1977, apesar
da nova cor amarela nos bólidos em substituição ao prata usado nos dois
primeiros anos, os problemas continuaram, com a escuderia enfrentando altos e
baixos durante a competição com o novo modelo FD05. Só no ano seguinte o clima
melhoraria de fato, com o novo FD05A a proporcionar à escuderia sua melhor
temporada na competição, com Émerson a conseguir um triunfal 2° lugar
justamente no GP do Brasil, que naquele ano de 1978, fora realizado em
Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Apesar de ainda enfrentarem vários problemas, a
performance do carro foi melhorando, e foi o melhor ano da Copersucar até então,
terminando em 6° lugar, com 17 pontos no campeonato, e um pódio. Iria
finalmente decolar na categoria? As perspectivas eram boas, e fizeram calar os
críticos e piadistas que enchiam o saco até o fim de 1977, tachando o time de
"maior fracasso da história do automobilismo nacional", entre outras
críticas tão ou até mais descabidas, se esquecendo de mencionar que haviam
outros times na F-1 até com mais recursos e obtendo até menos resultados do que
o time brasileiro. Como se pode ver, não é de hoje que boa parte do público não
sabe o que fala sobre certos assuntos...
Mas tudo de bom que
havia sido conseguido em 1978 foi por água abaixo em 1979. O modelo FD6
mostrou-se um desaire impossível de se tirar algo positivo em termos de
performance, por mais que se trabalhasse nele. Com a concorrência evoluindo a
olhos vistos, o velho FD05A foi usado até a exaustão, enquanto remendavam o
carro novo do jeito que era possível, sem dar resultado. O ano que prometia ser
o do crescimento definitivo da Copersucar acabou sendo na verdade o ano do seu
"enterro": o time nunca mais se recuperaria dos eventos daquela
temporada.
Além de um prejuízo
monstruoso com o alto investimento feito no FD06, a temporada abaixo da crítica,
onde Émerson e a escuderia terminaram em últimos entre os que pontuaram,
levaram o time a perder o apoio da Copersucar. As críticas da torcida, e até da
imprensa retornaram com tudo, e estavam piores do que nunca. De certa forma, a
escuderia tornou-se um bode expiatório para a situação do Brasil, que até certo
ponto se espelhava no rumo da escuderia: os tempos do "milagre
brasileiro" haviam ficado para trás, e o que se viu depois foi uma crise
econômica e o aumento implacável da inflação. O país que finalmente se colocaria
em destaque no mundo andava para trás na competição internacional; a ditadura
militar começava a balançar, e ainda seria necessário esperar vários anos para
a democracia voltar a nossa pátria. O otimismo havia se esvaído, e até mesmo o
futebol parecia dar as costas aos torcedores, com nossa seleção sem conseguir
vencer as Copas de 1974 e 1978.
A frustração aumentava cada vez mais, e a equipe dos
Fittipaldi, com sua temporada desastrosa, parecia lembrar a todos que nosso país
não avançava como prometia, e isso deixava os ânimos exaltados. Ao fim de 1979,
Émerson e Wilsinho tomaram uma decisão que deviam ter feito desde a criação da
escuderia: mudar a sede para a Inglaterra, onde teriam pelo menos paz para
trabalhar, sem a encheção de saco dos compatriotas.
Em termos financeiros,
a temporada de 1980 foi a última onde o time, agora chamado apenas de
Fittipaldi, teria algum fôlego financeiro. A perda da Copersucar foi compensada
pelo patrocínio da cervejaria Skol, e a escuderia ganhou bons reforços com a
aquisição do staff e da estrutura do time de Walter Wolf, que fechou em 1979. A escuderia ganhou
também o reforço do piloto Keke Rosberg, que começou a andar mais até do que Émerson,
o que demonstrava que o bicampeão já não tinha mais a mesma motivação de antes,
e pior, a própria F-1 já perdia a fé não apenas no ex-campeão, mas na própria
escuderia. A temporada até começou bem, com os pódios de Rosberg na estréia da
competição, na Argentina, e de Fittipaldi em Long Beach, ambos em 3° lugares,
mas os problemas não tardariam a complicar novamente a vida da escuderia. E, no
fim do ano, o que todos já esperavam: fim do patrocínio da Skol, e adeus à
pouca estabilidade financeira. Émerson Fitipaldi resolveu encerrar sua carreira
na F-1, e ficar apenas na direção do time. Era o fim de uma era para o Brasil
na categoria, onde foi emblemática a prova de Long Beach, vencida por Nélson
Piquet. Na última vez que Émerson subiu ao pódio, o fez na companhia de outro
brasileiro que vencia pela primeira vez na F-1. Os torcedores que quisessem vitórias
agora tinham quem os representasse. O único consolo naquele ano foi ter andado
melhor do que a Ferrari, que fizera uma das piores temporadas de toda a sua
história, e ter empatado nos pontos com a McLaren, em seus últimos dias antes
da união com a Project Four de um certo Ron Dennis...
Sem patrocínios
fortes, a temporadas de 1981 e 1982 foram um verdadeiro calvário, com quase
nenhum resultado, e dívidas e contas se acumulando, até que ao fim de 1982
Wilsinho e Émerson decidiram que era hora de encerrar o belo sonho que tiveram,
mas que virara um pesadelo na maior parte do tempo desde 1975. Sem conseguir
pontuar em 1981, o time correria apenas com um carro em 1982, com Chico Serra
como piloto, mas nem conseguiu terminar a temporada, fazendo sua despedida
oficial no GP da Itália daquele ano. Um mísero ponto foi tudo o que
conquistaram em seu último ano, ao fim do qual não tinham absolutamente condição
alguma de prosseguir. As dívidas já chegavam nos US$ 8 milhões, não tinham
motor e nem pneus ou pilotos para 1983. Parar foi a única opção.
Os irmãos Fittipaldi
tiveram de encarar a realidade: o sonho fracassara, mesmo com eles dando o máximo
de si. Muitos erros foram cometidos por ambos na gestão da escuderia, é
verdade, mas em vários momentos eles tiveram oportunidade de brilhar mais do
que vários outros times de maior renome. Foram 103 provas, com um total de 44
pontos conquistados, e 3 pódios. Wilsinho e Émerson tiveram de se desfazer de
boa parte de seu patrimônio para saldar as dívidas deixadas pela escuderia, mas
saldaram todas as pendências e trataram se seguir a vida. Depois de alguns
anos, ambos retomaram as carreiras de pilotos: Wilsinho passou a competir no
automobilismo nacional e a coordenar a carreira do filho Christian, enquanto Émerson
foi para os Estados Unidos, e passou a competir na F-Indy original, onde voltou
a vencer e a ser campeão, recuperando o prestígio e a fama perdida anos antes.
Apesar dos poucos
resultados, a façanha dos Fittipaldi merece respeito, pelo desafio que
enfrentaram, nunca esmorecendo nem nos piores momentos, lutando sempre da
melhor maneira que podiam, e nem sempre tiveram o apoio e a compreensão merecidas.
A torcida e a imprensa só mostravam interesse quando surgia algum bom
resultado, praticamente desaparecendo quando não havia um bom resultado. A TV
Globo, por exemplo, deixou de exibir muitas corridas por conta dos maus
resultados, e sem exposição na TV, os patrocínios não rendiam, e as empresas
nacionais que poderiam dar uma força ficavam reticentes em apoiar o time. E a rejeição
da torcida, por vezes irracional, também afugentava as empresas, que temiam ser
associadas ao fracasso da escuderia. As poucas vozes que noticiavam as coisas
com imparcialidade e sobriedade não conseguiam vencer a corrente negativista
que se formara na maior parte da imprensa e torcida.
Os 40 anos da estréia
oficial da Copersucar-Fittipaldi merece respeito e comemoração. A única
escuderia brasileira a competir na F-1 teve seus momentos heróicos e
fracassados, mas foi a única tentativa nacional de fazer parte efetivamente da
categoria, algo que muitos países nunca tiveram, e que nos tempos atuais,
parece mais difícil e complicado do que nunca. Wilsinho e Émerson merecem todas
as honras pelo sonho que tiveram e por darem tanto de si na tentativa de
concretizar o seu sonho. Mantiveram-se firmes e fiéis a ele tanto quanto
puderam. É muito mais do que muita gente costuma fazer, tendo seus sonhos e
nunca mexendo um dedo ou fazendo qualquer esforço para realizá-lo. Pode-se criticá-los
por muita coisa, mas nunca de não perseguirem o seu grande sonho.
Wilsinho e Émerson,
parabéns por terem lutado por seu sonho como poucos fizeram. Mereciam melhor
sorte do que tiveram. Pelo menos hoje muitos dão o devido valor ao que
conseguiram realizar, e isso já é um bom começo. E viva os 40 anos da equipe
Fittipaldi!
Com patrocínio da Skol, Émerson disputou sua última temporada na F-1, em 1980. O bicampeão só voltaria a ficar em evidência no fim da década, competindo na F-Indy original. |
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