sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A SINUCA DE ALONSO



Fernando Alonso precisará baixar sua crista de galo se quiser voltar à McLaren. Depende apenas dele...ou ficar sem carro, praticamente, em 2015.

            Fernando Alonso está numa sinuca de bico. Demitido da Ferrari, o asturiano, em tese, já teria fechado acordo com a McLaren para a próxima temporada, quando o time inglês terá novamente como parceiro a Honda. Mas, a situação do bicampeão não anda tão fácil como se sugere...
            Primeiro, ainda não há nenhum comunicado oficial. Américo Teixeira Jr. cravou em seu site, o Diário Motorsport, que Alonso corre pelo time inglês em 2015 (www.diariomotorsport.com.br), e quando indagado sobre a possibilidade de Lewis Hamilton deixar a Mercedes para o ano que vem, Niki Lauda também afirmou que o piloto espanhol vai correr mesmo por lá. Tudo bem que, no mundo por vezes nebuloso das negociações da F-1, até saírem comunicados oficiais, nada é garantido. E, então, desse modo, até o fechamento desta coluna, Fernando Alonso está sem time para correr no próximo ano.
            A nova direção da Ferrari resolveu mostrar quem é que manda, e depois de terem rifado Luca de Montezemolo, Alonso foi a nova "vítima" da nova postura da empresa, que sob o comando de Sergio Marchionne, será totalmente remodelada. Praticamente pouco depois, veio a notícia de que Sebastian Vettel está fora da Red Bull em 2015, e o time, mais ligeiro do que nunca, já anunciou no mesmo instante a promoção do russo Dannil Kvyat para o lugar o tetracampeão no próximo ano. Como o destino de Vettel é a Ferrari, na prática isso deixa Alonso com apenas uma opção viável para o próximo ano: a McLaren. E a McLaren, diga-se de passagem, precisa mais do que nunca de um piloto com suas qualidades. Então, a contratação de Alonso pelo time é o que ambos estão precisando, não? Mas o cenário não é tão cor-de-rosa assim entre ambos.
            Fernando Alonso defendeu a McLaren em 2007. A seu lado, um estreante na F-1, Lewis Hamilton, piloto que vinha sendo preparado pela escuderia há anos. Todos achavam que seria o caminho natural Alonso comandar o time e Lewis, em seu primeiro ano na categoria, seguir seus passos e aprender os macetes da equipe e do campeonato. Só que Hamilton tinha outras idéias, e atrevido como ele só, resolveu passar à frente de Alonso. O clima começou a desandar a partir da prova do Canadá, onde Lewis faturou sua primeira pole e vitória, e Fernando entrou em parafuso: enquanto o novato comandava a corrida, o asturiano errava a torto e a direito, tendo terminado nas últimas posições de pontuação, e tendo que disputar lugar na pista com quem normalmente só via na condição de retardatário.
            Acostumado a comandar um time, Alonso não engoliu ver um novato dividindo com ele as glórias no time, e o clima na escuderia pegou fogo. Como desgraça pouca é bobagem, o time inglês ainda se viu enrolado no lance da espionagem dos projetos da Ferrari, com dados sigilosos sendo trocados para a McLaren através de Nigel Stepney e Mike Coughlan. Tentando tirar proveito da situação, Alonso se colocou contra o time, denunciando a situação, se Hamilton não tivesse as suas asas "podadas" pela escuderia. Ron Dennis resolveu não ceder, e Alonso então botou a boca no trombone, contando o que sabia. Resultado: McLaren excluída do campeonato de construtores, multada em US$ 100 milhões, e o espanhol tendo de correr contra o próprio time. Ao final da temporada, com a perda do título de pilotos para a Ferrari, e com o clima péssimo, Ron Dennis e Fernando Alonso desfizeram o contrato que ainda previa mais dois anos do bicampeão em Woking. No que dependesse unicamente de Ron Dennis, Alonso nunca mais pilotaria para a McLaren.
            Restou a Alonso retornar à Renault, onde tinha sido bicampeão, mas o time já não era mais o mesmo de antes. Depois de dois anos, enfim conseguiu ir para a Ferrari, onde esperava novamente ser campeão. Mas a parceria enfrentou altos e baixos. Centralizador, egocêntrico, entre outras qualidades pouco admiráveis, Alonso se acostumou a trabalhar com o time voltado unicamente para si. Gosta de dar palpites de como deve ser o desenvolvimento dos trabalhos, ter poder de veto das decisões, entre outras coisas. E tem uma ciumeira danada quando o companheiro de equipe tem algum momento melhor do que ele. Ainda mais depois do que aconteceu entre ele e Hamilton.
            Ciente de que é, talvez, o melhor e mais completo piloto de todo o grid, Alonso não suporta a idéia de ver outros pilotos, em sua opinião menos capazes, serem campeões. Imaginou que na Ferrari poderia repetir o sucesso obtido por Michael Schumacher, e a escuderia, por sua vez, também achou que Alonso era a resposta para voltar a ser campeã, mesmo tendo tido apenas o ano de 2009 de resultados ruins. Só que a Ferrari, em si, já não era mais a mesma dos tempos de Schumacher, e Alonso, mesmo sendo tão bom quanto o heptacampeão em termos de pilotagem, não deu sorte na montagem do time. Se é verdade que tudo quase deu certo em 2010, ano de sua estréia, quando só não foram campeões por errarem feio na marcação de estratégia da corrida decisiva, em Abu Dhabi, os anos seguintes foram menos generosos. Com a supremacia da Red Bull e de Sebastian Vettel, Alonso ficou relegado a ser, no máximo, vice-campeão, feito que conseguiu em 2012 e 2013, sendo que apenas em 2012 houve disputa ferrenha, com o espanhol perdendo o título por poucos pontos. No ano passado, quando Vettel encaixou 9 vitórias consecutivas, tudo o que Fernando pode fazer foi lutar pelo vice, reduzido a um coadjuvante de luxo.
            Vira aqui, revira ali, e a Ferrari em poucos momentos teve em mãos o carro vencedor que Alonso esperava. Na grande maioria das corridas, o espanhol teve de dar tudo de si e mais um pouco para chegar aos melhores resultados possíveis. E, com o tempo passando, seu bicampeonato já é algo de quase 10 anos atrás. Alonso ainda é jovem, tem 33 anos, e certamente ainda tem pelo menos uns 5 anos pela frente na F-1. O problema é que ele quer ser campeão, e sua sede de título junto com a impaciência, e por vezes, falta de tato, complicam sua situação. No ano passado, seu empresário o teria oferecido à Red Bull, o que deixou Luca de Montezemolo irritado, depois de algumas críticas ao bólido de Maranello. Este ano, novamente, andou se oferecendo, agora para a Mercedes. Alonso se convenceu que a Ferrari já desperdiçou todas as suas chances com ele, e ciente de que sua carreira pode entrar na descendente, quer de todo jeito um carro que possa fazer dele novamente campeão da F-1. E nem mesmo se dignou a esperar o bólido projetado por James Allison, que concebeu os eficientes carros da Lotus de 2012 e 2013 com os quais Kimmi Raikkonem terminou o campeonato entre os primeiros colocados. Allison não pôde mexer a fundo no carro deste ano, que se revelou outro fiasco, para não falar que a escuderia também cometeu erros crassos no novo motor turbo V-6, o que fez a paciência do espanhol, diante do domínio da Mercedes, acabar de vez em Maranello.
            O problema é onde arrumaria um carro "digno" de fazê-lo novamente campeão. Na Red Bull, Alonso não entra. O time tem seu programa de desenvolvimento de pilotos, e medalhão convencido como é, Fernando não é bem visto por lá, onde certamente criaria atritos com Helmut Marko, que certamente não iria aturar o espanhol. E este, por sua vez, também não se intimidaria com o homem de confiança de Dietrich Mateschitz. Acostumado a ser o único galo em seu terreiro, seria briga na certa. Com a saída de Vettel, qualquer esperança de Alonso foi podada logo de cara com a confirmação de Kvyat para seu lugar. Na Mercedes, em que pese o clima de guerra dentro do time entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, a escuderia está satisfeita com os pilotos, e Alonso só teria a mínima chance de ir para lá em 2016, e isso se o time não optasse por contratar Valtteri Bottas, que vem sendo uma das sensações do ano, e que ainda sairia muito mais barato do que o asturiano. E, dispondo dos melhores carros da competição, que este ano estão dominando com folga acachapante o campeonato, quem precisa de Alonso?
            Lotus? O time onde Raikkonem brilhou nas últimas duas temporadas sofreu desfalques contundentes em sua área técnica, e a limitação orçamentária impediu que o time produzisse um modelo competitivo este ano. Por mais que o time esteja tentando se reerguer, a única boa nova para 2015 é a troca do motor Renault pelo Mercedes, mas nada garante que o time de Enstone, que ainda atravessa um período de vacas magras em termos de orçamento, produza um carro vencedor para a próxima temporada. E, com caixa baixo, nada de salários astronômicos, como o que Fernando deseja receber. Talvez se o carro fosse garantido de ser vencedor e campeão, ele até corresse por menos, mas neste momento, o time negro e dourado não tem como dar garantia de nada para 2015 além de que terá um carro na pista. As incertezas são demais.
            Sobra mesmo somente a McLaren. E, para sua sorte, a Honda, que retorna no próximo ano, está investindo os tubos para voltar a ser a protagonista que foi no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990. E quer um nome forte para liderar o time da McLaren na pista. Alonso é o único disponível, uma vez que Vettel estaria a caminho de Maranello, enquanto Hamilton dificilmente trocará Brackley por um retorno a Woking, quando ainda tem mais um ano de contrato com os alemães, e com a certeza de ainda dispor de um carro potencialmente campeão em 2015.
            Ron Dennis sabe que, para levar a McLaren de volta ao topo, como querem os japoneses, precisa de um piloto como Alonso. E é somente por isso que ele está disposto a aceitar o espanhol de volta por lá. Mas com os times mais bem estruturados fechados para 2015, Fernando agora está num beco sem saída: a McLaren tornou-se sua única opção, e sabendo disso, Ron Dennis vai certamente usar de sua posição de vantagem para fazer o bicampeão baixar a crista e reduzir suas exigências. Do contrário, a dupla de sua escuderia para o próximo campeonato continuará sendo Jenson Button e Kevin Magnussem. Button é conhecido dos japoneses, e embora não seja considerado tão talentoso e completo como Alonso, daria para o gasto em seu ano inicial, quando se espera resultados apenas medianos no retorno dos japoneses à competição. Kevin Magnussem, que estreou este ano, vem mostrando potencial para crescer, e certamente é uma opção barata, e em ascenção, podendo ser uma estrela futura da categoria. Assim, se o contrato de Alonso ainda não foi firmado, o espanhol está numa sinuca de bico.
            O que estaria pegando é o fato de Alonso, ciente de que Hamilton pode resolver respirar novos ares após o fim de seu contrato de três anos com a Mercedes ao fim de 2015, querer um contrato de apenas 1 ano com a McLaren. Espertamente, ele iria fazer de 2015 apenas um ano de "transição", enquanto espera vagar o carro prateado campeão. Ron Dennis é contra essa postura, e quer Fernando comprometido com Woking por pelo menos 3 anos. Alonso sabe que a próxima temporada, por melhores que sejam as condições da Honda e da McLaren, será um ano de descobrimento. Não apenas a Honda precisará conhecer o seu patamar de competitividade, como a própria McLaren precisará voltar a produzir um chassi vencedor, o que não consegue desde 2012. O ano de 2015 então, pode apresentar três panoramas na McLaren: motor fraco e chassi pouco competitivo, com resultados ruins; motor potente e chassi pouco competitivo, com resultados apenas medianos, a exemplo do que ocorre este ano, onde mesmo contando com os poderosos motores da Mercedes, tem apenas 20% dos pontos do time de fábrica alemão, devido ao pouco competitivo MP4/29; e ainda podemos ter um motor fraco, e um chassi competitivo, o que também significaria resultados medianos, dependendo do nível dos concorrentes. É muito pouco provável que a Honda apresente um motor campeão logo de cara, assim como a McLaren produzir um carro extremamente competitivo, pelo menos, logo de cara.
            O time está se reorganizando, passando a contar com novos nomes na área técnica, que certamente estão trabalhando a fundo para produzir um chassi MP4/30 bem mais eficiente do que o carro deste ano. Mas o motor nipônico, segundo algumas informações, ainda carece de muito desenvolvimento, e mesmo estando sendo trabalhado há mais de um ano, deve iniciar 2015 atrás dos concorrentes, em posição similar ao que ocorreu com a Renault este ano. Disputa de título mesmo, alguns apontam, só em 2017, com o time voltando a vencer corridas em 2016, mas na expectativa de não ser totalmente eficiente nesse sentido.
            Claro que são projeções conservadoras. E Ron Dennis e a Honda sabem que um piloto do calibre de Alonso poderia acelerar bastante o cronograma. Mas isso não é garantia de resultados. pode até dar tudo certo e a McLaren voltar a vencer já em 2015, mas nada garante que isso ocorra. E Alonso, que fez sua aposta pela Ferrari em 2009, ficou por lá 5 anos sem conseguir um título. Seu receio é embarcar agora em uma nova aposta e acabar caindo de novo no lugar "errado", enquanto os outros ganham os campeonatos. E ainda tem o mais complicado: dispor de um carro campeão não é garantia de título; se os demais também dispuserem de um carro eficiente, eles podem melar os planos de Fernando e o fazerem continuar na fila de espera.
            Com a vantagem em mãos, Ron Dennis quer um Alonso mais centrado no desenvolvimento e evolução do time, trabalhando para o crescimento de toda a escuderia, e não apenas visando seu próprio umbigo. E isso quer dizer que seu colega de equipe também irá desfrutar de todo o seu trabalho de desenvolvimento do carro e dos sistemas do motor e Ers. Foi um dos pontos que fez Alonso chiar em 2007, ao alegar que Hamilton se beneficiava de seus ajustes e que assim ele não precisava desenvolver o carro. O espanhol terá de mudar de atitude. Talvez o melhor que consiga seja manter o seu salário milionário no retorno à McLaren.
            Claro, há a alternativa de ficar um ano parado e voltar apenas em 2016. Alain Prost fez isso, e Raikkonem voltou depois de alguns anos. Mas seria um risco muito grande para o espanhol ficar de fora da competição, e podendo perder seu cartaz de piloto eficiente e completo. Não fosse seu caráter e comportamento difícil, certamente as negociações já teriam sido encerradas e conduzidas de maneira bem mais simples e tranquilas. Todos os times querem sempre ter o melhor piloto em suas estruturas. Mas, quando esse piloto também ajuda a tumultuar o ambiente desnecessariamente com seu comportamento egocêntrico e inflado, faz o time ter de repensar se a relação custo-benefício realmente compensa.
            Em outras palavras, Alonso colhe o que plantou nestes anos todos desde que foi bicampeão pela Renault em 2005 e 2006. Que saiba baixar sua crista, encarar a realidade, e recomeçar um pouco mais sereno e menos imediatista seus anseios de voltar a ser campeão da F-1. Capacidade para liderar a McLaren de volta ao topo ele tem. Se tiver a paciência e o comprometimento total, chegará lá com certeza. Depende dele iniciar essa nova etapa...

Um comentário:

Vagner Pedreira disse...

Excelente texto, com uma analise muito boa, a discordar apenas de um fato: a McLaren tem realmente os motores Mercedes, mas vale lembrar que, ela desde o ano passado é apenas uma equipe cliente, uma vez que a parceria de verdade mesmo acabou em 2012 e que também boa parte de seu corpo técnico foi para a própria Mercedes, portanto era até meio que natural esperar essas campanhas da escuderia nos dois últimos anos.
Do mais é esperar e ver o que de fato irá acontecer na próxima temporada!