Apesar
de estar presenciando uma disputa ferrenha pelo título da temporada entre os
pilotos da equipe Mercedes, Lewis Hamilton e Nico Rosberg, onde o time
praticamente domina a temporada de cabo a rabo, a Fórmula vai terminar o ano
com um problema que só tende a se agravar: perda de carros no grid. Caterham e
Marussia conseguiram uma dispensa para não participarem das etapas dos Estados
Unidos e do Brasil, devido às suas delicadas situações financeiras, o que
deixará o grid com apenas 18 carros. Em teoria, devem estar de volta em Abu
Dhabi, mas não acredito nisso. E muito menos para 2015. Os torcedores que se
acostumem com o menor grid da categoria máxima do automobilismo...
Em
2005, a
equipe BAR foi punida por uma irregularidade em seus carros e suspensa por duas
corridas, o que deixou o grid à epoca com apenas 18 carros nestas duas etapas. E
ainda posso citar o Grande Prêmio dos Estados Unidos daquela temporada, onde os
carros equipados com pneus da Michelin tiveram problemas de durabilidade dos
compostos e não participaram da corrida, que teve apenas 6 carros. Foram,
contudo, situações excepcionais, o que não é o caso agora. Hoje, quando os
carros entrarem na pista, serão apenas 18 pilotos, daqui de Austin, até o fim
do ano, em Yas Marina, em Abu Dhabi. E a situação pode se agravar...
Se
a situação dos times "nanicos" nunca foi fácil, agora até os times médios
estão em situação financeira complicada. A próxima "vítima" pode ser
a Sauber, que vem tendo sua pior temporada desde que estreou na F-1, e não
conseguiu sequer pontuar este ano. Com poucos patrocínios, a maior parte deles
proveniente da presença do mexicano Esteban Gutiérrez, que é apoiado pelo
magnata Carlos Slim, a escuderia suíça pode acabar sendo a próxima a
desaparecer, o que deixaria o grid com apenas 16 carros. Outros times que estão
no aperto são Lotus e Force India, embora estes afirmem que já estão garantidos
no campeonato do próximo ano.
Com
a diminuição para menos de 20 carros, Bernie Ecclestone terá problemas, pois
seu contrato da FOM com a FIA e promotores dos GPs garante um mínimo de 20
monopostos regulares no grid. Para este ano, em virtude da excepcionalidade,
sem problemas. Mas, se em 2015 apontarem apenas 18 carros, a condição não
cumprida poderia dar causa de rescisão de contrato. E isso teria condições
catastróficas para o cartola, que poderia perder completamente o controle da
F-1. E uma das possibilidades para se voltar a encher o grid seria os times
grandes adotarem um terceiro carro no grid. Essa possibilidade, aliás, já
consta das condições do atual Pacto de Concórdia, acordo que regula os deveres,
direitos e obrigações dos times para com a organização da F-1, que diz que os
times "grandes" poderão ser obrigados a alinhar um terceiro carro
caso o número de competidores baixe a menos de 20 carros por grid.
Se,
por exemplo, Mercedes, Red Bull, Ferrari e McLaren disponibilizarem um carro
extra, voltaríamos a ter 22 carros, número que atenderia à cláusula de
participação. Para os torcedores, seria interessante ver os carros dos times
maiores competirem com 3 pilotos. Não é uma situação inédita na categoria: a própria
Mercedes, quando estreou na F-1 em 1954, já alinhou 3 pilotos no grid em tempo
integral. Só a partir dos anos 1980 as escuderias ficaram limitadas a alinhar
no máximo 2 carros, e havia times que só alinhavam 1 carro, por suas limitações
financeiras. Para os torcedores, mais vale ter 3 carros de uma Mercedes
disputando a corrida do que ver times como Marussia e Caterham se arrastando
pela pista. Pela mesma ótica de Ecclestone, times menores são um
"estorvo" e, em palavras mais fortes, "um bando de aventureiros
que só denigre a imagem da categoria". Há tempos Bernie não nutre a menor
simpatia pelos times menores, que na sua opinião só estão na F-1 para arrancar
dinheiro das cotas de TV que são distribuídas. A situação é mais complexa do
que isto.
Não
nego que gostaria de ver os times terem liberdade para competir com 3 carros. Mas
isso deveria ser uma opção deles, não uma imposição para apenas comporem o grid
a fim de livrarem a cara da FOM. Por mais que seja interessante para a torcida,
sua implantação não é vista com bons olhos pelas próprias escuderias, e tal
medida pode também ajudar a complicar a própria imagem da F-1 como um todo, além
de poder gerar outros abandonos.
Há
toda uma estrutura dentro das escuderias destinada a garantir o suporte de um
carro. Engenheiros, mecânicos, auxiliares, um determinado número de pessoas
cuja função é prestar o apoio e desenvolvimento. Os times alegam que o custo de
introdução e manutenção do terceiro carro seria superior a 30 milhões de euros,
e sua implementação levaria pelo menos 6 meses, para planejar e coordenar todo
o empreendimento, de modo que todos os 3 bólidos tivessem condições iguais de
performance e suporte. Com o campeonato de 2015 iniciando-se em março de 2015, já
teremos menos de 5 meses para tal procedimento. Obrigar os times a alinharem um
terceiro carro agora certamente iria complicar todo o seu cronograma. Conseguir
colocar um carro a mais eles conseguem, mas nada garante que possam dar de início
todo o suporte e desenvolvimento adequado. E isso poderia comprometer também o
desenvolvimento dos tradicionais 2 carros. Colocar ainda mais gente para
apressar todo o procedimento geraria mais custos, e mesmo quem tem orçamento
sem limitações não anda interessado em ver os custos aumentarem ainda mais.
Outro
problema a ser gerado com o terceiro carro é que este novo bólido aumentaria a
presença na escuderia na pista, diminuindo a chance de um concorrente. Imaginemos
que a Mercedes coloque 3 carros e estes seus pilotos façam uma trinca em uma
corrida? Eles praticamente monopolizariam o pódio. Na competição de
construtores, teriam 1/3 mais chances de pontuar, e com isso, desnivelar ainda
mais a competição. Atualmente, são 10 pilotos a marcarem pontos. Mas por muito
tempo, apenas os 6 primeiros marcavam. Se ainda fosse assim, imaginem um time
ocupar metade dos lugares pontuáveis, e outro time ocupar os outros 3
restantes. Todos os demais ficariam a ver navios. Nos velho tempos, uma vez que
os carros quebravam muito, havia certa alternância em quem pontuava pois sempre
haviam quebras. Nos dias atuais, com as regras de durabilidade dos sistemas,
corridas onde não há nenhum ou quase nenhum abandono passaram a ser comuns, de
modo que carros mais lentos não têm mais chances de conseguirem algum bom
resultado apostando na confiabilidade maior de seus carros sobre os mais rápidos.
Se
colocarmos 3 carros para Mercedes, Ferrari, Red Bull, e McLaren, imaginemos a
possibilidade deles monopolizarem as 12 primeiras posições ao final de uma
corrida. Certo, hoje a Williams está melhor do que a McLaren, mas como suas
finanças atuais não são as mesmas destes quatro times citados, eles teriam
muito mais dificuldades de alinhar um terceiro carro, mas se o pudessem fazer,
as chances de abocanharem as 15 primeiras posições seria imensa. E o que fariam
os demais times, impossibilitados de encarar esta competição desnivelada? Pontuar
seria impossível, e ainda só levando os times que colocassem 3 carros, Williams
inclusa, pelo menos 5 deles estariam fadados a não pontuar. A disputa do
campeonato de construtores criaria uma distorção que deixaria os times com
apenas 2 carros totalmente sem chances de competir com os demais. E como as
premiações que mais interessam aos times é a dada pela sua posição final no
campeonato, os times de 3 carros abocanhariam todos os maiores prêmios,
deixando a equipes de 2 carros à míngua com os prêmios menores.
Fala-se
em que este terceiro carro, caso implantado, não teria direito a contar pontos
para o campeonato de construtores. Se é uma medida para equilibrar a competição
com quem normalmente só compete com 2 carros, qual o interesse das escuderias
então em colocar o 3° carro, se não puderem capitalizar com ele? Os custos continuariam,
e sem lucro para pô-los na pista, qual a compensação para o gasto de mantê-los?
Outro detalhe interessante a ser levantado: imaginando que os times concordem
com o 3° carro contando apenas pontos para o mundial de pilotos, ele seria fixo
ou "rotativo"? Se fixo, desde o início, e por todo o campeonato, um
piloto já não contaria pontos para o mundial de construtores do time. Mas, e se
acaso justamente esse piloto for o que obtiver os melhores resultados do time? Seria
um desperdício e tanto para a escuderia. Tentem imaginar a Red Bull deste ano
com Daniel Ricciado, Sebastian Vettel, e Mark Webber, e supondo que Daniel
tivesse o desempenho que mostrou e, como "novato" do time, ficar de
fora da pontuação de construtores? O prejuízo da Red Bull na competição seria
grande. E, se o carro de um time a não marcar pontos fosse "rotativo",
determinado assim como aquele que terminar na pior colocação em uma corrida? Talvez
fosse mais justo, mas depende do ponto de vista. Se ele terminar numa posição
pontuável, os pontos de sua posição passam para quem vem a seguir? Ou a colocação
fica "sem pontos" de construtores para ninguém, uma espécie de
"carro fantasma"? De um jeito ou outro, todos estes detalhes terão de
ser regulados explicitamente pelo regulamento, e já posso afirmar de antemão
que não vai dar para agradar a todos: sempre alguém irá reclamar da posição
adotada, seja ela a mais justa ou não.
E
a disputa na pista? Como ficaria? Imaginemos a Mercedes, como está este ano,
disputando o título com seus 3 pilotos? Se com dois, ela já está tendo
problemas para gerenciar o ego e os atritos causados pela competição,
imaginemos se ainda tivesse outro piloto no mesmo nível, e batalhando também
pelo título? Poderia ser o máximo, não? Um massacre generalizado da concorrência,
para desespero destes. Para quem acompanha as disputas de fora da pista, seria
muito legal, e a chance de se assistir a duelos pra lá de renhidos e
emocionantes. Mas também há o reverso da história: com o jogo de equipe
liberado, o que impediria um time de ter o seu "eleito", e fazer com
que seus outros dois pilotos ficassem na pista apenas "bloqueando" os
adversários, como Eddie Irvinne tinha como obrigação primordial fazer quando
era parceiro de Michael Schumacher na Ferrari nos anos de 1996 a 1999? Isso seria
prejudicial à competição, no sentido de que haveria dois pilotos na pista
alijados da luta por melhores posições, mesmo que tivessem talento inferior ao
do piloto principal. Imaginem Fernando Alonso na Ferrari tendo como escudeiros
Felipe Massa e Rubens Barrichello, só para exemplificar...apenas o espanhol
colheria bons resultados, em tese, ficando seus companheiros de equipe com as
sobras, mesmo quando tivessem condições plenas de andar à sua frente, pela política
tacanha que o time italiano gosta de seguir. E ter dois pilotos na pista apenas
para comboiar o principal não ajudaria na imagem de competição da categoria. O
público quer é disputa na pista, não conduções burocratas. Saber que em um time
dois de seus 3 pilotos correm sob ordens só ajudaria a trazer descrédito. Imaginem
se os 5 times citados acima estipulassem tal conduta? Dos 15 pilotos, apenas 5
dariam as cartas, sobrando os restantes 10 para resolver o assunto entre eles.
Outro
detalhe importante a ser considerado: com 3 carros na pista ao invés de 2, o
custo dos patrocínios subiria, pela evidente necessidade de se manter um carro
a mais. Todos os patrocinadores concordariam com os valores mais altos? Tem
quem toparia, outros, entretanto, não aceitariam pagar mais, seja por não
poderem, ou, mesmo podendo, não concordarem com a imposição, acreditando já
estarem gastando o suficiente. E, com a economia mundial ainda devagar,
patrocinadores andam escassos, e quem sentir que a conta está muito alta, vai
procurar lugares mais baratos e com melhor relação custo-benefício para
investir. E essa relação custo-benefício também pode prejudicar os times da F-1
que continuarem com 2 carros. Com os times grandes concentrando mais pilotos,
obviamente a TV vai se concentrar cada vez mais neles, enquanto os demais
times, à medida que forem perdendo exposição, tenderão a perder também
patrocinadores, ou a não conseguir deles cobrar os mesmos valores de antes.
Com
menos valor de patrocínio, estes times tenderão a perder condições de manterem
a estrutura ideal de competição, perdendo profissionais para times maiores, ou
sem poderem investir o necessário para desenvolver seus carros. E, com menos
performance, a chance de ficarem para trás na classificação de construtores
renderá menos premiação ao fim da temporada, com os times grandes de 3 carros
monopolizando os melhores prêmios. Poderá chegar um momento onde os
patrocinadores, cientes de que os times de dois carros não dão condições de boa
exposição de suas marcas, abandonarão estas escuderias, migrando para os times
grandes, aumentando ainda mais a concentração de patrocínios em poucas equipes.
E, sem patrocínios e condições de competição, estes times tenderão a fechar ou
migrar para outros certames. Seria um golpe fatal para a atratividade da F-1.
Muitos
podem dizer que é melhor vários carros de times de ponta do que ver carros
pequenos ou médios competindo, mas, conforme já falei acima, isso é muito mais
complicado do que se imagina. Se os times que ficarem restritos a 2 carros saírem
ou fecharem, imaginemos a F-1 com apenas 5 escuderias: tendo 3 carros cada um,
o grid teria apenas 15 carros. O que a categoria faria então para encher o grid
novamente? Forçar os times a terem 4 carros? Seria o caminho lógico, mas se
competir com 3 carros já será difícil, colocar 4 carros ficará ainda mais
complicado. E não vale dizer que há categorias como a Indy Racing League, onde
o time da Andretti Autosport compete há anos com 4 carros e 4 pilotos em tempo
integral, e onde a Penske correu este ano com 3 pilotos, e em 2015 correrá também
com 4 carros e pilotos. As condições dos campeonatos são diferentes. Na IRL
todos os times correm com o mesmo tipo de equipamento, chassi Dallara e pneus
da Firestone. Há apenas duas opções de motor, Honda e Chevrolet. Cada time
desenvolve o seu carro, é verdade, mas os custos são bem menores e há uma série
de restrições, visando manter a competitividade da categoria dentro de parâmetros
menos desnivelados. Tais condições não se encontram na F-1, infelizmente, para
se adotar o mesmo tipo de exigência de competição com tantos carros em uma
mesma escuderia.
Mesmo
nos velhos tempos, em que houve times competindo até com 4 carros na F-1, os
tempos eram outros. Os custos eram infinitamente menores do que os de hoje, e
mesmo assim, não era prática tão corriqueira como se pensa. Apenas um ou outro
time, como por exemplo Ferrari, Lotus, BRM, ou outro, chegavam a fazer este
tipo de procedimento, e ainda assim, muitos não competiam a tempo integral com
tantos carros durante todo o campeonato. E se naquela época, onde as exigências
de competição eram mais acessíveis, não faziam isso todo o tempo, nos dias de
hoje, com os custos estratosféricos necessários para se manter uma estrutura de
ponta, seria praticamente inviável.
Outro
problema adicional ainda seria escolher qual time teria a obrigação de colocar
um terceiro carro. A expressão time "grande" poderia ser entendida de
mais de uma maneira: se aqueles mais bem colocados no campeonato, ou aqueles
dotados de maior estrutura. Mas quem garante que, mesmo tendo condições, as
escuderias queiram colocar mais um carro na pista? O fariam a contragosto,
certamente, o que só prejudicaria as condições de competição deste terceiro
carro. A Williams faz um excelente campeonato, e possui uma excelente estrutura
em sua sede, em Grove, mas dispõe de orçamento para bancar mais um carro? O
time ainda passou por vários campeonatos de poucos resultados, e seus patrocínios,
se são bons neste ano, não podem ser extrapolados apenas para colocar mais um
carro. E mesmo a McLaren, que possui uma sede de fazer inveja em Woking, e
aparentemente não tem problemas orçamentários com a nova parceria com a Honda,
está correndo este ano com seus carros praticamente virgens de patrocínio, que
mais cedo ou mais tarde afetariam suas finanças. Dizem que "querer é
poder", mas no automobilismo esse ditado não tem força, pois muita gente
neste mundo da velocidade "quer", mas "poder" e conseguir,
são outros quinhentos...
A
Fórmula 1 tem problemas pela frente, e não a simples exigência de alguns times
colocarem um terceiro carro que eles serão resolvidos. Voltarei a esse assunto
nas próximas colunas...