sexta-feira, 26 de setembro de 2014

BOM SENSO, CÂMBIO...


As escuderias da F-1 usam o rádio para instruir o piloto sobre como ajustar o carro. E, olhando este volante da equipe Sauber, dá para se ter uma idéia de que isso não é nada simples. Imagine então sem a comunicação de rádio...

            Na coluna da semana passada, o assunto tratado era a nova regra imposta pela FIA no campeonato mundial de F-1, resolvendo acabar com as "ajudas" que os pilotos da categoria recebem na condução de seus bólidos, recebendo instruções dos engenheiros de box a todo instante. E esta semana, volto ao mesmo assunto, com os desdobramentos da discussão. Mostrando um pouco de bom senso, eis que a Federação Internacional de Automobilismo resolveu voltar parcialmente atrás em sua nova e estabanada regra de proibição de conversas no rádio entre equipes e pilotos durante treinos e corridas na F-1. Reuniões com times e pilotos, além do tradicional briefing destes com Charlie Whiting em Cingapura conseguiram enfiar um pouco de sensatez na entidade, que ao voltar atrás em vários pontos da nova regra, apesar de se mostrar assim ainda mais desacreditada, por mostrar que tentou implantar uma regra sem conhecer todas as suas consequências, fez o certo.
            Continuam proibidas informações que dêem ajuda na pilotagem como indicações de marcha, traçados, etc, que melhorem diretamente a performance do piloto. Informações sobre as condições técnicas do carro estão liberadas. Mas para o próximo ano, a tendência é que a FIA volte a apertar o cerco do que poderá ou não ser discutido via rádio entre escuderias e pilotos. Isso ainda vai ser debatido e discutido melhor, o que já é muito mais do que a entidade fez do GP da Itália até a prova de Cingapura, impondo a proibição praticamente na base da canetada.
            Continuo na posição firme de que não se deve mudar as regras durante o campeonato, assim, mesmo a proibição amenizada para as corridas finais não me agrada, pelos motivos de descrédito que isso gera, e pela sensação de que mudar as regras durante a competição sempre irá beneficiar alguns e prejudicar outros, e com isso, torna-se algo totalmente desleal no aspecto esportivo. A proibição das conversas de rádio, defendida por mim, é o caminho mais correto para se eliminar a celeuma. Mas há detalhes complicados a serem considerados.
            Jenson Button, defendendo o fim das ajudas do rádio, deu um argumento importante, ao afirmar que os pilotos jovens que entram na F-1 recebem ajudas demais, e com isso, não ganham a importante experiência de saber o que fazer em determinados momentos, afirmando que errando é que se aprende. Ao receberem as informações "prontas", estes pilotos não compreendem às vezes as razões de fazer manobra "X" ou "Y", dependendo da situação. Ele está certo. Recebendo informações a toda hora, estes pilotos podem se acostumar a pilotar assim, e ao ficarem sem dados, podem literalmente ficar perdidos na condução em alta velocidade. Da mesma forma, os pilotos precisam aprender a "enxergar" a corrida, decidirem por si mesmos de acordo com seus instintos e, principalmente, experiência de pilotagem. Ao ditarem o que os pilotos devem ou não fazer, os engenheiros estariam criando uma dependência perigosa para estes pilotos, que deixariam de crescer como profissionais, ou ficariam muito limitados.
            Felipe Massa, em sua defesa das comunicações de rádio, frisou outro ponto crucial na situação: a segurança. A complexidade dos sistemas atuais dos carros demanda um grau de informação a que os pilotos não tem condições de buscarem e ajustarem a todo instante, e ao dividir tanto as atenções com informações do comportamento do carro, podem cometer deslizes na pilotagem, podendo até gerar um acidente por distração ou conflito de informação, como por exemplo, em disputa de posição, onde a atenção ao seu redor tem de ser total, podendo ficar seriamente comprometida se tiver de fazer ajustes no carro e ainda buscar os dados do ajuste a ser feito. Felizmente, as informações a respeito dos detalhes técnicos continuam liberadas.
            Este detalhe, por incrível que pareça, vai ser o grande complicador da proibição de conversas do rádio. Não é segredo para ninguém que a F-1 usa da mais alta tecnologia de construção de carros de corrida. Mesmo com as várias limitações existentes sobre uma série de sistemas que já chegou a utilizar e que hoje são proibidos, como suspensões ativas, diferenciais autoblocantes, e câmbios completamente automáticos, os carros carregam uma eletrônica embarcada impressionante, sendo que há anos muitos chamam os carros de "computadores sobre rodas". Não é um mero eufemismo. Nos boxes, existe um grupo de engenheiros cuja função é observar e analisar todos os dados dos carros. Sentados geralmente lado a lado em uma mesa, são vários indivíduos, todos com um computador na frente, desempenhando esta funçao: o fluxo de dados enviado em tempo real pelos inúmeros sensores instalados nos bólidos é tal que cada engenheiro fica responsável por acompanhar apenas determinado setor do carro. Imaginem repassar tal volume de informação para o piloto. É muita, muita coisa.
            Certo, boa parte destas informações, a grosso modo, poderia parecer grego para o piloto. Então, o que os engenheiros fazem é "traduzir" todos aqueles dados em poucas palavras, a fim de simplesmente relatar o que é essencial: Há um problema? O carro está OK? Como está o desgaste dos pneus, ou freios, etc? E, caso necessário, o que fazer para solucionar ou evitar algum mal funcionamento? Com a proibição do sistema bidirecional de telemetria, adotado já há vários anos, todos os ajustes necessários passaram a ser feitos pelo piloto, através do volante, que foi ganhando botões a torto e a direito. E, com as instruções recebidas do box, o piloto efetua o ajuste requisitado. Com a telemetria bidirecional, os engenheiros ajustavam os sistemas do carro e motor on-line do box, dispensando o piloto de ter de fazer este serviço. A proibição, para evitar possíveis manipulações durante a corrida que violassem o espírito esportivo, além de servir ao regulamento que proíbe "ajuda" na pilotagem, tinha um aspecto fundamental de segurança, que era evitar que algum ajuste pudesse pegar o piloto de surpresa de modo a este ter o controle do carro posto em perigo, causando um possível acidente.
            Nos velhos tempos, com os carros sendo puramente mecânicos, os pilotos sabiam "sentir" o comportamento do bólido, e pela experiência e conhecimento, identificar boa parte dos problemas e saber o que fazer, se não para resolver, minimizar. Quem tinha bom conhecimento de mecânica, então, tinha uma grande arma nas mãos em relação aos concorrentes, sabendo driblar percalços que surgiam, dependendo da situação. Isso ficou bem difícil de ser feito atualmente, pois não dá para "sentir" os sistemas eletrônicos do carro, como se faz com a mecânica. Daí a necessidade do fornecimento dos dados da telemetria.
            A situação, que já era complicada, ficou ainda pior este ano. Os novos sistemas de recuperação de energia implantados, bem como a nova eletrônica de gerenciamento de equipamentos integrados aos novos motores adotados exigiram um aumento considerável do monitoramento de dados nos bólidos. E tentar repassar estes dados aos pilotos tornou-se mais indispensável do que nunca, não apenas para melhorar sua performance, mas tentar manter o piloto na competição, uma vez que a complexidade dos novos aparatos, devido ao pouco tempo dos testes da pré-temporada, não permitiu aos times destrincharem todas as possibilidades de ajustes e desenvolvimento.
            Criou-se também uma "divisão" entre as equipes. Algumas escuderias mantiveram em seus volantes telas onde os pilotos podem acessar várias informações do comportamento do carro e seus sistemas. Mesmo assim, dependendo do tipo de informação, pode ser necessário ao piloto "mover" a tela em exibição na janela, uma vez que são tantos dados que não há como serem exibidos todos ao mesmo tempo. Mas alguns times, que preferiram repassar todos os dados via rádio, reduziram as telas dos volantes ao mínimo, para darem apenas um tipo ou outro de informação, ou até exibirem apenas um dado por vez. Para estes times, ou não tem como repassar a informação necessária pela tela do volante, ou o piloto tem de "caçar" a informação, mudando os dados exibidos, até achar o dado necessário no momento. Se o acúmulo de dados disponíveis já torna o processo penoso para as escuderias que dispõem de telas "grandes" nos volantes, quem tem uma tela "básica" e/ou "pequena", torna-se o inferno, com o piloto passando mais tempo procurando uma informação do que pilotando o carro.
            Assim, do jeito como a FIA queria implantar a proibição, banindo até as informações técnicas que ajudassem a manter o nível de pilotagem, obviamente os times com estas telas pequenas sairiam claramente prejudicados. E mesmo os times com volantes dotados de telas maiores também teriam seus problemas, ainda que em menor grau do que os outros. Felizmente, o recuo da entidade elimina esse risco, pelo menos até o fim do campeonato. Para o ano que vem, se quiser proibir este tipo de informação, os times precisarão mudar seus métodos de comunicação de dados. E pode ser necessário mudar até mesmo o gerenciamento dos sistemas eletrônicos, de modo que o piloto possa receber os dados direto do próprio carro e fazer os ajustes necessários ele mesmo. Isso implicará em criar um esquema de informação com dados simplificados que possam ser entendidos de imediato pelo piloto, de forma que perca o mínimo de tempo compreendendo os dados e sabendo que tipo de ajuste precisará ser feito nos sistemas do bólido. Times e pilotos precisarão treinar bem para usar este tipo de procedimento. Não será algo a ser dominado em poucas semanas. Pode levar meses. O ponto positivo é que em 2015 os times terão todos os dados desta temporada como experiência positiva dos novos sistemas que foram implantados, portanto, será uma tecnologia bem mais conhecida e desenvolvida, o que deve permitir eliminar alguns imprevistos, reduzindo as áreas que precisem de atenção e ajustes durante treinos e corridas.
            Mesmo assim, a regra ainda precisa ser melhor esclarecida. A FIA precisa estudar como deixar a proibição do contato pelo rádio mais precisa e objetiva, assim como estabelecer critérios para o seu descumprimento. E quanto antes fizer isso, melhor, para se evitar situações que podem levar a punições equivocadas, bem como interpretações erradas do que se pode ou não fazer. Para não mencionar evitar se desgastar ainda mais perante o público, e evitar constrangimentos e perda de credibilidade, ainda mais que a imagem da F-1 não anda nos seus melhores dias. Transparência, objetividade, e mais competência na condução da categoria ajudariam muito a reverter a imagem negativa da politicagem que impera na F-1, e deixaria o aspecto esportivo voltar a sobressair.
            A FIA, claro, não é boba nem ignorante. Mas, por vezes, parece não saber conduzir as coisas como se deveria. E tem o hábito de não ouvir adequadamente o público da F-1, de modo que "pérolas" como essa implantação aos trancos e barrancos da proibição de rádio deveriam ser apenas um ponto fora da curva, mas que tem sido muito mais frequente do que deveria ser, ainda mais em um esporte que se gaba do seu "superprofissionalismo" aos quatro ventos. Mais ponderação e bom senso na tomada de decisões viriam a calhar. Alguém na FIA pode ouvir isso? BOM SENSO, CÂMBIO...


Lewis Hamilton largou na frente e venceu depois de dar um show de performance após a intervenção do safety car. O inglês reassume a liderança da competição, e promete vir com tudo para ser bicampeão.
Lewis Hamilton teve em Cingapura a corrida dos seus sonhos. Além de largar na pole e vencer, mesmo que tenha dado duro para fazer isso, como o fez, ainda teve o prazer de ver seu companheiro de equipe, Nico Rosberg, abandonar a corrida com problemas na comunicação do volante do seu carro com os sistemas eletrônicos do bólido. Assim, o que era uma desvantagem de 22 pontos, virou a liderança do campeonato, com 3 pontos de vantagem para o piloto alemão. Hamilton reassume a dianteira no melhor momento possível, mas sabe que não pode relaxar e baixar a guarda. Rosberg continua logo ali, e pode reverter a situação, dependendo do que acontecer nas próximas corridas. Mas a bola, por enquanto, está toda com Hamilton, e a julgar pela cara de Rosberg no paddock de Cingapura após seu abandono, é hora do piloto alemão colocar à prova sua frieza e inteligência, tão propagadas como suas principais virtudes como piloto. Se Nico acusar o golpe, suas expectativas de finalmente ser campeão podem sofrer um grande revés. Hamilton, por sua vez, vai procurar não dar chance para uma reação do companheiro, e começa a ganhar cada vez mais ares de favorito ao bicampeonato...


Um exemplo de como o excesso de eletrônica hoje nos carros de F-1 pode fazer toda a diferença na performance do carro: O problema que arruinou a prova de Nico Rosberg em Cingapura foi causado por um cabo rompido que conectava o volante aos sistemas eletrônicos do seu bólido. E, com todos os controles hoje no volante, sem a peça conseguir se comunicar com o restante do carro adequadamente, não havia como reverter a situação. Rosberg estava com problema até para competir com os carros da Marussia e Caterham, virando 5s mais lento que o parceiro, e fatalmente, iria terminar a corrida com várias voltas de desvantagem se continuasse na pista, presumindo que a falha não afetasse ainda mais os sistemas, nem comprometesse a fiabilidade. Não havia o que o piloto pudesse fazer para resolver o problema, infelizmente, como se viu em sua parada de box, quando simplesmente não conseguiu mais engatar marcha alguma, não conseguindo nem mesmo sair de volta para a pista.

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